Posts com a Tag ‘História do Tempo Presente (d)’
Sensibilidades e História do Tempo Presente | Tempo e Argumento | 2022
Desde as últimas décadas do século XX, mais especificamente a partir da queda do Muro de Berlim, do fim das ditaduras latino-americanas e do apartheid na África do Sul, podemos detectar a expansão de uma cultura e de uma política de memória em diversos países. A historiografia contemporânea tem destacado a explosão de narrativas memorialísticas, os discursos testemunhais e a chamada “febre patrimonial”, que estão articulados aos usos políticos do passado e aos embates do presente no campo político, ideológico e historiográfico. Nesse sentido, às historiadoras e aos historiadores tem sido lançado o desafio de compreender as leituras do passado que as memórias coletivas empreendem.
Essas narrativas e formas de rememoração do passado também têm trazido à tona um dos principais aspectos que caracterizariam a história do tempo presente – a noção de trauma coletivo, oriunda de experiências de violências políticas, étnico-raciais e de gênero, sobretudo nos regimes autoritários do final do século XX. Assim sendo, as problemáticas que envolvem as relações entre memória e esquecimento, as experiências traumáticas e o papel dos testemunhos na “era das catástrofes” estão amalgamadas ao ofício do historiador, em especial aos que se dedicam à história do tempo presente (FERREIRA, 2012). Este campo interdisciplinar de estudos e produção acadêmica entrecruza a História e a memória, colocando em destaque as novas sensibilidades da contemporaneidade, marcadas pelo trauma da violência política e pelas lutas por verdade, justiça e reparação. Leia Mais
História do Tempo Presente: itinerários, dilemas e perspectivas de investigação | Em Tempo de Histórias | 2021
[Protestos no Congresso Nacional]. Detalhe de Capa de Em Tempo de Histórias v. 1, n. 39, 2021
A História do Tempo Presente emerge das incertezas e durezas de um tempo próximo, com feridas abertas a serem tratadas. Um passado que ainda não está acabado e no qual os sujeitos históricos são um “ainda aí”. Defini-la pode causar dissensos e confusões: consiste numa concepção teórica, muitas vezes confundida com um recorte temporal. As pesquisas históricas dedicadas ao estudo de eventos temporalmente próximos ao presente de produção do historiador/a são, em algumas oportunidades, interpretadas equivocadamente, como se tal proximidade qualificasse por si só um estudo inscrito no âmbito da História do Tempo Presente.
Como concepção historiográfica, a História do Tempo Presente está relacionada à forma como lidamos com o tempo e estabelecemos relações temporais mediadas por operações próprias do mundo pós-guerra: as memórias, seus usos e abusos; os testemunhos vivos de um passado-presente; os monumentos e homenagens públicas; as mídias e as comemorações. Essa perspectiva está associada à intenção de compreender os diversos passados que, de alguma maneira, ainda se fazem presentes. Compartilhamos, assim, a perspectiva apresentada pelo historiador François Dosse, para quem a singularidade do tempo presente reside “na não contemporaneidade do contemporâneo” (DOSSE, 2012, p. 6), em um passado que ainda circula pelos labirintos das temporalidades e que segue pulsante na atualidade. Leia Mais
IV Seminário Internacional de História do Tempo Presente/ Tempo e Argumento | 2021
Apresentação do dossiê com textos do IV Seminário Internacional de História do Tempo Presente, iniciativa do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), ocorrido de forma remota entre os dias 17 e 19 de março de 2021.
A produção do conhecimento histórico em tempos de pandemia
No projeto das Passagens, o filósofo Walter Benjamin (2018, p. 759) abre o convoluto N, intitulado “Teoria do conhecimento, teoria do progresso”, com a afirmação de que “nos domínios de que tratamos aqui, o conhecimento existe apenas em lampejos. O texto é o trovão que segue ressoando por muito tempo”. A afirmação de que o conhecimento existe em imagens difíceis de fixação no tempo parece muito atual no cenário da pandemia de doença por coronavírus 2019 (COVID-19) que assolou o planeta no ano de 2020. Nesse período, o conhecimento, especialmente aquele construído pelas ciências ditas humanas, foi duramente atacado e vilipendiado e sua transmissão, outra questão chave para a reflexão benjaminiana, tem sido cada vez mais diluída em nossa sociedade. Se pensarmos na experiência que tínhamos na organização e convivência com eventos acadêmicos presenciais, nos quais os debates eram realizados por meio da ação direta com a comunidade acadêmica, os afetos projetos e parcerias eram consolidados e o aprendizado ia além do conteúdo formal apresentado, verificamos um impacto considerável tanto na produção quanto na disseminação da pesquisa científica. Leia Mais
Feminismos como objeto de pesquisa e matriz epistêmica: pensando a história do tempo presente / Tempo e Argumento / 2020
O presente dossiê reúne artigos de pesquisadoras que estudam os feminismos e movimentos de mulheres contemporâneos e suas principais agendas, abarcando discussões sobre identidades, ciências, demandas por políticas públicas e acesso à justiça. As reivindicações e práticas políticas de mulheres negras, indígenas, trans, encarceradas, trabalhadoras, dentre outros marcadores sociais, organizadas em coletivos ou instituições, protagonizam as análises apresentadas, complexificando as importantes e clássicas reivindicações de superação do universalismo masculino encampadas pela História das Mulheres. Os artigos nos apresentam diferentes aspectos desses grupos sociais marcados pela invisibilidade e pela negação de direitos, mas que, na contemporaneidade, atravessam profundas transformações em seu reconhecimento, nos espaços que ocupam, em suas lutas.
A (re)emergência dos debates feministas, tão evidente na História do Tempo Presente, em um contexto de avanços neoliberais e da chamada “onda conservadora”, é um fenômeno carregado de historicidade. Os artigos aqui reunidos nos contam histórias das mulheres e dos feminismos contemporâneos, de suas diferentes formas de articulação, conexão, agrupamento, comunicação e práticas políticas, que demonstram a multiplicidade e heterogeneidade dos feminismos como movimentos e como matriz epistêmica. Reafirma-se a importância do plural quando falamos em feminismos, ao mesmo tempo em que bases teóricas produzidas por esses próprios sujeitos são mobilizadas.
