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A História Global e as fronteiras na Antiguidade | Fronteiras – Revista Catarinense de História | 2022
Detalhe da Estela de um mercenário em Pátiris (2134–2040 a.C.) | Imagem: Wikipédia
Entre as grandes rupturas culturais do final do século XX, a crise do eurocentrismo – entendido como a cosmovisão que situa a modernidade ocidental como modelo e destino da história universal – foi a que teve mais efeitos no campo historiográfico global. As diferentes áreas do campo reagiram de modos particulares: enquanto a História Econômica e comparada reviu a centralidade da Europa na história mundial (revisão exemplificada na corrente intelectual do ReOrient), a História Social buscou ressaltar a imbricação entre estruturas e agência dos grupos subalternos tanto nas sociedades, quanto nas memórias ocidentais. A História Cultural, por sua vez, ressaltou as tensões implicadas na construção de identidades e representações sociais tais como “civilizado” ou “colonial” (como nas abordagens pós- e decolonial), e a História Ambiental reelaborou as relações entre sociedade e ambiente para além do discurso da “conquista da natureza” ou do “lamento da degradação”.
Neste contexto, novas áreas emergiram, como a História Global, cuja missão de criticar o eurocentrismo e o internalismo metodológico orienta os mais diversos estudos, das macro comparações ao estudo das “micro globalizações”, das redes aos sistemas-mundo, dos impérios em contato aos viajantes, dos processos transnacionais aos fenômenos ambientais globais. Central no projeto da História Global é a crítica das fronteiras projetadas pelas sociedades contemporâneas sobre o passado, sob o efeito dos estados nacionais e suas comunidades imaginadas, o que desvinculou as sociedades de seus contextos concretos. A História Antiga dialogou com estas perspectivas, resultando na promoção de três abordagens significativas: a história dos grupos subalternos antigos, a história da recepção e usos da Antiguidade no mundo contemporâneo, e a história das conexões e contatos entre as várias sociedades antigas em seus contextos mais amplos. Nestas três abordagens, o problema das fronteiras é central e se desdobra em múltiplos aspectos, fronteiras sociais e espaciais, internas e externas, trazendo a necessidade de se revisitar conceitos e metodologias que tomavam este termo como dado. Assim, é preciso refletir como definir as fronteiras entre grupos sociais, como dominantes e subalternos, por exemplo, ou entre segmentos de grupos subalternos. De que maneira Antiguidade foi utilizada em contextos de fronteira no Ocidente, como a América Latina contemporânea? Em relação à História Global, fronteiras como “mundo romano”, “Egito”, “mundo grego”, “África”, estão além da projeção dos estados nacionais sobre o passado antigo, mas de que maneira podemos entender esses limites tendo em vista uma visão êmica de fronteira? Quais eram os contextos nos quais as sociedades se interagiam? Qual era a relação entre fronteiras internas e externas às sociedades? A integração a contextos maiores potencialmente eliminava as fronteiras? O objetivo deste dossiê é refletir sobre os problemas associados aos conceitos de fronteira na Antiguidade. Leia Mais
Internacionalismo e história global | Esboços | 2021
Nos últimos trinta anos, o campo da História Global tem fornecido meios para abordagens inovadoras tanto para antigos como para novos temas históricos. Este dossiê continua esta tradição ao focar as lentes da História Global no tema do internacionalismo, que foi marcado recentemente pelo ressurgimento do interesse acadêmico. Pesquisadores como Tiffany Florvil, Adom Getachew, Or Rosenboim, Glenda Sluga e Patricia Clavin ajudaram a ampliar o estudo do internacionalismo para além do Estado-nação, suas políticas externas e instituições internacionais (FLORVIL, 2018; GETACHEW, 2019; ROSENBOIM, 2017; SLUGA; CLAVIN, 2017). Ainda que seus trabalhos continuem engajados nos âmbitos da high politics, eles também introduzem novos atores e espaços, como os internacionalismos das teorias socialistas mundiais na Segunda Internacional (1889-1916), os debates internacionalistas concorrentes na Liga das Nações (1920-1946), e os internacionalismos anticoloniais e anti-imperialistas no contexto da solidariedade afro-asiática e da conferência de Bandung (1955). Novas pesquisas também levaram a discussões em torno do papel crítico desempenhado pelos movimentos transnacionais e transimperiais de mulheres, redes antirracistas e movimentos negros, movimentos globais pela paz, assim como diferentes religiões. Estes diversos temas ilustram as variadas formas de internacionalismo e têm desvendado a infinidade de imaginários políticos da esfera internacional que se desenvolveram durante o longo século XX ao lado e em competição com o nacionalismo e o imperialismo. Estudos recentes sobre internacionalismos também têm levantado novas questões, por exemplo, em relação a diferentes ideias de world making, sobre os meios de intercâmbio internacional e sobre as tensões, limites e exclusões inerentes ao internacionalismo. Estes debates contribuem para o crescimento e a solidificação da História Global como um campo. Leia Mais
A Global History of Convicts and Penal Colonies | Clare Anderson
La existencia de campos o centros de “reeducación” en la República Popular China viene siendo denunciado por la comunidad internacional. Millones de personas pertenecientes a la minoría étnica de los uigures, asentado sobre todo en la región de Sinkiang, han sido recluidos en estos campos en los últimos años.1 Sin embargo, el uso de colonias o campos de concentración es una práctica de muchos siglos. El traslado de grupos de personas (criminales, indeseables, vagabundos u opositores políticos) de una zona a otra con propósitos de educación, castigo, trabajo, colonización se ha desarrollado por todo el mundo. Leia Mais
Uma História Global antes da Globalização? / Revista de História / 2020
Se o mundo não tivesse virado de ponta cabeça em 2020, celebraríamos com pompa e circunstância o aniversário de 70 anos da Revista de História. A pandemia impediu que realizássemos o evento que havíamos planejado para relembrar uma história que começou em março de 1950.
