Estudos de História Regional: Minas Gerais por sua História /História em Curso/2022

No encerramento de 2022, a Revista História em Curso apresenta o seu 6º número com o Dossiê temático: Estudos de História Regional: Minas Gerais por sua História. Foi importante, diante das tantas perdas físicas e simbólicas que vivenciamos no nosso tempo, lançar o olhar para dentro, para tudo que se renova a todo tempo e que é a historiografia regional mineira e das contribuições que ela traz para compreensão dos estudos da especificidade de Minas Gerais e dos Estudos de História do Brasil e História Geral. Leia Mais

História Regional: novas perspectivas / Revista Maracanan / 2021

A historiografia recente interpreta “região” como um conceito polissêmico, não apenas ligado a recortes espaciais, construídos por entidades político-administrativas, tais como os Estados-nacionais, como também a questões de identidade e de representação. O presente número da Revista Maracanan traz o dossiê “História Regional: novas perspectivas”, aqui vislumbrada como um campo de pesquisa em franco desenvolvimento, partindo de problemáticas concernentes às relações entre espaço físico e espaço social, referendando que toda divisão regional parte de uma definição política. Os estudos aqui apresentados ressaltam a importância de estudos sobre o Brasil em suas múltiplas diversidades e abordagens, que vão além das esferas de poder mais tradicionais. A região também é percebida em sentido ampliado, evocando o campo das lutas simbólicas, a partir do qual, portanto, tornar-se-ia possível investigar aspectos relativos aos debates sobre identidade(s) e memória social.

Diante disso, o dossiê “História Regional: novas perspectivas” reúne trabalhos que partem da perspectiva da história regional aqui explicitada, sem restrições temporais ou epistemológicas, permitindo um diálogo polissêmico e original. Inicialmente apresentamos duas entrevistas sobre História Regional como campo de estudos. As professoras Alessandra Izabel de Carvalho e Maria Silva Leoni falam de suas trajetórias, de como entendem e trabalham com História Regional e analisam as potencialidades e dificuldades da área no Brasil e na Argentina, respectivamente.

Essas entrevistas apresentam o debate que segue com o primeiro artigo de Maria Alice Ribeiro Gabriel intitulado “‘A doçura que envolve’: a culinária brasileira do Nordeste em Baú de Ossos”. Nele a autora faz uma análise da obra do médico e memorialista brasileiro Pedro da Silva Nava, destacando o valor histórico das referências do autor sobre alimentos, em especial a cozinha regional nordestina no século XIX e princípios do século XX. O artigo apresenta uma análise histórico-comparativa para examinar os temas relativos à alimentação e à culinária que emergem de episódios biográficos sobre a família Nava, além de aspectos culturais e sociais de pratos populares e tradicionais do Nordeste brasileiro.

O segundo artigo, de autoria de Clovis Antonio Brighenti & Osmarina de Oliveira, intitulado “Conflitos territoriais como espaço de disputas entre memória e história: Análise de processos judiciais da Itaipu Binacional contra os Guarani no Oeste do Paraná” desloca o debate sobre região para o sul do Brasil e, através da análise de algumas ações judiciais envolvendo a disputa por terra entre o povo Guarani e o Estado, os autores analisam um discurso construído em torno de elementos que confluem para desconsiderar a história Guarani e desconstruir a memória da ocupação territorial regional, apresentando o estado atual do debate sobre o tema.

O artigo de Fernando Vojniak, “Cultura escrita na Fronteira Sul: Uso políticos da escrita entre os Kaingang” dá continuidade ao debate envolvendo indígenas e questões regionais ao analisar os temas da cultura escrita e das práticas intelectuais indígenas, campos ainda pouco explorados pela historiografia. O foco está na apresentação panorâmica das possibilidades de análise em perspectiva histórica das práticas intelectuais e dos usos políticos da escrita entre os indígenas, especialmente os Kaingang.

O quarto artigo é de Marcelo Ferreira Lobo & Aline de Kassia Malcher Lima, intitulado “Jacobinos da Amazônia: Nacionalismo, trabalho e violência no Pará (1890-1920)”. Nele os autores analisam as tensões entre nacionais e estrangeiros em Belém do Pará nas primeiras décadas da República. Para os autores, a presença significativa de imigrantes, em grande parte portugueses, na cidade de Belém, proporcionou o acirramento de tensões étnicas, onde nacionalismo transfigurou-se em antilusitanismo e servem que gancho para o estudo da difusão de ideias nacionalistas entre os anos de 1890 a 1920 no Pará e as implicações no mundo do trabalho amazônico.

