História, ensino e fontes / Revista Trilhas da História / 2014

Apresentar este Dossiê é um prazer, pois traz questões fundamentais para repensarmos interfaces entre a História, o Ensino e as Fontes. Os temas abordados nos artigos, ensaio de graduação e na seção fontes evidenciam o quanto é profícuo este debate e quão necessárias são as abordagens aqui apresentadas, uma vez que contribuem para a divulgação de estudos e pesquisas, bem como favorecem a reflexão epistemológica.

Na esteira dos números anteriores, a Revista Trilhas inova por dar continuidade a um diálogo entre questões que se entrelaçam e são basilares para a produção do conhecimento histórico, já que apontam as diferentes concepções e perspectivas teórico-metodológicas em cada artigo apresentado. Neste sentido, é importante apresentar brevemente os textos que dão conta de enunciar este cenário da produção acadêmica, assim como a maturidade e a diversidade de temas.

O texto “A narrativa da fada Brasiléia como Instrumento Pedagógico nas aulas de História do Brasil nos anos 1940”, das autoras Andréa Giordianna Araujo da Silva, Lilian Bárbara Cavalcanti Cardoso e Roseane Maria de Amorim, apresenta a história do ensino de História, tendo como fonte central o livro “A fada Brasiléia”, visto como recurso para a crítica ao processo civilizador que se desejava instaurar na construção da disciplina de História no ensino primário dos anos 1940. Esta abordagem favorece a percepção da dinâmica do campo da História e do ensino de História. Povos indígenas e negros, como afirmam as autoras, praticamente desapareceram desta narrativa e nas poucas situações em que são apresentados figuram como “vítimas” ou “coitados”. Na contramão desta interpretação as autoras possibilitam olhar para outras histórias em que povos originários e negros são agentes centrais.

O artigo “Ensinar e aprender história de Santa Catarina: o uso da Revista Histórica Catarina em sala de aula como recurso fonte da aprendizagem histórica significativa”, de Tânia Cordova, analisa a Revista “História Catarina” como fonte para apreender a história de Santa Catarina. Entendida como um recurso ao trabalho docente, a autora ressalta a necessidade de que o ensino de História opere com novas ferramentas numa relação de ensino-aprendizagem e interação professor-aluno. Assim, a Revista é apresentada como instrumento fundamental para a escrita da História que privilegie a diversidade étnica, com ênfase na cultura indígena, africana e afrodescendente. A autora também observa a contribuição desta fonte para o estudo dos saberes local e regional e a sua relação com a macro-história.

Outro artigo a abordar o ensino de História intitula-se “Os parâmetros curriculares nacionais de História e os saberes do docente: reflexões sobre a produção do conhecimento histórico”, de autoria de Jaqueline Aparecida Martins Zarbato. Neste texto, a autora discute o significado dos PCNs e de que modo conceitos como memória, identidade e nação são tomados como elementos centrais para a construção do conhecimento histórico. Nesta perspectiva, a autora aborda a relação entre História e currículo para pensar os PCNs e o seu lugar no cotidiano escolar. Por meio de relatos de professoras evidencia a concepção destas agentes sociais na construção do ensino de História. “Velhos problemas”, a partir de “novos olhares”, vêm à tona propiciando a compreensão da dinamicidade nas diferentes concepções da disciplina História.

No texto “História & Representação: um olhar conquistador no cinema”, Pepita de Souza Afiune discute o cinema e a sua relação com o ensino de História, apontando para o quanto os filmes criam estereótipos que precisam ser problematizados pelo professor e o aluno, a fim de que esta ferramenta didática tão fundamental para a produção da história possa ser utilizada em sua plenitude, contribuindo para o senso crítico e para a humanização da relação docente e discente. Aliado à base teórica, o texto se fundamenta em pesquisas de campo realizadas com estudantes e mestres em escolas de redes privada e pública de Anápolis, Goiás.