Em nosso número 1, o leitor encontrava a transcrição de uma conferência de Lucien Febvre, cinco artigos (de Gilda Maria Reale, Geoffrey Willey, Myriam Ellis Austregésilo, Alfredo Ellis Júnior e Odilon Nogueira de Matos), um documentário proposto por Carlos Drummond, a seção “Fatos e Notas” (com comentários de Pedro Moacyr Campos e J. Philipson), três resenhas (Plínio Ayrosa e novamente Alfredo Ellis Júnior e J. Philipson) e um Noticiário, que incluía textos, entre outros, de Eduardo d’Oliveira França e Antônio Cândido.
O editorial desse primeiro número era significativamente intitulado “O nosso programa” e vinha assinado por Eurípedes Simões de Paula – criador e, por 27 anos, editor da Revista. Nele, Eurípedes indicava o principal esforço do periódico: divulgar as pesquisas universitárias. O tom da apresentação e o emprego do pronome possessivo no título não deixavam dúvida: os trabalhos publicados seriam, sobretudo, aqueles produzidos pelos professores da área de história da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Passaram-se sete décadas e o número 179 corresponde a outra lógica de construção e dinâmica dos periódicos acadêmicos. Oferece 48 artigos, divididos em nove seções e um dossiê, e sete resenhas. Reúne pesquisadores de 36 instituições, espalhadas por três países e doze Estados brasileiros. Ao longo das mais de 1.500 páginas dessa edição – publicada em fluxo contínuo e de forma exclusivamente digital -, o leitor acompanha questões teóricas e historiográficas, visita temas clássicos e renovados, circula por territórios diversos da pesquisa acadêmica e explora um dossiê – “Uma história global antes da globalização?” – que problematiza visões convencionais acerca da história medieval e propõe uma percepção do passado marcada pela circulação e pela conexão.
Em 2020, não pudemos comemorar presencialmente nossos 70 anos. A Revista de História, porém, continua viva e atenta aos rumos do pensamento historiográfico, aos diálogos da história com outras áreas do conhecimento e à importância do debate amplo e do acesso aberto. Também por isso, nesse ano sombrio ampliamos bastante nossa presença nas redes sociais e criamos novos espaços de divulgação científica. Assim pretendemos ultrapassar os muros do belo e quase desértico, nos meses de isolamento social, campus Butantã da USP e, ainda mais importante, cumprir outro, e central, propósito anunciado por Eurípedes Simões de Paula no editorial que escreveu para o primeiro número: ser um traço de união entre a Universidade e a sociedade.
Boa leitura e que continuemos próximos em 2021.
Júlio Pimentel Pinto – Universidade de São Paulo São Paulo – São Paulo – Brasil
PINTO, Júlio Pimentel. Editorial. Revista de História, São Paulo, n. 179, 2020. Acessar publicação original [DR]
Toda história é história conectada? / Esboços / 2019
História global, histórias conectadas: debates contemporâneos
Acrescente bibliografia do campo da História Global elegeu como um de seus principais alvos o que foi definido como “internalismo metodológico”. Tal postura se basearia, segundo as críticas dos historiadores globais, na supervalorização dos fatores internos à unidade de análise escolhida para a explicação e a interpretação dos processos históricos (GRUZINSKY, 2001; CONRAD, 2016, p. 108; MARQUESE, 2019). As unidades de análise variam do Estado-nação, base do recorrente “nacionalismo metodológico”, a comunidade étnica, civilização, império ou região, entre outras (CONRAD, 2016, p. 79; GUARINELLO, 2003).
Em contraponto, críticos da história global argumentam que a ênfase nas conexões e nos processos de integração acabam por criar histórias sem fronteiras, reiterando ideologias que apontam para a criação de uma “aldeia global”, integrada e harmônica, em que ideias, pessoas e bens circulariam em redes cambiantes de fluxos multiformes – ideologia particularmente artificial quando observada do hemisfério sul (BLAUT, 1993). A defesa das unidades de análise tradicionais e de seus fatores internos – o Estado-nação acima de todos – seria uma resistência à ideologia globalista subjacente à história global, condenada desde a concepção.
As respostas dos historiadores globais são variadas, mas, no geral, apontam para a incorporação das fronteiras como parte fundamental dos processos de integração (GUARINELLO, 2010). Longe de eliminarem as fronteiras em favor dos fluxos, os processos de integração e conexão também promoveriam a reconfiguração das fronteiras (CONRAD, 2016, p. 67). Assim, a ênfase nas conexões reposiciona o problema das unidades de análise em outros termos – Estados-nação, impérios ou comunidades étnicas definem seus contornos e limites em contextos mais amplos de contatos e interseções de fronteiras variadas (SUBRAHMANYAN, 1997). Não mais pressupostas, as fronteiras deixam de ser fundamento da historicidade para se tornar também componentes da problemática, discutidas em função de processos concretos que as ultrapassam, sendo ao mesmo tempo seus vetores.
Assim, a revista Esboços apresenta o dossiê Toda história é história conectada?, composto por cinco artigos, com escopos temporais e espaciais variados, que abordam, sob diferentes pontos de vista, a questão das conexões e das fronteiras, bem como da própria definição da história global.