A questão das interseccionalidades e da decolonialidade dialogam com os feminismos na reunião de estudos – selecionados neste dossiê – que abordam demandas sociais de mulheres brasileiras e estrangeiras, do Sul e do Centro-Oeste do Brasil, em privação de liberdade, urbanas, indígenas, negras, trans e cisgêneras. Trabalhos com histórias de vida, observação de campo, análise de periódicos e debates epistêmicos criticamente preocupados com problemas sociais. Em síntese, esta seleção de artigos é atravessada pela crítica a uma perspectiva universalista de ciências, perspectiva esta que localiza no Norte Global, dentre homens brancos detentores de determinado status, o modelo de ciência que serviria para todo o mundo.
Iniciando a apresentação dos artigos, “Uma virada epistêmica feminista (negra): Conceitos e debates”, da professora Ana Maria Veiga, atravessa referenciais teóricos identitários, com centralidade étnico-racial, em diálogo com os movimentos sociais e os avanços dos estudos acadêmicos. Seu artigo perpassa o debate estadunidense sobre a articulação entre opressões sociais para um debate nacional e latino-americano dentro do que acabou se caracterizando como o campo interseccional. O texto apresenta desafios para a manutenção de uma proposta politicamente engajada diretamente ligada com sua gênese: as mulheres negras. Decolonialidade e interseccionalidade tornamse o foco do artigo que encontra nas mulheres sertanejas um exemplo possível de uma análise comprometida com os dois conceitos.
O segundo trabalho, “Epistemologia insubmissa feminista negra decolonial”, de Ângela Figueiredo, nos traz um debate entre demandas sociais e saber acadêmico estruturado na união entre estas partes, historicizando os conceitos e mostrando a produção e a visibilidade recente da produção das autoras negras. A articulação dos diversos conceitos presentes no título do artigo estabelece uma mirada crítica à produção do conhecimento e faz um convite a outras formas de olhar para esse processo em diálogo com a sociedade. A perspectiva afrocentrada, consciente da posicionalidade dos sujeitos produtores de saber, desloca o centro dos debates teóricos historicamente hegemônicos. Nesse sentido, engajamento em torno da solução de problemas vivenciados na comunidade, e em uma ciência comprometida, estaria no cerne do modelo epistêmico proposto no trabalho.
Rosangela Celia Faustino, Maria Simone Jacomini Novak e Isabel Cristina Rodrigues, em “O acesso de mulheres indígenas à universidade: trajetórias de lutas, estudos e conquistas”, apresentam o resultado de uma coleta de entrevistas semidirigidas e observações de campo realizadas entre os anos de 2013 e 2015 com mulheres indígenas que ingressaram em cursos de graduação no estado do Paraná a partir dos programas de inclusão institucionais. Diferentes territórios e etnias compuseram esse levantamento que analisou elementos como a relação com a comunidade, a assistência estudantil e o sentido político desse processo educacional. Essas mulheres, que representam quatro quintos das pessoas indígenas formadas (2002-2019), passam a assumir espaços profissionais na comunidade antes ocupados por não indígenas, ampliando sua atuação política.
“Ler, escrever e libertar: Experiências que promovem a diminuição de pena para mulheres privadas de liberdade em Mato Grosso”, da professora Ana Maria Marques, traz os resultados de um projeto voltado a esse público, considerando o acesso ao letramento. As experiências voltadas à remição da pena de mulheres em situação de privação de liberdade da Escola Nova Chance e dos projetos em parceria com a Universidade de Mato Grosso (UNEMAT- Cácares) e Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT- Cuiabá e Rondonópolis) são analisadas. Leituras e resenhas fazem parte da estrutura metodológica da iniciativa que atende mulheres de diferentes níveis de escolaridade. As possibilidades diante da realização de ações dessa natureza, bem como os desafios materiais e institucionais, nos mostram os atravessamentos de gênero os quais constroem, como experiência feminina, um cenário de abandono.
No artigo “‘A gente é pessoa!’: Narrativas de mulheres trans sobre direitos humanos”, Marta Gouveia de Oliveira Rovai procura discutir a temática com base em quatro histórias de vida de mulheres do sul de Minas Gerais. Com um olhar orientado pelas preocupações em torno do sensível e das emoções, bem como um alinhamento com a História do Tempo Presente, o debate se situa na conjuntura brasileira contemporânea de ataque às pautas LGBT e posse de um governo federal contrário às mesmas. Em suas experiências particulares, Wall, Ana Luíza, Luana e Luciele buscam o reconhecimento identitário atravessado pela reivindicação quanto à integridade de seus corpos e do que identificam como liberdade. As transfobias vivenciadas e as imposições de modelos sociais baseados na cisgeneridade e na heteronorma produzem discursos de reconhecimento da existência cotidiana como ato político. Assim, temos no trabalho uma reflexão sobre as percepções de sujeitos históricos em meio à mudança, ou ainda ruptura, entre Estado e movimento LGBT.
Marlise Regina Meyer e Ronaldo Pires Canabarro integram os trabalhos com uma discussão, dentro dos estudos de análise de conteúdo, sobre o periódico Lampião da Esquina, referencial da imprensa alternativa não heterossexual em circulação no eixo sudeste do Brasil na segunda metade do século XX. Intitulado “Travesti: textos-vestígios na construção de uma identidade – Jornal Lampião da Esquina (1978-1981)”, o artigo foca na abordagem de uma identidade: a identidade travesti aparece como a “mariposa”, os “veados”, a “boneca” e as “bichas-biônicas”, montando um quebra-cabeça de significados que a constroem num espaço histórico específico. Os caminhos percorridos para a análise do Lampião exploram o sentido político do reconhecimento identitário fazendo ponte com as questões no presente.