O quinto artigo é “Sobre os Dízimos e os Direitos de Saída na São Paulo Provincial” de Camila Scacchetti & Luciana Suarez Galvão e busca quantificar a trajetória ascendente do dízimo, posteriormente denominado direitos de saída, nas finanças públicas paulistas durante o século XIX. Para as autoras, com essa análise documental é possível traçar um paralelo entre a evolução cafeeira e as expectativas arrecadatórias provenientes do imposto incidente sobre a exportação na região de São Paulo.

Na sequência, “História regional sob a perspectiva dos processos civilizadores: possibilidades de pesquisa a partir do caso de Monte Alegre – PR”, artigo de Ana Flávia Braun Vieira & Miguel Archanjo de Freitas Junior, traz o debate sobre a cidade-empresa de Monte Alegre (atual município de Telêmaco Borba, Paraná), de propriedade das Indústrias Klabin. Os autores buscam compreender como a região conhecida como sertões do Tibagi se tornou uma referência para a industrialização e urbanização nacional de meados do século XX e o fazem analisando o conteúdo das crônicas de Hellê Vellozo Fernandes, publicadas no jornal O Tibagi entre 1948 e 1964. A partir desses textos são identificadas e apresentadas as sensibilidades que orientaram o processo de civilização naquela formação social, as esferas da vida às quais as publicações eram dirigidas e os processos de adequação comportamental e as ações de resistência.

Em “De Straßburg a Strasbourg: Marc Bloch, Lucien Febvre e o nascimento dos Annales” Jougi Guimarães Yamashita nos apresenta uma discussão bastante interessante sobre a importância da Universidade de Estrasburgo no processo de criação da revista Annales d`Histoire Économique et Sociale, liderado por Marc Bloch e Lucien Febvre. Estabelecendo uma relação alvissareira com a proposta do dossiê, o autor estabelece diálogos entre as estratégias políticas de reconhecimento da Alsácia como região francesa a partir de 1919, após o domínio alemão de quase quarenta anos. A partir da pesquisa realizada em algumas revistas históricas, Yamashita propõe uma análise dos esforços dos renomados editores em afirmar a região em questão como francesa, bem como a relação desse processo com a editoração dos Annales.

A seguir, Samira Peruchi Moretto, em seu artigo intitulado “O desmatamento e reflorestamento no Oeste de Santa Catarina nas décadas de 1960 e 1970”, propõe um estudo sobre o desmatamento do estado de Santa Catarina e as práticas empreendidas, sem preocupações ambientais, durante as décadas de 60 e 70 do século XX, de projetos considerados pela autora como “de cunho imediatistas”. A historiografia mais recente tem se aprofundado nas relações entre a História Ambiental e a História Regional e a pesquisa apresentada pela autora em seu artigo demonstra com êxito esses debates, a partir de uma base documental bastante diversificada.

O décimo artigo que compõe o dossiê se intitula “Os indesejados da seca: a imagem do sertanejo desde as narrativas da Revista Instituto do Ceará ao Campo de Concentração do Alagadiço (1877-1915)”, de autoria de Leda Agnes Simões de Melo & Camila de Sousa Freire, é um estudo sertanejo. Seu mote é a criação do primeiro campo de concentração do estado, o campo do Alagadiço, na seca do ano de 1915. Sua intenção é propor uma análise do discurso construído, na época, pelo Instituto do Ceará e por uma elite em torno dessa instituição, sobre a região, o pioneirismo cearense e a abolição da escravatura.

O próximo artigo que apresentamos é intitulado “No Asilo e no orfanato: crianças pobres e doentes em Goiás na primeira metade do século XX”, de autoria de Rildo Bento de Souza & Lara Alexandra Tavares da Costa. O trabalho toma como foco duas instituições de caridade leigas para crianças pobres e doentes com o objetivo de realizar um estudo sobre as relações de poder na cidade de Goiás, relacionando as estruturas políticas regionais com as formas de caridade assistencial adotadas pelas elites da cidade.

