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História social da propriedade / Outros Tempos / 2017
O que é propriedade? Esta questão, aparentemente tão simples, tem por si só uma história e escrevê-la é uma das tarefas mais inglórias. Em 1841, ao publicar um livro com o título Qu’est-ce que la propriété?, Proudhon, um dos mais importantes pensadores anarquistas, criticava a ideia de propriedade, afiançando que ela era “le suicide de la société”. Ao advogar em defesa da posse, Proudhon trazia para debate uma questão que permeou toda a história da humanidade. O enfrentamento de tal temática aguçou o apetite da intelectualidade ocidental e suscitou a emergência de novas ideias e valores, traduzidos em inúmeras obras. Argumentos sobre a função e a necessidade histórica da propriedade foram muitas vezes respondidos com ilações que destacavam a relação entre propriedade e pobreza. Alguns autores procuraram desvelar a relação siamesa entre propriedade e liberdade, sendo a primeira responsável pela conservação da segunda, tal como destacara John Locke. Outros ainda, seguindo as trilhas inauguradas por Friedrich Engels, discutiram o processo histórico que permitiu a divisão social do trabalho e a propriedade dos meios de produção em sua relação com a formação da família monogâmica e o Estado. Enfim, a temática da propriedade ganha relevância no século XIX e sua problematização mantém-se acesa até os dias atuais. Mas, se há de fato uma história da propriedade, resultado de múltiplos dilemas que a própria ideia aciona (liberalismo & propriedade; socialismo & o fim da propriedade; propriedade individual & propriedade coletiva), não há como negar também que o desejo de sua superação não é menos antigo, como lembram-nos as belíssimas palavras de Thomas More, em Utopia.
Neste volume, a revista Outros Tempos apresenta o dossiê intitulado “História Social da Propriedade”, cujos artigos procuram iluminar exatamente a questão da propriedade em suas múltiplas dimensões, reunindo pesquisadores que tem se dedicado ao tema que, sem sombra de dúvida, se constitui em central na história da humanidade. Assim, no artigo Os Cayapó e a propriedade da terra em Sant’Anna do Paranahyba, sul de Mato Grosso a historiadora Maria Celma Borges (UFMS) analisou as ações dos Cayapó pelas estradas, roças e aldeamentos de Sant’Anna do Paranahyba, sul de Mato Grosso, e em suas proximidades, no século XIX., com ênfase nas práticas de enfrentamento e / ou negociação entre esses povos originários e os poderes locais e provinciais, com ênfase para o aldeamento e a propriedade da terra. A questão da propriedade da terra também é a temática do artigo Acesso à Terra, Propriedade e Agricultura em núcleos coloniais da Amazônia Oitocentista, do historiador Francivaldo Nunes Alves (UFPA), voltado para a análise da atuação dos agentes públicos na concessão de direitos de propriedade sobre a terra nas colônias agrícolas na Amazônia do século XIX. As questões em torno das fronteiras, é o tema do próximo artigo, A História do Brasil na Historiografia de Luís Ferrand De Almeida, da historiadora Margarida Sobral Neto (Universidade de Coimbra), que se propôs a analisar o contributo da obra historiográfica do historiador português Luís Ferrand de Almeida para o conhecimento da história do Brasil, em particular para a história da definição das fronteiras meridionais na época moderna. A seguir, no artigo As Vexações e Opressões dos Senhores Coloniais e a Constituição da Carta Régia de 1753 no Brasil Colonial: a tradição da Posse e o Justo Título, Carmel Alveal (UFRN) procurou explicar como a formação dos senhorios coloniais motivou a elaboração da carta régia de 1753. O dossiê continua caminhando pelo tema da propriedade, agora deslocando o foco para o setor minerador. O historiador português João Paulo Avelãs Nunes (FLUFC / Coimbra), no artigo Mineração Contemporânea em Portugal, Propriedade Pública e Iniciativa Privada: Concessões de Volfrâmio na Freguesia de S. Mamede De Ribatua, caracterizou o setor mineiro como um objeto particularmente relevante para analisar a problemática da propriedade e das correspondentes sequelas (diretas e indiretas) no Portugal Contemporâneo. A atuação estatal no sentido de fortalecer a grande propriedade agrícola no Brasil dos anos 1990 é o tema do artigo a seguir: Dirigismo do Estado Produtor ou Planejamento do Estado Promotor? A Reestruturação da Política Agrícola do Governo Collor, de autoria das historiadoras Monica Piccolo (UEMA) e Márcia Menendes Motta (UFF). Os dois últimos artigos do dossiê retornam ao mundo rural: em Fronteiras Dinâmicas: Propriedade de Terra e Trabalho Indígena nos Sertões Fluminenses (1800-1810), Marina Monteiro Machado (UERJ) refletiu sobre o processo de ocupação colonial do Rio de Janeiro na passagem do século XVIII para o século XIX, com um olhar específico sobre a construção de aldeamentos indígenas como estratégia para conquista de terra e controle da mão de obra dos grupos nativos. Por fim, o historiador Carlos Guardado da Silva (Universidade de Lisboa), no artigo Patrimônio Rural do Mosteiro de São Vicente de Fora (Lisboa): Séculos XII-XIII foi analisado o sistema de organização econômica e a gestão do aro rural, nomeadamente a evolução das relações que se estabeleceram entre o Mosteiro de São Vicente de Fora e os particulares, assim como a diversificação e a expansão do seu patrimônio rural, mais intensas junto da cidade de Lisboa.
