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História Social das Religiões / Crítica Histórica / 2016
A pesquisa histórica sobre as diferentes religiões mundiais tem se expandindo consideravelmente no Brasil nas últimas décadas. Muitas vezes dentro de uma perspectiva multidisciplinar, em contato direto com as áreas da sociologia, antropologia, ciências da religião, filosofia, psicologia e teologia. Tais aproximações estimularam, em especial, os debates e a busca por refinamento das análises e explicações históricas, compreendendo que o objeto “religião(ões)” é um dos mais complexos no campo de pesquisa.
Uma das características dos estudos das ciências sociais são os esforços teórico-metodológicos empreendidos no sentido de responder às problemáticas que possam superar os interesses confessionais, privilegiando a busca pelo diálogo interreligioso, com fins à construção de uma sociedade plural, democrática e de respeito.
Nesse sentido, a História Social contribui, especialmente, ao aproximar a temática religiosa dos contextos socioculturais, políticos e econômicos. Ao destacar conflitos, continuidades e mudanças internas e externas às religiões, põe em evidência processos históricos nos quais as instituições religiosas, religiosidades, ideologias religiosas e seus sujeitos (coletivos e individuais) participaram ativamente nos seus locais de origem e atuação, servindo, por vezes, aos interesses de “legitimação” e / ou “subversão” das estruturas de poder.
Neste sentido, o Dossiê História Social das Religiões aqui apresentado pela Revista Crítica Histórica, no seu número 14 de dezembro de 2016, é uma contribuição a esta área de pesquisa. Com temáticas clássicas e novas, temporalidades e abordagens diferenciadas compõe um quadro de referência que abre possibilidades de pesquisa para novos e experimentados pesquisadores. Destaca-se, em especial, a análise de documentações históricas variadas, como também as conexões entre os textos, que expressam as experiências históricas de contato / confluência / conflitos entre as classes populares, as elites e as instituições, na vivência da sua religiosidade afro-brasileira, católica, espírita etc.
O texto que abre o dossiê intitulado “Inquisição e status social: processos de habilitação de Familiares do Santo Ofício que não se enquadravam às normas (Rio de Janeiro, segunda metade do século XVIII)” de Roberta Cristina da Silva Cruz, tem como objetivo examinar a obtenção da carta de Familiar do Santo Ofício por indivíduos que não se enquadravam às normas, dando enfoque a casos em que os habilitandos já tinham laços de parentesco com outros Familiares e conseguiram a patente apesar de apresentarem impedimentos.
Em seguida, o artigo “Rever o passado para estigmatizar um presente incômodo: Montano e outros “heresiarcas” do século II no olhar de Euclides da Cunha sobre Antonio Conselheiro” de Pedro Lima Vasconcellos, trata de como Euclides da Cunha, em Os sertões, aborda líderes cristãos do século II, tomados como heréticos, em vistas a estigmatizar a figura de Antonio Conselheiro. O interessante debate trazido por Vasconcellos, contribui exemplarmente para uma leitura mais atenta e problematizadora da experiência histórica de Belo Monte (Canudos).
O artigo “Centro Espírita Deus, Amor e Caridade: mediunidade e legitimação do espiritismo no Pernambuco do início do século XX” de Rosilene Gomes Farias, por sua vez, estuda os conflitos em torno do espiritismo kardecista, no município de Marial, objeto de investigação policial, em função da suspeita de abrigar sessões de catimbó. A pertinente análise da autora “discute as tensões que permeavam as discussões contemporâneas sobre as religiões mediúnicas e a tentativa de criminalização das suas práticas, ancorada nas interpretações da psiquiatria sobre o fenômeno e na suspeita de que se tratava de curandeirismo”.
Já em “Santos e orixás: sincretismo, estética e arte afro-brasileira na estatuária da Coleção Perseverança” de Anderson Diego da S. Almeida, Maria de Lourdes Lima e Rossana Viana Gaia tem-se uma abordagem nova para o estudo das religiões afro-brasileiras em Alagoas. Ao tratar do “sincretismo cultural presente na Coleção Perseverança” procura demonstrar um “complexo processo de ressignificação de distintas perspectivas de religiosidade se reflete na produção dos artefatos da referida coleção”. Tal texto contribui muito para a valorização da referida Coleção, como também para o entendimento da elaboração cultural e religiosa negra no estado.