José Ernesto Knust, em “Os Pláucios, a emancipação da plebe e a expansão romana: conectando as histórias interna e externa da República Romana”, realiza uma crítica radical da divisão que estruturou a historiografia sobre o período republicano em Roma: a “história interna”, dominada pelas guerras entre ordens (patrícios e plebeus), e a “história externa”, dominada pelas guerras de conquista da Itália e do Mediterrâneo. Essa divisão, arbitrária, define como fronteira da análise uma Roma raramente definida (uma cidade?, um estado?, a comunidade cívica?) e produz alguns enigmas insolúveis fora de uma história conectada. Um deles é a ascensão meteórica de uma família plebeia, os Pláucios, à mais alta magistratura romana, o consulado, sem antes ter ocupado qualquer magistratura menor.
Com base no caso dessa família, Knust demonstra que, enigmática quando se toma a história interna de Roma como fronteira, sua ascensão é compreensível quando se incorpora a história das comunidades vizinhas de Roma, onde a família já estava inserida em redes de elites. A ascensão dentro do estado romano, por sua vez, é fundamental para a compreensão de guerras no centro da Itália, que resultarão na criação de um império formado por um arranjo complexo de alianças particulares.
A história global oferece, segundo Knust, o impulso para a superação de fronteiras historiográficas insuficientes na direção da dimensão mediterrânica da circulação horizontal das elites, da reconfiguração de suas fronteiras intraelites e externas contra as comunidades camponesas (2019).
Em “Connecting worlds, connecting narratives: global history, periodisation and the year 751 CE”, Otávio Luiz Vieira Pinto realiza um exercício de história conectada reduzindo o escopo temporal ao ano de 751, ao passo que amplia o escopo espacial à Eurásia. Discute três processos históricos que têm nesse ano um marco fundamental: o conflito entre o Califado Abássida e o Império Chinês sob a dinastia Tang; a ascensão da família carolíngia no reino franco; a guerra iconoclasta e a ascensão ao trono bizantino de um imperador de origem centro-asiática.
O autor demonstra a conexão entre esses processos tomando o Império Bizantino como ponto de ligação – a decisão bizantina de se concentrar no oriente abássida em ascensão reforça a separação com a Europa ocidental, abrindo o terreno para a separação das igrejas e a construção de um império cristão europeu, o carolíngio. Assim, o ano 751 seria um marco não para a história de uma ou outra região, mas para a história da Eurásia, pois significou o fim da Antiguidade eurasiática com a instauração da divisão em três superpotências – Império Carolíngio no ocidente, Califado Abássida no centro, China Tang no oriente –, com consequências duradouras para o período medieval. As conexões, portanto, passaram pela formulação de novas fronteiras entre macrorregiões (PINTO, 2019).
O artigo “Más allá de una simple biografía: ‘el caso Cerruti’, una historia conectada y multinivel enlazada por un ‘historiador electricista’”, escrito por Luciana Fazio, é um exército de micro-história conectada, que toma como caso a “questão Cerruti”, a qual começa com a prisão de um imigrante italiano na Colômbia oitocentista e resulta numa crise diplomática de grandes proporções entre Itália e Colômbia. Para tanto, a autora articula processos históricos de natureza e escalas diversas: das estratégias comerciais, matrimoniais e políticas de um migrante italiano na Colômbia até a formação do Estado nacional colombiano; do terror da população de uma cidade portuária prestes a ser bombardeada até a afirmação do imperialismo italiano, do hispano-americanismo espanhol e da doutrina Monroe norte-americana.
Fazio analisa a história da migração, do imperialismo, da formação de um sistema comercial, financeiro e diplomático internacional, bem como da criação do Estado nacional e do nacionalismo, como macroprocessos, à luz do local/particular, superando separações arbitrárias de historiografias internalistas. A autora conclui, no entanto, que a história global pode ser empregada somente quando há globalização e suspensão das fronteiras – para ela, algo que se deu após os anos 1970 –, que são úteis na medida em que oferecem uma caixa de ferramentas boa para pensar processos históricos integrados, entre os quais se destaca a história conectada (FAZIO, 2019).
O quarto artigo do dossiê, “Contribuições preliminares da história universal de H.G. Wells: elementos de história socioevolucionista e da world history contemporânea”, escrito por Fábio Iachtechen, discute as escolhas científicas e as implicações geopolíticas do escritor britânico H.G. Wells na redação de sua História Universal, cuja primeira edição aparece em 1919. Contra histórias centradas na Europa e nos Estados-nacionais, Wells buscou nas ciências naturais a unidade fundamental da história, que seria a base para a construção de uma Liga das Nações que superasse os traumas da Primeira Grande Guerra.
Em Wells, não se trata de relatos conectados, já que as histórias das várias civilizações e “raças” são tratadas separadamente. No entanto, a discussão científico- -evolucionista que orienta a obra fundamenta uma “história unificada” do gênero humano, que parte de uma mesma raiz (IACHTECHEN, 2019).
O último artigo do dossiê é “Bandung, 1955: ponto de encontro global”, escrito pelas historiadoras Raissa Brescia dos Reis e Taciana Almeida Garrido Resende, que discute a produção e a interação das produções narrativas – em documentos, relatórios e revistas – acerca da unidade e das fronteiras dos países do Terceiro Mundo. Em função dos sujeitos e dos contextos discursivos, diferentes fronteiras eram engajadas na definição das prioridades da ação terceiro-mundista. Tratava-se de uma aliança de países não alinhados, que excluiria os alinhados a cada potência da Guerra Fria? Qual era o maior inimigo: o colonialismo europeu ou o em geral, incluído o comunista? A luta anticolonial se sobrepunha às disputas entre os países terceiro-mundistas? O Terceiro Mundo se centrava na Ásia ou na África? A luta anticolonial deveria ser feita por estados ou por movimentos sociais?