O volume ainda conta com cinco artigos livres: Comportamentos Impostos ao gênero: representações da submissão feminina no Rio Grande do Sul na República Velha, de Daniel Luciano Gevehr (FACCAT) e Salete Rodrigues (FACCAT), O Sujeito Escravo e o Ensino de História: o infanticídio cometido por Maria Rita, de Roberto Radünz (PUC / RS) e Bruna Letícia de Oliveira dos Santos (Educadora Social do Colégio Murialdo), A Guerra do Paraguai sob a ótica do Visconde de Taunay, de Isadora Tavares Maleval (UFF / Campos dos Goytacazes), A escrita do Punk no Brasil no início da década de 1980: uma análise dos primeiros trabalhos, de Tiago de Jesus Vieira (UEG) e, por fim, A Elevação do Homem Rural: Institutos de Educação Rural e a Cooperação da Misereor, de Douglas Orestes Franzen (UPF).
Encerrando o volume, temos a resenha do documentário “TERRA de quilombos: uma dívida histórica”, dirigido por Murilo Santos Leonardo Leal Chaves (PPGHEN / UEMA) e a entrevista realizada com a historiadora da Universidade de São Paulo, Iris Kantor, que defende a aproximação entre a História e a Geografia, a partir da análise dos mapas históricos, como ferramenta para potencializar os estudos sobre a história social da propriedade.
Esperamos que as pesquisas publicizadas nesse volume da Revista Outros Tempos possam lançar novas luzes sobre a história social da propriedade. Boa leitura a todos!
Monica Piccolo (UEMA)
Márcia Motta (UFF)
PICCOLO, Monica; MOTTA, Márcia. [História social da propriedade]. Outros Tempos, Maranhão, v. 14, n. 23, 2017. Acessar publicação original [DR]
História Social da Propriedade | Em Perspectiva | 2016
A Revista Em Perspectiva alcança o seu segundo volume, com a intenção de estimular a produção e divulgação do conhecimento a partir dos múltiplos caminhos trilhados pela História Social em consonância com diversas áreas e com a colaboração de diversos pesquisadores, que trazem para o cenário do conhecimento temas instigantes entre a História e a propriedade em diferentes temporalidades e espaços, ajudando a desfazer o mito da naturalidade do modelo proprietário moderno.
Em Desafios para a história dos direitos de propriedade da terra no Brasil, Manoela Pedroza, professora do Instituto de História da UFRJ, aborda a História Social da propriedade no Brasil, estabelecendo para tanto um diálogo teórico-metodológico nesse campo do conhecimento. Em Rezagos medievales en las concesiones de propiedad de la tierra y de las personas esclavizadas en África y América, siglos XIV a XVI, Paola Vargas Arana (Universidade Federal do Rio de Janeiro), analisa o período de ruptura entre o período medieval e a modernidade renascentista como um período de transição, onde se mantiveram legados do poder que o Estado Pontifício ostentava no período anterior, os quais influíram no início da colonização em África e América. Leia Mais