Brasil em projetos. História dos sucessos políticos e planos de melhoramento do reino. Da ilustração portuguesa à Independência do Brasil | Jurandir Malerba

Na noite de 22 de agosto de 2022, a pouco mais de 40 dias para a eleição presidencial no Brasil, o pior presidente que o país já teve em toda a sua história participou de uma entrevista no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, para falar sobre sua candidatura à reeleição. À parte o fato nada desprezível de que deveria estar respondendo política e judicialmente pelos seus desmandos e não em campanha, a entrevista mostrou exatamente aquilo que dele se esperava após quatro anos de desgoverno: uma enxurrada de mentiras, distorções e dissimulações, ouvida por uma dupla de entrevistadores passivos que em momento algum confrontou de modo sério e efetivo a absurda realidade paralela desenhada à sua frente em tempo real. Ainda assim, a costumeira fala balbuciante, desconexa e destemperada do pior presidente-candidato que o Brasil jamais mereceu, quando examinada com atenção, demonstra algo que parece não existir, mas está ali, pulsando com força e, literalmente, brutalidade: um projeto para o país Leia Mais

Racismo brasileiro: uma história da formação do país | Ynaê Lopes Santos

Ynaê Lopes dos Santos, professora da Universidade Federal Fluminense, onde dirige atualmente o Departamento de História, nos brinda nesse ano de 2022 com um novo livro, Racismo brasileiro. O livro tem a ambição de reinterpretar a história do Brasil, mais precisamente, a formação do Estado nacional brasileiro, tomando o racismo como fio condutor. É, portanto, um livro escrito a contrapelo da história oficial. Leia Mais

O Brasil resiliente: estímulos criativos para sua reconstrução | Manoel José de Miranda Neto

Manoel José de Miranda Neto – membro do Instituto Histórico Brasileiro, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Academia Paraense de Letras e da Academia Paraense de Jornalismo, participante ativo de Congressos e Seminários sobre “Globalização, Cidadania e Qualidade de Vida” e autor de renomados livros de pesquisa histórica, como por exemplo, o conceituado A Utopia Possível: Missões Jesuíticas e seu suporte econômico-ecológico, publicado em Brasília, pela Funag, em 2012 – traz à luz neste ano de 2021 seu último trabalho de fôlego: O Brasil Resiliente. Estímulos criativos para sua reconstrução.

A obra em tela possui 332 páginas, dividida em três partes temáticas: I – Colonização Séculos XVI e XVII; II – Consolidação Séculos XVIII e XIX; III – Globalização Séculos XX e XXI. As seções temáticas são desenvolvidas em treze capítulos cronologicamente contextualizados e enriquecidos com notas explicativas que remetem às referências bibliográficas completas. O autor apresenta, também, os Créditos das Ilustrações e as instituições basilares da documentação pesquisada – Arquivos, Fundações, Institutos Históricos – abrindo caminho epistemológico para futuras pesquisas e orientações para outros pesquisadores. Leia Mais

Brasil caníbal. Entre la Bossa Nova y la extrema derecha | Florencia Garramuño

Durante las últimas dos décadas, la historia política brasileña ha adquirido un creciente interés en las ciencias sociales y políticas en Argentina, tal vez como una forma elíptica para comprender las vicisitudes locales, bajo el candil de un país en creciente expansión y resonancia internacional desde la llegada del gobierno del Partido de los Trabajadores y la figura de Lula da Silva a la presidencia1 . La vocación por poner en palabras castellanas los avatares lusitanos del vecino país, llevaron inclusive a que se produjera un enorme acervo de traducciones de obras brasileñas, bajo el intento de ofrecer retazos para construir una biografía ordenada o un “caminho das pedras”2 que permita transitar la multiplicidad que encierra aquel país. En este marco, la aparición del libro de Florencia Garramuño, Brasil caníbal…, es un intento acertado por ofrecer parajes o destinos donde anclar en este archipiélago diverso y complejo de la historia brasileña del siglo XX y XXI, más que brindar una brújula para un tránsito apolíneo que clausure los sentidos o desoiga los cantos de sirena que trasuntan por la Odisea brasileña.

En esta publicación se entremezclan aproximaciones desde los estudios culturales y la literatura, la historiografía sobre el pasado reciente y la sociología, las observaciones participantes y la perplejidad de la experiencia en primera persona. Sin embargo, claramente estás observaciones están escritas a caballo de un presente que la inquieta por la radicalización y la llegada de un gobierno post autoritario de Jair Bolsonaro por un lado, y la proliferación de aristas que la han llevado a enamorarse de Brasil como un enigma, por el otro. Escrito con una pluma liviana, voraz, seductora y profusa, ofrece un derrotero panorámico, complejo y ligero sobre el devenir de ese país desde su configuración identitaria como Estado nación hasta su perplejidad actual como sociedad en crisis. Leia Mais

A escrita da história de um lado a outro do Atlântico | Maria Eurydice de Barros Ribeiro

“O mar uniu, mais do que o que separou”. Os versos de Fernando Pessoa inspiram a reflexão sobre unidade e diversidade entre os universos singulares aproximados pelo processo de expansão portuguesa e fornecem sentido à organização do livro A escrita da história de um lado a outro do Atlântico, projeto encabeçado por Maria Eurydice de Barros Ribeiro e Susani Silveira Lemos França.

Movidas pelo propósito de “resgatar e mensurar as faces de um processo de identificação”, as autoras aludem aos diálogos entre formações históricas situadas dos dois lados do Atlântico e expõem, no texto da introdução, o lamento frente ao fenômeno contemporâneo de abandono de categorias que, em tempos pretéritos, teriam servido ao reconhecimento dos povos e indivíduos e que hoje se vêem abandonadas em favor da difusão dos conceitos de diversidade e do desenvolvimento de ações afirmativas de identidades.

Efetivamente, votadas à resistência, conservação ou transformação, as ações afirmativas de identidades revelam-se, em nosso tempo, não somente legítimas como eficazes no processo de autoconhecimento, de organização e luta dos povos, e estão na base de princípios e de direitos conquistados. Os princípios afirmativos de identidades foram propulsores dos movimentos de descolonização desde a segunda metade do século XX e contribuem, até os nossos dias, para a ruptura com elaborações tradicionais relativas a origem e pertencimento. Em contraponto a esse movimento de dispersão, situam-se os múltiplos esforços, em campos da produção acadêmica como da arte, de identificação e reafirmação de elementos comuns aos povos e sociedades aproximados pelos fenômenos de expansão e dominação portuguesa. Mais do que acentuar as diferenças, esses esforços se orientam pela perspectiva de valoração positiva dos “pactos que foram se firmando ao longo do tempo” e são movidos pela perspectiva de identificação de um fundo patrimonial comum a esses povos e sociedades. Mas o destaque é dado às “raízes” greco-romana, judaico-cristã e árabe como “fontes de conhecimento que ajudaram a definir o mundo português”. É, pois, sobretudo no campo da escrita que essas tradições transplantadas da Europa para o “outro lado do Atlântico” no tempo de dominação colonial devem ser procuradas.

Nos territórios conquistados, o registro escrito, fundamental ao funcionamento e à ação das instituições, serviu de vetor de transmissão de valores, de difusão de práticas e, ao mesmo tempo, de registro sobre as realidades encontradas nas novas terras. Foram fundamentais, portanto, como destacam as organizadoras do livro, para o “autoreconhecimento e conhecimento do outro em um período de afirmação do reino de Portugal para além de suas fronteiras”.

O livro se organiza em duas partes: na primeira, os autores transitam por uma ampla variedade de fontes documentais, a partir das quais buscam refletir sobre distintos objetos e contextos concernentes à História de Portugal e do Brasil; a segunda parte tem como propósito fazer uma reflexão sobre o trabalho dos historiadores, com foco sobre os avanços e os limites da produção escrita portuguesa ou sobre aspectos da História de Portugal.

O texto de abertura da primeira parte, de autoria de Manuela Mendonça (Universidade de Lisboa), é dedicado ao processo de construção da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, desde o projeto inicial, levado a cabo por António Caetano de Sousa (1674-1759), fundador da Academia Real. Mendonça situa a origem da publicação na conjuntura política e cultural pós-restauração, sob o reinado de Pedro II de Portugal. De acordo com a autora, concebido no âmbito da Academia Real e entrelaçado com o projeto correlato de uma história eclesiástica do reino, a História Genealógica foi publicada, entre 1735 e 1748, em 12 tomos, e compreendeu também seis volumes de documentos, inseridos a partir de 1739. A inserção das cópias dos documentos obedecia à intenção de chancelar a obra com a existência de provas e servia, segundo os seus propositores, como garantia de verdade, objetividade e neutralidade no tratamento das matérias.

No segundo capítulo do livro, Maria Helena da Cruz Coelho (Universidade de Coimbra) propõe a abordagem da corte portuguesa enquanto “instituição política de composição tripartide representativa dos corpos da sociedade e com perfil colaborativo em relação ao monarca”. A origem das cortes portuguesas, de acordo com a autora, pode ser situada no processo de implantação das Cúrias Extraordinárias, no início do século XIII. Convocadas pelos monarcas em situação de crise política, as cúrias contemplavam, além da tradicional representação do clero e da nobreza, a presença dos representantes dos concelhos. Além de discutir os processos que resultaram na constituição das cortes, Mendonça traz importantes reflexões sobre as transformações que as afetaram até o final da Idade Média, sobre a composição social e os assuntos tratados em diferentes conjunturas.

A matéria de que trata Dulce O. Amarante dos Santos (Universidade Federal de Goiás), no capítulo seguinte, é constituída pelos prólogos que acompanham a escrita científica ibérica. A autora delimita o campo de investigação: trata-se da produção textual votada ao conhecimento sobre o mundo da natureza como criação divina. Escritos em latim, esses textos, em especial aqueles dedicados a temas compreendidos como próprios à medicina, eram quase sempre orientados a partir de critérios classificatórios, que distinguem e estabelecem correlações entre elementos variados que constituem o universo. Associado a esses textos, o prólogo é tomado como um gênero literário, cuja singularidade reside nas informações que abriga sobre o conteúdo por ele introduzido, sobre a autoria e, também, sobre o público que, no tempo inicial da produção, integra o horizonte de expectativa dos autores. Amarante dos Santos põe em destaque os métodos e os propósitos de composição dos prólogos e procura demonstrar como eles são claramente marcados por estratégias discursivas, orientadas pelos princípios da retórica, que visavam captar a atenção e modificar a percepção dos leitores sobre os conteúdos.

Francisco José Silva Gomes (Universidade Federal do Rio de Janeiro), no texto seguinte, dedica-se à análise dos Manuais de Confissão elaborados durante os séculos tridentinos. Esses manuais deveriam orientar os confessores encarregados de conduzir os fiéis na contrição e no exame de consciência, atos que deveriam anteceder à confissão. Funcionam como textos de mediação entre a doutrina e a prática. De acordo com o autor, a uniformidade desses manuais reflete o projeto unanimista, levado a cabo pela Igreja e pelo Estado, que orienta a reestruturação da Cristandade nos séculos XVI a XVIII. O seu surgimento deve ser pensado a partir da reestruturação dos conceitos de cristandade e da identidade católica desde o advento da reforma protestante, no século XVI, e o seu desenvolvimento ulterior deve ser situado no processo de secularização que acompanha a difusão do pensamento iluminista e as revoluções burguesas. Gomes põe em destaque as relações e a busca de equilíbrio entre a Igreja e os Estados, de perfil absolutista, que permaneceram ligados ao catolicismo romano. Enquanto a Igreja almejava consolidar a sua imagem como uma ordem independente, os Estados, que dela retiravam os fundamentos ideológicos do poder régio, não só pleiteavam autonomia frente à Sé Apostólica como o direito de intervenção nas estruturas eclesiásticas. É esse o pano de fundo sobre o qual, de acordo com Gomes, se consolida o regime penitencial baseado na confissão auricular. No novo modelo de espiritualidade cristã, cuja origem remonta às reformas dos séculos XII e XIII, a confissão auricular reforça os princípios de individualidade e subjetividade na experiência do arrependimento. Por outro lado, como destaca o autor, as instituições tridentinas que sustentam a introdução da confissão auricular reforçam o papel do sacerdote como mediador com o plano do sagrado e dos sacramentos como “canais de transmissão da graça divina”.

No texto intitulado “Medicina da mulher em Portugal”, Maria de Fátima Reis (Universidade de Lisboa) reflete sobre a atuação de parteiras no campo mais amplo do que se entende como medicina da mulher. Além de um rápido balanço historiográfico sobre o tema, o texto traz o resultado de investigações sobre o regimento das parteiras que, no século XVI, ordenava o trabalho dessas profissionais e definiam os parâmetros para a sua atuação sob a chancela de outros profissionais e subordinada a determinações de natureza religiosa.

Já o texto de Cintia Maria Falkenbach Rosa (Universidade de Brasília) está centrado na análise iconográfica e iconológica de uma cena de natividade – em especial dos elementos concernentes à Adoração dos Magos – que ilustra o Livro de Horas de Dom Manuel I, datado de meados do século XVI. A autora aponta para a singularidade das imagens que ilustram o documento e as associa ao claro propósito de edificação da obra do Rei Venturoso em um contexto de consolidação e expansão do Estado Português.

A primeira parte do livro se conclui com o texto de uma das organizadoras, Maria Eurydice de Barros Ribeiro (Universidade de Brasília). Intitulado “Operários do evangelho”, o capítulo trata da difusão da espiritualidade franciscana no Brasil, tendo por foco conjunto arquitetônico dedicado a Santo Antônio, na cidade de Cairu, no recôncavo baiano. O texto resulta de um exaustivo trabalho de pesquisa documental e bibliográfica sobre história, arquitetura e imagética cristã no período colonial.

O capítulo que abre a segunda parte do livro, dedicada à escrita historiográfica portuguesa e/ou sobre Portugal, é da autoria de Margarida Garcez Ventura (Universidade de Lisboa) e tem por título “O elogio do contraditório”. Em revisita à obra de Zurara, em particular às narrativas sobre a tomada de Ceuta, a autora ocupa-se de analisar os escritos do cronista no intuito de evidenciar a presença do contraditório na discussão dos temas sobre os quais se impunham deliberações por parte da realeza portuguesa no século XV. Nas justificações e objeções ao projeto de conquista de Ceuta e permanência da corte portuguesa no local, a autora identifica o uso retórico do contraditório como elemento constitutivo da memória e da consciência nacional.

A cronística de Zurara também serve de fonte às pesquisas de Susani Silveira Lemos França (Universidade Estadual Paulista), cujo texto se propõe a debater a presença de elementos de abordagem moralizante no tratamento de temas associados à expansão portuguesa. Para tanto, a autora analisa o processo de seleção, atualização e ressiginificação de virtudes exaltadas na narrativa consoante as circunstâncias históricas.

O texto seguinte, de José Rivair Macedo (UFRGS), explora as imagens e os discursos sobre a Costa da Guiné, enunciados nas narrativas portuguesas produzidas entre os séculos XV e XVII. O conjunto documental que orienta a abordagem do tema compreende narrativas memorialistas, roteiros de viagens, literatura de missionários, além de um subconjunto que o autor nomeia como narrativas locais, escritos marcados pela vivência em terras Africanas. As reflexões sobre a natureza e os indicativos de localização das fontes fazem do texto de Macedo um guia fundamental aos estudos sobre representações do continente africano no contexto da expansão portuguesa.