O artigo “A Universidade Pública em Três Lagoas-MS e as titubeações do campo histórico”, de Tiago Alinor Hoissa Benfica, traz uma importante contribuição para a análise da constituição da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em seus anos iniciais. O campo da História como disciplina no sul de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, é privilegiado, possibilitando o entendimento das artimanhas do poder vigente quando da implantação da Universidade e o desejo de constituir um “projeto do estado Nacional”, a fim de integrar o estado “ao corpo da nação”. Objetivava-se ainda, com a implantação da Universidade, “trazer a cultura” para os três-lagoenses. Somando-se a esta discussão, Benfica contribui para o conhecimento de parte importante da história do curso de História em Três Lagoas.

O artigo “Evasão na licenciatura: estudo de caso”, de Camila Carvalho e de Vitor Wagner Neto de Oliveira possibilita entendermos parte significativa dos motivos que fizeram com que os acadêmicos tenham abandonado a Licenciatura em História, no curso de Três Lagoas, no período de 2009 a 2013. Por meio de questionários aplicados aos alunos evadidos, os autores observam que este é um fenômeno que não se limita ao curso de História e nem mesmo às Licenciaturas em Mato Grosso do Sul, já que são múltiplos os fatores, entre eles o descrédito do querer ser professor, somando-se à carga de atividades atribuída no curso, entre outras situações. Na construção do texto, os autores, por meio de dados quantitativos, mostram que não existe uma única resposta para a evasão, mas afirmam ser necessário problematizá-la, já que se trata de uma questão latente em todo o cenário nacional, em especial no que diz respeito às Licenciaturas.

O artigo “Algumas perspectivas do Cavaleiro Medieval na obra de Georges Duby”, de Leandro Hecko, num bom exercício de análise das fontes, dá a sua contribuição para a abordagem e escrita da História, ao apontar para o longo processo de constituição da figura do cavaleiro como herói em algumas obras de Georges Duby. Em sua discussão, o autor destaca o binômio cavaleiro / guerreiro na construção de suas personagens imersas na história medieval, mas finaliza ressaltando que o cavaleiro medieval foi uma “mescla de tudo o que representou a Idade Média”. Daí a sua importância como objeto da história e a sua contribuição para o trabalho com as fontes, no caso, com a produção historiográfica deste renomado medievalista.

Jhonatan Uilly e Paulo Fernando de Souza Campos, no artigo “Pérolas Negras: a participação de mulheres negras na Revolução Constitucionalista de 1932”, a partir de análise de jornais paulistas, enfatizam o papel das mulheres negras e suas formas de organização no cenário da guerra paulista, em especial a formação de um corpo de combatentes feminino e negro. Os autores, ao estudar a ação das mulheres negras voluntárias na Legião Negra, como enfermeiras, entre outras atividades, também evidenciam o peso do racismo no interior da elite paulista, numa tentativa de invisibilizar estas mulheres naquele momento histórico.

O texto “„O povo tem mil olhos e mil ouvidos para ver e para ouvir‟: O comício de 18 de março de 1942 em Curitiba sob a ótica da Análise do Discurso”, de Márcio José Pereira, ao ter como fonte central uma crônica publicada na Gazeta do Povo, em Curitiba-PR, utilizando-se da Análise do Discurso (AD), possibilita-nos ver o peso das palavras na referência aos alemães residentes no Brasil e às suas ações em pleno cenário da Segunda Guerra Mundial. Segundo o autor, construía-se, por meio da crônica, uma imagem negativa dos indivíduos de origem alemã e daqueles que pudessem se assemelhar aos germânicos. Desta maneira, ao defender a depredação de prédios ocorrida dias anteriores em Curitiba, à publicação da crônica, o discurso do jornalista Rodrigo de Freitas está alinhavado, conforme o autor, ao da grande política do Estado Novo e encontraria terreno fértil para proliferar, mas, ao ser desconstruído por Márcio Pereira, revela também as potencialidades da escrita da História e a inversão do arbítrio.