A seguir temos um artigo de autoria de Raimundo Hélio Lopes, “O general do Norte: Juarez Távora e o movimento pelo seu generalato no imediato pós-30”. O autor, através de pesquisas realizadas na documentação do arquivo pessoal de Juarez Távora e no acervo de imprensa da região norte, analisa as estratégias adotadas por Juarez Távora e seu grupo para tomar e demarcar a região, na conjuntura política do pós Revolução de 1930.

“Os agentes não humanos na construção da paisagem da Cidade-Parque: História da Arborização de Brasília-DF (1960-1980)”, assinado por Marina Salgado Pinto & José Luiz de Andrade Franco é mais um estudo que se vale das relações estabelecidas pela historiografia recente entre História Regional e História Ambiental. É apresentada uma análise feita sobre o processo de arborização de Brasília nas décadas de 1960 e 70. Considerando uma “visão utilitarista da natureza”, os autores problematizam a influência da mídia, dos agentes políticos e dos especialistas envolvidos no projeto na formação de um espaço urbano que controlasse a paisagem nativa e atendesse às demandas de controle dos poderes constituídos, harmonizando-as.

Fechando o nosso dossiê temos o artigo intitulado “O papel do Instituto Histórico na construção de memórias sobre a Baixada Fluminense (1971-1985)” de Eliana Santos Laurentino & Rui Aniceto Fernandes, analisa como o Instituto Histórico da Câmara de Duque de Caxias (RJ), foi útil para edificar uma memória de “Progresso” para o município, nos anos 1970. Explorando os usos do espaço físico do próprio Instituto em comemorações oficiais os autores sustentam que a memória não se constrói livremente, mas é alimentada por arquivos, aniversários e celebrações que foram usadas, nesse caso, para favorecer o diálogo com o regime político vigente.

Priscila Gomes Correa & Aline Farias de Souza são as autoras de “Política e Região: a Bahia da Modernização Conservadora e o primeiro governo estadual de Antonio Carlos Magalhães”. A nota de pesquisa, adjunta ao dossiê, apresenta um estudo baseado nos diálogos possíveis entre a História Regional e a História Política. Para tal, é feito uma análise do processo de construção do que as autoras chamaram de “região da Bahia da Modernização Conservadora”, durante o primeiro governo de Antônio Carlos Magalhães no estado (1971- 1975) e das mudanças provocadas no território baiano.

Na seção de artigos livres os trabalhos estão publicados “Quando os súditos se convertem em soldados: O pacto político ao Norte e ao Sul da América Portuguesa” de Christiane Figueiredo Pagano de Mello; “A narrativa poética de Joaquim Alves da Silva: polícia versus jagunços no oeste; e, sudoeste do Paraná” de Claércio Ivan Schneider; e, “A administração dos bens confiscados dos Jesuítas na Capitânia de São Paulo, 1760-1782” de Ilana Peliciari Rocha.

Por fim, este número é fechado com a tradução de um texto seminal de Martin Jay, professor Emérito da University of California-Berkeley. “‘Ei! Qual é a grande ideia?’: ruminações sobre a questão da escala na História Intelectual” discute sobre este ramo da historiografia a partir de uma proposta metódica que reconhece a ambiguidade semântica dos conceitos, por meio de uma leitura que considera a longa duração. O exercício de crítica do autor surge como uma resposta e alternativa à chamada História das Ideias tradicional.

Basta agora convidar o leitor a navegar no sumário do número 26 da Revista Maracanan. Desde já, desejamos boas leituras!

Isadora Tavares Maleval – Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, Departamento de História. Doutora, Mestre e graduada em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: isadoramaleval@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0003-4882-7907 http: / / lattes.cnpq.br / 5004479701596418

Cláudia Atallah – Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, Departamento de História. Professora do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores. Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense; Mestre e graduada em História e Especialista em História do Brasil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: clauatallah@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0001-5298-9939 http: / / lattes.cnpq.br / 2918940954094400

Susana Cesco – Professora Adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Escola de História. Professora do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestre e graduada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: susanacesco@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-1357-3743 http: / / lattes.cnpq.br / 1534977452527340

As organizadoras.