A natureza das fontes históricas é também matéria de discussão no texto de Armando Martins (Universidade de Lisboa). O autor parte da reflexão sobre as relações entre memória e história escrita para discutir duas acepções do termo hagiografia: por um lado, o termo é utilizado para definir a escrita medieval sobre as vidas de santos, compreendendo várias formas, como as vitae propriamente ditas, os relatos de milagres, as narrativas associadas às relíquias etc; por outro lado, a expressão serve ara nomear os estudos sobre textos hagiográficos. As hagiografias medievais, o autor as analisa no panorama das grandes transformações da espiritualidade e do conceito de santidade que ocorreram na Europa ocidental a partir do século XII. O texto se conclui com a apresentação de um quadro analítico em que, a partir de elementos estruturais próprios ao texto histórico, busca-se inferir sobre a natureza do texto hagiográfico.

Já o texto intitulado “Fernão Lopes, o rei D. João I e a historiografia lusobrasileira”, escrito por Adriana Zierer (Universidade Estadual do Maranhão), resulta de importante levantamento sobre pesquisa documental e produção bibliográfica acerca de Fernão Lopes e D. João I. A autora destaca temas, formas de abordagem e fontes relativas à Dinastia de Avis e ao seu mais importante cronista e põe em relevo os historiadores e grupos de pesquisa que, em Portugal e no Brasil, têm a elas se dedicado.

É também na perspectiva da revisão bibliográfica e de reflexão sobre natureza das fontes documentais que Douglas Mota Xavier de Lima escreve as suas notas bibliográficas sobre a história da diplomacia portuguesa do século XV

O livro se conclui com o texto de João Marinho dos Santos (Universidade de Coimbra), que tem como propósito debater a abordagem das cartas e da “relações” dos jesuítas como gênero narrativo historiográfico. O autor principia por delimitar o universo de temas que os jesuítas, em missão missionária na colônia portuguesa da América, instigados pela direção da ordem inaciana, contemplaram em seus escritos sob a designação genérica de “cousas do Brasil”. Aos temas selecionados, Marinho dos Santos procura relacionar as circunstâncias da produção e os potenciais destinatários das cartas e das relações para concluir que “os primeiros jesuítas que escreveram do e sobre o Brasil foram mais memorialistas do que historiadores”, mas que os seus escritos estão em perfeita sintonia com o que se compreende como historiografia dos séculos XVI e XII.

A riqueza do trabalho que ora se apresenta ao público resulta da diversidade de objetos e de fontes abarcados pelos textos que o compõem. Além disso, deve-se destacar o número expressivo de instituições de Portugal e do Brasil que, por meio dos pesquisadores-autores, estão a indicar a renovação permanente da produção historiográfica sobre os contextos civilizacionais que têm o Oceano Atlântico como fronteira, como espaço de interseção, no tempo alargado que remonta à consolidação do Estado Português e se estende por todo o período de dominação colonial.

Rita de Cássia Mendes Pereira – Doutora em História (USP). Pós-Doutorado na Universidade Federal da Bahia (2015-2016). Professora Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Docente do Mestrado em Letras: Cultura, Educação e Linguagens. E-mail: ricamepe@hotmail.com


RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros; FRANÇA, Susani Silveira Lemos (Org.). A escrita da história de um lado a outro do Atlântico. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2018. Resenha de: PEREIRA, Rita de Cássia Mendes Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.18, n.2, p. 140- 144, 2018. Acessar publicação original [DR]

História do Brasil | UFRB | 2018

Nordestina de Historia do Brasil História do Brasil | UFRB | 2018

Revista Nordestina de História do Brasil  (São Paulo, 2018-) tem como objetivo publicar artigos, entrevistas, traduções e resenhas (de livros e artigos científicos) de pesquisadores especialistas em história do Brasil a partir de uma perspectiva local, regional e transnacional. As publicações ocorrem no modelo de Publicação Contínua (PC), conforme os Guias da SciElo, que orientam a publicação nesta modalidade.

Seus objetivos são: a) divulgar o conhecimento científico produzido pelos grupos e projetos de pesquisa vinculados aos Departamentos de História (DHs) e áreas afins das diversas Instituições de Ensino Superior (IES) do país e do exterior; b) criar uma rede de sociabilidade entre os pesquisadores de História do Brasil, especialmente aqueles que partem do recorte espacial supracitado para pensar nas diversas particularidades e diversidades do país; e c) fomentar uma rede de divulgação dos estudos oriundos das investigações realizadas na pós-graduação brasileira e nos outros países.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2596-0334 (Impresso)

ISSN 2674-7332 (Online)

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

África e Brasil. História e Cultura | Eduardo D’Amorim

Passados quinze anos da lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino sobre a história e a cultura afrobrasileira, a questão ainda é tida como desafiadora por muitos professores e gestores escolares. Um dos principais motivos relatados pelos profissionais das áreas de educação é a ausência de materiais que abordem a temática com a qualidade esperada, e que privilegiem com correção as múltiplas dimensões socioculturais africanas, assim como as conexões entre esse continente e o Brasil.

O livro África e Brasil. História e Cultura, de Eduardo D’Amorim, está comprometido em suprir uma importante carência do mercado editorial brasileiro. A publicação, que recebeu a primeira colocação na 59º edição do Prêmio Jabuti, categoria Didático e Paradidático (2017), tem escrita clara, apurada organização dos capítulos e trabalho gráfico e editorial de altíssima qualidade. Tais elementos contribuem para uma leitura prazerosa e muito esclarecedora sobre a temática. Sendo útil para aos mais variados tipos de leitores que desejem debruçar-se sobre o assunto, e que tenha interesse em conhecer mais sobre a importância da história da África e da contribuição dos africanos na formação da cultura e da sociedade brasileira. Leia Mais

História da África e do Brasil Afrodescendente | Ynaê Lopes dos Santos

Estudar a história da África, ou melhor, algumas histórias desse vasto continente é um dos objetivos do livro História da África e do Brasil Afrodescendente de Ynaê Lopes dos Santos. A autora optou por estruturar a obra de acordo com a clássica divisão da História (Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea). No decorrer do livro Ynaê procura mostrar como ao longo do tempo o continente africano se interagiu com sociedades de outros continentes, reafirmando a concepção de que havia uma rede de relações comerciais, culturais, religiosas entre os povos da antiguidade. Leia Mais

A viagem do Descobrimento: A verdadeira história da expedição de Cabral – BUENO (MB-P)

BUENO, Eduardo. A viagem do Descobrimento: A verdadeira história da expedição de Cabral. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1998 140p. Resenha de: SERAFIM, Márcia Pereira Franco. Um novo olhar sobre a História do Brasil. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

Escrito pelo jornalista Eduardo Bueno com a consultoria do professor Ronaldo Vainfas, o primeiro volume da Coleção Terra Brasilis apresenta linguagem objetiva e de fácil compreensão. Em 140 páginas, o autor apresenta a História Marítima vivenciada pelos portugueses nos séculos XV e XVI e detalha, entre outras, a expedição comandada por Pedro Álvares Cabral.

Inicialmente é apresentado – de forma rápida, porém minuciosa – um compêndio de como a esquadra de Cabral avistou, no dia 22 de abril de 1.500, nas horas de véspera, a terra que seria posteriormente chamada de Brasil. São descritos os preparativos para a expedição incumbida pelo rei D. Manoel I e detalhes da esquadra comandada por Cabral, composta por 10 naus e 3 caravelas, tida como “um pedaço flutuante de Portugal” (p.18), “muito poderosa em armas e em gente luzidia” (p.19), com fortes influências do Cristianismo e que visava à travessia para a Índia e ao comércio de especiarias, além de tentar demonstrar o poderio militar de Portugal ao Samorim de Calicute, que havia desprezado a expedição anterior comandada por Vasco da Gama Embora a missão de Cabral fosse clara, nada o impedia de investigar os indícios da existência de terras a oeste dos Açores e da Madeira, percebidos por Vasco da Gama e tidos como “provas” pelos defensores da teoria da intencionalidade da descoberta do Brasil (p. 9).

Os capítulos seguintes trazem detalhes da História Marítima Portuguesa. No primeiro – “De Lisboa a Vera Cruz” – são abordados os aspectos da escolha dos capitães das embarcações e breve biografia; seus salários e direitos; do custeio da expedição pela iniciativa privada; das divisões da frota; da composição e da alimentação da tripulação; das características das naus, além das motivações para a decisão e a preparação da expedição de Cabral rumo as Índias.

Sabia-se que, para chegar até a Índia, a esquadra deveria realizar a manobra chamada de “volta do mar”. Ao empreender essa volta, Cabral seguiu as orientações de Vasco da Gama e abriu seu rumo para o sudoeste. Os ventos que o conduziam até a Ásia, o levaram a descobrir o Brasil. Neste ponto, fica claro o posicionamento favorável do autor à teoria da intencionalidade, ao defender que a existência da nova terra era prevista em Portugal desde meados do século XV.

Para compreender essa viagem é necessário analisar o processo expansionista dos portugueses. Assim, o segundo capítulo – “Portugal Conquista o Mundo” – traz, de forma ora sucinta, ora enfadonha, os fatos históricos afetos às ações portuguesas e, principalmente, à descoberta da rota marítima para as Índias por Vasco da Gama.

No terceiro e último capítulo – “A semana de Vera Cruz” – o autor vasculha os principais documentos da época e apresenta relatos dos 10 dias nos quais a esquadra de Cabral ficou aportada no Brasil, como as diferenças culturais e sociológicas existentes entre os indígenas e os portugueses. Retrata ainda as dificuldades de Cabral para chegar a Calicute e os desdobramentos desta chegada, além de seu regresso a Lisboa e o relato de outras expedições portuguesas, como a que levou Américo Vespúcio a batizar o novo continente e a selar os destinos do Brasil.

O apêndice aborda a tese de que a descoberta do Brasil teria sido por acaso. Em contrapartida, apresenta argumentos da intencionalidade do “achamento” de Cabral, entretanto, conclui que ambas as teses não puderam, e talvez jamais possam, ser definitivamente comprovadas. Expõe ainda que no ano de 1.920 surgiu a polêmica de que outros navegantes chegaram ao Brasil antes de Cabral, porém afirma que as consequências práticas dessas viagens foram irrelevantes para o descobrimento sociológico da Terra de Santa Cruz.

Conclui-se que esta não é uma obra que busque a discussão, mas que apresenta uma nova perspectiva sobre a História do descobrimento, mantendo-se fiel à versão oficial que considera os portugueses como navegadores audazes e reveladores dos caminhos para novas conquistas.

Acrescentando muito pouco sobre o contexto europeu da época e até mesmo sobre o processo expansionista da Espanha, principal rival de Portugal na “corrida ultramarina”, Eduardo Bueno considera indiscutível, no decorrer de toda a obra, a intencionalidade dos portugueses no descobrimento do Brasil, entretanto traz importantes dados para que inúmeras conclusões possam ser tomadas pelo leitor, uma vez que o próprio autor cita que “essa é uma questão aberta, e por assim ser só aumenta o seu fascínio” (p. 132).

Márcia Pereira Franco Serafim – CT (T) Marinha do Brasil

Acessar publicação original

Brasil: uma biografia | Lilia Moritz Schwarcz

Brasil: uma biografia [1], obra escrita em conjunto pela historiadora Heloísa M. Starling [2] e pela antropóloga e historiadora Lilia M. Schwarcz [3], traz em si, como toda boa síntese propõe-se a fazer, um sentido outro para a história desse personagem conhecido pelo nome que vingou entre tantos outros, Brasil.

Com o auxílio de extensa bibliografia e documentos-chave para a compreensão de determinados acontecimentos e períodos que marcaram o desenrolar da história brasileira, as autoras optaram por uma narrativa na qual o Brasil aparece na categoria de personagem, dotado de interesses, vontades e dilemas. Sua história se inicia às vésperas da chegada dos europeus ao então chamado Novo Mundo, habitado pelos povos indígenas e coberto por uma exuberância tropical, até os idos de 1995, apesar das autoras concluírem com referências diretas aos governos Lula e Dilma e aos ocorridos de 2013, ano marcado por manifestações públicas em prol de maior amplitude dos direitos sociais e de uma política menos íntima da corrupção. Leia Mais

1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil – GOMES (MB-P)

GOMES, Laurentino. 1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 408p. Resenha de: NASCIMENTO, Aline Botelho do. A vinda da Família Real para o Brasil e a Independência. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

O livro conta à história de D. João VI, que sendo ameaçado pelas invasões de Napoleão Bonaparte, por não ter cumprido o Bloqueio Continental com a Inglaterra, foge para a sua maior colônia na época, o Brasil, para onde a Família Real transferiu a sede do governo Português, fato nunca antes visto na história conforme afirma autor.

Em 1807, Napoleão Bonaparte era o senhor absoluto da Europa. Seus exércitos tinham destronado reis e rainhas do continente europeu, numa sucessão de vitórias brilhantes e surpreendentes. Só não haviam conseguido dominar a Inglaterra. Napoleão resolveu tentar a Guerra Econômica, decretando o bloqueio continental, uma medida que previa o fechamento dos portos dos Estados Europeus aos produtos britânicos. Suas ordens foram obedecidas por todos os países exceto Portugal.

  1. João VI rei de Portugal tinha duas opções a escolher: a primeira era ceder às pressões de Napoleão e aderir ao bloqueio continental; a segunda, aceitar a oferta dos ingleses e embarcar juntamente com sua corte para o Brasil. Caso o Príncipe Regente aderisse a proposta de Napoleão, os ingleses não somente bombardeariam e sequestrariam a frota portuguesa como muito provavelmente tomariam suas colônias ultramarinas.

Ainda que o plano de fuga para o Brasil fosse antigo, a viagem foi decidida às pressas. Além disso, fatores naturais atrapalharam bastante a viagem, que não foi fácil. No plano de viagem havia um ponto de encontro onde navios poderiam ser reparados. Esse ponto era a ilha de Cabo-Verde, no qual as embarcações danificadas atracariam; após o retorno, deveriam seguir viagem rumo ao Rio de Janeiro, mas aportaram em Salvador, na Bahia, de onde partiram enfim para o Rio de Janeiro.

Com a chegada ao Rio de Janeiro, a primeira providência tomada pela Família Real Portuguesa foi a abertura dos Portos às “nações amigas”, especificamente a Inglaterra. Houve, também, a criação de uma escola superior de Medicina, outra de técnicas agrícolas, um laboratório de estudos e análises químicas e a Academia Real Militar.

A Família Real estabeleceu ainda algumas instituições no país, tais como: Gazeta do Rio de Janeiro, o Supremo Conselho Militar e de Justiça, a Intendência Geral de Polícia da Corte, o Conselho de Fazendo e o Corpo da Guarda Real, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional e o Jardim Botânico.

Porém, Houve também, períodos conturbados, tais como revoltas de cunhos separatistas, abolicionistas, entre outras, que exigiram o tratamento por parte da Família Real, o que devidamente debeladas, ajudaram a manter a unidade nacional central mais forte, delineando o Brasil próximo da forma como conhecemos.

Com revoltas acontecendo também em Portugal, na cidade do Porto, em 1820, D. João foi obrigado a retornar a Portugal, deixando a administração do Brasil a cargo de seu filho D. Pedro. Entretanto, para desespero de D. Pedro, quando D. João partiu para Portugal, raspou os cofres do Banco do Brasil e levou embora o que ainda restava do tesouro real que havia trazido com a “fuga” para a colônia em 1808.

A D. Pedro coube a tarefa de unificar o país, e torná-lo independente de Portugal, já que seu próprio pai, acatando deliberações da Corte portuguesa, tornava as exigências à colônia muito mais duras.

O Jornalista Laurentino Gomes, neste livro, retrata, de forma bem amigável ao leitor, a vinda e a permanência da Família Real portuguesa, e sua Corte, em 1808, e como influenciaram a vida no Brasil, culminando com a Independência em 1822. É certo que graças aos fatos que ocasionaram a mudança da corte para as terras tupiniquins o futuro do país foi mudado significativamente.