A professora Géssica Guimarães, em “Teoria de gênero e ideologia de gênero: Cenário de uma disputa nos 25 anos da IV Conferência Mundial das Mulheres” faz um estudo histórico de dois termos que ocuparam o debate público nacional brasileiro na última década. Explorando a genealogia acadêmica dos estudos das mulheres e de gênero, e compreendendo sua relação com eventos históricos tanto ligados aos movimentos feministas como ao campo religioso, o trabalho direciona seu olhar para a conjuntura brasileira de ataques e o impacto para o ensino de história. Nesse sentido, os desafios passam pela ruptura diante do pânico moral criado em torno do termo gênero, em uma percepção inclusiva e democrática; mas também pelo reconhecimento e disputa interna ao saber historiográfico, que possui sua trajetória sediada nas narrativas e sujeitos masculinos.
O último artigo a compor este dossiê é “Triple presencia femenina en torno de los trabajos: mujeres de sectores populares, participación política y sostenibilidad de la vida”, de Juliana Díaz Lozano. O estudo sobre a situação laboral das mulheres argentinas organizadas a partir de bairros populares nos traz elementos para identificar as preocupações por parte do Estado, as articulações políticas e a própria noção de trabalho. A proposta, aqui apresentada, é resultado de uma pesquisa de campo realizada entre os anos de 2012 e 2017 que se aprofundou na entrevista de 20 mulheres e na observação das mesmas diante da participação de três assembleias de bairro. Acumulando funções, essas mulheres adentram o espaço público da militância rompendo as expectativas de gênero e borrando as fronteiras entre público e privado.
Os textos aqui reunidos abordam, portanto, uma pluralidade de temáticas espaciais, de sujeitos e de metodologias que lançam olhar para os saberes historiográficos e para o campo do ensino de história. Longe de esgotar o recorte adotado para a construção do dossiê, tais questões contribuem, cada uma a seu modo, para enriquecer o campo da História do Tempo Presente.
É preciso destacar que esta é uma série de debates preocupada com os estudos identitários, mas que se calça principalmente no engajamento com a transformação social. A crítica à posicionalidade hegemônica perpetuada nos campos científicos nos dá suporte para pensar outras Histórias que, ao reconhecer a existência de múltiplos pontos de vista, desestabiliza ou desloca os centros.
A pandemia do coronavírus, que transformou indubitavelmente o mundo nos últimos meses, tem afetado de forma mais acentuada os grupos aqui analisados, aprofundando desigualdades seculares. Buscar entender melhor esses grupos, a fim de construir propostas de futuro menos desiguais, fica como crucial contribuição das autoras aqui reunidas.
Cláudia Regina Nichnig – Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora visitante do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH / UFGD). Dourados, MS. lattes.cnpq.br / 7664408692666022. E-mail: claudianichnig@gmail.com orcid.org / 0000-0002-9689-8112
Maise Caroline Zucco– Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, BA. lattes.cnpq.br / 7069192545517678. E-mail: maisecz@gmail.com
Soraia Carolina de Mello – Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, SC. lattes.cnpq.br / 7470003514048395. E-mail: soraia.carolina@ufsc.br orcid.org / 0000-0002-3647-2136
Organizadoras
NICHNIG, Cláudia Regina; ZUCCO, Maise Caroline; MELLO, Soraia Carolina de. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.12, n.29, 2020. Acessar publicação original [DR]
História do Tempo Presente: perspectivas / Tempo e Argumento / 2017
História do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2017
O Programa de Pós‐Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, comemora dez anos de existência em 2017 com uma ótima notícia. No último ano, este periódico do curso, a revista Tempo & Argumento, obteve posicionamento no estrato A2 no sistema de avaliação Qualis / Capes. Esta conquista é fruto do trabalho árduo de editores, docentes, discentes, técnicos universitários e gestores públicos. Agradecemos a todas as pessoas envolvidas nos esforços de dar consistência à revista desde 2009 e, em especial, aos editores anteriores Rogério Rosa Rodrigues e Márcia Ramos de Oliveira.
Aproveitamos para informar também que nos próximos números de Tempo & Argumento apresentaremos uma nova seção, denominada Debates, bem como contaremos com editores assistentes internacionais. Essas inovações têm o objetivo de fazer com que o periódico seja cada vez mais uma referência nacional e internacional nos estudos da História do tempo presente.
Este primeiro número de 2017 conta com as seções Dossiê, Artigos, Resenha, Entrevista e Tradução. O dossiê História do Tempo Presente: perspectivas é composto por cinco artigos que debatem rumos desse domínio historiográfico em construção no Brasil, seja do ponto de vista da teoria ou sob o viés metodológico.
“Ditaduras brasileiras: aproximações teóricas e historiográficas”, de autoria de Carlos Fico, discute visões presentes na historiografia brasileira e estrangeira sobre o tema da ditadura militar, bem como os embates acerca das temporalidades que configuram esse período histórico. A historiadora Maria Conceição Francisca Pires, no artigo “Bob Cuspe: resistências microscópicas, contra condutas e a potência do ‘não’ nos quadrinhos underground de Angeli”, analisa as novas formas de expressão do campo do político que emergiram nos anos de 1980 através dos quadrinhos do cartunista Angeli. Daniel Pinha Silva, por sua vez, no artigo “O lugar do tempo presente na aula de história: limites e possibilidades”, apresenta uma reflexão sobre os usos pedagógicos da epistemologia que norteia os estudos sobre o tempo presente. O discurso jornalístico e suas intersecções com o campo disciplinar da História no que tange ao teórico e ao metodológico é o tema do artigo de Rodrigo Bragio Bonaldo, intitulado “Quando a Odebrecht construiu Salvador: a narrativa jornalística da história na coleção Terra Brasilis, de Eduardo Bueno (1998‐2006)”. As historiadoras Luciana Rossato e Maria Teresa Santos Cunha apresentam uma cartografia das pesquisas realizadas pelos discentes do Programa de Pós‐Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, entre 2007 e 2017. O artigo é alusivo às comemorações de dez anos de criação do curso.