MALEVAL, Isadora Tavares; ATALLAH, Cláudia; CESCO, Susana. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, n.26, 2021. Acessar publicação original [DR]

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História Regional, patrimônio e arquivo | Outras Fronteiras | 2017

Os debates historiográficos sobre História Regional, patrimônio e arquivos nos instigam a repensar várias questões sobre a escrita da história. Para realizar uma brevíssima reflexão sobre as temáticas desta natureza, irei me valer das discussões empreendidas pela micro-história ou microanálise1, enquanto campo metodológico que nos oferece amplas possibilidades a partir do jogo de escalas2.

Jacques Revel observa que a redução de escala e a escolha por uma análise que tem como fio condutor histórias individuais ou de grupos familiares possibilita outra leitura do social3 . Para Giovanni Levi4, uma análise exaustiva da documentação oferece pistas que viabilizam articulações mais amplas, instigando os historiadores a formularem questões que possam transitar neste jogo entre o micro e o macro, não apenas para a construção de uma simples interpretação, mas para formular explicações históricas sobre uma sociedade. Leia Mais

Perspectivas da História Regional / Ágora / 2014

Apresentamos, neste número da Revista Ágora, o dossiê “Perspectivas da História Regional”. Trata-se de um esforço editorial pela reunião de estudiosos dessa abordagem historiográfica que, utilizando de instrumental teórico-metodológico e de escolhas de fontes muito particulares, privilegiam temas ligados a questões e problemas circunscritos, em geral, a locais e territórios específicos que, via de regra, são insuficientemente abordados na “grande” história.

A resposta que tivemos foi amplamente satisfatória, tanto porque o número de trabalhos versando sobre temas do Espírito Santo coloca a Ágora à proa de publicações que, fazendo jus pertencer ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo, consegue atrair o interesse de autores que efetivamente se debruçaram sobre a história dessa parte do Brasil. E porque alinha no mesmo dossiê temas pouco ou nada dominados e nisso cumpre sua função divulgadora da história regional que aqui se produz. Trata-se, portanto, essa edição, de um dossiê capixaba.

A ordem dos trabalhos já demonstra nosso interesse também em pesquisas que extrapolam os liames temporais para os povos primitivos do território brasileiro e suas formas de vida pré-colonial. Em “Vasilhas duplas Aratu (macro-jê) em Sítio Tupiguarani: evidência de contato?” os arqueólogos e historiadores Neide Barrocá Faccio, Henrique Antônio Valadares Costa, Juliana Aparecida Rocha Luz, Diego Barrocá e Eduardo Pereira Matheus ali reunidos atualizam as pesquisas em sítios arqueológicos do norte do estado de São Paulo e apontam para a existência de contato entre os povos indígenas da tradição Aratu-Sapucaí e os da tradição Tupiguarani. A evidenciação de vasilhas duplas, características da Tradição Aratu-Sapucaí, em sítios Guarani, no vale do Rio Paranapanema paulista, reforça a hipótese dos autores de ter havido contato entre indígenas dessas distintas tradições, o que traz luz a pesquisas em arqueologia histórica, também realizadas em outras regiões brasileiras, inclusive no Espírito Santo, onde ocorrem ambas as tradições.

Adentrando diretamente o terreno da história colonial capixaba, a portuguesa Maria José dos Santos Cunha brinda-nos com o artigo “Maracaiaguaçu, O Gato Grande, aliás, Vasco Fernandes, ou o elogio do discurso evangelizador”, originado de seus estudos inéditos sobre patrimônio e riqueza dos jesuítas na capitania do Espírito Santo. A autora destaca, através da versão dos jesuítas que o conheceram, a figura pouco conhecida de Maracaiaguaçu, o chefe temiminó refugiado com a sua tribo, em 1555, na ilha de Santo Antonio. Da leitura dos textos jesuíticos despontam, paralelamente, a figura desse chefe, as alianças políticas, a visão edificante da conquista espiritual que justificava a evangelização. Seu trabalho permite-nos aceder ao espaço negocial entre conquistadores e indígenas, entremeado de mal entendidos e compromissos, cujo final era a integração dos indígenas no mundo colonial.