Aline Botelho do Nascimento –  Primeiro-Tenente da Marinha do Brasil

Acessar publicação original

Brasil: Uma Biografia – SCHWARCZ; STARLING (DSSC)

SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, 792 pp. Resenha de: MAYNARD, Andreza Santos. Diacronie Studi di Storia Contemporanea, n. 26, n. 2, 2016.

Edito nel 2015 dalla casa editrice Companhia das Letras, il libro è il risultato del lavoro congiunto di Lilia Moritz Schwarcz (professoressa dell’Universidade de São Paulo) e Heloisa Murgel Starling (professoressa dell’Universidade Federal de Minas Gerais). Benché fosse intenzione delle autrici sfuggire alle classificazioni, si tratta di una sintesi che affronta più di cinquecento anni di storia del Brasile. L’ampio volume di 792 pagine è suddiviso in 18 capitoli.

L’analisi sviluppata nel libro parte dai primi contatti degli europei con gli indigeni brasiliani, all’inizio del XVI secolo, e giunge fino alla contemporaneità: per l’esattezza sino al periodo successivo al ritorno alla democrazia, con la ripresa del governo da parte dei civili, in seguito all’elezione di Fernando Henrique Cardoso alla presidenza, nel 1995. L’opera offre tre raccolte di immagini di diversa tipologia: dipinti, illustrazioni, fotografie e documenti dell’epoca.

Su internet sono reperibili molte informazioni sul libro. Le librerie e i siti dediti al commercio online forniscono dati sull’opera e non è raro imbattersi in lettori che esprimono apprezzamenti entusiastici. All’interno di una strategia di commercializzazione, la stessa Companhia das Letras ha diffuso la parte iniziale in formato .pdf: il lettore curioso può così avere accesso a una parte del testo prima di decidere se procedere o meno all’acquisto del volume, che costa mediamente da 39,90 a 54,51 reais. In considerazione della fama di Lilia Moritz Schwarcz nel mercato editoriale brasiliano, del numero di pagine e di immagini, della qualità materiale e intellettuale dell’opera, si può affermare che non si tratti di una cifra esorbitante.

Una delle particolarità che attirano maggiormente l’attenzione sul libro è la proposta delle autrici di partire dalla biografia per comprendere il Brasile in prospettiva storica. Gli autori ci informano del fatto che “i brasiliani” sono i protagonisti di questa narrazione, gli uomini pubblici così come i personaggi “quasi anonimi”. Ed è con loro che gli autori iniziano l’opera. Sulla copertina troviamo una fotografia del 1958 scattata da Marcel Gautherot: l’immagine mostra uomini che lavorano all’edificazione del Senato Federale. Grazie questa provocazione iniziale, ricaviamo l’impressione che questa sia un’opera sulla storia della costruzione del paese: qualcosa che è stato realizzato da brasiliani famosi così come sconosciuti.

Nell’introduzione vengono esposte alcune idee e metodi che pervadono l’opera. Da un lato apprezziamo l’uso dei riferimenti letterari, una delle caratteristiche che conferiscono levità al testo. Al contempo, veniamo messi a parte delle nozioni di cittadinanza, democrazia, repubblica e giustizia sociale che verranno riprese nel corso dei capitoli. La visione critica delle autrici riguardo alla formazione storica del Brasile è permeata da queste categorie. Per quel che riguarda la nozione di cittadinanza si percepisce una sintonia con il testo di José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil: o longo caminho1, benché non sia menzionata l’opera e neppure l’autore. Possiamo considerare questa come l’altra particolarità del libro scritto da Schwarcz e Starling, ossia la tendenza a ridurre al minimo i riferimenti ad autori ed opere, così come l’uso di citazioni e note. Queste sono rispettosamente collocate in fondo al volume in modo da non interrompere il flusso del testo.

Anche nell’introduzione, le autrici si avvalgono di riferimenti letterari come Lima Barreto e Guimaraes Rosa. Ma è di Gustave Flaubert – e del suo personaggio Madame Bovary – che si servono per rifarsi al bovarismo, richiamandosi così a Sérgio Buarque de Holanda; un concetto che fa riferimento ad un’alterazione nella percezione della realtà. Le autrici associano le affermazioni di Lima Barreto e Sérgio Buarque de Holanda per affermare che «i brasiliani hanno un qualcosa di Bovary»2. Negare che il Brasile sia come questo personaggio, significherebbe creare le condizioni per una costruzione idealizzata dal paese. Secondo Schwarcz e Starling, il «bovarismo nazionale» si coagula con il “familismo”, ossia l’abitudine di trasformare ciò che è pubblico in privato. È possibile comprendere come in questo risieda la ricerca dell’identità nazionale.

Come si è accennato in precedenza, l’opera si apre affrontando il tema dei primi contatti (e alleanze) tra le società indigene e gli stranieri. In termini generali si può affermare che ci sono poche menzioni di autori accademici nell’opera; quando le rinveniamo, normalmente si tratta di autori classici. Ad esempio nell’introduzione è menzionato Sérgio Buarque de Holanda e le sue formulazioni sul «bovarismo nazionale» e sull’«homem cordial», l’uomo cordiale.

Nel secondo capitolo, dedicato all’impresa coloniale e alla produzione dello zucchero, la menzione a Gilberto Freyre è quasi obbligatoria e viene rispettata. È attraverso la sua opera che ci si approccia alla storia del mondo dello zucchero, seppure in forma letteraria, secondo il gusto delle autrici. Anche dando uno sguardo alla bibliografia si può percepire come questa sia incentrata su opere internazionali e lavori pubblicati in Brasile, soprattutto negli Stati di San Paolo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

In contrasto con la dolcezza dello zucchero, troviamo l’amarezza della schiavitù. Uno dei temi affrontati nel secondo capitolo è infatti ciò per cui in questo periodo il colore diviene «un marcatore sociale fondamentale»3: viene sviluppata una riflessione sui contrasti tra la vita dei nobili che non si dedicavano al lavoro manuale e i servi, che vivevano nelle senzalas, le catapecchie destinate agli schiavi. L’intento è quello di fare il punto sui differenti aspetti della società, per quanto facendo riferimento alla produzione della canna e dello zucchero le autrici si avvicinino all’ambito economico. Ci si concentra dunque sui profitti, sulla produzione dello zucchero e sul commercio. Il tema principale è dunque la canna da zucchero, mentre gli schiavi vengono trattati brevemente per essere poi ripresi nel capitolo successivo.

Il capitolo 3 è dedicato al tema della schiavitù in Brasile. Nell’introduzione, le autrici avevano già affermato come questa esperienza abbia marcato la storia sociale del paese. Si comprende quale sia l’eredità della schiavitù attraverso l’esperienza del dolore e della violenza di cui fu vittima la parte della popolazione povera e nera, così come dai processi di esclusione sociale. Questo capitolo risulta particolarmente duro, tanto quando affronta i maltrattamenti subiti dai neri durante le diverse epoche storiche, quanto nella misura in cui stimola la riflessione sulle pratiche violente esistenti nel paese e rivolte nei confronti della popolazione nera. Ci si oppone alla tesi secondo la quale il brasiliano non sarebbe violento così come a quella in grazia di cui esiste un mito della “democrazia razziale”. Le autrici lanciano poi una provocazione in merito alla permanenza delle pratiche discriminatorie e delle ingiustizie sociali a tutt’oggi patite dai neri.

Uno dei capitoli che spicca maggiormente è l’undicesimo, che tratta del Secondo Regno (1840-1889). Dal momento che Lilia Moritz Schwarcz ha scritto il libro As barbas do Imperador4, era prevedibile che il capitolo privilegiasse la figura di Pedro II. Il testo è particolarmente piacevole: si apprezza la commistione di informazioni relative agli aspetti privati e altre di carattere pubblico. La descrizione dei dettagli dell’intimità dell’imperatore senza dubbio costituisce un’attrattiva per il lettore. Per quel che riguarda le nozze contratte con l’imperatrice, si afferma che:

[…] tuttavia, neppure il migliore delle cerimonie nasconde le frustrazioni e molto si disse su quelle di Pedro. Malgrado le informazioni che abbiamo ricavato riguardo alle virtù dell’imperatrice, sembra che l’imperatore riuscisse a notare solamente i difetti: Teresa Cristina era bassa, obesa e un po’ zoppa. Si dice che il giovane monarca non sarebbe stato in grado di mascherare la sua delusione vedendola e che scoppiò a piangere tra le braccia della contessa di Belmonte, la sua governante, e sulla spalla del maggiordomo Paulo Barbosa, che gli avrebbe detto: «Si ricordi della dignità della sua carica. Faccia il suo dovere, figlio mio»5.

In questo passaggio risulta evidente la sensibilità che permea il libro. Le autrici sottolineano come una figura politica così eminente come Pedro II avesse sentimenti, volontà e problemi sentimentali, così come qualsiasi “quasi anonimo”: promuovono dunque l’umanizzazione dell’imperatore. Il tono intimista della descrizione di cui sopra è accompagnato da un’analisi che privilegia gli aspetti della politica nazionale dell’epoca. Questo è un esempio dello sforzo che le autrici hanno fatto per promuovere una connessione fra il pubblico e il privato. Nel capitolo 17, consacrato alla dittatura militare, le autrici ammettono la mancanza di unanimità in campo storiografico, anche se è possibile rinvenire una presa di posizione storiografica – quantunque anche politica – di fronte al “golpe” e al “regime militare”. L’approccio adottato nel capitolo si approssima dunque alla polarizzazione politica.

I decenni più recenti rimangono fuori dall’opera; le autrici giustificano questa scelta in considerazione del fatto che: «il tempo presente appartiene un po’ a ciascuno di noi e, probabilmente, tocca al giornalista prenderne nota con precisione e spirito critico»6. Marc Bloch discorderebbe dalle autrici su questo punto; nel libro L’Étrange Défaite7, mostra quanto sia importante l’analisi che lo storico produce indagando il tempo presente.

La struttura sensibile e allo stesso tempo critica dei capitoli porta nel lettore il desiderio di “saperne di più”. Le autrici, infatti, malgrado i propositi iniziali, arrivano sino a menzionare i governi Lula e Dilma Rousseff, la crisi politica attuale del Brasile e persino le manifestazioni di piazza che, dal giugno del 2013, hanno reso evidente l’inquietudine del popolo brasiliano di fronte ai molti casi di corruzione che hanno coinvolto i politici di vari partiti. Tuttavia, come detto in precedenza, c’è una scelta precisa alla base della scelta che mette da parte i fatti più recenti della storia nazionale. La giustificazione di ordine metodologico per lasciare il tempo presente ad una prossima opportunità di studio, deriva dal fatto che lo storico lavora con progetti già conclusi e per questa ragione la riflessione storica sui governi Fernando Henrique Cardoso e Lula deve ancora essere affrontata. Tuttavia l’argomentazione appare fragile a fronte di una grande mole di lavori accademici che analizzano il periodo, oltre all’abbondante disponibilità di documentazione prodotta dall’Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Nella conclusione le autrici ritornano sulla nozione di cittadinanza e commentano la difficile pratica di questa nozione in Brasile; ci si sofferma quindi sullo sforzo dei brasiliani per ottenere la democrazia e la repubblica. Al contempo sottolineano come la schiavitù modellò la società brasiliana con caratteristiche che permangono tutt’oggi. Risulta tuttavia bizzarro il fatto che le autrici abbiano lasciato da parte il periodo più recente della storia brasiliana, caratterizzato dall’inclusione sociale, da una diminuzione della disuguaglianza sociale, da un aumento dei neri nelle università grazie al sistema delle quote e dall’inserimento dell’obbligatorietà per legge dell’insegnamento della Storia della Cultura afro-brasiliana e indigena (leggi 10.639/2003 e 11.645/2008), una significativa conquista dei movimenti sociali.

Certamente siamo lontani da una situazione ideale, ma lasciare da parte l’analisi di questi cambiamenti genera problemi. Forse è questo il “tallone d’Achille” dell’opera: menzionare l’attualità senza imbarcarsi in un’analisi corrispondente. In altre parole rimarchiamo l’assenza di un’analisi della storia del tempo presente a fronte di riferimenti significativi ad esso.

In realtà si fa un rapido accenno ai provvedimenti sociali del governo Lula. La testimonianza degli scandali legati alla corruzione, coinvolgendo i principali dirigenti del Partido dos Trabalhadores (PT) occupa uno spazio maggiore nel testo. Le manifestazioni di piazza dei brasiliani del 2013 sono menzionate, ma compaiono solamente in termini generici come una manifestazione democratica del popolo brasiliano. Queste, di fatto, lo furono; tuttavia è opportuno precisare che il programma delle manifestazioni del 2013 era aperto anche a istanze più “conservatrici”. Tra le richieste vi era la fine della corruzione, ma anche il ritorno dei militari al potere, la cessazione del sistema delle quote nelle università e dei programmi sociali del governo federale. In calce all’opera, dopo la conclusione, le autrici inseriscono una sorta di “avviso” che avverte che il libro è andato in stampa quando sono avvenute le manifestazioni del 13 e del 15 di marzo del 2015. Questa insistenza nel menzionare fatti del presente senza l’accompagnamento di un’analisi critica risulta problematica sia dal punto di vista metodologico, sia da quello politico. Infine occorre puntualizzare che si tratta di un testo didascalico e analitico, ma soprattutto fluido e la cui lettura risulta piacevole. Si nota la preoccupazione delle autrici nel mantenere un linguaggio adatto ad un pubblico diversificato, non solamente accademico. L’opera risulta di immediato interesse per chi si occupa di storia del Brasile – storici, sociologi, politologi, antropologi, economisti –, ma può suscitare interesse anche al di fuori dell’ambito accademico. I capitoli possono essere letti in ordine progressivo, ma sono autonomi l’uno dall’altro.

Notas

1 CARVALHO, José Murilo de, Cidadania no Brasil: o longo caminho, Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2009 [12 ed.].

2 SCHWARCZ, Lilia Moritz, STARLING, Heloisa Murgel, Brasil: Uma Biografia, São Paulo, Companhia das Letras, 2015, p. 16.

3 Ibidem, p. 71.

4 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do imperador, D. Pedro II: um Monarca dos Trópicos. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.

5 Ibidem. p. 273.

6 Ibidem, p. 20.

7 BLOCH, Marc, A estranha derrota, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2011 [ed. orig. L’Étrange Défaite, Paris, Société des Éditions Franc-Tireur, 1946].

Andreza Santos Cruz Maynard si è laureata in Storia presso l’Universidade Federal de Sergipe, ha conseguito la Laurea specialistica nell’Universidade Federal de Pernambuco e si è addottorata presso l’Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Ricercatrice post-dottorale in Storia dell’ Universidade Federal Rural de Pernambuco, è stata borsista CNPq/FAPITEC con una borsa DCR (2014-2016). Fa parte del Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq) ed è professoressa del Colégio de Aplicação dell’Universidade Federal de Sergipe.

Acessar publicação original

O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar Brasileira (1934- 1961) | Ricardo Oriá

O Brasil contado às crianças: Viriato Corrêa e a literatura escolar Brasileira – 1934-1961 do historiador José Ricardo Oriá Fernandes traz um conjunto de ideias que aludem ao universo escolar de crianças e jovens dos anos 1930, através da revalorização da obra História do Brasil para crianças, de Viriato Corrêa, reeditada entre os anos de 1930 e 1960.