A seção Artigos também é composta por cinco trabalhos de investigação. O historiador Alberto Gawryszewski, em um estudo de caráter comparativo entre a revista “Careta” e a imprensa comunista, esboça um panorama sobre caricaturas de Getúlio Vargas produzidas entre 1945‐1954. A antropóloga social Miriam de Oliveira Santos discute os pressupostos que balizaram a produção de identificações entre grupos sociais – italianos, alemães e portugueses – que habitavam o Sul do Brasil nos séculos XIX e XX. Jorge Pagliariani Junior, por sua vez, em um estudo acerca da História Pública, reflete sobre os processos de produção dos conteúdos históricos de sites de municípios do Estado do Paraná. O historiador Marcelo Hansen Schachta, em artigo que tematiza os testemunhos na Comissão Nacional da Verdade do Paraná, problematiza um conjunto de questões presente na Justiça Restaurativa no Brasil. Por fim, Mario Marcelo Netto discute a produção historiográfica do historiador estadunidense Robert James Maddox, tendo em vista o problema posto na relação temporal presente‐futuro‐passado.
A seção Resenha traz a análise de duas obras. O historiador Dilton Cândido Santos Maynard comenta de forma crítica a obra do historiador francês Henry Rousso, membro do Institut de Histoire du Temps Présent (IHTP), intitulada “La dernière catastrofe: l´histoire, le présent, le contemporain”, traduzida para o português em 2016. A tradução dessa obra de grande importância para o estudo da História do tempo presente ocorreu a partir de uma parceria entre o Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina e a Fundação Getúlio Vargas. Dilton Cândido Santos Maynard, além de descrever o conteúdo do livro, aponta para o / a leitor / a os principais debates de cunho teórico metodológicos propostos por Henry Rousso. Em seguida, o historiador Carlos Gregório dos Santos Gianelli apresenta comentários críticos sobre o livro “As estórias a favor da História: as efemérides mineiras de José Pedro Xavier da Veiga”. Na resenha são ressaltadas as interfaces entre o discurso literário e o da História.
Esse número da revista Tempo e Argumento inaugura um conjunto de entrevistas que serão realizadas ao longo de 2017 com historiadores / as da América Latina com o intuito de traçar um cenário sobre esse campo historiográfico no continente. O primeiro pesquisador, entrevistado por Elisangela da Silva Machieski, foi Hugo Antonio Fanzio Vengoa. O historiador, autor de vários estudos sobre História Global e História do Tempo Presente, descreve seu itinerário nesse campo do saber, bem como a situação em que se encontra a História do tempo presente em seu país, a Colômbia.
A seção Tradução apresenta o capítulo 4 da obra do historiador inglês Quentin Skinner intitulada, “Visions of Politics” inédita no Brasil, vertido para o português por Marcus Vinícius Barbosa. O referido capítulo do livro constitui‐se em referência para os estudos sobre a relação entre Filosofia Política e a História.
Silvia Maria Fávero Arend
Luiz Felipe Falcão
Editores
AREND, Silvia Maria Fávero; FALCÃO, Luiz Felipe. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.20, 2017. Acessar publicação original [DR]
Infancia en la historia del tiempo presente / Tempo e Argumento / 2015
Infância e infâncias no tempo presente, abordadas no singular e no plural, têm centralidade neste Dossiê cuja organização esteve a cargo das professoras Susana Sosenski, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e Liliana Ruth Feierstein da Universidade de Humboldt de Berlim. Estas estudiosas reuniram pesquisadores e pesquisadoras desta temática que são aqui apresentadas em investigações que remetem a vários tempos e lugares. São contribuições de autores e autoras reconhecidos que vêm do México, Alemanha, Cuba, Espanha e do Brasil, as quais se apresentam em sete (7) artigos, que permitem conhecer e pensar tanto sobre este complexo e multifacetado processo da construção social da infância, como sobre os percursos desses sujeitos que se singularizam, hoje, como seres históricos e de direitos.
Para pensar e construir novas bases para a história da(s) infância(s) foi necessário retroceder no tempo cronológico para municiar‐se de recursos ao entendimento deste tempo presente e, nesta perspectiva, o primeiro artigo de autoria das Professoras Gisele de Souza e Andréa Cordeiro, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) vai ao início do século XX para fazer reflexões sobre o papel simbólico da infância na modernização da América, tendo por base empírica os debates nos primeiros Congressos Americanos da Criança (1916‐1922), momento em que a educação da criança foi considerada como motor do desenvolvimento das nações e do continente americano.
Solidamente fundamentados e mantendo a centralidade da interpretação em documentos oficiais, a historiadora Sílvia Maria Fávero Arend, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), analisa o debate acerca das relações de trabalho no campo da infância, adolescência e juventude durante a construção da Convenção Universal dos Direitos da Criança pelos países membros da Organização das Nações Unidas e Organizações Não Governamentais entre 1978 e 1989. Seu artigo traz, igualmente, informações sobre a presença desta normativa internacional na legislação brasileira para as crianças, adolescentes e jovens instituída no Brasil no ano de 1990. Na mesma clave temática, Paulí Dávila e Luis M. Naya, professores da Universidade do País Basco, na Espanha, analisam a representação da infância na América Latina a partir dos discursos elaborados pelo Comitê dos Direitos da Criança, entre os anos de 1990 e 2013.
Pesquisa de base etno‐histórico da professora Alma Durán‐Merk, mexicana, que trabalha na Universidade de Augsburg, na Alemanha, apresenta as construções e as experiências da infância em um contexto migratório, tendo como alvo o caso de crianças alemães vivendo no México (1900‐1933). O artigo, através da fineza das análises comparativas, conclui, especialmente, que a ascendência estrangeira não é, por si, garantia de uma infância transnacional. A escrita como catástrofe é analisada pela professora Andréa Gremels, da Universidade Goethe / Frankfurt. Neste artigo, ancorada nas atuais preocupações acadêmicas em delinear a emergência dos estudos sobre infância(s), ela reflete sobre duas obras de caráter autobiográfico produzidas em 2006 por escritoras cubanas que vivem nos Estados Unidos e que destacam a narrativa de suas infâncias entrelaçadas com o momento histórico de Cuba que ocasionou um movimento diaspórico nos anos de 1970.
Na tentativa de romper um certo silêncio histórico que oblitera a presença de crianças em manuais escolares, o artigo da historiadora Susana Sosenski propicia uma alentada reflexão sobre a importância do ensino de história da infância na escola para que as crianças possam aparecer como atores sociais e não apenas como sujeitos subordinados ao poder dos adultos.