Na mesma linha elucidativa do mundo colonial, Anna Karoline da S. Fernandes e Luiz Cláudio M. Ribeiro, em “Poderes inferiores e política fiscal na capitania do Espírito Santo no período da monarquia dual (1580-1640)” circulam a contrapé do senso histórico comum que pensa a Monarquia Dual (1580-1640) como um período sem alterações administrativas em Portugal e buscam compreender a influência das formas de poder expressas nos novos órgãos de controle fiscal e da justiça daquele período Filipino na capitania do Espírito Santo. Tais órgãos, inseridos pelas reformas Habsburgo nos domínios portugueses durante a União Ibérica (1581-1640), visavam coibir o descaminho de mercadorias, controlar a arrecadação e aumentar os rendimentos régios. No Espírito Santo, a ação dos agentes desses órgãos de controle acabou por devassar as ilicitudes do provedor e do almoxarife da Alfândega e mercadores da capitania. Todavia, o artigo demonstra que, malgrado o endurecimento do controle, ocorreram alianças que resultaram no fortalecimento dos poderes locais na capitania. Tais alianças de poder econômico e político dividiam, na prática, o poder real que não dispunha de mecanismos para confrontar as ilicitudes cotidianas.

Fechando o período colonial, Helmo Balarini e Luiz Cláudio M. Ribeiro apresentam em “Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e a economia de mercês nas práticas administrativas da Capitania do Espírito Santo” uma análise da concessão de hábitos de Cristo, relacionando a prática do pedido e concessão de mercês régias à transição da administração de donatários “presentes” para donatários “ausentes”, fator determinante para a consolidação de uma “economia de mercês” na capitania, regendo a contratação de “servidores” para os postos da burocracia nas franjas do Império Português.

Em seguida, Leandro do Carmo Quintão, em “Estrada de ferro e territorialidade no Espírito Santo da Primeira República” enfoca no papel ferrovias construídas no estado do Espírito Santo durante a Primeira República para a configuração de uma territorialidade estruturada no fortalecimento da capital, Vitória, e de seu porto, em relação aos demais terminais portuários do estado. Utilizando-se de conceitos da geografia política, associados à análise histórica, o autor problematiza o papel das vias férreas em sua relação com a economia do café e sua inserção política dentro de um projeto de desenvolvimento regional vitorioso.

Já o artigo “Lutando com “Ordem e Disciplina”: o Sindicato dos Bancários do Espírito Santo (1934-1953)”, produzido por André Ricardo V. V. Pereira, foca as entidades classistas de trabalhadores e a fase inicial da organização sindical no Espírito Santo. Trata do Sindicato dos Bancários entre 1934 e 1953, quando se deu uma transição no comando político para um grupo hegemônico da entidade. Nesse momento, a principal liderança do Sindicato se filiou ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e se elegeu vereador na capital capixaba. O estudo de caso serviu como ilustração para que o autor discutisse as tensões e contradições reveladas naquela fase chamada de “modo de regulação populista sob condições do pós-fordismo periférico” ocorrido em entidades sindicais capixabas.

E para fechar o dossiê proposto, Diones Augusto Ribeiro apresentou seu estudo “Uma perspectiva conservadora do desenvolvimento econômico capixaba no pós-1964: o governo Arthur Gehardt e os Grandes Projetos de Impacto (1971-1975)”. Nele, o autor mergulha na sempre polêmica questão do desenvolvimento regional capixaba através da inserção da economia local no contexto do capitalista monopolista do século XX, em que diversas políticas públicas foram criadas com o objetivo de superar a dependência da cafeicultura através da industrialização e da diversificação da infraestrutura. Os Grandes Projetos de Impacto gestados no governo de Arthur Carlos Gehardt Santos (1971-1974) visavam adequar a economia regional à dinâmica oligopolista internacional, através da associação do capital público com o privado. O autor conclui que o desenvolvimento proposto pelas elites do estado naquele contexto não foram acompanhadas de reformas sociais e estruturais significativas, cujos efeitos atuais são principalmente a miséria e a violência endêmica, o que valida sua tese sobre a perspectiva conservadora do crescimento econômico ocorrido.

Na sessão de artigos livres, publicamos a contribuição de João Carlos Furlani, autor de “Usos do gênero biográfico na Antiguidade Tardia: educação e moral cristã em Vita Olympiadis” em que discute as possibilidades investigativas do gênero biográfico, com enfoque nos estudos da Antiguidade Tardia. O autor aborda a apropriação dos gêneros literários por autores cristãos e a sua produção textual, majoritariamente voltada para a disseminação das crenças cristãs mediante exaltação dos feitos de homens e mulheres. Para tanto, analisa as formas literárias de Vita Olympiadis, e aponta nesse documento o intuito educativo dos gêneros textuais apropriados ou transformados pelos cristãos.