A conexão de diferentes pautas governamentais e ideias sobre geopolítica e relações sociais, em vez de suspender fronteiras, tornou-as mais complexas, mergulhada em tramas narrativas de sujeitos que disputavam posições dentro da nova comunidade (REIS; GARRIDO, 2019).
O dossiê, portanto, apresenta múltiplas respostas ao desafio colocado pelo paradigma da história conectada, identificada ou não com a história global. Historiadoras e historiadores especialistas em períodos diferentes, e com trajetórias formativas diversas, apontam para a multiplicidade pela qual as conexões são produzidas e produzem fronteiras tanto no nível dos objetos quanto no enquadramento historiográfico das pesquisas. Sem encerrar a questão, o dossiê apresenta mais elementos para o debate sobre os limites e as possibilidades da história global como conectada.
Referências
BLAUT, James M. The Colonizer’s Model of the World: Geographical Diffusionism and Eurocentric History. London: The Guildord Press, 1993.
CONRAD, Sebastian. What is Global History? Princeton: Princeton University Press, 2016.
FAZIO, Luciana. Más allá de una simple biografía: “el caso Cerruti”, una historia conectada y multinivel enlazada por un “historiador electricista”. Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 42, p. 270-289, maio/ago. 2019.
GRUZINSKI, Serge. Os mundos misturados da monarquia católica e outras connected histories. Topoi, Rio de Janeiro, p. 175-195, mar. 2001.
GUARINELLO, Norberto Luiz. Ordem, integração e fronteiras no Império Romano: um ensaio. Mare Nostrum, São Paulo, v.1, p. 113-127, 2010.
GUARINELLO, Norberto Luiz. Uma morfologia da história: as formas da história antiga. Politeia: História e Sociedade, Vitória da Conquista, v. 3, n. 1, p. 41-61, 2003.
IACHTECHEN, Fábio Luciano. Contribuições preliminares da História universal de H.G. Wells: elementos de história socioevolucionista e da world history contemporânea. Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 42, p. 290-308, maio/ago. 2019.
KNUST, José Ernesto Moura. Os Pláucios, a emancipação da plebe e a expansão romana: conectando as histórias interna e externa da República Romana. Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 42, p. 234-254, maio/ago. 2019.
MARQUESE, Rafael de Bivar. A História Global da escravidão atlântica: balanço e perspectiva. Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 41, p. 14-41, 2019.
PINTO, Otávio Luiz Vieira. Connecting worlds, connecting narratives: global history, periodisation and the year 751 CE. Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 42, p. 255-269, maio/ago. 2019.
REIS, Raissa Brescia dos; RESENDE, Taciana Almeida Garrido. Bandung, 1955: ponto de encontro global. Esboços, Florianópolis, v. 26, n. 42, p. 309-332, maio/ ago. 2019.
SACHSENMAIER, Dominic. Global History, Pluralism, and the Question of Traditions. New Global Studies, v. 3, n. 3, p. 1-9, 2009.
SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes Towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, Cambridge, v. 31, n. 1, p. 735-762, 1997.
Alex Degan – Doutor. Professor adjunto, Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História, Florianópolis, SC, Brasil. Organizador do dossiê Toda História é História Conectada? https://orcid.org/0000-0001-7359-0265 E-mail: alexdegan@yahoo.com.br
Lindener Pareto Junior – Doutor. Professor titular, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de História, Campinas, SP, Brasil. Pós-doutorando, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História, Campinas, SP, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-1441-4979 E-mail: lindenerpareto@gmail.com
[DR]Amazônia e História Global / Tempo / 2017
Desde o final do século XVIII, o que o hoje conhecemos como a região amazônica da América do Sul passou principalmente a ser identificada a partir de vários conceitos relativos ao mundo natural: Floresta Amazônica, Selva Amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia, Floresta Pluvial ou Hileia Amazônica. Foi precisamente o cientista prussiano Friedrich Alexander von Humboldt (1769-1659) quem usaria o termo hileia (Hyleae) para denominar e centralizar essa região no planeta. A marca do território, porém, é muito mais antiga. Desde 1540, quando Francisco de Orellana (1490-1550) desceu o imenso paraná-assu dos tupis, o batismo do rio Amazonas correu mundo, evocando imagens da mitologia grega e das narrativas indígenas. Da natureza à história, a ideia de Amazônia começava a ser construída. Em 1833, Ignacio Accioli Cerqueira e Silva (1808-1865) utilizaria a expressão “País das Amazonas” para denominar a extensa área do antigo estado do Grão-Pará e Maranhão, nos tempos da América colonial portuguesa. Essa noção faria percurso de mão dupla no campo científico oitocentista, entre a ilustração e o Romantismo, tanto que, em 1835, Friedrich Moritz Rugendas (1802-1858) utilizaria “região do Amazonas” para nomear a região Norte do Brasil, enquanto o barão Frederico José de Santa Anna Nery (1848-1901) retomaria a ideia de “País das Amazonas” em uma publicação em Paris, em 1885. Nery foi o ponto de partida de uma vasta intelectualidade “nativa” que utilizaria um conceito de Amazônia com forte acento histórico, geográfico e cultural, no qual se sobressairiam José Veríssimo, José Coelho da Gama Abreu, Ignacio Moura, Euclides da Cunha, Henrique Santa Rosa, Alfredo Ladislau e Eidorfe Moreira.