Por fim, o artigo A Igreja Popular na cidade de Conceição do Coité (1989-1996) de Cristian Barreto de Miranda, apresenta aspectos da ação pastoral do padre Luiz Rodrigues de Oliveira no semiárido baiano, sob o impacto das inovações do Concílio Vaticano II e das ações da chamada “Igreja Popular” e os conflitos com as oligarquias políticas locais.
Compõem ainda o nosso Dossiê a Resenha deste número, O santo que vive no sol: Padre Cícero, análise muito instigante do professor Ênio José da Costa Brito sobre a tese de doutorado, defendida na PUC-SP em 2015 por Carlos Alberto Tolovi, “Padre Cícero do Juazeiro do Norte: a construção do mito e seu alcance social e religioso”. O debate em cima do texto de Tolovi proporciona reflexões importantes sobre a relação entre mito, política e religião em tema tão conhecido como é o caso do Padre Cícero, no Ceará.
Encerra-se com uma Entrevista / Documentação por Alex Benedito da Silva, a partir da experiência do militante Carlos Lima, da Comissão Pastoral da Terra de Alagoas. Com o título “Um Histórico de Luta: A Juventude Popular Católica e a Comissão Pastoral da Terra em Alagoas na trajetória de Carlos Lima” esta entrevista constitui material de referência para os estudos da relação entre a militância política, a luta pela terra e a fé católica durante os anos 1990.
Na Sessão Fluxo Contínuo o leitor ainda encontra três artigos. “Liberdade e república na retórica do “pré-humanismo” italiano: um estudo sobre as obras do notário Albertano de Brescia (1195-1251) e do dominicano Remígio dei Girolami (1247-1319)” de Felipe Augusto Ribeiro, estuda os conteúdos da retórica praticada pelos italianos entre os séculos XIII e XIV problematizando a maneira como trataram, através dessa arte, as ideias de liberdade e de república. Adalmir Leonidio em “Tendências criminais e punitivas no Estado de São Paulo na segunda metade do século XIX”, busca mostrar que nas condições atrasadas do capitalismo brasileiro da segunda metade do século XIX, o sistema penal cumpria um duplo propósito: disciplinar o trabalho e reduzir os desvios. Em “Nas Trilhas do Saber e Fazer: Intelectualidade e Política Institucional no Piauí”, Pedro Pio Fontineles Filho e Cláudia Cristina da Silva Fontineles discutem a atuação político-institucional de intelectuais, apontando para os aspectos das relações de poder no que se refere às políticas educacionais nacionais e suas ressonâncias na esfera local do estado do Piauí, sobretudo os aspectos ligados ao ensino da chamada “Literatura Piauiense”.
Vale lembrar que a Revista Crítica Histórica se esforça em divulgar uma produção historiográfica atual, democratizando o acesso às pesquisas e informações que possam, assim espera-se, contribuir para o avanço de reflexões críticas sobre a experiência humana e sua concretização histórica em sociedade. Atualmente, sofremos através de um golpe político parlamentar graves atentados aos nossos (poucos) direitos individuais e coletivos, duramente conquistados e / ou em busca ainda de conquista. As resistências existem, mas por vezes nos vemos desarticulados no processo. É preciso, pois, juntar forças, avaliar com vigor a conjuntura, mas não deixar de valorizar as nossas utopias. Nossa esperança, posta hoje nos jovens do movimento secundarista e universitário, não pode ser passiva. Os professores-pesquisadores devem somar às lutas dos estudantes e trabalhadores e agir nos seus espaços. Aos estudantes das ocupações de Alagoas, em especial, dedicamos este dossiê e número. Vamos à luta!
Irinéia Maria Franco dos Santos – Professora da Universidade Federal de Alagoas e organizadora do dossiê nº 14
Maceió, Dezembro de 2016.
SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 7, n. 14, dezembro, 2016. Acessar publicação original [DR]