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Quando ousamos existir: itinerários fotobiográficos do Movimento LGBTI brasileiro (1978-2018) | Marcio Caetano, Alexsandro Rodrigues, Cláudio Nascimento e Treyce Ellen Goulart
“Mas nós também estamos onde a mira não alcança, porque embora não haja exílio há fuga” (MOMBAÇA, 2021: 16)
Com o objetivo de “provocar a memória do ativismo LGBTI” (2018, p. 8) é que emerge a obra “Quando ousamos existir: itinerários fotobiográficos do Movimento LGBTI brasileiro (1978- 2018)”, organizado pelos/as pesquisadores/as Marcio Caetano, Alexsando Rodrigues e Treyce Ellen Goulart, e pelo ativista Cláudio Nascimento. A obra emerge em um momento visceral da sociedade brasileira, onde desde 2019, a partir da eleição do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, de extrema-direita, vive-se um contínuo processo de ataque a algumas conquistas sociais e políticas destinadas à população LGBT, até então percebidos como direitos consolidados, bem como um recrudescimento de pautas antidemocráticas e anti-inclusivas que, agravado pelo complexo cenário político-pandêmico, atingem diretamente minorias sexuais, raciais e de gênero (OLIVEIRA et al., 2020). É diante de tal contexto que a obra revela mais do que nunca sua importância e atualidade. Em um país que faz questão de negar sua história, recordar é resistir!
Enquanto obra comemorativa que faz menção aos 40 anos de existência de movimentos sociais LGBT no Brasil – tomando como marco a criação do Grupo Somos em 1978 –, é uma ode à multiplicidade, aos diferentes modos de fazer ativismos, às dinâmicas e plurais estratégias de resistência. Nesse sentido, sem abrir mão de uma perspectiva histórica, que de modo algum resvala em um historicismo vazio, os/as organizadores/as resgatam alguns eventos que marcam a história do movimento social LGBT desde a década de 1970, sem perder de vista a pluralidade de experiências e de formas de existir e resistir que estão para além de marcações temporais. Afinal, em uma sociedade (como a brasileira) tão marcada por eventos e práticas que atestam seu caráter autoritário, racista, misógino, lgbtfóbico (SCHWARCZ, 2019) há que reconhecer
a existência resistente de inúmeras iniciativas, antes mesmo da emergência de qualquer sigla que hoje as nomeia, e dar corpo político ao movimento social. As corporalidades lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais, nem sempre se autonomeando com essas categorias recentes do ativismo, desafiaram e desafiam os padrões de normalidade de gênero e as expectativas de coerência heteronormativa entre sexo-gênero-orientação sexual. (2018: 10).
Em termos metodológicos, por meio de estilo criativo e experimental, utilizando-se do entrecruzamento entre imagens e narrativas, denominada pelos/as organizadores/as de fotobiografia, histórias, trajetórias, cenários e enredos são rizomaticamente tecidos e (re)significados. Em cena, uma metodologia polissêmica e polifônica que evoca a plasticidade e a incompletude, tanto de sujeitos e coletivos (e suas respectivas narrativas) quanto de seus ativismos sociais, apontando para sua contínua capacidade de refazimento. Tal perspectiva metodológica evidencia a sempre inacabada agência humana e a precariedade e parcialidade de nossos fazeres e saberes (HARAWAY, 1995), revelando, desta forma, a impossibilidade de singularizar aquilo que é da ordem do plural – não por acaso os/as organizadores/as e os/as autores/as falem em ativismos.
A partir de tais pressupostos é que somos apresentados às contribuições de mais de trinta pesquisadores/as e ativistas com grande representatividade geracional, dentre eles/as: James Green, Marisa Fernandes, Luiz Mott, Marcos Ribeiro de Melo, Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa e Michele de Freitas Faria de Vasconcelos, Carolina Maia, Júlio Assis Simões, John McCarthy, Rita Rodrigues, Cristina Câmara, Vagner de Almeida, Jorge Caê Rodrigues, Megg Rayara Gomes de Oliveira, Anderson Ferrari, Toni Reis, Jovanna Cardoso da Silva, Augusto Andrade, Treyce Ellen Goulart, Carolina Maia, Edmeire Exaltação, Jussara Carneiro Costa, Beth Fernandes, Irina Karla Bacci, Luiz Carlos Barros de Freitas, Cláudio Nascimento Silva, Moacir Lopes de Camargos, Cláudio Nascimento Silva, Ana Cristina Conceição Santos (Negra Cris), Émerson Santos, Cleyton Feitosa, Claudia Penalvo, Diego Cotta, e Roger Raupp Rios.