Está claro, portanto, que o conceito de Amazônia pode variar dependendo do ponto de vista fisiográfico, geomorfológico, biogeográfico, político e histórico. Por isso mesmo, a proposta deste dossiê temático foi a de reunir estudos sobre a Amazônia brasileira e as fronteiras amazônicas da América do Sul, do Atlântico e do Caribe, e seus diálogos com o campo historiográfico internacional da chamada global history. Tomando como premissa que, em si, a Amazônia sempre foi um espaço de fronteiras, de políticas transnacionais e de relações sociais, intelectuais e econômicas em escala mundial, apresentamos aqui cinco trabalhos que manejam diferentes histórias conectadas e cruzadas em distintas escalas de leitura temporal e espacial com passagem pelo locus amazônico, real ou imaginário, histórico, literário ou artístico, passado ou presente. Ancorados em importante e múltiplo debate historiográfico, desde a economia-mundo, de Braudel, Wallerstein e Tomich, passando pelas connected histories, de Sanjay Subrahmanyam, Serge Gruzinski e François Hartog, seguindo pela histoire cruzée, de Michael Werner e Bénédicte Zimmermann, até distinções pontuais entre a global history, a world history e a transnational history, nas obras de Hugo Vengoa e Sandra Ficker, os vários artigos compartilham da necessidade de ampliar os objetos de análise para além das fronteiras nacionais. Assim também, revelam esforço em romper com a tradicional unidade do Estado-nação e oferecer uma interpretação alternativa aos “modelos” centrados a partir de “casos” europeus.
Mark Harris apresenta uma releitura dos primeiros relatos sobre a Amazônia, de finais do século XV e primeira metade do século XVI, buscando compreendê-los como elementos importantes para a compreensão das sociedades ameríndias e suas dinâmicas históricas no momento da conquista. Com isso, aprofunda uma reflexão consagrada a partir da pesquisa arqueológica que vê o momento da conquista como a irrupção dos europeus em um mundo em plena ebulição, revelando também as múltiplas conexões entre as diversas partes da Amazônia no momento da chegada dos ibéricos.
Em seu texto sobre contrabando nas fronteiras luso-hispânicas da Amazônia, Sebastián Gómez González revela os inúmeros interesses envolvidos e as complexas relações estabelecidas nas zonas de fronteira, para além dos interesses das Coroas ibéricas. Ao estudar o contrabando entre as Amazônias hispânica e portuguesa, o autor não só lança luz sobre as relações entre esses mundos considerados quase que excludentes pelas historiografias nacionais, como também permite conectar duas outras regiões, também apartadas historiograficamente uma da outra: as terras baixas e as terras altas, ou a selva e os Andes e sua zona de transição, o pé de monte.
O artigo de Rafael Ale Rocha também está voltado para o problema da fronteira, questão central na região amazônica ao longo de todo o período colonial e depois das independências das nações sul-americanas. Ao analisar os conflitos em torno do Cabo do Norte e das pretensões portuguesas e francesas sobre essa região, o autor reinsere a Amazônia em uma reflexão mais global e a conecta com a compreensão de seu lugar nos respectivos impérios a partir dos contextos mais globais nos quais se insere o problema das fronteiras. Faz isso, principalmente, a partir da correspondência trocada por um governador do estado do Maranhão e autoridades francesas e do Reino português.
Daniel Souza Barroso e Luiz Carlos Laurindo Junior buscam analisar as dinâmicas da escravidão no vale amazônico nos quadros da economia-mundo capitalista, revisitando um clássico debate historiográfico sobre a importância e a efetividade econômica e demográfica da escravidão negra no Norte do Brasil. Demonstrando, de modo inovador, o papel da reprodução endógena na manutenção do escravismo na Amazônia e atualizando o diálogo com Wallerstein e Tomich, os autores propõem uma reflexão sobre a economia escravista amazônica, cotejada com a chamada segunda escravidão, faceta mais conhecida da história global das relações de trabalho compulsório no século XIX.
Aldrin Moura de Figueiredo e Silvio Ferreira Rodrigues investem sobre a questão do “centro” e da “periferia” no contexto da arte global, tomando como parâmetro analítico a circulação de cópias de pintura europeia em Belém do Pará, na segunda metade do século XIX, em diálogo com outros centros e periferias de arte, como Roma, Lisboa, Istambul e Santiago. O contexto mais amplo é o do movimento internacional de renovação do catolicismo, conhecido como ultramontanismo, romanização ou reforma católica, no qual se destacou a atuação do bispo do Pará d. Antônio de Macedo Costa (1830-1891), durante o pontificado de Pio IX. Para os autores, esse movimento testemunha a pedagogia e os debates políticos na história do catolicismo romano e brasileiro do século XIX, evidenciando conexões artísticas, intelectuais e religiosas entre o Vaticano e a América do Sul como parte do movimento internacional de renovação do catolicismo.
Esperamos que a leitura dos artigos do dossiê permita a compreensão de uma Amazônia (ou de várias Amazônias, no tempo e no espaço) que tem de ser entendida a partir de sua complexidade e, principalmente, das múltiplas conexões que dão sentido à sua história, superando uma historiografia tradicional que ainda insiste em pensá-la e explicá-la a partir dos quadros dos Estados nacionais.