Os seis capítulos que integram o livro, divididos em três partes – “A literatura escolar para a infância brasileira: livros de leitura e ensino de História”; “Viriato Corrêa e a Companhia Editora Nacional” e “História do Brasil para crianças e o ensino primário” – têm por propósito explorar a produção historiográfica escolar brasileira. Inicialmente o historiador centra as análises nas propagandas feitas pela Companhia Editora Nacional e no processo de divulgação dos livros de História do Brasil para o público infanto-juvenil, com destaque para a História do Brasil para as crianças, sucesso entre os jovens leitores e assinado por Corrêa. Além disso, Oriá propõe discutir a denominação feita entre a literatura escolar e a literatura infantil ressaltando as dificuldades em se estabelecer as devidas diferenças. Referenciando-se nas análises realizadas por Leonardo Arroyo que destaca o exemplo de Monteiro Lobato, Oriá apresenta-nos o panorama editorial dos primórdios republicanos e o florescimento de uma literatura infantil, calcada nas “modernas” propostas educacionais da Escola Nova. Ainda no primeiro capítulo intitulado História do Brasil para crianças: que livro é esse?, o autor traceja os contornos do aparecimento dos primeiros livros para crianças no Brasil, no início do século XX, com o advento da República, associado a uma preocupação veemente em modernizar o país. Leia Mais

Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil | Mary Del Priore

Recentemente a teledramaturgia brasileira protagonizou o primeiro beijo lésbico: representada em Amor e Revolução, a cena durou aproximadamente cinqüenta minutos. Os pontos a mais na audiência que a cena garantiu para o SBT mostram como este gênero televisivo, bem como os demais meios de comunicação, sempre funcionou como termômetro da sexualidade brasileira. Se em Amor e Revolução a temperatura subiu, em 2005 a temperatura despencou devido ao que deveria ser o primeiro beijo gay da televisão brasileira: a Rede Globo chegou a gravar a cena, mas não a levou ao ar no último capítulo de América. Caso se volte mais de duas décadas, contudo, o termômetro registrou novamente elevada temperatura: em 1979 o seriado Malu Mulher, também da Rede Globo, apresentou o primeiro orgasmo da televisão brasileira. Leia Mais

Açúcar e Colonização – FERLINI (S-RH)

FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e Colonização. São Paulo: Alameda, 2010, 267p.  Resenha de:  LOPES, Gustavo Acioli. Identidades, mentalidades e sistema colonial. SÆCULUM REVISTA DE HISTÓRIA, João Pessoa, [26] jan./jun. 2012.

Os estudos e pesquisas sobre a história do Brasil colonial têm crescido sobremaneira, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo, nas últimas duas décadas. Se, em parte, este crescimento pode ser atribuído à multiplicação das pós-graduações, com linhas específicas de pesquisa, também se deve ao renovado interesse que o período vem despertando entre as novas gerações de historiadores. E este, por sua vez, ganhou considerável impulso com os debates que se seguiram às críticas que parte desta nova geração enumerou contra a linha de análise que privilegia o Antigo Sistema Colonial como elemento explicativo principal. Juntamente com a história econômica, esta linha esteve na defensiva nos anos 1990, quando as abordagens totalizantes, em particular as de viés marxista, foram seriamente questionadas (fenômeno que atingiu as Ciências Sociais em todo o Ocidente). No entanto, a partir das críticas e debates que resultaram destas, a abordagem do Antigo Sistema Colonial também se viu renovada, particularmente pela ampliação dos temas abordados e pelo aprofundamento da pesquisa documental, seja em história econômica, seja em história social e cultural.  América portuguesa ou Brasil colônia? Antigo Sistema Colonial ou Antigo Regime nos Trópicos? Colonos/colonizadores ou cidadãos/súditos do império? Leia Mais

Os Índios na História do Brasil | Maria Regina Celestino Almeida

Durante longo período na historiografia brasileira convencionou-se estudar os povos indígenas como meros apêndices sem vontade de uma sociedade conquistadora e dominante. Vistos enquanto vítimas passivas de um processo assimilador, os mesmos acabavam submetidos e incorporados ao sistema colonial, perdiam sua identidade, sua língua, deixando de ser índios e desaparecendo da história. Na atualidade, felizmente, tais ideias já não se sustentam mais, tendo em vista o avanço das concepções teórico-metodológicas das investigações realizadas em diferentes centros de ensino e pesquisa, sobretudo a partir dos últimos 20 anos. Cada vez mais, diferentes pesquisadores revelam a imensa capacidade dos povos indígenas de agir com movimentos próprios, diante das mais adversas situações, criando múltiplas estratégias de sobrevivência que incluem negociações, conflitos, rearticulações culturais e identitárias.

Entre os pesquisadores desta nova corrente historiográfica que vem quebrando preconceitos e visões estereotipadas sobre as populações indígenas, está Maria Regina Celestino de Almeida, professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Em seu livro Os Índios na História do Brasil, a autora analisa a trajetória da inserção dos povos indígenas na historiografia brasileira, enfocando os avanços conceituais dos últimos anos e trazendo a tona o que John Manuel Monteiro chama de uma “nova história indígena” (2001, p. 5). Nesta concepção, é uma tarefa para os historiadores refazer as trajetórias múltiplas para entender que a história dos índios também faz parte da história do Brasil. Leia Mais

Senhores da história e do esquecimento: a construção do Brasil em dois manuais didáticos de história na segunda metade do século XIX – MELO (HH)

MELO, Ciro Flávio de Castro Bandeira. Senhores da história e do esquecimento: a construção do Brasil em dois manuais didáticos de história na segunda metade do século XIX. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008, 224pp. Resenha de: CARVALHO, Rosana Areal de; RODRIGUES Elvis Hahn. Manuais didáticos de História do Brasil: entre a memória e o esquecimento. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 04, p.314-319 março 2010.

O livro Senhores da história e do esquecimento: a construção do Brasil em dois manuais didáticos de história na segunda metade do século XIX publica a tese de doutoramento defendida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em 1997, pelo professor Ciro Flávio de Castro Bandeira de Melo que, além da reconhecida trajetória no ensino de História, se faz amigo do tempo. Sem pressa, como bom mineiro, vem cunhando a vida de professor sustentada em experiências riquíssimas, seja proveniente dos níveis de ensino nos quais atuou, seja pelo gosto de estudar que sempre manifestou.

Trata-se de um estudo comparativo entre dois manuais escolares de história, em momentos distintos da educação brasileira: Lições de História do Brasil, de Joaquim Manuel de Macedo e História do Brasil, de João Ribeiro. São obras de referência sobre o conhecimento histórico, no âmbito didático. Em comum, além da produção de um manual escolar (termo mais apropriado para a época), os dois autores estiveram vinculados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, e foram professores do Colégio Pedro II. Logicamente, em medida e tempos diferentes.

A partir daqui, a resenha deste livro se faz muito difícil, pois se trata de uma tese defendida em 1997. Uma resenha nos moldes tradicionais trataria de confrontar a obra com a produção historiográfica da época. Neste caso, temos outra possibilidade: que influências essa obra exerceu na produção historiográfica posterior? Qual seria o melhor caminho a tomar? Independente do caminho a tomar, não temos dúvida de que a jornada empreendida pelo Prof. Ciro exigiu muito fôlego. Primeiro, porque trilhou por várias áreas do conhecimento: aborda a historiografia brasileira, ao tratar das produções vinculadas ao IHGB e as influências de historiadores como Varnhagen e Capistrano de Abreu. Trata do ensino de história, dado que os autores foram professores do “Pedro II”, modelo de ensino secundário instituído no Brasil na mesma década da criação do IHGB. E, junto com o ensino de história, temos o cerne do trabalho, que é compreender e confrontar dois manuais didáticos nos aspectos relativos à elaboração, às influências recebidas pela historiografia disponível e ao processo de didatização do conhecimento histórico. Perpassa, portanto, as representações sobre a história do Brasil: o que deve ser memória e o que deve ser esquecimento. Segundo, porque para tratar de cada uma dessas áreas se fez necessário outros tantos estudos que estão presentes na obra. Por exemplo, parte da trajetória do IHGB, envolvendo os autores-mestres como Varnhagen e Martius. Ainda inclui o Imperial Colégio de Pedro II, chamado Ginásio Nacional após a Proclamação da República. São os “agentes”.

O trabalho se debruça sobre dois momentos. O primeiro – Os agentes – abarca o lugar de produção das obras em seus respectivos momentos históricos. Enuncia as influências presentes em cada uma das obras e como estas se remetem à tradição historiográfica produzida pelo IHGB, a partir de sua fundação, em 1838. O segundo momento – Os livros – faz um estudo comparativo de como os manuais abordam temas consagrados e emblemáticos da História do Brasil tais como: o Descobrimento, os indígenas, as invasões estrangeiras, a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana, a Revolução Pernambucana de 1817, a Chegada da Família Real, a Independência, Escravidão e Abolição. Melo aborda esses temas a partir das continuidades e rupturas, na medida em que defende a hipótese da obra de Macedo ser destinada à educação dos súditos da Coroa, e a obra de Ribeiro comprometida com a educação do cidadão republicano.

Nesta primeira parte da tese, Melo enuncia seus referenciais teóricos a partir dos conceitos de hegemonia, direção e controle sobre o todo social e político. Direção aos aliados e domínio sobre os opositores. O ensino de história se insere nesta relação como forma não violenta de hegemonia de uma visão de mundo, segundo os enunciados de Gramsci.

A partir destes conceitos, Melo compreende a obra Lições de História como expressão da centralidade e estabilidade da monarquia, para a formação do súdito. E História do Brasil, por outro lado, significa ruptura dos modelos construídos por Varnhagen, no sentido de formação do cidadão republicano; expressão de um tempo de esperanças políticas a partir da República e da abolição. Neste sentido, lança mão do historicismo alemão e dos estudos antropológicos (sob a égide da biologia e eugenia), conceitos predominantes no Brasil ao final do século XIX. Em síntese, Melo dá um trato de historicidade aos seus objetos, observados à luz de seu tempo.

Esta historicidade é desenvolvida a partir dos referenciais que conduzem a produção das obras. Para tanto, discorre sobre a fundação e o papel do IHGB na construção do saber histórico e na produção historiográfica brasileira. Destaca Von Martius e Varnhagen, por conta de suas contribuições e importância a partir das premissas enunciadas em suas obras Como se deve escrever a história do Brasil e História Geral do Brasil, respectivamente. Recorre, também, aos traços biográficos dos autores pesquisados, seus papéis enquanto professores do Imperial Colégio de Pedro II/Ginásio Nacional, compreendido como lugar da intelectualidade brasileira do século XIX.

A análise destes “agentes” é importante para se compreender o deslocamento das linhas explicativas da história brasileira. A obra de Macedo, ou Dr. Macedinho, como era conhecido, é, em última instância, uma síntese da obra de Varnhagen, preparada para uso didático dos alunos do Colégio Pedro II.

A obra de Ribeiro, por outro lado, busca romper com os paradigmas da obra anterior, que perdurou ao longo do século XIX neste colégio e em outras escolas secundárias pelo país afora, pois era uma obra obrigatória nos exames preparatórios para ingresso nos cursos superiores no Brasil.

A obra de Von Martius, para Melo, influencia a obra de Ribeiro, mais do que este enuncia em seu prefácio, que apenas diz que Martius deu indicações vagas e inexatas como modelo de investigação sobre a história brasileira. A propósito desta assertiva, Múcio Leão, autor contemporâneo de João Ribeiro, ao redigir a apresentação da obra Trechos Escolhidos, cuja coletânea reúne diferentes ensaios e enxertos de João Ribeiro sobre diferentes áreas, já anunciava a influência de Martius sobre a obra de Ribeiro: “[Martius] que escreveu um pequeno mas lúcido trabalho ensinando Como se deve Escrever a História do Brasil, trabalho em cujas linhas gerais João Ribeiro em parte se inspirou” (LEÃO, 1960, p. 10). Ainda que, pela análise documental, possamos chegar à mesma conclusão, e a obra de Leão esteja citada na bibliografia da tese, Melo não a anuncia no seu trabalho, ou seja, não informa que tal questão já havia sido colocada por um estudioso que lhe é anterior – a obra fora publicada pela Livraria Agir em 1960.

Macedo, por outro lado, apesar dos elogios a Martius, segue na esteira de Varnhagen, inclusive no tom encomiástico próprio ao historiador oficial da Monarquia. Por exemplo: não reconhece a participação das três raças que constituem a nacionalidade brasileira. Esta estaria restrita à civilização branca, católica e portuguesa, que seria o legado da nação independente e monárquica, como manda a tradição do povo aqui constituído e ungido pela vontade divina.

Ao longo da segunda parte da tese se debruça sobre o cotejamento entre os manuais em questão e demonstra a importância dos mesmos quanto ao ensino de história do Brasil. Joaquim Macedo compõe sua história tendo como centro os reis e príncipes e, em alguns casos, subalternos mais ilustres que deixaram suas marcas na expansão e consolidação do império português.

O Brasil independente, neste sentido, é uma continuação autônoma, sem dúvida, da civilização portuguesa. O tratamento dado a questões como a escravidão africana, a independência do Brasil, as sedições no período colonial, é marcado pela contenção, sem esboçar qualquer conflito com a Coroa. No entanto, e isso Melo deixa bem claro, as concepções mais pessoais de Macedo estão em obra literárias, utilizadas como parâmetro de comparação para problematizar o sentido da história em Lições que não expressa, necessariamente, o posicionamento do autor sobre o tema.

Macedo aborda a história política sob um ângulo jurídico, tratando as sedições, como a Inconfidência, a Conjuração Baiana e a Revolução de 1817, como crimes de lesa-majestade, causa da acertada repressão da Coroa, além de serem movimentos que não respeitaram as tradições e os costumes brasileiros. Nesta linha interpretativa, a monarquia era o caminho mais adequado às tradições brasileiras, sobretudo, quando comparada às Repúblicas hispanoamericanas, que se esvaíam em guerras civis. O que era um excelente argumento para Macedo explorar e criticar os ideais republicanos presentes em segmentos políticos no Brasil à sua época.

Ribeiro, por sua vez, explora a ação de outros agentes, como o povo, para designar a formação do país e da nacionalidade brasileira. Isto implica em tratar a questão da miscigenação, negada e/ou omitida em Macedo, como formadora da raça mameluca, especificidade da nacionalidade brasileira. A Monarquia, para Ribeiro, significou um atraso, que impediu o povo de se apossar do Estado e desenvolver a democracia. Por outro lado, tem na Monarquia o legado da unidade política nacional que, possivelmente, teria se fragmentado em diversas repúblicas, a exemplo da América hispânica. A interpretação de Ribeiro segue a linha de evolução do povo e das instituições brasileiras que tem, na República, o seu regime definitivo e consoante com o estágio de desenvolvimento do caráter real da nacionalidade brasileira.

Melo explica-nos a superioridade das reflexões na obra de Ribeiro, que contava com mais de 50 anos do IHGB no âmbito da produção e organização das fontes; sem contar com as reflexões filosóficas mais sofisticadas, como as de Tobias Barreto e Silvio Romero, da Escola de Recife, expoentes do germanismo nas ciências humanas no Brasil, ao final do século XIX. No contexto em que Macedo produziu sua obra a história do Brasil estava por fazer. Por isso, apenas sintetiza a obra mestra – História Geral, de Varnhagen. Contudo, em aspectos como a chegada da Família Real e a Independência, Macedo tem certa autonomia em relação à obra de Varnhagen, com reflexões próprias e distintas. Ribeiro assimila bem o materialismo alemão, que coloca na cultura e na economia o sentido das ações e do desenvolvimento da história brasileira, numa contraposição à obra de Macedo, imbuída de teologia, como uma das determinantes do desenvolvimento de nossa história.

Entendemos que o mérito do trabalho está em resgatar, no âmbito das idéias e discursos, os caminhos do ensino de história ao longo do século XIX e primeira metade do século XX. Se, por um lado, não explora a fundo os significados históricos nas linhas interpretativas dos autores, por outro, abre caminhos para discussões que lhe sucederam em torno da nacionalidade brasileira no ensino de história, como Feições e fisionomias: a história do Brasil de João Ribeiro de Patrícia Hansen.

