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História universal da destruição dos livros: das tábuas sumérias à guerra do Iraque / Fernando Báez
Quando criança, o escritor Fernando Báez, em virtude de seus pais trabalharem fora, passava grande parte de seu tempo enfurnado na biblioteca pública de São Félix, na região de Guayana, na Venezuela. Lá, em meio a imensas estantes, tinha nos livros seus únicos amigos. Até o dia em que a cheia de um rio inundou a pequena cidade onde morava, destruindo todo o acervo da biblioteca. De acordo com suas lembranças, aquela foi a primeira vez que vira um livro destruído: “Nunca me recuperei dessa terrível experiência (…) Consciente ou inconscientemente, o tema chegou a me obcecar”.
Creio ser, justamente, esta a expressão que melhor defina História universal da destruição dos livros, publicado no Brasil, em 2006. Isto porque Báez é um sujeito simplesmente obcecado por quaisquer fatos que envolvam o tema, atravessando de modo vertiginoso séculos de história, diferentes culturas e civilizações. Não é à toa o subtítulo de seu livro: “Das tábuas sumérias à guerra do Iraque”.
Sua viagem começa na Mesopotâmia, com os registros em argila, datados de aproximadamente 5.300 anos, quando os sumérios acreditavam na origem sobrenatural dos livros, atribuindo sua invenção à Nidaba, deusa dos cereais.
Ficamos sabendo que, na Grécia Antiga, o livro era chamado de biblos, em homenagem à cidade fenícia de mesmo nome – e que a venda de livros era conhecida como bibliothekai.
Báez mescla fatos popularmente sabidos, como o controle imposto pela Inquisição e o Bibliocausto Nazista, a exemplos pitorescos, como a mesquinharia de Isaac Newton ao plagiar e depois queimar trabalhos do astrônomo John Flamsteed, ou ainda a costumeira utilização de livros-bomba por grupos terroristas – que teriam como destinatário preferido a Casa Branca.
Entretanto, o que poderia ser o grande trunfo do venezuelano, produzindo uma obra de fôlego sobre o assunto, torna-se justamente seu ponto de maior fragilidade. Historia universal da destruição dos livros é, indiscutivelmente, resultado de uma pesquisa intensa e exaustiva, com uma impressionante riqueza de detalhes quanto a locais, nomes, descobertas, formas de escrita e técnicas de arquivamento.
O problema é que Báez faz com que o leitor saia igualmente exausto dessa experiência, imerso em uma avalanche de dados que muitas vezes denotam muito mais um preciosismo do autor do que a consistência de uma análise. Tome-se como exemplo um capítulo inteiro dedicado aos “Inimigos naturais dos livros”, em que nos deparamos com trechos como este: Em primeiro lugar, devemos mencionar os Thysanura (tisanuros), que incluem o Lepisma saccharina (traça cinza-prateada) que se distingue por sua cobertura de escamas. Tem um corpo fusiforme que culmina em três finos e compridos filamentos. De hábitos noturnos, come papel, cola, couro ou têxteis (BÁEZ, 2006, p.308).
Se por um lado há a comprovação do rigor do processo investigativo, por outro é patente o descuido em transformar o livro mais em um compêndio do que em trazer uma discussão realmente consistente. A impressão é que Báez acumulou uma tonelada de informações, sem contudo saber o que fazer com elas. O que falta em problematização sobra em enciclopedismo.
Um alento até parece surgir quando ele afirma que, na busca por uma teoria sobre a destruição de livros, descobrira como são fartos, em todas as culturas, os mitos que relatam cataclismos cósmicos para explicar a origem de tudo ou anunciar o fim do mundo, sendo recorrentes explicações permeadas pela idéia do eterno retorno.
O escritor venezuelano exemplifica isto citando várias divindades, afirmando, contudo, que, mesmo em épocas que se vangloriam pela sua racionalidade, há o emprego desse substrato para dar conta de algumas ações destrutivas, promovidas pelo homem: a exemplo da noção de instinto, que se inscreveria justamente num mito de libertação característico do homem – seu intento de se livrar da responsabilidade direta sobre sua atividade destrutiva.
Ao destruir, o homem reivindica o ritual de permanência, purificação e consagração; ao destruir, atualiza uma conduta movida a partir do mais profundo de sua personalidade, em busca de restituir um arquétipo de equilíbrio, poder ou transcendência (BÁEZ, 2006, p.23).
É aí que Báez revela, então, aquele que seria o alicerce teórico de seu trabalho: a intenção subjacente à destruição de um livro é aniquilar a memória que encerra, o seu patrimônio de idéias. O que há é a “destruição contra o que se considera ameaça direta ou indireta a um valor considerado superior” (p.24).
Considerações que não deixam de decepcionar, pelo que guardam de absoluto lugar comum. Afinal, o que há de surpreendente e inovador na idéia de que os livros não são destruídos meramente enquanto objetos físicos, e sim pelo que representam em termos de discordância e contestação aos ideais de seus detratores? A explicação de Báez é quase tão cheia de novidade quanto os papiros e tábuas de argila sobre os quais tão apaixonadamente se debruça.
Fabio Henrique Gonçalves Sousa – Graduado em História pela UEMA e em Comunicação Social (Habilitação Jornalismo) pela UFMA. e-mail: fabiojuv@yahoo.com.br.
BÁEZ, Fernando. História universal da destruição dos livros: das tábuas sumérias à guerra do Iraque. Tradução de Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. Resenha de: SOUZA, Fabio Henrique Gonçalves. Outros Tempos, São Luís, v.5, n.5, p.191-193, jun./2008. Acessar publicação original. [IF].