Aldrin Moura de Figueiredo – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: figueiredoaldrin@gmail.com
Rafael Chambouleyron – Faculdade de História, Universidade Federal do Pará – Belém – Brasil. E-mail: rafaelch@ufpa.br
José Luis Ruiz-Peinado Alonso – Departamento de História e Arqueologia, Universidade de Barcelona – Barcelona – Espanha. E-mail: luigiruizpeinado@ub.edu
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; CHAMBOULEYRON, Rafael; ALONSO, José Luis Ruiz-Peinado. Apresentação. Tempo. Niterói, v.23, n.3, set. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]
Escalas de História Global / Almanack / 2016
Algumas palavras sobre o dossiê Escalas de História Global [1]
De 3 a 5 de março de 2016, a Faculdade de Filosofia de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo sediou o Seminário Internacional Escalas de História Global , organizado pelo LabMundi-USP como parte das atividades relacionadas à Rede de História Global 2 . Seu objetivo principal foi reunir duas dezenas de historiadores de oito países diferentes (Brasil, Argentina, Peru, Estados Unidos, Holanda, Senegal, Índia e China), em diferentes estágios de suas carreiras, para discutir as possibilidades e limites da História global. Os trabalhos apresentados no seminário exploraram temas específicos em vários tempos e lugares, mas todos eles engajados em abordagens amplas que poderiam ser identificadas de diferentes maneiras como globais.
Durante o seminário, os participantes exploraram temas que cruzaram oceanos e continentes unidos, como movimentos migratórios, fluxos de capitais e mercadorias, formação de territórios, dinâmicas de trabalho em ambientes urbanos e rurais, ideias religiosas e políticas, entre outros. A maioria dos debates lidava com uma questão central: a necessidade de compreender certas realidades sociais que, por sua própria natureza histórica, exigem dos estudiosos a capacidade de usar ferramentas empíricas e teóricas extensas, empurrando assim para ir além de escalas de observação que são muito restritas.
Muitos dos trabalhos apresentados no seminário – enriquecidos por críticas e sugestões dos participantes – compõem este número especial do Almanack, periódico eminentemente cosmopolita desde o seu início. Nenhum desses artigos apresenta uma defesa acrítica de abordagens globais, nem tenta definir tais abordagens. A riqueza deste número reside precisamente no facto de apresentar uma investigação histórica da mais alta qualidade, que oferece a base mais sólida para avaliar qualquer proposta teórica ou metodológica independentemente do seu grau de real inovação. No caso da História Global, parece sensato considerar que seu potencial de inovação depende da existência de casos específicos – embora espacialmente amplos – em que as abordagens globais se mostrem eficazes e úteis.
Além de suas contribuições historiográficas individuais, os artigos apresentados são exemplos de uma História Global construída sobre realidades concretas. Eles são uma advertência saudável contra a possibilidade de que o potencial inexplorado das abordagens globais possa se tornar outra teoria superficial ou simplesmente uma nova seita historiográfica.
Notas
1. Traduzido por Leonardo Marques.
2. A Rede de História Globalfoi concebida por Sven Beckert e Marcel van der Linden e é formada por seis instituições: East China Normal University, International Institute of Social History (Holanda), LabMundi-USP (Brasil), University of Delhi (Índia) , Université Cheikh Anta Diop (Senegal) e Weatherhead Initiative on Global History-Harvard (EUA).
João Paulo Pimenta – Universidade de São Paulo. E-mail: jgarrido@usp.br
Rafael Marquese – Universidade de São Paulo. E-mail: marquese@usp.br
PIMENTA, João Paulo; MARQUESE, Rafael. Algumas palavras [Algumas palavras sobre o dossiê Escalas de História Global]. Almanack, Guarulhos, n.14, set / dez, 2016. Acessar publicação original [DR].
O Brasil na História Global / Revista Brasileira de História / 2014
O polêmico e polissêmico conceito de globalização se impôs como a caracterização mais difundida das transformações mundiais ocorridas desde a última década do século XX. Tem cabido aos historiadores, frequentemente, o papel de relativizar o ineditismo da conjuntura atual, identificando-a como um novo momento em um processo de longo prazo de expansão e aceleração dos múltiplos fluxos que integram os mais distantes pontos do planeta. Ainda assim, o corrente foco na perspectiva global tem gerado questionamentos e debates relevantes para o nosso ofício.
Sabe-se que a institucionalização da disciplina histórica transcorreu intimamente articulada ao desenvolvimento dos modernos Estados nacionais e desempenhou papel fundamental na construção de suas bases simbólicas de legitimação. Até que ponto o enquadramento no espaço nacional limita a definição dos objetos e perspectivas de análise na pesquisa histórica? Em que as diversas correntes e metodologias associadas à ideia de História Global podem contribuir para redefinir as abordagens sobre temas tradicionalmente recortados nos limites de fronteiras nacionais? A chamada História Global representa um paradigma radicalmente inovador, um campo de diálogo entre diversas perspectivas, ou apenas um modismo intelectual influenciado pelo “espírito da época”? Até que ponto a História Global pode alterar nosso entendimento sobre o Brasil e seu lugar no mundo em diferentes momentos históricos? Ou seria justamente a ênfase nas particularidades dos fenômenos históricos no interior de um Estado nacional pós-colonial como o Brasil uma forma de romper com o eurocentrismo de narrativas “mundiais” ou “globais”?
Essas foram algumas das indagações propostas aos autores que apresentaram artigos para integrar o dossiê temático “O Brasil na História Global”, contido neste número da Revista Brasileira de História. Os trabalhos selecionados oferecem um panorama significativo da diversidade de abordagens abarcadas sob o conceito de História Global.
Em “‘O maior incêndio do planeta’: como a Volkswagen e o regime militar brasileiro acidentalmente ajudaram a transformar a Amazônia em uma arena política global”, Antoine Acker relata a surpreendente história da ascensão e queda do projeto que visava transformar o Brasil em exportador de carne bovina empregando as modernas técnicas de gestão da multinacional alemã. José Juan Pérez Meléndez, por sua vez, valendo-se de pesquisa inovadora, oferece novas perspectivas sobre um tema clássico da história brasileira do século XIX em “Reconsiderando a política de colonização no Brasil Imperial: os anos da Regência e o mundo externo”. Gênero, literatura e crítica à sociedade escravista são os temas que se conectam nos relatos analisados por Ludmila de Souza Maia em “Viajantes de saias: escritoras e ideias antiescravistas numa perspectiva transnacional (Brasil – século XIX)”.