Neste sentido, entendemos que os referenciais de Gramsci não esgotam os significados históricos. Ou seja, mais do que expressão de uma relação de forças presentes na sociedade brasileira do século XIX, são elementos constituinte da realidade, na medida, em que dirigem opiniões, que se desdobravam em ações políticas, valores e costumes e mesmo preconceitos, notadamente, sobre os negros e as nações indígenas.

Há que se destacar, ainda, uma antiga discussão: o papel do livro didático na difusão do conhecimento histórico. Em que medida um manual didático pode acompanhar os resultados mais recentes da pesquisa historiográfica? Nos trabalhos analisados por Melo ao mesmo tempo em que está explícita a historicidade de cada manual, identifica-se a posição política dos autores.

Seguindo esse raciocínio, não é difícil compreender o papel do livro didático de História num contexto de repressão como foi caracterizado o período da Ditadura Militar no Brasil, por exemplo. No entanto, os anos 80 nos colocam frente a uma outra realidade. Por um lado, surgem as novas correntes historiográficas que vão redirecionando o fazer histórico, consoante a uma nova concepção de história, de documento, de sujeito histórico. Nesses anos, o livro didático foi profundamente discutido enquanto instrumento pedagógico.

Por outro lado, convive-se com a reconstrução democrática e seus desdobramentos, muito especialmente no campo educacional e, para os fins deste trabalho, a “revolução” no ensino de história. De uma forma simples, podemos dizer que os anos 80 foram anos de experiências, de busca de alternativas para romper com as amarras tão duras experimentadas pelo ensino de História nos anos anteriores. Essa “revolução” atingiu também os livros didáticos, incluindo as ações do Ministério da Educação e Cultura com a criação do Plano Nacional do Livro Didático. Estabeleceu-se, então, o grande desafio: em que medida o livro didático é capaz de difundir o conhecimento histórico no que este tem de mais atualizado, seja do ponto de vista do conteúdo seja quanto aos procedimentos metodológicos.

Mas, então, prevaleceu a lei de mercado: livros descartáveis em oposição à longevidade das obras analisadas por Melo; projetos gráficos elaboradíssimos, em detrimento do conteúdo; e, ainda pior, livros de qualidade que colocam em suspenso a formação do professor. Mas também devemos reconhecer que a “verdade” histórica é hoje cada vez mais questionada, menos estável. Ao mesmo tempo em que a pesquisa histórica é cada vez mais veloz. Em alguma medida, sem dúvida, tal realidade está refletida nos livros didáticos do final do século XX.

Também fica claro que as obras didáticas são expressão do tempo, do debate e dos conceitos de uma época, mas isso não significa a inexistência de outros caminhos, de outras possibilidades de escrita, ou de outras posições políticas. É isso que nos mostra Melo, em particular com o trabalho de Joaquim Macedo que, em suas obras literárias, era mais liberal do que se apresenta no livro didático; reforçando que este está destinado a uma missão e um público específicos. Hoje, da mesma forma, não é difícil identificar o posicionamento político dos autores nos livros didáticos; quando não, encontrarmos uma obra que se curvou aos ditames do mercado em detrimento da excelência do conteúdo.

Rosana Areal de Carvalho – Professora Adjunta Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) rosanareal@ichs.ufop.br Rua do Seminário, s/n – Centro Mariana – MG 35420-000 Brasil Elvis Hahn Rodrigues Mestrando Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) elvishahn@yahoo.com.br Campus Universitário – Martelos Juiz de Fora – MG 36036-900 Brasil.

História em Curso | PUC-MG | 2009

HISTORIA EM CURSO História do Brasil | UFRB | 2018

A Revista História em Curso (Belo Horizonte, 2009-), do Departamento de História da PUC Minas, é voltada para submissão de manuscritos de discentes, graduados, pós-graduados na área de História. De fluxo contínuo, visa contribuir como um espaço para publicação de trabalhos e de debates.

A Revista publica textos, resenhas, notícias e outras matérias sobre História Antiga e Medieval, História Moderna e Contemporânea, História da América, História do Brasil, Teoria e Metodologia da História e Ensino de História; além de, avaliação de arquivos e fontes de interesse para a pesquisa nas áreas acima discriminadas.

Os artigos são prioritariamente elaborados por membros do corpo discente da graduação e pós-graduação strictu sensu e lato sensu dos Cursos e Programas da PUC Minas e de outras Universidades do País da área de História.

Periodicidade semestral.

[Acesso livre].

ISSN 2178-1044

Acessar resenhas

Acessar dossiês

Acessar sumários

Acessar arquivos

Moinho, esmola, moeda, limão: conversa em família – LAMOUNIER (RBH)

LAMOUNIER, Bolívar. Moinho, esmola, moeda, limão: conversa em família. São Paulo: Augurium, 2004. 431p. Resenha de: NOVINSKY, Anita Waingort. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.27, n.54 , dec. 2007.

Com uma obra que vem revolucionar a historiografia brasileira – Moinho, esmola, moeda, limão: conversa em família –, Bolívar Lamounier se lançou numa aventura histórica cujas proporções se estendem da mais profunda fantasia ao mais sério rigor científico.

Num volume de 431 páginas que lemos como se fosse o mais atraente romance, o autor mergulha no passado e fala a todos nós, leigos e historiadores, que buscam encontrar um elo entre o que somos e toda a galeria de antepassados, que não conhecemos, que viveram e lutaram antes de nós, para sobreviver com o trabalho, a caridade, o negócio, as plantas e a natureza.

Inicialmente, Lamounier partiu de um sentimento, uma curiosidade, uma curiosidade que nos preocupa a todos: quem somos? Não apenas como seres biológicos, mas como seres sociais.

Parte então fascinado pelos nomes. O que significam os nomes? E os sobrenomes? Como se formaram? Como evoluíram? Para responder a estas questões o autor penetra fundo no poço da história, vai ao Império Romano, vai à Idade Média, vai às Cruzadas. De onde veio seu nome? Buscou pistas, vasculhou o longínquo passado atravessando a realidade vivida pelos homens, suas lutas para sobreviver, suas misérias, até chegar ao grande tema político – a formação dos Estados Nacionais – e a alucinante corrida pela posse das riquezas. Mostra-nos que os apelidos e sobrenomes são derivados de ofícios, e isso é uma constante no mundo; entretanto, esse fenômeno não se verifica na onomástica brasileira durante o período colonial, talvez por causa da escravidão, talvez porque Portugal não permitia o desenvolvimento da colônia, limitada apenas a produzir para o Reino.

Os apelidos, na Europa em geral, têm origem em uma ocupação – que depois se generaliza e se transforma em sobrenome hereditário. Lamounier foi buscar seus ancestrais, longínquos, que viveram em outro universo, diferente do nosso, e caminhando através da história chega até nós – e até as fantásticas conquistas da técnica, sempre num crescendo até ancorar em Minas Gerais.

Vejamos o caminho percorrido pelo autor: partiu de quatro focos – o moinho, a esmola, a moeda e o limão. Partiu de um mundo onde a identificação das pessoas era precária e incipiente, para o mundo onde a identificação é completamente institucionalizada. Passou de um mundo ‘ignominioso’, sem nomes, ou de nomes difusos e instáveis, para o mundo atual, onde a identificação individual é minuciosa.

Apresenta-nos então o ‘moinho’ e a ‘miséria’, que era percebida como condição imutável, para em seguida chegar à ‘moeda’, quando se formam os Estados Nacionais, que controlam a fabricação e a circulação do dinheiro – e por último, nos conduz ao ‘limão’. Desses quatro focos evolui o mundo na direção do progresso.

Assim, duas visões de mundo se confrontam: uma é hostil à modernidade, nostálgica de um mundo mais simples; outra valoriza as conquistas materiais e a cultura, como caminho para uma vida humana mais feliz.

Lamounier mostra-nos o destino humano em um tempo quando tudo era desígnio divino e inexistia a idéia de progresso. A pobreza era aceita como algo natural e os reinos praticavam a caridade não para ajudar o ‘outro’, mas para salvar sua própria alma. As esmolas, escreve Lamounier, eram vistas como recibos de depósitos a serem cobrados no céu. Essa visão de mundo se manteve durante séculos.

As restrições religiosas que bloqueavam o progresso científico são quebradas no século XVIII, até que no século XX, depois da Segunda Guerra Mundial, a Igreja passa por um processo de ‘esquerdização’, principalmente na América Latina, desaguando na Teoria da Libertação.

A industrialização e a modernidade tornaram a sociedade moderna extremamente vulnerável, e o socialismo aumentou ainda mais a centralização e a burocratização do Estado. Talvez, pensa o autor, as organizações não governamentais (ONGs) possam auxiliar na direção de uma nova política social.

Afinal, parece que nos encontramos numa situação angustiante e insolúvel, numa encruzilhada sem saída. De um lado, o mundo melhorou – hoje há muito menos pobres do que há dois ou três séculos. De outro, navegamos num agitado mar de violência destrutiva. Lamounier nos confronta com esse mundo paradoxal e pergunta: qual a saída?

Do moinho, da pobreza, da esmola, Lamounier passa para a moeda – e tece a mais curiosa história sobre sua origem e progresso. Durante séculos a escassez de moedas de pequeno valor dificultava as transações básicas da vida cotidiana e entravava o desenvolvimento do comércio. A moeda é uma criação recente – e seu desenvolvimento resultou de um processo lento que só se completou em estágio bem avançado do capitalismo. Como meio universal de troca, a moeda é um fenômeno do século XIX. Surgem então os patronímicos derivados da moeda.

Em se tratando de nomes, Lamounier lembra que há um mito corrente, de que os portugueses descendentes dos judeus, os cristãos-novos, traziam nomes de frutos e árvores, como, por exemplo, os Oliveira, Lima, Pereira, Carvalho. É verdade que esses nomes aparecem também entre os cristãos-velhos e em outros países, mas o que surpreende é a constância de alguns deles entre os cristãos-novos.

Sobre a mentalidade que na época predominava entre as elites dirigentes portuguesas, Lamounier nos mostra que estava conectada com a Contra-Reforma, a Inquisição e o Absolutismo. A falsa aparência de riqueza de Portugal coexistia com o seu obscurantismo – expresso numa instituição de terror, a Inquisição, cujos efeitos sobre a economia e a alma dos homens ainda não foram devidamente analisados.

No momento em que a Europa se reformula com o Iluminismo, quando filósofos expressam e criticam o mundo, a política, a religião, d. João V – chamado de “rei freirático”, porque todas as noites ia aos conventos dormir com as freiras – esbanja o ouro brasileiro para ostentar os famosos autos-de-fé, aos quais assistia com verdadeira paixão, rodeado de toda a nobreza.

Não creio que o furor inquisitorial tenha diminuído sob d. João V. Ao contrário, foi durante seu reinado que a Inquisição agiu com maior furor, prendendo e penitenciando centenas de luso-brasileiros, tanto em Portugal como no Brasil. Só fechou suas portas em 1821, continuando porém a existir no século XX, sob o nome de “Congregação para a Doutrina da Fé”, da qual foi diretor e ideólogo o atual papa Bento XVI.

Lamounier lembra-nos um aspecto sumamente interessante de nossa vida colonial no século XVII, o mandonismo de nossos fazendeiros de açúcar, que controlavam a Câmara e desacatavam os governantes enviados da Metrópole. Quem na realidade mandava no Brasil eram os senhores de engenho, que tinham verdadeiros exércitos, e os chamados “homens bons”, que controlavam todos os setores da vida – os preços, a construção de estradas e a Câmara.

Lamounier sugere uma resposta à questão formulada por Sérgio Buarque de Holanda e que permanece sem resposta até hoje: por que o Santo Oficio da Inquisição nunca estabeleceu um Tribunal no Brasil, se o tiveram México, Cartagena e Peru?

Depois da expulsão dos holandeses e durante a crise do açúcar, Portugal se ergue economicamente com o descobrimento do ouro, e, enquanto o Brasil manda toneladas do metal para Portugal, o povo morre de fome. A metrópole não permitia a livre iniciativa, a criação de uma universidade, nem a existência da imprensa, e proibia qualquer atividade que não fosse a extração do ouro.

O quadro de Minas Gerais que Lamounier nos pinta, revela o desastre da colonização – a Inglaterra enriquecia com o nosso ouro, e Portugal comprava luxo às custas do Brasil. O que impressiona é ler sobre a violência e as crueldades da sociedade mineira – que para o autor são conseqüência do regime absolutista.

Segundo certos autores, quando o ouro acabou, a população de Ouro Preto ficou reduzida – a economia murchou, a população empobreceu, as terras das minas foram abandonadas e surgiu outro tipo de sociedade. Mas Lamounier discorda de Celso Furtado sobre a atrofia econômica de Minas depois da extinção do ouro, e analisa opiniões controversas de diversos autores.

Através da busca curiosa de si próprio, Lamounier se lança na investigação crítica da história, atravessando campos diversos das ciências humanas. Parte da singularidade para chegar ao todo. Às vezes parece esperançoso, às vezes cético.

Como evoluiu a vida material do homem, como progrediu a sociedade, com seus desastres e suas vitórias, com suas cruezas e suas generosidades – e para onde partimos?

Lamounier nos mostra os paradoxos da trajetória humana. De um lado, a luta para preservar o que já está estruturado, de outro a ânsia de mudança. Se de um lado decaímos – pois à medida que evoluímos, evolui a crueldade, a violência, a anti-ética –, de outro, materialmente, quanto progresso e quanta inovação!

Depois de percorrer o mundo, reconstituir o cotidiano, refletir sobre a violência e a crueldade dos homens, os meios de subsistência, os alimentos, a casa, o mobiliário, os costumes, os talheres, as baixelas, as políticas reais e a mentalidade, depois de nos conduzir ao moinho ao século XX, Lamounier volta às suas memórias e origens. Retorna ao século XVIII, quando vivia seu antepassado Afonso Lamounier, que aos 20 anos chega sozinho de Lisboa para a Comarca do Rio das Mortes. O que o trouxe para as Minas? Aventura, ascensão social, dinheiro? Ou talvez, quem sabe, o estigma de sua ascendência na sociedade racista de Portugal?

No Brasil, Afonso Lamounier recebe terras e sesmarias, e seu bisneto Lamounier Godofredo faz parte do primeiro Congresso Republicano. Bacharel em Direito, deputado do Império, pronuncia-se enfaticamente sobre a separação entre Estado e Igreja, sobre a liberdade de culto e liberdade de consciência; luta pelo direito do voto feminino, pela reforma salarial e pelo anti-militarismo, participando da Constituinte de 1891.

E ainda outro Lamounier, Gastão Marques Lamounier, cujo talento o levou para a carreira de músico, e o curioso Levindo Lamounier, trineto daquele primeiro jovem que chegou ao Brasil e foi viver no sertão.

É interessante que a ‘obra aberta’ de Bolívar Lamounier nos mostra diversos caminhos – e nos sugere as mais diversas idéias e considerações. A mais sugestiva que perpassa o pensamento do leitor é, talvez, a sua identificação com a Sobornost, palavra que designa os princípios fundamentais do ‘viver russo’, pelos quais cada ser humano é visto como uma singularizarão da vida de muitos.

Compreender o ser humano como a singularização de muitos, como nos ensina Gilberto Safra, significa que cada ser humano é a singularização da vida de seus ancestrais, assim como o pressentimento daqueles que ainda virão. Quando estamos frente a alguém, estamos frente à singularização dos ancestrais. Cada indivíduo é único – e é também múltiplo. Não é possível abdicar à condição humana sem pensar o homem através da história. Porque o homem não é só ser natural. É também histórico. A vida de cada um de nós só pode ser percebida na estrutura e forma da nossa própria família. Ao mesmo tempo em que o homem é filho da natureza, é fruto de seus ancestrais.