As questões elencadas pelos/as autores/as são de grande relevância político-social e apontam para os diversos modos de fazer ativismo, e de fazer-se ativista. Não por acaso se tornem evidentes as distintas percepções sobre a própria história do movimento social LGBT, fazendo com que eventos comumente compartilhados sejam narrados a partir de diferentes perspectivas.
Em nosso exercício analítico, a partir da leitura da contribuição dos/as diferentes autores/as, é possível traçar alguns eixos centrais de articulação: Marcadores sociais de diferença, Direitos Humanos, Redes de Apoio e Solidariedade e Ações político- culturais.1 Vale pontuar que os temas e problemáticas inseridos em cada eixo não se esgotam em si mesmos, antes se transversalizam. Nesse sentido, as alocações por eixo temático que estabelecemos não se preocuparam em obedecer a ordem sequencial em que os capítulos estão dispostos no interior da obra.
Com relação ao primeiro eixo, Marcadores Sociais de Diferença, é possível destacar as contribuições de Green acerca da importância da política de solidariedade entre o movimento LGBTI e o movimento negro e operário em seus primórdios (2018: 12); de Fernandes, sobre as alianças entre o Movimento Negro, o de Homossexuais e o Feminista Lésbico (2018: 17); de Exaltação, sobre a importância do Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro (COLERJ) para as mulheres lésbicas negras (2018: 116); e, por fim, de Santos (Negra Cris)sobre a importância da criação da Rede AfroLGBTpara a emergência de um ativismo interseccional (2018: 159).
Quanto ao segundo eixo, Direitos Humanos, chama(m) a atenção o(s) trabalho(s) de: Mott, que destaca a importância da criação e das ações do Grupo Gay da Bahia (GGB) (2018: 22); de Melo, Costa e Vasconcelos, que se referem à criação e ao trabalho do coletivo Dialogay em Sergipe (2018: 27);de Simões, que reflete sobre a importância das ações coletivas para o enfrentamento das violências policiais na cidade de São Paulo no período da ditadura (2018: 39);de Rodrigues, que discorre sobre as lutas em torno da despatologização da homossexualidade (2018: 48); de Câmara, destaca a importância da atuação da ONG Triângulo Rosa, e de João de Souza Mascarenhas na Constituinte e suas respectivas lutas pela despatologização, pelo enfrentamento da violência e pelo direito à saúde (2018: 54); de Silva, que apresenta a Conferência de Durban como um dos grandes marcos na luta contra a discriminação racial e orientação sexual (2018: 141); de Silva, que ressalta a importância do Plano Brasil sem Homofobia para uma política pública democrática e inclusiva (2018: 154); de Santos, que pondera a cerca dos desafios e da importância da aproximação entre o Movimento LGBTI do Poder Legislativo (2018:163); de Feitosa, que destaca o protagonismo das Conferências Nacionais para a consolidação de um ativismo cidadão LGBT (2018: 170); de Penalvo, que discorre sobre os avanços e os dilemas que atravessam a Diversidade Sexual na escola (2018: 174); de Cotta, que apresenta os entraves para a consolidação de um “Rio Sem Homofobia” (2018:180); e, por fim, de Raupp Rios, que por meio de um exercício fotobiográfico, traça uma genealogia da cidadania LGBTI no âmbito da justiça no Brasil (2018: 184).