Fechando o Dossiê, o historiador Humberto da Silva Miranda, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) analisa, nas páginas do jornal Diário de Pernambuco entre os anos de 1964 a 1985, como o discurso de abandono das crianças e as políticas públicas de assistência foram construídas nesse período sócio‐histórico, estabelecendo uma conexão com a atuação da Febem em Pernambuco, instituição fundada no primeiro ano da Ditadura Civil‐Militar.
Compõem, também, esta edição dois (2) artigos de demanda contínua que produzidos no tempo presente são como finas contribuições para a compreensão dos fenômenos de nossa contemporaneidade. Neles se articula uma rede de pensamentos em que a teoria e a empiria são tecidas em narrativas problematizadas que transparecem na qualidade dos textos. Mora González Canosa, da Universidade Nacional La Plata, da Argentina, descreve as políticas de construção do peronismo, nos inícios da década de 1970, detendo‐se às estratégias discursivas das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) para legitimar sua identificação com o peronismo a partir de uma perspectiva marxista cujo objetivo final era o socialismo. Já o artigo de Luisa Delgado de Carvalho estuda e preserva o arquivo pessoal de Astrogildes Delgado de Carvalho, educadora que atuou nas décadas de 1930 a 1980 no Rio de Janeiro, na educação infantil e na formação de educadoras dos Centros de Atendimento ao Pré‐Escolar (Capes), juntamente com a Organização Mundial para a Educação Pré‐ escolar / Brasil / Rio de Janeiro (Omep / BR / RJ).
Na seção de Entrevista, há o testemunho do Professor Igor Alexis Goicovic Donoso, da Universidade Nacional do Chile, que respondeu a questões sobre seu trabalho em História Política com ênfase em História da violência política, que foram levantadas pelas doutorandas de História da UDESC / SC, Cristina Iuskow e Juliana Miranda da Silva. A resenha que integra este volume da Revista foi elaborada pela doutoranda Marilane Machado (UFPR) e discute, entre biografia e história, o livro da Profª Mary del Priore intitulado: O Castelo de Papel: uma história de Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, conde D’Eu.
Reafirmar e refinar um conhecimento epistemológico sobre a(s) infância(s) em inúmeros percursos foi um dos objetivos perseguidos neste Dossiê em que leitores e leitoras encontrarão nos estudos, esperamos, uma verticalidade fina e uma horizontalidade densa.
À leitura e ao desejo de que ela possa enriquecer os universos dos sujeitos e da cultura.
Maria Teresa Santos Cunha
Luciana Rossato
Editoras‐ Chefe
CUNHA, Maria Teresa Santos; ROSSATO, Luciana. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.7, n.14, 2015. Acessar publicação original [DR]
Tempo Presente e Ensino de História / Boletim do Tempo Presente / 2014
É com grande contentamento que apresentamos um dossiê sobre a relação ensino de história e tempo presente. Não porque seja o primeiro no Brasil e, realmente não é. Nossa co-irmã, a Revista Tempo e Argumento (v. 5, n. 9, 2013), inaugurou a empreitada recentemente, e a História Hoje tem conjunto de artigos aguardando publicação, desde o ano passado. O dossiê também não introduz o tema neste periódico, pois a Revista Eletrônica Tempo Presente já divulgou trabalhos sobre currículos da educação básica no Brasil e nos Estados Unidos, entre outros textos. Nos Cadernos do Tempo Presente, da mesma forma, foram abertos espaços para a análise de conteúdo nos livros didáticos de história, usos da internet na aprendizagem de história medieval. A mesma atitude tomou a História Agora ao publicar, por exemplo, resultados de investigação sobre os usos da vivência indígena e da Rebelião dos Malês em sala de aula. Isso tudo sem falar nas revistas não especializadas que veiculam textos sobre história do tempo presente, hoje pioneiros, desde meados da década passada.
Mesmo assim, entre os mais de 600 artigos publicados nos periódicos que têm como escopo o “tempo presente”, desde 2007, o ensino de história ocupa modestos 3%. Qual então o motivo de tanto regozijo? Ora, o que nos dá maior prazer no anúncio do conjunto de artigos deste volume é a concretização de um projeto incomum: reunir autores que se debruçaram sobre o mesmo conjunto de questões-chave, abordando os usos do presente no ensino de história e não apenas sobre o ensino de história no presente: como se ensina a experiência recente? Quais mecanismos a interditam? Quais as disputas que se apresentam? Que atores a produzem? Como os alunos a percebem? Como essa experiência é organizada de modo a fazer sentido para os não historiadores? Enfim, que presentes são dados a ler nos programas e livros didáticos de história de países de culturas tão diferentes situadas na América do Sul, Europa, Ásia e Oceania?
Os artigos aqui reunidos, portanto, colocam-nos em sintonia com as disputas políticas e de memória sobre o que ensinar às crianças e adolescentes na Argentina, Brasil, França, Austrália e Japão. Paralelamente, provocam reflexões sobre a incorporação e funções de temáticas do presente no ensino e aprendizagem escolar em nossa contemporaneidade, bem como de suas relações com a historiografia acadêmica.
Os textos de Gonzalo de Amézola, de Marina Silva, Luis Cerri e Felipe Soares evidenciam a complexidade do tratamento de acontecimentos traumáticos na produção de prescrições didáticas nas quais se superpõem questões referentes à memória, usos do passado e soberania nacional.
No primeiro caso, o acontecimento destacado é a Guerra das Malvinas, ocorrida em 1982, entre Argentina e Inglaterra. Ao colocar em relação a produção historiográfica das três últimas décadas do século XX e princípio do XXI sobre esse acontecimento, as reformas curriculares e os manuais escolares, Amézola destaca as “dificuldades e contradições” que envolvem o ensino dessa guerra na educação “Polimodal” e “Secundária Superior”. Ele afirma que, apesar dos avanços vivenciados pela historiografia argentina, sobrevive uma abordagem marcadamente patriótica do conflito em que se entrelaçam memória coletiva (gestada, em grande medida, na escola) e interesses governamentais, atravancando a sua ressignificação histórica no âmbito escolar. A partir da experiência argentina, o autor polemiza a relação entre ciência, história e a abordagem do passado recente no ensino histórico e levanta a hipótese de que a função social do ensino de história está, secularmente, conectada à necessidade de “perpetuação do grupo”, resultando em dificuldades para a incorporação de inovações acadêmicas no que se refere a passados traumáticos.