Maria Verónica Secreto explora as possibilidades inovadoras abertas pelas correntes historiográficas que buscam transcender o recorte do espaço nacional para entender as relações entre nosso país e seu maior vizinho em “Histórias conectadas: histórias integradas. Brasil e Argentina em busca de um terceiro no século XIX”. Em “‘Como abelhas polinizando flores’: gerência e racionalização do trabalho no complexo coureiro-calçadista de Franca-SP no século XX”, Vinícius de Rezende situa a experiência de um importante setor industrial brasileiro no quadro global do desenvolvimento das técnicas de gestão empresarial. Helenice Aparecida Bastos Rocha e Flávia Eloisa Caimi, por sua vez, levam a temática do nosso dossiê à sala de aula, com “A(s) história(s) contada(s) no livro didático hoje: entre o nacional e o mundial”.
Completando esse quadro, publicamos entrevista inédita com Patrick Manning, da Universidade de Pittsburgh, pesquisador consagrado e pioneiro no estudo da diáspora africana e dos fluxos migratórios globais na perspectiva da História Mundial. O professor Manning tem se destacado ao longo das últimas décadas na articulação de redes continentais de pesquisadores interessados em explorar os potenciais da História Global.
A seção de avulsos também traz um conjunto de trabalhos marcados por grande diversidade, tanto do ponto de vista da temática quanto no escopo cronológico.
Ela se abre com “Descontruindo mapas, revelando espacializações: reflexões sobre o uso da cartografia em estudos sobre o Brasil colonial”, de Tiago Kramer de Oliveira. Victor Melo apresenta uma abordagem original sobre a história africana do século XX em “O esporte na política colonial portuguesa: as iniciativas de Sarmento Rodrigues na Guiné (1945-1949)”. A história política britânica do século XVI é o campo de análise de Eoin O’Neill em “A inglória ilha de Gloriana: Elizabeth I, responsabilidade e honra na Guerra dos Nove Anos na Irlanda”.
Temas clássicos nos estudos sobre economia e da política no Brasil colonial são reexaminados por Thiago Alves Dias em “O Código Filipino, as Normas Camarárias e o comércio: mecanismo de vigilância e regulamentação comercial na capitania do Rio Grande do Norte”. As linhas de continuidade e ruptura na história do trabalho no Brasil entre os séculos XIX e XX são abordadas em “Greve como luta por direitos: as paralisações dos cocheiros e carroceiros no Rio de Janeiro (1870-1906)” de Paulo Cruz Terra.
Já Bruno Bontempi Jr. e Carlota Boto oferecem uma contribuição original para a reflexão sobre a relação entre políticas educacionais, identidade nacional e construção do Estado brasileiro em “O ensino público como projeto de nação: A ‘Memória’ de Martim Francisco (1816-1823)”. Finalmente, trazemos um trabalho sobre história política nacional no período recente: “Informação, política e fé: o jornal Mensageiro da Paz no contexto de redemocratização do Brasil (1980-1990)”, de André Dioney Fonseca.
O volume se conclui com quatro resenhas. Flávio Limoncic comenta A Justiça do Trabalho e sua história, organizado por Ângela de Castro Gomes e Fernando Teixeira da Silva. Denise Soares de Moura analisa Governabilidade nas fronteiras da América portuguesa, de Nauk Maria de Jesus. Poetry and the Police: Communication Networks in Eighteenth-Century Paris, de Robert Darnton, é a obra examinada por Luís Felipe Sobral. Por fim, Magda Rita Ribeiro de Almeida Duarte apresenta A Reforma Papal (1050-1150): trajetórias e críticas de uma história, de Leandro Duarte Rust.
Alexandre Fortes
FORTES, Alexandre. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.34, n.68, jul. / dez., 2014. Acessar publicação original [DR]
Brasil no Contexto Global, 1870-1945 / História Ciências Saúde — Manguinhos / 2014
Ao longo de 2013 foram comemorados 25 anos do Sistema Único de Saúde (SUS) com abundantes debates, reportagens e entrevistas. Esta primeira edição de 2014 de História, Ciências, Saúde – Manguinhos traz ainda algumas contribuições às análises em geral muito preocupantes sobre os rumos dessa guinada fundamental na história da saúde pública brasileira.