No que se refere ao terceiro eixo, Redes de Apoio e Solidariedade, destaque para as reflexões de Maia em torno da importância da criação e circulação de boletins e revistas para o segmento lésbico (2018: 35); de McCarthy, sobre a constituição do Grupo Arco Íris (2018: 43); de Rodrigues, sobre a importância dos periódicos LGBT (2018:66); de Reis, acerca da história do movimento homossexual no Brasil (2018: 83); de Oliveira, sobre a emergência do movimento nacional de Travestis e Transexuais (2018:72); de Silva, acerca da importância da ONG Astral para o Movimento Trans (2018: 92); de Maia, sobre a importância do Seminário Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais (2018: 112); de Fernandes, sobre o trabalho desenvolvido pela ONG Astral em Goiânia em torno da luta pela cidadania trans (2018: 125); e, por fim, Bacci, que realiza o resgate de uma memória lésbica e seu protagonismo, segundo ela, invisível, no interior do Movimento LGBTI (2018: 130).
Como último eixo, destaque para as Ações político-culturais. Neste caso, chamam a atenção as reflexões de Almeida e sua defesa da importância do que chama de ativismo cultural (2018: 61); de Ferrari, em torno do pioneirismo de eventos como o Miss Brasil Gay e RainbowFest em Juiz de Fora e sua importância para a comunidade LGBTI da região (2018: 77); de Andrade, sobre a importância da parceria da ONG Arco-Íris com a ILGA como estratégia de visibilidade para o segmento LGBTI no Brasil (2018: 100); de Goulart, sobre o valor das telenovelas e seus efeitos como ação educativa quando o assunto é diversidade sexual (2018: 107); de Costa, sobre o pioneirismo da lésbica paraibana Maria de Kalúna criação de um espaço de sociabilidade lésbica em Campina Grande (2018: 121); de Freitas, sobre o Projeto Somos e seus impactos na política de interiorização do Movimento LGBTI (2018: 135); e, por fim, de Camargos, que chama a atenção para a importância da Parada Gay de São Paulo para a visibilidade política de LGBTs (2018: 148).
É importante ressaltar que a riqueza das questões abordadas pelos/as diferentes autores/as não se esgotam no pequeno panorama por nós apresentado. Antes, uma das riquezas da obra é justamente a possibilidade de que cada leitor/a trace seu próprio percurso e também tire suas próprias conclusões. Não por acaso, possamos afirmar que “Quando ousamos existir” constitui-se como “bússola” e não como “mapa”. Ao voltar-se para o passado, nos ajuda a compreender o presente sem pretensões de apontar caminhos pré-traçados. Afinal, “[…] não lutamos para que todos sejam masculinos ou todos sejam femininos. Nós queremos que os gêneros desapareçam para que os corpos possam emergir em liberdade. Para que você seja como quiser, vista-se como quiser, seja chamado como quiser” (PAREDES, 2020: s/p).
O passado, como o hoje, é luta, resistência, (re)existência. Ao voltarmos o olhar para as configurações dos ativismos do passado, seus múltiplos cenários, seus diversos enredos, as multiplicidades de seus agentes, desejos e afetos, é para o presente e seus novos (e antigos) desafios que somos interpelados. Mas não apenas isso. Trata-se de reconhecer a luta, o suor, as lágrimas, o sangue, daqueles e daquelas que nos precederam. Tal exercício nos permite uma leitura do presente não como benesse, mas como resultado de (muita) luta.
Olharmos para o passado a fim compreendermos o presente e construirmos o futuro, é um exercício de reconhecimento de que muito já foi feito, mas que ainda há muito mais a ser conquistado. Os ataques do presente nos fazem reconhecer que os direitos e conquistas são sempre precários e incertos, ao mesmo tempo que a luta pela sua consolidação é necessária. Portanto, “Trata-se deum convite para vislumbrar como essa trajetória, longe de ser consolidada, requer reafirmação e resistência constantes, diante de novas e antigas investidas carregadas de preconceito e de intolerância. Que as vitórias conquistadas sirvam de inspiração […]” (RAUPP RIOS, 2018: 189).