O artigo de Marina Silva, por sua vez, analisa as representações de memórias sobre a Segunda Guerra Mundial, presentes em livros didáticos japoneses, produzidos entre 1993 e 2002. Motivada pelas críticas lançadas ao Japão em 2001 por países como China e Coréia do Sul (sobre a abordagem dos avanços militares a seus territórios), e a partir de alguns acontecimentos-chave dessa polêmica (a tomada da cidade de Nanquim, o ataque a Pearl Harbor, o bombardeio a Hiroshima e Nagasaki e a rendição japonesa), a autora evidencia a estreita relação entre experiências traumáticas e a produção de uma memória coletiva promovida e sustentada pelo governo. Os livros didáticos de história no Japão, incluindo os mais recentes, não apenas reproduzem uma narrativa cristalizada sobre a guerra como omitem informações, controlando a transmissão de memórias que se expressam pelas ideias de pacifismo e nacionalismo. Como no caso argentino, fica demonstrada a complexidade das relações entre história recente e ensino de história no que se refere a conflitos não apaziguados.
Os autores Luis Cerri e Felipe Soares, por seu turno, colocam em discussão a abordagem da ditadura militar presente no livro didático História do Brasil: Império e República (2006), editado pela Biblioteca do Exército e utilizado nos colégios militares do Brasil. O artigo ressalta e denuncia a contrariedade entre a preocupação governamental em garantir um ensino de qualidade (a partir da elaboração de políticas públicas, como o PNLD) e o consentimento, por parte desse mesmo governo, no uso de um material que se distancia do estado atual da epistemologia da história, das produções acadêmicas sobre o golpe. Essa omissão de informações, temporariamente consensuais, convida-nos também a refletir sobre as disputas memoriais em torno dos acontecimentos recentes e seu ensino escolar. Do mesmo modo, conduz-nos a pensar sobre a importância do engajamento dos historiadores nas discussões que se referem ao ensino da história do tempo presente na educação básica.
Partindo para o contexto europeu, Itamar Freitas aborda a incorporação da história do tempo presente nos programas de história para os colégios franceses, entre os anos 1998 e 2008. Esse trabalho, fruto das primeiras pesquisas que o historiador vem realizando sobre o ensino da história do tempo presente no Brasil, Estados Unidos e França, põe em relevo suas finalidades, a natureza dos conteúdos históricos e sua distribuição/progressão ao longo dos anos escolares daquele país. Dessa maneira, e somando-se aos outros artigos desse dossiê, contribui para a ampliação de questionamentos no que diz respeito às relações entre ensino, ciência história, tempo presente e formação cidadã na educação histórica escolar. Também oferece elementos para pensarmos as demandas sociais e relações de poder na contemporaneidade que perpassam a elaboração de propostas curriculares com esse teor.
Por fim, examinando o currículo nacional de história para a escolarização básica da Austrália, Jane Semeão identifica os diferentes presentes prescritos em um currículo recentemente citado como modelo para o Brasil e, na própria Austrália, acusado de alinhar-se, ao mesmo tempo, às demandas ideológicas de esquerda e de direita. Além disso, descreve as indicações de conteúdos substantivos e as sugestões de finalidades para o ensino da experiência australiana recente. Neste ponto, principalmente, seu artigo estimula-nos a pensar na arbitrariedade dos usos de termos, como “antigo”, “moderno” e “contemporâneo”, bem como das justificativas para a adoção de eventos clássicos como a Segunda Guerra Mundial para como abertura e/ou fechamento de determinados períodos. Ainda, sob a responsabilidade de Jane Semeão, está a resenha da obra Tempo presente e usos do passado (FGV, 2012), organizado por Flávia Varella, Helena Miranda Mollo, Matheus Henrique de Faria Pereira e Sérgio Da Mata.
Convidamos também o leitor a consultar o perfil de um autor que vêm provocando incômodo, por um lado, e euforia, por outro, dado que a sua teoria da história incorpora, inclusive, os usos escolares da história como um dos argumentos para a racionalidade e, por que não dizer, cientificidade da história acadêmica. Jörn Rüsen, o personagem deste número, é apresentado pelo jovem Rodrigo Yuri Gomes Teixeira.
Por fim, sob a responsabilidade de Andreza Maynard, apresentamos a resenha de um velho e conhecido filme – A Onda – comentada sob um novo regime de historicidade, haja vista que a película foi lançada no distante 1981. Que novos elementos essa representação sobre o ensino do autoritarismo no chão da escola pode nos trazer?
Esperamos, então, que a publicação desse número possa contribuir para a discussão, ainda tímida (entre os historiadores), sobre a dimensão escolar da história do tempo presente e, ainda, que estimule os pesquisadores brasileiros a empreenderem estudos em escala transnacional. Velha lição dos bancos da graduação, não é irrelevante repetir, temos muito a aprender sobre “nós”, observando os “outros” aparentemente distantes.
Margarida Maria Dias de Oliveira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Dilton Cândido S. Maynard – Universidade Federal de Sergipe.
História e Historiografia do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2012
As últimas décadas do século XX colocaram em pauta o instante, o presente em contraposição ao “império do passado”. A hipertrofia do presente, resultado de outras formas de experimentação e interpretação do tempo, operou mudanças substantivas na escrita da História. A narrativa histórica configura o tempo histórico ao pautar percursos possíveis de horizontes de expectativas e futuros tornados presentes. A recusa de uma relação antiquária com o passado e o entrecruzamento de temporalidades apresentou à História um passado com novas potencialidades. Mas esse deslocamento na relação com o tempo apresenta armadilhas e exige cuidados ainda mais atentos por parte do historiador. Potencialidades e limites de uma escrita da História sob o domínio do presente foram amplamente discutidos nas conferências, mesas redondas e simpósios temáticos no I Seminário Internacional História do Tempo Presente, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina e ANPUH-Seção-Santa Catarina, realizado entre os dias 07 e 09 de novembro de 2011, na cidade de Florianópolis / Brasil.