Ao assumir João Baptista Figueiredo o último governo (1979-1985) da ditadura militar, objeto também de balanços históricos pelos cinquenta anos decorridos desde o golpe de 1964, chegava ao fim o milagre brasileiro e começava a “década perdida”. A elevação dos preços do petróleo, a expansão descontrolada da dívida externa e da inflação e a política recessiva contribuíram para levar às ruas o movimento “Diretas já” (1982-1983). No governo Geisel começara a chamada “abertura lenta e gradual”. Entre as diversas formas de mobilização popular sobressaíam as que conjugavam a luta pela redemocratização a propostas de reforma da saúde. O primeiro Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, na Câmara dos Deputados, reuniu em 1978 as principais lideranças do movimento da reforma sanitária, aprovando-se documento com seus princípios centrais. Estavam em sintonia com tendências em curso na saúde global que traziam a primeiro plano o conceito de atenção primária à saúde. Aí também o novo pensamento médico nutria-se de processos que formariam o epílogo da guerra fria. Os movimentos de estudantes, trabalhadores e intelectuais que irromperam em 1968 contestavam não apenas o sistema capitalista e a cultura e ideologia burguesas, mas também o establishment médico, acelerando a obsolescência dos modelos verticais de erradicação de doenças e a ideologia desenvolvimentista correlata, segundo a qual os países “subdesenvolvidos” trilhariam caminho igual ao da América do Norte e Europa Ocidental se fossem providos de tecnologias médicas sofisticadas. Estudos produzidos dentro e fora do campo médico, inclusive no âmbito historiográfico, ajudaram a demolir essa visão de mundo e da saúde. O divisor de águas na saúde global foi a Conferência Internacional sobre a Atenção Primária à Saúde realizada em setembro de 1978 em Alma-Ata, na então União Soviética. A declaração lá aprovada estabelecia como princípios básicos: tecnologia adequada às necessidades das populações pobres em lugar da tecnologia sofisticada consumida por uma minoria urbana; oposição ao elitismo médico e à excessiva especialização; valorização de agentes comunitários de saúde; abertura aos saberes tradicionais; e o conceito de saúde como ferramenta para o desenvolvimento socioeconômico, por meio de ações horizontais e intersetoriais, chegando às zonas rurais e periferias pobres das grandes cidades.
No Brasil, os movimentos sociais com agenda semelhante alcançaram suas vitórias mais expressivas algum tempo depois. Em 15 de janeiro de 1985, foi eleito presidente, pelo voto indireto, o senador Tancredo Neves, que morreu antes da posse, assumindo o cargo o vice-presidente, José Sarney (1985-1990). Pressionado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e por diversas instituições médicas e científicas, o governo nomeou o principal líder do movimento pela reforma sanitária presidente da Fiocruz. Sergio Arouca, da Escola Nacional de Saúde Pública, assumiu o cargo em 3 de maio de 1985 e em março do ano seguinte presidiu a oitava Conferência Nacional de Saúde, cujas plenárias sacramentaram o conceito de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado a ser implementado com a unificação, democratização e descentralização do sistema, compreendendo-se saúde não apenas como acesso a serviços, mas como resultado das condições de vida. Medicina previdenciária e saúde pública deviam ser integradas num sistema único que viesse a prover cobertura a todos os cidadãos.
Os deputados federais e senadores empossados em fevereiro de 1987 acumularam as funções de uma Assembleia Constituinte. Presidida por Ulysses Guimarães, do PMDB, era formada majoritariamente por representantes de segmentos conservadores, coligados no “centrão”. Ainda assim, nela foi aprovada a criação do SUS, graças a habilidosas negociações e ao acolhimento de uma emenda popular defendida por Arouca, com o apoio de vários partidos e entidades.
As regras político-eleitorais legadas pelo regime militar ampliaram o peso dos estados com menor colégio eleitoral, em que prevalecem os interesses oligárquicos, em detrimento das áreas mais urbanizadas, e facilitaram a proliferação de partidos políticos, o que dificulta a formação de maiorias no Legislativo e obriga os governos a se apoiar em coalizões conservadoras. Isso ajuda a explicar a opção da Constituinte, e das coalizões que vêm governando o país até hoje, de manter, ao lado do SUS, competindo com ele e ameaçando-o, um setor privado de saúde com privilégios fiscais e outras regalias.
Os artigos e as entrevistas publicados nesta edição da revista trazem importantes subsídios à reflexão sobre esses dilemas.
O leitor encontrará também nas páginas a seguir um dossiê com trabalhos derivados de uma conferência internacional realizada no Instituto de Estudos Latino-americanos da Freie Universität, em Berlim, em outubro de 2011, com o título “Brasil no contexto global, 1870-1945”.1 Organizada por Georg Fischer, Christina Peters e Frederick Schulze, discípulos do renomado historiador Stefan Rinke (o dossiê inclui entrevista concedida por ele), a conferência deu origem a livro preparado pelos mesmos pesquisadores sob o título Brasilien in der Welt: Region, Nation und Globalisierung 1870-1945 (Frankfurt am Main: Campus, 2013). Nem todas as comunicações aí enfeixadas estão nesta edição de HCS-Manguinhos, que reúne trabalhos submetidos à avaliação de pareceristas e a modificações às vezes consideráveis feitas pelos autores, antes de sua publicação em português.
Seguindo as linhas mestras do programa do evento, o dossiê reúne textos sobre temas que não têm necessariamente a ver com saúde. Desde os anos 1990 historiadores norte-americanos, britânicos e mais recentemente alemães vêm discutindo temas e métodos da global e da world history, assim como da história transnacional. Essas abordagens tentam superar antigas limitações resultantes da vinculação entre historiografia e Estado nacional. Inicialmente o esforço de superação se deu por comparações e história de transferências. As abordagens atuais vão além e pesquisam como espaços se constroem por entrelaçamentos e inter-relações, inclusive a circulação de saberes e atores. O dossiê reúne, assim, trabalhos que analisam, sempre no tocante ao Brasil, as referências globais do imaginário nacional; o papel de regiões e regionalismos na formação nacional e sua relação com processos globais; a transformação do significado de conceitos como nacionalidade e descendência étnica no contexto de processos globais de migração; as transferências de conhecimentos pertinentes à história do trabalho, da economia e do consumo; e, por último, as relações entre Alemanha e Brasil a partir de uma perspectiva transnacional.
Bom proveito!
Nota
1 Programa disponível em http: / / www.lai.fu-berlin.de / disziplinen / geschichte / Veranstaltungen / brasilglobal_programa.pdf
Jaime L. Benchimol – Editor científico
BENCHIMOL, Jaime L. Carta do editor. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.1, jan. / Mar, 2014. Acessar publicação original [DR]