A obra de Bolívar Lamounier identifica-se com essa concepção de forma magistral. Deu-nos uma lição para repensar quem somos. Escreveu um livro sobre história do Brasil e encontrou o seu próprio lugar nessa história, compartilhando seu destino com os que estão, com os que foram e com os que virão.

Anita Waingort Novinsky – Laboratório de Estudos sobre a Intolerância – Universidade de São Paulo (USP). Av. Prof. Lineu Prestes, 159 (prédio da Casa de Cultura Japonesa, subsolo), Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, Butantã. 05508-000 São Paulo – SP – Brasil. E-mail: anitano@terra.com.br

Acessar publicação original

[IF]

 

O Brasil Republicano – FERREIRA; DELGADO (RBH)

FERREIRA, Jorge Ferreira; DELGADO, Lucilia de Almeida N. (Org.). O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. v.1, 446p.; v.2, 376p.; v.3, 432p.; v.4, 432p. Resenha de: VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.25, n.50, july/dec. 2005.

É usual na historiografia brasileira e internacional a organização de publicações que agreguem artigos em torno de um tema comum, principalmente quando esse foi objeto de variadas pesquisas acumuladas ao longo dos anos anteriores. Trata-se não só de um processo de reunião de paradigmas compartilhados, em meio à vasta variedade de enfoques, mas, sobretudo, de uma possibilidade de reflexão sobre o que se avançou, até então, nas pesquisas acerca de um mesmo tema. Em geral, tais coletâneas possuem caráter revisionista. Destaca-se, neste âmbito, a consagrada obra organizada por Sérgio Buarque de Holanda e Boris Fausto intitulada História Geral da Civilização Brasileira. Nela foi reunido um conjunto de artigos — de autoria de variados pesquisadores — separados temática e cronologicamente, disponibilizando aos leitores uma síntese das pesquisas mais recentes publicadas sobre a História do Brasil, naquele período. Essa iniciativa pioneira fazia parte de um projeto concebido na Europa, cujo carro-chefe era a História Geral das Civilizações de Maurice Crouzet e René Taton. Muitos daqueles textos do “HGCB” — conforme a coleção ficou conhecida pelo público leitor — tornaram-se referências obrigatórias para pesquisas posteriormente realizadas, e fizeram parte da formação de boa parte dos historiadores hoje em atividade. O mesmo se pode dizer da coletânea Brasil em Perspectiva, organizada por Carlos Guilherme Mota em 1968, e dos 50 Textos de História do Brasil, publicado em 1974, sob a coordenação da Professora Dea Ribeiro Fenelon, para citar apenas dois exemplos mais marcantes. Todas essas iniciativas revelavam o vigor da produção historiográfica brasileira, expondo as mais recentes reflexões da academia nacional sobre os diversos períodos de nossa História.

A década de 1990 deu continuidade à reunião de grandes sínteses, desta vez, mais preocupada em atingir um público mais amplo, o dos professores e estudantes do ensino médio, propiciando-lhes o acesso às revisões historiográficas mais recentes sobre temas clássicos da História do Brasil. Aqui destacamos a iniciativa da Professora Maria Ieda Linhares, responsável pela organização de A História Geral do Brasil, que abarca os períodos colonial, imperial e republicano até o ano de 1984. Francisco Iglesias, prefaciando a obra, já apontava para o seu caráter inovador, afirmando ter sido a primeira iniciativa a incorporar na renovação do ensino de História o que mais avançado se escrevia sobre a História do Brasil.

Com a virada do milênio, duas obras inauguram a sistematização de textos organizados por períodos cronológicos, tendo por base exclusivamente o período republicano. Trata-se de A República no Brasil de Ângela de Castro Gomes, Dulce Pandolfi e Verena Alberti (2002), e a Coleção, objeto desta resenha, O Brasil Republicano, organizada pelo Professor Jorge Ferreira, da Universidade Federal Fluminense, e pela Professora Lucília Neves Delgado, da Universidade Federal de Minas Gerais e, atualmente, da PUC-Minas.

A coleção O Brasil Republicano apresenta um caráter bastante inovador por ser mais plural em relação às anteriormente citadas. Este pluralismo resulta da diversidade de formação e atuação profissional dos quarenta e quatro autores reunidos em torno do tema. Pela primeira vez no Brasil, agregam-se historiadores vinculados a vinte e quatro instituições de ensino superior e/ou centros de pesquisa diferentes e que atuam em dez estados da Federação. Claro que isto só foi possível em razão do crescimento e da descentralização da pesquisa e da pós-graduação em História, ocorridos nas duas últimas décadas, e da agregação dos pesquisadores nos eventos científicos nacionais promovidos pela Associação Nacional de História (ANPUH) e demais associações existentes. Esse pluralismo, afortunadamente, não resultou na junção de análises regionais. O que surpreende é que autores das mais diversas regiões do país reuniram-se para discutir eixos temáticos nacionais, independentes das regiões em que se originaram ou nas quais atuam.

A pluralidade reflete-se, também, na variedade de enfoque dos temas que compõem os artigos. Segundo os organizadores afirmam, o eixo central é a questão da cidadania, desdobrada em dois sub-eixos, a saber: o cerceamento da prática cidadã e a resistência contra a exclusão política e social. Em todos os volumes o leitor poderá encontrar textos que enfocam, direta ou indiretamente, a questão da cidadania. Para o atendimento das discussões acerca desta temática, os artigos foram divididos cronologicamente em quatro períodos, seguindo a tradicional divisão proposta pela História Política Brasileira: primeiro volume: O tempo do liberalismo excludente (1889-1930); segundo volume: O tempo do nacional-estatismo (1930-1945); terceiro volume: O tempo da experiência democrática (1945-1964); e quarto volume: O tempo da ditadura (de 1964 a fins do século XX). A opção pela divisão tradicionalmente usada como referência se justifica pelo público alvo ao qual se destina a obra: alunos de graduação e alunos e professores de ensino médio. Não só os programas ou matrizes de competência do ensino médio se organizam a partir dessa cronologia republicana, como também, a maior parte dos nossos currículos de graduação o faz.

Assim, os quarenta e dois artigos que compõem a coleção apresentam uma interessante diversidade temática. Em seu conjunto existem dezenove artigos de História Política, nove de História Cultural, oito de História Social e cinco de História Econômica. O volume dois apresenta uma divisão mais eqüitativa, propiciando ao leitor uma visão bem diversificada dos acontecimentos do período. Nele, o leitor poderá encontrar reflexões sobre o Integralismo, sobre as experiências comunistas, sobre a política cultural do Estado Novo, sobre a organização das classes trabalhadoras, sobre a política-econômica predominante no período, além de textos excelentes sobre os intelectuais, a literatura e o cinema, por exemplo. Em todos os volumes ocorre uma distribuição mais ou menos eqüitativa entre esses campos de atuação dos historiadores. A concentração em História Política é, porém, bastante nítida. Mas, reflete a produção nacional da área sobre o período republicano. Além do que, por se tratar de uma análise sobre a História Contemporânea brasileira, associa-se naturalmente à História Política, em razão de ter esta, por objeto, eventos de mais curta duração. Essa opção não fragiliza, de maneira alguma, o conjunto da obra. Ao contrário, nos dá um retrato fiel dos resultados das pesquisas mais recentes sobre o período.

Segundo os organizadores da obra, ela tinha por um de seus objetivos principais o de disponibilizar em uma só coleção um conjunto de informações importantes para a formação de alunos que, em geral, têm dificuldade em adquirir livros. Acredito que o fim seja nobre e que os organizadores foram felizes em fazer esta opção. Ao mesmo tempo, destacam que a coleção tinha por propósito apresentar ao público vinculado ao ensino médio a oportunidade de ter acesso às renovações historiográficas, resultantes de pesquisas recentes produzidas pelas universidades. Este objetivo também é muito louvável, dado que a maior parte dos professores de História do Brasil se “atualiza” com base nos livros didáticos a que têm acesso, os quais, na grande maioria das vezes, demoram muitos anos para incorporar as mais recentes pesquisas produzidas pela academia. Ambos os objetivos foram atingidos.

Destaca-se na obra a inclusão, ao fim de cada volume, de uma bibliografia geral bastante atualizada e de uma filmografia, composta de uma relação de títulos com suas respectivas fichas técnicas. Este material será certamente de grande valia para professores e alunos de História em seus mais diferentes níveis.

Mas uma resenha não se faz só de reconhecimento de mérito. É preciso destacar os problemas para o aperfeiçoamento de iniciativas como essa. O primeiro problema observável é a dificuldade encontrada pelos organizadores em agregar um número muito grande de temas e pesquisadores sem que deixassem de ocorrer repetições de conteúdo ou até mesmo algumas contradições entre artigos em um mesmo volume. No primeiro volume esse problema esteve bem visível. O período que se interpõe entre a proclamação da República e a gestão de Campos Salles foi abordado factualmente em pelo menos cinco artigos diferentes. Em alguns deles, o eixo central (Cidadania) sequer foi tangenciado. Para uma leitura de artigos em separado, esse problema desaparece. Mas, para uma leitura do conjunto da obra, ele se torna muito evidente.

Um segundo problema a ser destacado é que nem todos os articulistas conseguiram atingir o objetivo proposto, ou seja, levar ao público leitor um conhecimento atualizado sobre o seu objeto. Alguns artigos limitaram-se a resenhar produções historiográficas já revistas, repetindo conteúdos que ainda se encontram presentes nos livros didáticos. Isso ocorreu, sobretudo, nos textos que não resultaram de pesquisas empíricas de seus próprios autores ou naqueles que se limitaram a resumir pesquisas antigas anteriormente feitas por eles próprios, mas que já foram revistas por outros que lhes sucederam, sem que as revisões tivessem sido incorporadas ao novo texto. Este problema, porém, encontra-se em poucos artigos e não prejudica a qualidade do conjunto da coleção.

Um terceiro problema detectado foi a ausência de ilustrações suficientes em artigos cujos objetos eram as próprias imagens. Muito embora reconheçamos as dificuldades impostas pelos editores visando ao barateamento da obra, as ilustrações, em alguns casos, eram indispensáveis ao entendimento dos objetivos dos autores.

Por fim, o ideal era que cada livro contivesse uma apresentação específica, ou seja, um texto introdutório responsável pela “amarração” dos artigos. A presença de uma apresentação específica para cada um dos quatro volumes auxiliaria o leitor a relacionar os diferentes temas abordados a respeito de cada período e poderia apresentar uma visão geral introdutória que facilitaria muito o acompanhamento dos textos, principalmente quando o leitor for o estudante de ensino médio.

A despeito desses problemas, como leitora e principalmente como professora de graduação em História, considero essa obra um relevante trabalho de síntese que pretendo recomendar a meus alunos e colegas. Certamente, contribui para atenuar uma das maiores dificuldades da área de Ciências Humanas no Brasil: a precariedade de nossas bibliotecas e a falta de recursos financeiros de nossos alunos. E consegue, na maior parte dos temas, oferecer ao leitor uma leitura agradável e atualizada acerca de temas clássicos da História Republicana.

Ao mesmo tempo, considero essa Coleção um marco na historiografia brasileira pelo seu caráter inovador e pluralista. A diversidade regional de seus autores e a variedade temática refletem uma convivência possível e harmônica de nossa comunidade acadêmica, rompendo com guetos e descortinando novos horizontes para jovens historiadores que, mesmo estando fora do eixo Rio—São Paulo, demonstram a pujança da historiografia nacional recente.

Cláudia Maria Ribeiro Viscardi – Universidade Federal de Juiz de Fora — UFJF.

Acessar publicação original

[IF]

Guia de fontes manuscritas para a história do Brasil conservadas na Espanha – MARTÍNEZ (RIHGB)

MARTÍNEZ, Elda E. González. Guia de fontes manuscritas para a história do Brasil conservadas na Espanha. Estudo introdutório por Luiz Felipe de Seixas Corrêa. Madri: Fundação Mapfre Tavera; Ministério da Cultura do Brasil, 2002. 702p. Resenha de MARIZ, Vasco. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.165, n.424, p.361-363, jul./set., 2004.

Vasco Mariz – Sócio emérito do IHGB.

Acesso apenas pelo link original

[IF]

O livro de ouro da história do Brasil | Mary del Priore

Resenhista

Cristiano Alencar Pereira Anais – Doutorando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Referências desta Resenha

PRIORE, Mary del; VENÂNCIO, Renato P. O livro de ouro da história do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. Resenha de: ANAIS, Cristiano Alencar Pereira. História Revista. Goiânia, v.8, 1-2, p.159-162, jan./dez.2003. Acesso apenas pelo link original [DR]

História do ensino da história no Brasil – MATTOS (HE)

MATTOS, Ilmar Rohloff (org.). História do ensino da história no Brasil. Rio de Janeiro: Acess, 1998. Resenha de: CERRI, Luis Fernando. História & Ensino, Londrina, v. 8, p. 151-156, out. 2002.

Afirmamos continuamente que não há assunto que não possa ser melhor compreendido com o recurso à História. Este é um dos argumentos centrais para a manutenção da História como disciplina escolar, e das graduações em História; por que não deveria valer também para o próprio estudo da disciplina? Com esta perspectiva, Ilmar de Mattos organiza a apresentação de trabalhos de pesquisa de profissionais com diferentes formações e diferentes situações na carreira acadêmica, o que não desiguala o nível da contribuição de cada um dis trabalhos elencados (produzidos por profissionais ligados ao Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Com isso, a principal contribuição coletânea é uma reflexão séria e empenhada sobre o que foi o ensino de História no Brasil durante o império e até meados do século vinte, que possibilita pensar as teorias, metodologias e práticas que hoje se discute e que se no normatiza, debate acadêmico e na legislação.

A obra dá seqüência a uma perspectiva de retomada da História da disciplina, que tem expoentes nos nomes de Elza Nadai, Kátia Abud e Circe Bittencourt, entre outros(as). Mas a coletânea organizada por Mattos distingue-se e avança, pois traz ao público trabalhos que aprofundam os contextos competentemente reconstituídos pelas pesquisas anteriores, esmiuçando obras, autores, instituições e influências que pesaram sobre o quadro atual da disciplina escolar em questão.

A coletânea é aberta por Kaori Kodama, que retoma as variadas considerações da historiografia sobre o texto de Von Martius (“Como se deve escrever a história do Brasil”) c sobre o papel do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no processo de constituição e de viabilização do ensino da história nacional na primeira metade do século XIX, com especial destaque para os preconceitos raciais que aí se inscrevem e que até hoje demandam combate incessante, não por serem explicitamente assumidos, mas por Imiscuírem-se em informações, explicações e posturas consagradas no ensino da história nacional.

Selma Rinaldi de Mattos abre uma importante seara, analisando os manuais de história produzidos pelo consagrado escritor Joaquim Manoel de Macedo. estabelecendo uma ponte necessária entre a literatura e a história mergulhadas no mesmo ambiente do nacionalismo romântico que esteve presente na constituição cultural da nação, concomitante à sua construção em outras áreas como a diplomática, política e econômica, protagonizada pelo Estado surgido em 1822. A autora dá destaque ao componente aristocrático presente no projeto político e conseqüentemente na obra pedagógica de Macedo, que para a autora é o primeiro que dá a feição de manual didático à história lida por Varnhagen no clássico “História Geral do Brasil”.