Entendemos que a discussão está apenas começando. Nesse sentido, como contribuição ao debate, apresentamos aos leitores um Dossiê especial o qual chamamos História e Historiografia do Tempo Presente, composto por reflexões expressas nas conferências apresentadas, naquela ocasião, pelos autores convidados e que tiveram participação significativa nas discussões em pauta no Seminário de 2011.
O historiador francês François Dosse abre o dossiê com o tema de sua conferência de abertura: História do tempo presente e historiografia. Dosse apresenta um conjunto de reflexões que visa, por um lado, historicizar a emergência do tempo presente como campo historiográfico e, por outro, inferir sobre os problemas e desafios presentes na escrita da História do Tempo Presente.
Na sequência trouxemos a conferência de encerramento feita por Michèle Lagny, professora da Universidade Paris III. No texto Imagens audiovisuais e história do tempo presente apresentam-se discussões sobre o interesse pelo audiovisual por parte dos historiadores, no momento em que emerge o conceito de história do tempo presente, na França.
O texto Narrativas del yo y memorias traumáticas de Leonor Arfuch, professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), foi alvo do debate proposto pela Mesa Redonda História e narrativas. Partindo da premissa que as narrativas do eu invadem e dilatam o horizonte cultural contemporâneo, a autora problematiza o sujeito e sua fala, evidenciando o testemunho como narrativa, e as muitas formas possíveis nas quais a experiência traumática traduz-se em narrativas do eu.
Por sua vez, Pablo Pozzi, professor e diretor do Programa de História Oral da Universidade de Buenos Aires (UBA) e Presidente da Associação de História Oral da República Argentina, assina o texto Esencia y práctica de la historia oral que fez parte da Mesa Redonda Memórias e Identidades. O autor se propõe discutir a relação entre história, história oral e a história do presente. Parte-se do pressuposto de que as fronteiras entre essas áreas não são fixas, posto que estão articuladas e que se distribuem e se organizam por meio dessa articulação.
Fechando o dossiê temos o historiador Hernán Ramírez que participou da Mesa Redonda Culturas políticas e tempo presente. O texto Política e tempo presente na historiografia das ditaduras do Cone Sul da América Latina abordou a relação entre política e tempo presente que se estabeleceu em torno da produção historiográfica sobre as ditaduras do Cone Sul da América Latina. O autor se dedicou a analisar de que formas o presente vivido pelos pesquisadores e a sua relação com a política interferiram nas pesquisas sobre as ditaduras que tiveram lugar nessa região.
Dos artigos de demanda contínua selecionamos aqueles que possuem relações ou que possibilitam o diálogo com o tema do Dossiê. Exemplo são as questões levantadas pelo historiador Fábio Henrique Lopes, professor da UFRRJ, no artigo Reflexões sobre a operação historiográfica: diálogos e aproximações possíveis sobre a operação historiográfica no tempo presente. O autor se propõe a identificar e analisar as implicações políticas do fazer histórico, os limites e desafios desse saber, bem como as referências epistemológicas que orientam a produção do conhecimento historiográfico.
Cláudio Pereira Elmir, professor da UNISINOS, analisa o livro Uma vida em trânsito. Memórias de um homem entre duas culturas (1998), do intelectual argentino / chileno naturalizado americano desde 2004, Ariel Dorfman, no artigo As palavras que cabem no trânsito da vida: memórias de Ariel Dorfman. Com base na leitura do livro de memórias de Dorfman, busca-se verificar de que maneira o autor traça as razões da aproximação de um homem vinculado a projetos de esquerda na América Latina com as referências culturais norte-americanas.
O Povo Novo Brasileiro: Mestiçagem e identidade no pensamento de Darcy Ribeiro, de Flávio Raimundo Giarola, analisa a obra de Darcy Ribeiro, sobretudo o livro O Povo Brasileiro (1995), enfocando a relação entre mestiçagem e identidade no pensamento do autor. O objetivo é dotar de inteligibilidade a identificação do Brasil como um povo novo, ou seja, uma entidade étnica ímpar, surgida da mistura de povos distintos e com diferentes características raciais, culturais e linguísticas.
Relações internacionais são abordadas de formas e temas distintos em dois artigos que encerram essa seção. Nova Varsóvia, laboratório de ocupação ou ninho de terroristas? A Faixa de Gaza e a vida nua, de Fábio Bacila Sahd, que problematiza a política securitária de Israel em relação à Faixa de Gaza, por meio de análise da pertinência de considerar Gaza como imunitas, campo e homo sacer, tendo por base conceitos que pensam a política na modernidade. A guerra ao terror e a privatização da força: uma primeira análise do uso de companhias militares privadas nas intervenções estadunidenses no pós-onze de setembro, de Priscila Borba da Costa, discute historicamente as companhias militares privadas e sua progressiva presença nas intervenções militares, promovidas pelos Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria, a partir de um recorte específico – o período da “Guerra ao Terror” promovida pelo governo Bush.
A seção Resenhas é iniciada por Gabriela Dalla-Corte Caballero sobre o livro organizado por QUIJADA, Mônica (ed.). De los cacicazgos a la ciudadanía. Sistemas políticos en la frontera, Río de la Plata, siglos XVIII -XX. Berlin: Gebr. Mann Verlag, 2011. A resenha destaca a utilização do termo “Cacicazgo” vinculado à antiga “República de Índios” no período colonial hispânico e central na investigação histórica sobre a independência e a construção da nação argentina.
Marilda Marques, mestranda em História pela UNIOESTE, apresenta a resenha do livro de STEIN, Marcos Nestor. “O Oitavo Dia”: produção de sentidos identitários na Colônia Entre Rios-PR (segunda metade do século XX). Guarapuava: UNICENTRO, 2011. O livro aborda a identidade étnica alemã por meio da investigação sobre como a identificação “suábios do Danúbio” foi elaborada, imaginada, e por meio de quais marcos cristalizados nos discursos sobre a história do grupo é fomentado o sentimento de pertencimento, de (re)criação de um “eu” coletivo na colônia Entre Rios, localizada no município de Guarapuava, Centro Sul do estado do Paraná.
