O nascimento do Direito Internacional – MACEDO (FU)

MACEDO, P.E.V.B. de. O nascimento do Direito Internacional. São Leopoldo: Unisinos, 2009. (Coleção Díke). Resenha de: PÊCEGO, Daniel Nunes. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.10, n.3, p.350-351, set./dez., 2009.

O nascimento do Direito Internacional é a publicação da tese de doutoramento de Paulo Emílio Borges de Macedo, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Defendida em 2008 e qualificada com o grau máximo, em boa hora, a Unisinos, em sua coleção Díke, dirigida por Vicente Barretto (um dos membros da banca avaliadora da tese, inclusive), dedicada a temas essenciais do pensamento jurídico, edita a obra, já adaptada às recentes modificações ortográficas.

O livro trata da origem do Direito Internacional, sob a perspectiva da História do Pensamento Jurídico, comparando e relacionando as obras de dois importantes autores da Modernidade: o jesuíta espanhol e professor de Coimbra Francisco Suárez e o jurista holandês Hugo Grócio. A tese central a ser provada pelo autor é acerca da influência do jesuíta sobre a obra do holandês e do grau de profundidade em que ela se deu.

Topograficamente, o livro é dividido em cinco capítulos, além da introdução e conclusão. No primeiro deles, trata de uma genealogia do jus gentium e das relações entre o Direito das Gentes e o Direito Internacional. Ali são analisadas as concepções romana, medieval e vitoriana (de Francisco de Vitória) de jus gentium. O autor analisa a evolução do conceito, de uma posição ainda insegura entre os romanos, passando pelos fundamentais aportes de Tomás de Aquino. Finalmente, conclui pelo ineditismo da solução suareziana e grotiana que, fugindo dos perigos de um relativismo ético, concebem um direito das gentes positivo, ainda que não voluntarista.

Nos dois capítulos seguintes, Borges de Macedo passa a tratar do fundamento do direito em Suárez e Grócio. Pela leitura ficam claras as diferenças bem mais do que pontuais entre o pensamento de Suárez e de Santo Tomás, apesar de o primeiro autor ser tradicionalmente enquadrado como tomista. Na realidade, os fundamentos metafísicos e gnosiológicos de ambos são bem diversos, e a rotulação “tomista” tem se mostrado problemática (daí porque, como se sabe, alguns optem pela expressão “tomasiano”, quando se referem propriamente ao pensamento do Aquinate). De fato, Suárez possui certa visão imanentista do Direito, identificando lei e direito. Grócio, ainda que ecleticamente se fundamente nos autores estóicos, assemelha a sua doutrina àquela dos escolásticos espanhóis.

Os quarto e quinto capítulos são dedicados ao direito das gentes em Suárez e Grócio. Para o jesuíta, o jus gentium seria uma transição entre o divino e o humano, estabelecendo um mínimo ético entre povos civilizados. Segundo Borges de Macedo, a proposta suareziana, ainda que individualista, não recairia em um relativismo. No entanto, se Hugo Grócio não chegou a produzir uma teoria autônoma do jus gentium, em sua doutrina sobre a guerra justa, podem ser encontradas informações acerca do tema.

O que poderia ser dito em uma breve apreciação crítica da obra? Dentre diversos outros fatores, o livro é notável por sua erudição. Neste ponto, uma observação deve ser feita. Normalmente, quando se escreve uma obra com referências cultas há o perigo de resumi-las a meras citações vazias de conteúdo, que possuem apenas o intuito de afagar a vaidade do autor. Felizmente, não é esse o caso. As citações, inúmeras e ricas, servem para embasar a tese fundamental do livro, além das demais que vão sendo paralelamente propostas.

Com efeito, todas as citações diretas encontradas no corpo do texto em vernáculo são referenciadas na língua original nas notas de rodapé. Corretamente, o autor considerou tal procedimento de suma importância, uma vez que uma das atividades essenciais de sua pesquisa consistiu em pacientemente cotejar os originais latinos das obras de Suárez e Grócio em bibliotecas europeias. Aí está a origem da profusão das citações em latim que não chegam a dificultar a leitura do livro, seja porque constam nas notas, seja porque no corpo do texto estão devidamente traduzidas para o português.

Foram tomadas outras decisões academicamente relevantes que facilitam os estudos posteriores do leitor. Uma delas é a divisão da bibliografia em suareziana, grotiana, geral e periódicos. Dessa forma, o estudioso poderá, com maior facilidade, acessar não apenas a literatura geral sobre o tema, como também as edições de ambos os autores tratados no livro. Há também a inclusão de sínteses ao final de cada um dos capítulos, que permite ao leitor situar-se rapidamente em relação aos tópicos abordados.

Trata-se, enfim, de uma obra destinada não apenas aos especialistas em Direito Internacional e Relações Internacionais, mas também aos estudiosos da Filosofia, Teologia e da História do Pensamento. Ela comprova que tanto a Ciência quanto a Filosofia do Direito não se construíram e nem podem ser construídas isoladamente em relação aos demais conhecimentos, inclusive e, sobretudo, aos de ordem metafísica e teológica. Embora discorra sobre uma controvérsia ocorrida no passado, Paulo Emílio Borges de Macedo, ao criticar a má resolução que a matéria tem tido até os dias de hoje por parte dos especialistas, mostra a necessidade premente de se valorizar a interdisciplinariedade radical requerida pelo Direito, emudecendo aqueles que desejam tratá-lo como um ente isolado, relacionando-se, no máximo, com as ciências sociais descritivas.

Daniel Nunes Pêcego – UFRRJ – Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis. RJ, Brasil. E-mail: dnpecego@ufrrj.br

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