O texto de Patrícia Santos Hansen traz um recorte cronológico posterior, que enfoca a reconstrução da disciplina sob novos princípios político, na implantação da República, por meio da análise da obra de João Ribeiro, autor de livro didático adotado pelo Colégio Pedro 11 no período. Para Hansen, João Ribeiro indica, em sua obra, uma ruptura com “a concepção de história vigente”, isto é, aquela consagrada durante o império, colocando-nos diante de um caso importante para a compreensão dos processos de confronto de perspectivas historiográficas e pedagógicas no ensino da história, do qual podem ser levantadas algumas reflexões, sobretudo referentes às permanências e às continuidades entre propostas que se confrontam.

Luiz Rcsnik narra e discute um outro processo de confronto de concepções sobre o ensino de História, num outro momento político nacional. Trata-se do debate sobre a autonomização ou não da História do Brasil em relação à História Geral ou da Civilização, que teve lugar no início da década de 1930. Neste momento permanecem as afirmações, nas obras de autores consagrados e nas orientações legais ou oficiais, sobre o papel central do ensino de História na formação do sentimento patriótico do cidadão. O diferencial neste momento é o debate sobre o método e sobre o tratamento do conteúdo (memorização dos fatos x compreensão e raciocínio sobre a História), colocado principalmente pela influência da Escola Nova. Para os partidários desta vertente educacional, grosso modo, o ensino da história nacional o reforço das diferenças e das rivalidades internacionais; para o IHGB, entretanto, esse ensino era imprescindível para garantir aos brasileiros o assumir da vocação de cidadãos de um país destinado à grandeza. Sustentada no governo federal, esta proposta sai vitoriosa, e acaba transformando-se numa importante ferramenta política do Estado Novo.

Neste ponto da coletânea é que podemos começar a reconhecer mais claramente alguns traços das propostas contemporâneas, que equivocada e apressadamente acabamos por chamar de “novas”, referentes por exemplo ao papel ativo do aluno no processo pedagógico, ao espaço para outras abordagens da história para além do político e do factuaL Essas “novidades” são contemporâneas à criação da Revista Annales, do que se deduz a inadequação das abordagens que lêem na influência desta vertente sobre a historiografia e o ensino de história no Brasil a raiz das propostas alternativas atuais.

Essas reflexões podem ser continuadas para os dois textos seguintes, que tratam do período que precede e inclui os primeiros tempos do regime militar. Neles, Daniel Mesquita Pereira (utilizando como fonte o Boletim de História Faculdade Nacional de Filosofia) e Francisco José Calazans Falcon (num depoimento na condição de docente da mesma faculdade neste período) dotam o leitor de informações e considerações sobre o debate da História e seu ensino neste momento e nesta instituição.

Ao final da leitura, a impressão que se tem lembra a tese de Amo Mayer (em A Força da Tradição, Cia. Das Letras), para o qual, os antigos regimes europeus mantêm sua força e disposição de determinar a história pelo menos até a Primeira Guerra Mundial, permanecendo, resistindo com sucesso às forças burguesas, urbanizantes, republicanas. Mayer destaca a sedução exercida pela nobreza sobre a burguesia, destacando que, mais que suprimir a primeira, a segunda almejava atingir o seu status, o que levou a uma simbiose entre ambas na maior parte da Europa, ao contrário do que se pensa ao reduzir a análise a nações às quais historicamente se deu maior destaque.

Esta impressão impõe-se pela similaridade que é possíve1 encontrar entre as afirmaçôes que se faz  incansavelmente hoje sobre os parâmetros hodiernos de qualidade do ensino da história, cujos princípios estavam delineados na década de 20, sendo suprimidos no Estado Novo, reafirmados na democratização nos anos 50 e 60, novamente suprimidos pelas reformas educacionais do regime militar, e novamente afirmados na redemocratização nos anos 80 e 90, desta vez aparecendo como “novo” ou “renovado”. Para usar estes termos, mostra-nos a obra, é preciso considerar a tradição quase secular do “novo” (uma contradição em termos), em relacionamento de longa data de confronto com o “tradicional”, o arcaico, muitas vezes incorretamente chamado de positivista. A conclusão, enfim, é que o ensino de História hoje tem diante de si alternativas que não podem ser tratadas a partir de um critério temporal (novo, inovador x tradicional), mas que precisam ser recuperadas em sua longa duração, em seu embasamento teórico e filosófico que atravessa o tempo e engloba vários séculos.

Por Luis Fernando Cerri – Doutor em Educação (Metodologia do Ensino), professor do DEHIS Universidade Estadual de Ponta Grossa -lfcerri@uepg.br

Acessar publicação original

[IF]

 

 

Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa – JANCSÓ; KANTOR (HE)

JANCSÓ, István; KANTOR, Íris. (orgs.). Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa. São Paulo: Imprensa Oficial; Hucitec; Edusp; Fapesp, 2001. 2v. 992p. (Coleção Estante USP – Brasil 500 anos, 3). Resenha de: RODRIGUES, André Figueiredo. História & Ensino, Londrina, v.8, p. 157-160, out. 2002.

A ligeira mulata, em trajes de homem

Dança o quente hmdu e o vil batuque;

E aos cantos do passeio inda se fazem

Ações mais feias, que a modéstia oculta.1

o poeta e jurista Tomás Antônio Gonzaga em suas Cartas Chilenas aludiu ao lundu e ao batuque, respectivamente, canto e dança, muito populares nas festas mineiras do século ‘I’11 como ele, alguns historiadores observam as festas, ou melhor, as manifestações da cultura popular como um lugar de subversão, de transgressão à norma disciplinadora do poder. Gonzaga, por ser aristocrata e moralista, vê a festa como uma grande promiscuidade, onde se misturam brancos, negros e mulatos, chegando mesmo a comparar Vila Rica em festas (atual Ouro Preto) às cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra.

Ao historiador, seguindo uma tradição herdada da Sociologia e da Antropologia, ficou a percepção que as manifestações populares nos dão acesso às experiências cotidianas de segmentos da população que ficaram por muito tempo silenciados. Daí o fascínio pela festa, um cenário privilegiado para observação do universo cultural dominante e, também, ambiente onde se encontra mesclado elementos próprios da cultura popular, com suas tradições, seus símbolos e suas práticas, constituindo-se num espaço de grande sociabilidade.

Assim, entender esse espaço, mostrar pesquisas que estão em andamento e fazer um balanço da produção recente sobre as festividades na América portuguesa e, conseqüentemente, suas implicações na formação da nacionalidade e da cultura nacionais, são os objetivos da edição da coletânea Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa, organizada pelos professores e historiadores István Jancsó e lris Kantor.

O livro, fruto de um seminário internacional realizado na USP em 1999, reúne 49 artigos escritos por pesquisadores brasileiros e portugueses, que se preocuparam em compreender as manifestações coletivas (festas, cerimônias, ritos, atos de sociabilidade, etc.) que influenciaram na construção de nossa identidade nacional. Segundo os organizadores, as festas são um dos pontos principais da imagem que o brasileiro faz de si mesmo e do estrangeiro sobre o país. Para grande parte da população, elas significavam um instrumento fuga ao controle exercido pelo Estado absolutista, com o qual sempre tivemos uma relação de sofrimento e de antagonismo. O Estado criado por nossas elites nunca foi um instrumento de harmonia, mas sim de desagrega1ção, pois jamais ele foi utilizado como mecanismo de identificação e de libertação.

Comu as festas coloniais nem sempre tinham a mesma dinâmica nem os mesmos objetos de pesquisa e, portanto, não podiam ser abordadas da mesma forma e através dos mesmos instrumentos analíticos, a obra pode ser dividida em três grandes momentos: um primeiro que trata das festas religiosas ligadas aos jesuítas e a catequese dos indígenas; um segundo período ligado ao processo de consolidação da sociedade urbana desde fins do século XVII e durante a centúria seguinte, notadamente em Minas Gerais. Isso se explica devido à urbanização ocorrida ao longo do setecentos, resultado de uma extensa rede de centros urbanos, e à diversificação da economia através do comércio, do artesanato, da mineração (do ouro e de diamantes), da agricultura e da pecuária. Somam-se a esses dados ainda o contingente populacional, a estrutura administrativa e a constituição de um mercado consumidor interno.

Nas sociedades urbanas, muitas festas, seguindo o modelo ditado pela metrópole, cultuavam o rei e/ou se dedicavam aos ritos processuais católicos, como as celebrações da Semana Santa, do Triunfo Eucarístico e do atual “Corpus Christi”. Mas, ao lado destas festividades, tínhamos também a existência de um número quase que incontável de festas de caráter popular.

Nas interessantes “subversões e inversões da ordem festiva”, uma das divisões do livro que pode ser incluída nesse segundo momento, nota-se que conhecemos muito pouco das festas de caráter político não oficial que integravam o cotidiano das vilas coloniais. Um exemplo dessas curiosas celebrações jocosas que utilizavam signos de poder ocorreu em 1732, quando desafetos do governador dom Lourenço de Almeida promoveram-lhe enterro simbólico, por ocasião de sua partida da capitania de Minas Gerais, enquanto outros celebraram uma missa paródica pela sua alma que, julgava-se, ardia no inferno.

Outras formas de resistência à ordem festiva e social vieram através da circulação de cartas e sátiras anônimas que insuflavam a população à rebeldia, ou ainda através da existência de representações teatrais, como a “Serração da Velha” -cerimônia caricata que ocorria na época da Quaresma, onde um grupo de foliões serrava uma tábua, aos gritos estridentes e prantos intermináveis, fingindo serrar uma velha que, representada, ou não por algum dos vadios da banda, lamentava-se num berreiro. A Velha representava uma entidade maléfica (3 morte) ou algo grotesco que perturbava a felicidade ou dificultava a conquista legítima de alguma coisa. Nesses casos, a festa era um “lugar por excelência capaz de tornar realidade uma das exigências básicas dos protestos: a mobilização popular, que constituiu recurso imprescindível da prática amotinadora a fim de garantir poder de pressão às suas exigências” (p. O terceiro momento é o das “festas na corte portuguesa”, período que se inicia com a transmigração da família real lusitana para o Brasil e vai até a nossa Independência. Nesse instante, as festas tornaram-se mais seletivas e as músicas se apresentaram com novos elementos funcionais, técnicos e estéticos, devido à importação de novos instrumentos musicais e a enriada de novos ritmos na corte dom João Além dos dois volumes que compõe a obra, encontra-se encartado no primeiro exemplar um belo CD com 26 músicas que acnrnpanharam o universo sonoro festas na América portuguesa, desde as tradiçôes medievais, no século XIII, até as práticas indígenas, religiosas e afro-americanas do século XVIII. A apresentação coube ao historiador e músico Maurício Monteiro c a direção artística à Ana Maria Kieffer.

Referências

GONZAGA, Tomás Antônio. Carta 6ª: Em que se conta o resto dos festejos. In: Cartas Chilenas. Edição organizada por Pereira Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.143.

André Figueiredo Rodrigues – Mestre em História Social / FFLCH-USP.

Acessar publicação original

[IF]

 

 

Uma História do Brasil – SKIDMORE (HE)

SKIDMORE, Thomas. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. Resenha de: JOANILHO, André Luiz. Para inglês (e brasileiro) ver. História & Ensino, Londrina, v. 5, p. 165-168, out., 1999.

Inicialmente escrito para um público norte-americano, Uma História do Brasil, Paz e Terra, 1998, deve ser lido pelos brasileiros. Sem a necessidade de filiação com determinadas linhas de interpretação da nossa História, Skidmore pôde apresentar uma narrativa geral sobre a nossa formação e, mais ainda, traçar uma rota para compreendê-la.

A questão fundamental para o autor é perceber como foi possível constituir uma identidade nacional num país que apresenta características de formação tão disparatadas e aí está o seu grande mérito.

Se uma das nossas maiores preocupações em relação ao estrangeiro é passar uma imagem de civilidade, este livro, justamente, nos mostra como podemos ser percebidos e compreendidos por alguém de fora, que busca ir além dos estereótipos, explicando-os. Assim, podemos perceber a extensão do que somos, ou melhor, de como somos explicados a um público de cultura média e, no caso, norte-americano.

É evidente que, se procuramos análises complexas por parte do autor, não as teremos, e aí está outro dos grandes valores do livros. Sem a necessidade de linguagem rebuscada, Skidmore apresenta um quadro claro e bastante elucidativo da nossa formação. Isto é possível justamente por estar livre de filiações acadêmicas ou linhas interpretativas da nossa História. Percebese que o texto não rende homenagens a este ou àquele pensador nacional, pois a preocupação de Skidmore é a possibilidade de síntese para um público que desconhece querelas acadêmicas, o que dá fluidez ao texto, sem cair em simplificações.

Skidmore identifica bem a nossa situação racial ao centrála na figura do mulato. Este, expoente de uma sociedade multirracial que se constituiu durante o período colonial, teve ascensão social limitada, mas significativa, praticamente inviabilizando a separação legal entre as raças. O racismo da elite branca se revela mais “sutil” do que o da elite norteamericana. A idéia de “branquear” a população através da imigração européia é parte constitutiva da ideologia da sociedade multirracial.

O autor percebe em parte esta trajetória, mas acredito que faltou compreender um pouco melhor o espírito da “Casa Grande” na qual a aparência é fundamental-um grande fazendeiro nunca aceitou rótulos negativos sobre a sua conduta ou condição social, logo faz de tudo para se promover e aparentar.

Desse modo, o mito multirracial não é só fruto de cruzamentos, é também formas da elite aparentar cordialidade, bondade, preocupação com os pobres e também poder, pois os mulatos, muitos filhos bastardos de grandes proprietários, não podiam ser deixados à míngua, logo lhes eram arranjadas colocações junto à administração pública, uma maneira de estender o poder da Casa Grande em direção à esfera do espaço público.

Essa expressão da nossa elite e, porque não, da nossa sociedade, é difícil de ser notada por alguém que não vivencia tal experiência. A explicação de Skidmore é bem americana: “ocorreu que uma constante carência de mão-de-obra européia nos escalões mais altos da força de trabalho brasileira deixou abertas algumas oportunidades de trabalho para negros livres, que eram bem mais numerosos no Brasil colonial do que na América do Norte colonial” e corretamente acrescenta: “não se deve concluir daí que o Brasil estava livre de preconceito” (pág. 42).

Ora, essa certa ascensão do mestiço, para Skidmore, aliviou as tensões raciais até os nossos dias, o que não é de modo algum satisfatório. É necessário um sistema ideológico e de constituição do social que assegure, além das condições econômicas, a situação racial e, no nosso caso, a situação das classes. Não que exista engano na observação do autor, mas ela não é suficiente. Um sistema que apresenta como representação social a possibilidade das diferentes culturas se manifestarem, a ideologia da democracia racial, são elementos constitutivos das relações interaciais.

A parte esta questão, a narrativa de Skidmore, longe de ser inédita, privilegia junto com as questões de formação, a trajetória política do nosso país e é justamente aqui que o livro se mostra muito interessante. A necessidade de síntese leva o autor a nos fornecer quadros amplos e bastante compreensivos acerca dos acontecimentos de nossa História. A análise do período militar é particularmente profícua nesse sentido. Os mais críticos verão um quadro simplificado, mas tendo em vista os objetivos da obra, o que o autor nos apresenta é uma descrição sintética sem perder o gosto explicativo.

Enfim, é uma obra que deve ser lida, pois ao evitar filiações, pode nos apresentar um painel instrutivo e de fácil leitura da nossa História.

André Luiz Joanilho – Professor Adjunto da UEL e do Programa Associado de Pós-Graduação em História UEM/UEL.

Acessar publicação original

[IF]

 

 

O Brasil na América: caracterização da formação brasileira – BOMFIM (RBH)

BONFIM, Manoel. O Brasil na América: caracterização da formação brasileira. 2ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, 415p. (prefácio de Maria Thétis Nunes). Resenha de IOKOI, Zilda Márcia Grícoli. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.18 n. 35, 1998.

MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: O VALOR DA REEDIÇÃO DA OBRA

Após 66 anos do lançamento da primeira edição, em 1929, a obra de Manoel Bonfim volta a ser editada, demonstrando uma retomada dos interesses sobre a formação brasileira. Exatamente quando o senso comum afirma ser anacrônica a recuperação histórica, uma vez que este é um momento em que o importante é estar inserido no mercado globalizado e assimilado na cultura de massa que unifica costumes e elimina a questão nacional, e onde alguns vão mais longe e propõem o fim da história, a reedição do livro é surpreendente.

Em primeiro lugar, gostaria de analisar as razões de Maria Thétis Nunes em propor à Topbooks sua reedição. Em seguida, passarei a recuperar a leitura deste admirável sergipano sobre o Brasil, a América e as noções de educação e desenvolvimento formuladas em um conjunto significativo de trabalhos considerados pela historiografia moderna como clássicos do pensamento político brasileiro.

No prefácio, Thétis Nunes levanta como hipótese sobre o esquecimento, o desinteresse das elites por idéias tão avançadas para o seu tempo. Este problema foiapontado também por Dante Moreira Leite na obra O Caráter Nacional Brasileiro, Antonio Candido, Nelson Verneck Sodré entre outros. A criação do primeiro laboratório de Psicologia Experimental do Brasil, a atualidade de estudos filosóficos e as críticas ao cientificismo e ao evolucionismo são argumentos que comprovam a seriedade intelectual de Bonfim. Entretanto, para a prefaciante, seu nacionalismo entendido como” identificação do indivíduo com a terra natal, que o conduziria à solidariedade, à confiança e a luta para a preservação da liberdade e da independência”1, são a chave do esquecimento.

Em 1929, o jogo político das oligarquias cafeicultoras experimentava uma profunda crise demonstrada pelas articulações entre as dissidências oligárquicas e os novos setores sociais que disputavam com maior amplitude a participação na cena política nacional. Além do mais, ao longo das primeiras décadas deste século a imigração cresceu, introduziu os europeus orientais, os japoneses e alemães, que ao lado dos imigrantes do final do século passado, procuravam um maior nível de integração no conjunto nacional. Assim, a conjuntura política do período, diferente daquela vivida pelos modernistas de 1922, não mais permitia a exclusão dos vastos contingentes de imigrantes que naquele momento eram capitães de indústria, assessores do governo e novos proprietários, especialmente os beneficiários da crise do café, após o crack da bolsa, em 1929.

Parece-me, entretanto, que o autor não estava preocupado em demonstrar o nacionalismo como algo que emergia das tradições históricas e da paulatina descoberta do sentido da brasilidade pela incorporação da diversidade dos grupos étnicos culturais aqui estabelecidos. Um dos elementos sui generis apresentado pelo autor é o da incorporação daqueles que lutaram pela preservação do território como se esta luta garantisse legitimidade e unidade aos diferentes grupos.

Outra colocação importante de Bonfim, não recuperada inteiramente pela autora do prefácio é a discussão bastante complexa que faz das noções de cultura, raça e alteridade. Para ele, nenhum dos grupos étnicos-culturais que ocuparam o Brasil puderam preservar seus valores sem que eles sofressem profundas alterações. Deste modo, a idéia subjacente é a que há uma circularidade cultural independente da aceitação ou não desta objetividade.

Assim, afirma:

(…) o Brasil, como agrupamento-povo, não poderia ser considerado simples soma de elementos étnicos, estimulados isoladamente: o português _ A, o negro _ B, o índio _ C… para chegar ao tipo apenas composto A-B-C. No povo brasileiro encontram-se essas três raças, diferentes, muito diferentes mesmo. A constatação de tais origens, em qualidades e tom de civilização, como origens dispersas, seria banalidade, repetida sem outra significação além da tecnologia, pois o que tem interesse não é a fútil resenha antropológica, e a corriqueira enumeração de caracteres etnográficos, mas a boa compreensão do modo segundo o qual aqui se encontram os elementos formadores da nação, até que logicamente se defina o efeito histórico da mesma formação. É isto o que faz valer cada uma das qualidades elementares das raças misturadas, e dá a fórmula geral da combinação nacional, resultante da mistura. (…) Ninguém admitiria hoje [que] isto é do negro, tal é do índio ou do português, sem conseguir reconhecer o que haja de novo e de próprio no gênio brasileiro2.

Dito de outro modo, não eram os portugueses tolerantes, democráticos ou mais assimilados, mas foram as condições históricas do conflito e as acomodações possíveis no cotidiano que engendraram as relações sociais. Para os cientificistas e racistas, Bonfim ironizava afirmando que o sentido da superioridade só poderia ser considerado se os superiores conquistassem raças, grupos ou lugares superiores a eles. E mais, perguntava qual o mérito em dominar um fraco? Seria possível sentir orgulho batendo ou violentando uma criança?

Para Maria Thétis, a importância da reedição do livro é recuperar um dos pioneiros da formulação de uma ideologia nacional. Peno que as razões são bem diversas.

O BRASIL NA AMÉRICA

Em primeiro lugar, vale ressaltar que Bonfim escreveu este livro em continuidade a um amplo debate que se abriu no início do século no Brasil. Na década de vinte, a oposição ao conceito de latino-americano se colocava para o autor, uma vez que essa unidade era entendida de modo preconceituoso especialmente pelos Estados Unidos, que atribuía a todo o continente o estigma de atraso, inferioridade e alienação. Muitos intelectuais de renome aceitavam essa desqualificação e procuravam constituir fórmulas para o embate entre a civilização (Europa e Estados Unidos) e a barbárie. Deste modo, figuras como Oliveira Lima, Oliveira Vianna, Domingos Sarmiento ou Riva Arguedas, desenvolveram tratados históricos ou projetos de desenvolvimento para superar os males de origem. A obra de Bonfim é escrita com o intuito de negar a homogeneidade que o conceito de América Latina apresentava e ao mesmo tempo procurar o lugar da nação nas singularidades encontradas.

De um lado, uma clara e firme posição anti-imperialista, e de outro, a busca do nacional como especificidade de um projeto incorporador, na medida em que a cultura singular de cada lugar ou região, permitia a análise por um novo contributo ao entendimento do pertencimento e da memória. Deste modo, o regresso ao passado colonial é realizado com vistas ao encontro de formas de entendimento que pudesse responder, não a uma abstração idealizada do que significava cada um dos acontecimentos e as várias dimensões do conflito, mas os resultados transformadores numa dialética de tempos desiguais e simultâneos em ação.

Assim, na primeira parte, Origens, estão tecidos cinco capítulos que procuram reconstituir a epopéia do pioneirismo ibérico, as conquistas ultramarinas, as relações entre europeus e o gentio, o sentido menos destrutivo dos contatos, as alterações nos vários modos de vida, a formação da população brasileira com os elementos centrais da mestiçagem, o cruzamento das tradições e a gênese do sentido de inferioridade atribuído ao Brasil em decorrência do negro escravo. Neste capítulo em especial, nosso autor combate Oliveira Vianna, que de modo acrítico e a-histórico repete as teorias cientificistas e racistas sem levar em consideração a realidade histórica brasileira. Na Segunda parte, O Primeiro Brasil, encontram-se os seis capítulos onde o autor desenvolve sua tese central, ou seja, a nacionalidade foi sendo formada nas lutas pela preservação dos territórios e através delas formaram-se o entendimento do Brasil e do ser brasileiro.

As lutas foram sendo incorporadas de modo muito especial por cada um dos grupos envolvidos, separando-se os elementos inassimiláveis, articulando localismos, regionalismos e mesmo o caudilhismo. Assim, aquilo que aparece como as longas durações históricas, são poderosas forças de acomodação e particularidades, tecidas e criadas na superação do modo de vida anterior de cada grupo. Estes elementos tornaram-se a tessitura da nova conformação social geradores do Estado Nacional. Deste medo, as comparações que Bonfim estabelece entre os processos que se desenvolvem nas colônias espanholas e as do Brasil são sempre linhagens de argumentação para demonstrar a formação brasileira em sua singularidade. Não há como atribuir a ele, contextualizando seu pensamento, um sentido hierarquizado ou mesmo uma centralidade fixa na conformação nacional apresentada.

Em conclusão, Bonfim afirma:

Na América, foi a colônia portuguesa a primeira a afirmar-se como nacionalidade. De formação essencialmente rural-agrícola, sabendo aproveitar as populações indígenas, essa colônia se expandiu naturalmente, por virtude própria, ao ponto de ocupar todos os territórios que se lhe abriam, até entestar com o domínio definitivo das gentes castelhanas. (…) O Estado português com que se fez a primeira defesa, logo declinou e, quanto mais viva a luta decisiva pela terra pátria, já foram os brasileiros que as fizeram3.

O interessante é notar como Bonfim modifica o conceito de nacional comum entre seus interlocutores. Mais radical que seus contemporâneos, ele atribui valor às lutas concretas em defesa da territorialidade e considera serem agregadores os elementos constitutivos dessa ação. Antecipando Mário de Andrade, constrói um entendimento sobre a cultura como movimento em movimento, e a circularidade de seus elementos, negando qualquer hierarquia e sobreposição entre uns e outros. São fruto de circunstâncias e de experiências históricas indivisíveis. Por isso, na linguagem de Mário, Macunaíma é simultaneamente o complexo da formação cultural brasileira, não apenas em termos de valores, mas também de crenças, lugares, hábitos e desejos.

Hoje, no encerramento deste século XX, quando o paradigma clássico do Estado/ Nação está totalmente superado, quando os controles supra-nacionais realizam a gestão econômico-política dos antigos governantes, reestrutura-se a necessidade do debate sobre o sentido do nacional e os elos agregadores ainda existentes. A moderna teoria4 tem enfatizado o papel das lutas no e pelo território, como elemento engendrador do pertencimento e, cada vez mais, as histórias do lugar são referências identitárias.

Um livro desta importância será estimulador do debate histórico político e solicita-se à Topbooks, que fez um cuidadoso trabalho de texto e capa, que providencie uma encadernação mais adequada, pois o simples abrir das páginas, para um leitor interessado, é suficiente para desmontar o livro que esperou mais de seis décadas para ser oferecido ao público.

Notas

1 NUNES, Thétis. Prefácio à Segunda edição, p. 15.

2 BONFIM, Manoel. op. cit., p. 36

3 Idem, p. 381.

4 Ver SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo, Nobel, 1992; BENKO, Georges. Economia, Espaço e Globalização na aurora do século XXI. São Paulo, Hucitec, 1996; ROY, Pierre. La faim dans le monde. Paris, Le Monde Éditions et Marabout, 1994; entre outros.

Zilda Márcia Grícoli Iokoi – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo.

Acessar publicação original

[IF]

 

Brasil de Getúlio a Itamar: quatro décadas de história vivida | Heinz F. Dressel

DRESSEL, Heinz F. Brasil de Getúlio a Itamar: quatro décadas de história vivida. Ijuí: Editora Unijuí, 1997. Resenha de: SANTOS, Ana Maria Barros dos. CLIO – Revista de pesquisa histórica. Recife, v.17, n.1, p.201-202, jan./dez. 1998.

Acesso apenas pelo link original [DR]

Trajetória política do Brasil. 1500-1964 – IGLÉSIAS (VH)

IGLÉSIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil. 1500-1964. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Resenha de: ANASTASIA, Carla Maria Junho. Varia História, Belo Horizonte, v.9, n.12, p. 156-157, dez., 1993.

Aqueles que têm o privilégio de conhecer a intimidade compartilhada com a História pelo Prof. Francisco lglésias; seu trânsito, com singular competência, pelas ciências sociais; sua fina ironia, não se surpreenderam com as qualidades de Trajetória política do Brasil, livro que vem reiterar a posição do autor, considerado um dos maiores historiadores do pais.

Trajetória política do Brasil é obra da mais refinada tradição historiográfica e, embora recentemente publicada, já se coloca ao lado dos clássicos da História do Brasil. A identificação do trabalho do Prof. Francisco lglésias com as obras de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., e com o magistral Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, é imediata.

Na introdução, o autor explícita a necessidade do trato rigoroso das questões metodológicas. Enfatiza as imprescindíveis conexões da história política com a sociologia, economia e cultura. Pelo caráter abrangente de seu texto, ressalta somente as invocar para caracterizar o sentido geral da obra. Tratando dos cortes temporal e temático – que permitem o estudo da história por partes afirma fazer “dupla história especial; no espaço e no assunto”. História especial no espaço ao tratar especificamente do Brasil; história especial nos “aspectos do real”, ao privilegiar o político.

Com rara habilidade, o autor desenha a trajetória política do Brasil do período colonial à fase imediatamente anterior ao golpe político militar de 1964. A luz dos ensinamentos de Marc Bloch, explica essa trajetória do lugar onde ela se torna inteligível – como parte de uma totalidade – a história geral. Reitera o autor que o pleno sentido da história política do Brasil” … só se esclarece no relacionamento das partes, com as quais se forma um sistema, configurador de várias fisionomias'”.

Assim, ao analisar o período colonial, compara a política administrativa implementada no Brasil por Portugal com o quadro político delineado nas colônias espanholas e ressalta as relações que se estabelecem entre os estados europeus. Emerge, nessa primeira parte da obra, o Brasil inserido em um sistema mais amplo, que se convencionou denominar Antigo Sistema Colonial.

O mesmo procedimento é adotado na Parte 11 na qual o autor examina a transição do mundo colonial para o Brasil independente. Novamente aparece o un1verso europeu do Iluminismo, do Racionalismo, das políticas agressivas das potências do além-mar, o papel desempenhado por Portugal e Espanha. Situa-se nesta intrincada rede de relações políticas a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil e o final da transição para a Monarquia.

Na terceira parte, o autor apresenta as singularidades do regime monárquico brasileiro em uma América Latina republicana. A análise se torna mais complexa à medida em que avança o processo de nacionalização da independência. Apesar da maior complexidade do texto, é a questão da dicotomia centralização versus descentralização, decisiva no período colonial, que continua a informar o exame do processo político pelo autor. E assim terá seu próprio lugar na análise do federalismo na República.

Na Parte IV, ao examinar o período republicano, surgem, com mais força as especificidades da trajetória política brasileira. Sem dúvida, a preocupação central do texto e o ponto mais alto do trabalho.

Deve ser ressaltado como o cuidadoso trato do autor com as palavras consegue transmitir ao leitor fortes impressões. Não há como não antecipar àqueles que ainda não tiveram o livro nas mãos. a presença, na obra, de vigorosos perfis de homens públicos da República e a densidade da análise de momentos cruciais deste período. A fundação da República e Floriano, homem que se deixou tomar pela paixão política; Juscelino Kubitschek e suas realizações, pelos quais o autor deixa transparecer grande admiração; Jânio Quadros, sua estranha personalidade e seu ambíguo comportamento político são exemplos de virtudes, circunstâncias e acasos, cuja descrição impressiona vivamente o leitor.

O trabalho do Prof. Francisco lglésias, ao contrário dos pesados textos acadêmicos, é de leitura saborosa. Não sem razão, em número alentado de páginas constam apenas vinte e sete notas.

Ao final, o autor apresenta, além de uma cronologia, bibliografia selecionada e comentada. E é sem surpresa que se encontra, com algumas poucas exceções, as obras clássicas da historiografia brasileira nesta síntese da história do Brasil que já nasce clássica.

O autor afirma que seu livro é um ” … texto a ser lido por qualquer pessoa culta'”. Essas pessoas e, em especial, os estudiosos da história do Brasil certamente terão um enorme prazer ao ler Trajetória política do Brasil.

Carla Maria Junho Anastasia – Professora do Departamento de História- UFMG.

Acessar publicação original

[DR]