Por fim, que sejamos fortalecidos/as por aquelas e aqueles que nos precederam. Que elas e eles ecoem em nossos brados inconformados no presente. Que hoje, assim como “ontem”, a força pulsante que se constrói na luta, nas alianças, nas pistas, nas ruas, nos lutos, nas encruzilhadas, nas ruínas, seja o antídoto para superação de nossas amnésias e capturas sociais, institucionais, coletivas e individuais e para o fortalecimento de novas “barricadas” (MOMBAÇA, 2021). Afinal, situados/as em um dos países do mundo que mais mata mulheres e LGBTs, que mais encarcera e mata corpos negros e pardos, que apresenta cotidianamente índices alarmantes de violência policial, que naturaliza e subestima seu racismo estrutural, “nós entendemos o recado e sabemos que vamos testemunhar [como temos testemunhado] uma época brutal, mas quais épocas não foram brutais conosco?” (MOMBAÇA, 2021: 114 – acréscimo nosso).
Nota
1 É importante ressaltar que nosso exercício de traçar tais eixos cumpre uma função eminentemente didática. Não por acaso, o modo como as problemáticas e questões são exploradas ao longo da obra revela o compromisso dos/as autores/as com uma perspectiva analítica complexa e articulada, fazendo com que, em vários momentos, os temas abordados sejam interseccionados e transversalizados.
Referências
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, 1995.
MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
OLIVEIRA, Esmael Alves de; GOMES, Aguinaldo Rodrigues; MUNIZ, Tatiane Pereira; SILVA, Jorge Augusto de Jesus. Inquietações sobre Educação e Democracia em tempos de pandemia. Revista Interinstitucional Artes de Educar, Rio de Janeiro, v. 6, p. 207-228, 2020.
PAREDES, Julieta. “Temos que construir a utopia no dia a dia”. Pública – Agência de Jornalismo Investigativo. 15 mai. 2020. Disponível em: https://apublica.org/2020/05/temos-que-construir-a-utopia-no-dia-a-dia-diz-aboliviana-julieta-paredes/Acesso em: 11 jun. 2021.
RAUPP RIOS, Roger. A Cidadania LGBTTI nos Tribunais: Artigo fotobiográfico. In: CAETANO, Marcio; RODRIGUES, Alexsandro; NASCIMENTO, Cláudio; GOULART, Treyce Ellen (org.). Quando ousamos existir: itinerários fotobiográficos do Movimento LGBTI brasileiro (1978- 2018). Tubarão: Copiart/Rio Grande: FURG, 2018. p. 184-189.
SCHWARCZ, Lilian Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
Resenhista
Esmael Alves de Oliveira – Professor Adjunto na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (FCH/UFGD). Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGAnt) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi) da UFGD. E-mail: esmael_oliveira@live.com
Referências desta Resenha
CAETANO, Marcio; RODRIGUES, Alexsandro; NASCIMENTO, Cláudio; GOULART, Treyce Ellen (Orgs.). Quando ousamos existir: itinerários fotobiográficos do Movimento LGBTI brasileiro (1978-2018). Tubarão: Copiart. Rio Grande: FURG, 2018. Resenha de: OLIVEIRA, Esmael Alves de. Entre “tiro, porrada e bomba” ou de quantas lutas se faz um movimento? Historiæ. Rio Grande, v. 13, n. 1, p. 224-230, 2022. Acessar publicação original [DR]
Black Freethinkers: a History of African American Secularism | Christopher Cameron
Christopher Cameron | Foto: UNC Charlott
Uma das características da comunidade negra dos EUA é religiosidade. Pesquisa divulgada pela Pew Research Center no início de 2021 revelou que 78% dos afro-americanos possuem uma crença religiosa, enquanto 18% se definem como sem religião, 2% como agnósticos e 1% como ateísta (MEHTA, 2021). Tal resultado é reforçado quando se pensa em figuras importantes da história dessa comunidade, como o pastor Martin Luther King Jr. (1929-1968) e o muçulmano Malcolm-X (1925-1965), líderes de movimentos socais pelos direitos civis nos anos 1950 e 1960.