Como uma homenagem à historiadora que contribuiu significativamente para a difusão do conceito e ampliação das pesquisas sobre cultura política no Brasil, o mestrando em História da UDESC Felipe de Sousa Lima Vasconcellos resenhou a nova edição do livro organizado por GOMES, Ângela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50. 3. ed. Rio de Janeiro: Ponteio, 2011. Ângela de Castro Gomes é reconhecida como um dos principais nomes da historiografia nacional quando se trata do período getulista e da abordagem historiográfica utilizando conceitos como cultura política e cultura histórica. A obra, composta por artigos escritos por estudiosos de várias áreas do conhecimento, trata dos anos 1950 por meio de uma perspectiva plural. Lançada pela primeira vez em 1994, chega a sua terceira edição, para a satisfação de quem busca abordagens diferenciadas acerca desse período conturbado e importante da História do nosso país.
Outra homenagem, dessa vez a Walter Benjamin, foi feita por Chrystian Wilson Pereira ao resenhar o livro de MARX, Ursula; SCHWARZ, Gudrun; SCHWARZ, Michael; WIZISLA, Erdmut (eds.). Archivos de Walter Benjamin. Fotografías, textos y dibujos. Tradução de Joaquín Chamorro Mielke. Madrid, (Círculo de Bellas Artes / Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales), 2010. Publicado inicialmente na Alemanha em 2006, para acompanhar uma mostra da Academia de Artes de Berlim, o livro também foi divulgado juntamente com uma exibição de arquivos de Benjamin realizada pelo Círculo de Belas Artes de Madrid. Os autores da publicação espanhola organizaram 13 capítulos, cada um deles precedido por citações do próprio Benjamin e acompanhado de pequenos textos introdutórios ao material apresentado no original alemão. Destaca-se, na edição espanhola, a qualidade de reprodução das imagens e digitalizações dos manuscritos. Grande parte do material não ganhou tradução para o espanhol, salvo algumas legendas de fotografias, notas explicativas e bilhetes, além de listas de frases e palavras proferidas por Stefan, filho de Benjamin, e anotadas por este.
Organizamos este volume 4, volume 1 de 2012, como contribuição ao adensamento das discussões relativas à escrita de uma história consequente dos temas relacionados ao presente, e esperamos que os leitores aproveitem a leitura!
Os Editores
Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.4, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]
História do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2009
A revista Tempo e Argumento, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, contribuirá para o adensamento dos estudos e debates sobre o Tempo Presente, como foco da historiografia. Se retomam algumas atitudes da historiografia clássica, que se voltava para o relato das experiências vividas pelos próprios autores, os historiadores do Tempo Presente o fazem, contudo, de modo inteiramente novo. Isso se dá porque as temporalidades do que chamamos de presente possuem outras características e pressupõem apropriações socioculturais marcadas por processos e eventos que alteraram os modos de vida de enormes contingentes populacionais, afetados pelo impacto das tecnologias criadas a partir da industrialização e das sucessivas ondas de modernização que refazem cotidianos, experiências e valores.
O tempo presente, como tempo histórico, diz respeito tanto a experiências quanto a expectativas, o que entrelaça passado e futuro. A experiência remete ao passado, a expectativa remete ao futuro. Ambos, passado e futuro, fazem parte do presente, mas de modos diferentes e tensos. Para Reinhart Koselleck, na era moderna “a diferença entre experiência e expectativa aumenta progressivamente, ou seja, só se pode conceber a modernidade como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então”. A assimetria entre experiência e expectativa permitiu a instauração de um novo horizonte: o progresso e a crença de que “o futuro será diferente do passado, vale dizer, melhor”. 1
O presente alargou-se: antes, um pequeno lapso, um instante, entre um passado deixado para trás e distinto de um futuro a ser construído, passou a ser experimentado como um “extenso presente”. A História do Tempo Presente, a partir dessa acepção, pode ser entendida como História das intensas mutações culturais que presidem as novas acepções do “tempo histórico”. 2
As guerras totais, a velocidade dos movimentos populacionais em grande escala, a urbanização, a restrição aos modos de vida chamados tradicionais, a defesa de direitos humanos considerados universais e, em especial, a reinvenção de cotidianos pela inserção na vida privada de novas sociabilidades e identificações, fazem com que se renovem sobremaneira os objetos de interesse dos historiadores. O tempo presente apresenta-se, então, sob a forma de práticas, linguagens e discursos que traduzem processos políticos relativos ao âmbito não apenas do Estado, mas das sensibilidades, as quais demandas análises históricas que lhes atribuam densidade, para além do senso comum.
Nesta edição de estréia, a revista Tempo e Argumento, apresenta o dossiê História do Tempo Presente. Este é composto por cinco artigos, escritos por François Dosse, Paulo Kauss, Enrique Serra Padrós, Maria Antonieta Antonacci e Yonissa Marmitt Wadi acerca dos complexos processos de edificação de memórias no campo do político, de imagens do urbano, bem como de discursos historiográficos e institucionais. Na seção de Artigos temos quatro estudos onde temáticas relativas à sociedade brasileira estão em foco: Carla Simone Rodeguero discute a anistia política entre 1974 e 1979; Sonia Menezes a relação entre mídia e a memória; Manoel Dourados Bastos a modernização musical de Mario de Andrade; e Paulo Rogério Melo de Oliveira o turismo histórico. O livro, resenhado por Tiago Losso, aborda a construção do conceito de América Latina pelos norte-americanos. Na seção de Traduções temos o artigo do historiador francês Paul-André Rosental, acerca da historiografia relativa a história das populações, publicado na Revista Annales. Por fim, na seção Fontes para o Tempo Presente temos uma entrevista realizada por Silvia Maria Fávero Arend e Fabio Macedo com o historiador francês Henry Rousso, que dirigiu o Institut d’Histoire du Temp Present (IHTP) entre 1995 e 2004 e uma conferência do historiador espanhol Manuel Peres Ledesma sobre a (des) construção da memória do Franquismo.
Notas
1 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 305-327.
2 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 23-27.
Os Editores.
Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.1, n.1, 2009. Acessar publicação original [DR]