Logo após, o artigo “O espiritismo em julgamento na Primeira República: análise de processo criminal enquadrado no artigo 157”, de Adriana Gomes, remete a uma importante discussão jurídica sobre a liberdade religiosa na Primeira República. Debruçando-se sobre um caso real de tipificação do espiritismo como crime contra a saúde pública, baseada no artigo 157 do Código Penal brasileiro de 1890, a historiadora analisa o julgamento do suposto crime, praticado no Rio de Janeiro, por Francisco José Viveiros de Castro, um dos mais notáveis magistrados brasileiros, que se apropriou de princípios da Nova Escola Penal para absolver os réus. A análise do discurso feito pela autora das argumentações sobre premissas jurídicas com características retóricas do juiz nesse processo criminal nos leva a compreender as motivações da criminalização do espiritismo e o posicionamento do magistrado na defesa da liberdade religiosa e de consciência no Brasil.

O último artigo apresentado é “O Programa Bolsa Família e suas condicionalidades: o que mudou na legislação?”, enviado por Roberta Rezende Oliveira e André Augusto Pereira Brandão, que fazem um interessante mapeamento das mudanças dos programas de transferência de renda que culminaram no Programa Bolsa Família, e focam na formulação de suas condicionalidades. Os autores apreciam a legislação federal que dá concretude ao PBF, entre 2004 e 2013, e verificam, com amplo domínio de dados empíricos, as mudanças na concepção das condicionalidades de acesso ao PBF. Verificam ainda se as condicionalidades impostas pela legislação para as famílias mais necessitadas acessarem os benefícios oferecidos tem caminhado de acordo com a provisão de serviços públicos básicos pelo Estado.

Também incluímos nesta edição uma resenha preparada por Fábio Luiz de Arruda Herrig para o livro Ervais em queda. Transformações no campo no extremo sul de Mato Grosso (1940-1970), de Jocimar Lomba Albanez, editado em 2013 pela Universidade Federal da Grande Dourados/MS. Em “A erva mate e a historiografia de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul” Herrig demonstra como o autor da obra em tela analisa o processo de ocupação das terras e o contexto do mundo do trabalho na agropecuária no antigo sul de Mato Grosso e, mais especificamente, o movimento das frentes pioneiras, caracterizadas pelo alto investimento de capital e pela industrialização do campo, o que, em última instância, ocasionou o declínio da produção da erva-mate naquela região.

À conclusão, Júlio Bernardo Machinski traduziu com maestria o segundo capítulo do livro “Modernolatria” et “Simultaneità”: recherches sur deux tendences dans l’avant-garde littéraire en Italie et en France à la veille de la première guerre mondial (Uppsala: Svenska Bökforlaget/Bonniers, 1962), do historiador e tradutor sueco Pär Bergman que, em português, recebeu do tradutor o título “Breve panorama do movimento futurista (desde sua fundação até a Grande Guerra)”. Nessa passagem da obra, Bergman detalha as circunstâncias do surgimento do movimento futurista, investigando a gênese do manifesto publicado no Le Figaro em fevereiro de 1909, além do sentido político e social do termo “futurismo” e o papel das revistas Poesia e Lacerba na divulgação das ações futuristas. O autor aborda também a sujeição dos futuristas à ironia dos jornalistas da época em virtude da aposta desmedida no futuro, as polêmicas que envolveram a fundação do movimento de vanguarda e o caráter militar das iniciativas de recrutamento de novos adeptos. Por fim, Bergman destaca o papel de figuras-chave do movimento e a aproximação do futurismo ao fascismo.

Agradecemos a participação dos autores, a colaboração dos alunos, e também aos colegas professores do Núcleo de Pesquisa e Informação Histórica do PPGHis-Ufes a oportunidade para a organização deste “dossiê capixaba” de história regional. Esperamos que os artigos apresentados nesta edição da Revista Ágora cheguem ao público acadêmico e aos professores de ensino fundamental e médio, e que as amplas possibilidades da história regional se façam cada vez mais atrativas aos jovens pesquisadores brasileiros.

Luiz Cláudio M. Ribeiro –  Organizador.

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Dossiê: História Intelectual, Ética e Política /Ágora/2015

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