Black Freethinkers: a History of African American Secularism, publicado em 2019 pelo historiador Christopher Cameron, busca ser, a partir de pesquisa histórica, um contraponto à visão de uma comunidade afro-americana essencialmente religiosa: “Os livrespensadores negros desafiam essa tendência argumentando que o ateísmo, o agnosticismo e o humanismo secular têm sido componentes centrais da vida intelectual e política negra desde o século XIX”. (CAMERON, 2019: IX) [tradução do autor]. [1] Leia Mais
Historias mestizas en el Tucumán colonial y las pampas (siglos XVII-XIX) | Silvia Ratto e Judith Farberman
Silvia Ratto e Judith Farberman | Fotos: Canal Cabildo Nacional / Blog Reidreic
Si examinamos la producción etnohistórica de las últimas décadas, constataremos que las historias de indígenas y blancos del continente americano, sin lugar a dudas, ya no pueden ser tomadas como procesos paralelos o aislados. La noción de mestizaje ha cobrado un renovado interés en diversos espacios académicos, con importantes consecuencias para la problematización de las explicaciones sostenidas hasta el momento sobre los procesos de avance colonial y estatal, así como de la asimilación, transformación, desaparición, resistencia o permanencia de las sociedades indígenas en los países latinoamericanos. A pesar de que la problemática ocupa un lugar central en otras historiografías, también es cierto que no había sido hasta ahora el objeto de un tratamiento suficientemente sistemático en Argentina. Es así que la decisión por trabajar y reflexionar sobre esta temática fue encarada por un conjunto de historiadoras y antropólogas interesadas en las diversas aristas y ámbitos históricos en los que es posible analizar los procesos de mestizaje, etnogénesis y conformación de identidades, en el marco de la línea de investigación interdisciplinaria que viene llevándose a cabo en la Universidad Nacional de Quilmes (UNQ) desde el año 2004. Leia Mais
Porto e Barra do Rio Grande: história, memória e cultura portuária | Francisco das Neves Alves
Francisco das Neves Alves | Foto: Clepul.eu
Não pretendo privar o leitor de acompanhar o percurso da exposição histórica do autor, mas ressaltar a forma a partir da qual ele tece seu texto através de vários fios. A escrita da história, ou daquilo que se costuma considerar história legítima, passou por uma profunda transformação. O historiador profissional não é o único que se dedica ao mister historiográfico. O pluralismo que hoje reina no campo nos impede de falar de uma história com “h” maiúsculo, e é comum falar-se em história múltipla. Esta mudança não é apenas em relação a quem escreve a história, mas abrange as fontes, que se tornaram também variadas.
Faço esta consideração inicial para chamar atenção para os dois volumes da obra acima citada, pois o autor não é seguidor de Ranke, já que admite vários tipos de fontes, no entanto ele também não se enquadra em uma perspectiva de construção historiográfica na qual as fontes aparecem sem uma justificada crítica [1] que enseje sua utilização. O Dr. Francisco [2] edifica sua pesquisa sobre o porto, a barra e a cidade do Rio Grande por meio de uma tessitura que envolve fontes de naturezas diversas, sem, contudo, perder-se em um emaranhado de variáveis, já que essas fontes poderiam apontar para perspectivas diferentes. Assim, ele utiliza fontes convencionais, tais como livros sobre a historiografia referente ao porto e a cidade, tanto aquela elaborada por conhecidos autores, como também trabalha obras escritas por intelectuais locais. Trabalha com jornais [3], documentos náuticos, informações de ministérios, fotografias, relatórios da Câmara Municipal, relatórios técnicos de especialistas e relatos de viajantes estrangeiros. Além das fontes, o autor utiliza imenso material analítico, que lhe permite transformar as fontes em história do porto, da barra e da cidade do Rio Grande. Leia Mais
Historiae | FURG | 2010
Historiæ (Rio Grande, 2010-) é uma publicação semestral da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), aceitando trabalhos inéditos de professores, pesquisadores, acadêmicos na área de História.
Ela é uma das mais antigas publicações científicas da FURG (Rio Grande-RS), tendo sua gênese em 1978 como Revista do Departamento de Biblioteconomia e História, título ao qual, posteriormente, foi acrescido o nome Biblos – Revista do Departamento de Biblioteconomia e História, para finalmente, em 2010, tendo em vista as próprias mudanças institucionais no seio da Universidade, passar a denominar-se Historiæ.
Periodicidade semestral.
Acesso livre.
ISSN 1519 08502
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