O artigo “Maternidade e feminismo: notas sobre uma relação plural”, de Georgiane Vásquez, apresenta a construção da figura materna e da mulher ao longo do século XX. O texto é elaborado de modo a demonstrar a dinamicidade do debate envolvendo maternidade e feminismo e a percepção de que a história das mulheres e de seus movimentos possibilita-nos fazer uma história mais plural, ao sugerir que os espaços de luta, seja na dimensão dos valores ou da conquista de direitos, são delineados por práticas e representações sociais. Ao abordar o discurso religioso e o médico sobre as mulheres o texto faz o leitor atentar para várias expressões do feminismo na sociedade, com seus limites e suas ânsias.

O Ensaio de Graduação “Em lugar de pena, taco de sinuca; em lugar de uísque, garrafa de cerveja: a contracultura na poesia marginal no Brasil no período da ditadura civil-militar por meio da obra 26 poetas hoje (1976)”, de Alexandre Vinicius Gonçalves do Nascimento, é uma análise da poesia marginal no Brasil no cenário da ditadura civilmilitar. Tendo a poesia marginal como fonte, o autor tece as formas de resistência forjadas nos anos de chumbo em meio ao movimento de contracultura. Pelo deboche, ironia e humor, conforme Nascimento, a poesia marginal questionou a ordem vigente, fundamentada na repressão e no arbítrio. Escrita em guardanapos, pedaços de papeis, em paredes, mimeografada, esta poesia ocupava as margens e ao mesmo tempo denunciava o interior. A antologia “26 poetas hoje”, de Heloisa Buarque de Holanda, publicada em 1976, é a fonte primordial para a análise, deslindando a criatividade de quem viveu e produziu marginalmente a poesia naquele momento histórico.

Na resenha sobre a obra de Thiago Moratelli, “Os trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil: experiências operárias em um sistema de trabalho de grande empreitada (São Paulo e Mato Grosso, 1905-1914)”, Caio Vinicius dos Santos adentra o mundo do desenvolvimento industrial e da expansão do “progresso” pelo interior brasileiro das primeiras décadas do século XX. No texto, nos deparamos com o contar das margens de uma sociedade comandada pelo seu centro elitizado, mas também nos confrontamos com o seu reverso, ao encontrar, nas linhas do texto, conforme Santos, a tonicidade e o desejo de dar vozes aos sujeitos marginalizados, silenciados pela história dos grandes nomes.

O livro “Cristianismos. Questões e debates metodológicos”, de André Leonard Cheviratese, resenhado por Juliana B. Cavalcanti, traz um debate acerca da memória coletiva, dos testemunhos bíblicos e da imagem iconográfica da mãe e o filho personificados nas páginas da Bíblia. A resenha apresenta uma construção importante para a análise do diálogo entre a memória e os sujeitos da história, tendo respaldo em suas coletividades, parábolas, entre vários outros exemplos.

Na seção fontes, apresentamos o texto de Daniel Rincon Caires, intitulado “Aquarelas de Joaquino Cândido Guillobel produzidas no Maranhão entre 1820 e 1822” que trata das pinturas do português Cândido Guillobel, feitas no Maranhão de 1820. Caires indica a dissertação de mestrado de Eneida Maria Mercadante Sela para um aprofundamento na biografia de Cândido Guillobel. Nas imagens apresentadas de Guillobel, as personagens são retratadas de modo a se observar cada detalhe, indo desde o ambiente, passando pelas vestimentas e chegando a estrutura corporal, ao mostrar hábitos e costumes do fim da colônia pelo olhar português. A leitura deste texto é primordial para a compreensão da importância das pinturas como fontes históricas.

Maria Celma Borges Bruno

Cezar Bio Augusto

Inverno de 2014


BORGES, Maria Celma; AUGUSTO, Bruno Cezar Bio. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, n.6, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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