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História das Relações Internacionais / Esboços / 2014
História e relações internacionais: dois campos em aproximação
As trajetórias da História e das Relações Internacionais parecem ter elementos muito distintos e até antagônicos, como os campos teóricos, o tratamento dado aos atores, a preocupação com os ambientes macro e micro e as funções desempenhadas pelo Estado, pelas empresas, pelo mundo do entretenimento e pelos movimentos sociais. No entanto, essas oposições e distanciamentos deveriam ser menores, em especial quando se trata de um país como o Brasil, cuja inserção no sistema internacional não é a de uma grande potência, sua posição no quadro da divisão internacional do trabalho ainda é assimétrica e a influência desempenhada pelos atores externos é bastante representativa.
A lógica das World Politics engendrada em Washington, Londres, Moscou ou Paris pode sim seguir uma lógica mais interessada em temas como segurança, estratégia militar, organismos internacionais, hard power e o processo decisório em termos de macroeconomia. Afinal de contas, não há como desconsiderar que os chamados países centrais tem interesses globais ou pelo menos muito amplos, e, que, apesar dos insistentes discursos da “globalização” dos mercados, o grande capital ainda se identifica muito mais claramente com alguns atores estatais do que com outros.
Nesse sentido, a função da História das Relações Internacionais pode ter clivagens diferentes. Se para muitos dos conservadores analistas realistas ou liberais que pautaram os interesses das grandes potências como Henry Kissinger, Paul Kennedy, Francis Fukuyama ou Samuel Huntington, a História serve como uma grande ilustração do caminho percorrido pelas grandes potências e entra em estrita consonância com as teorias das Relações Internacionais e seus postulados que muitas vezes são bastante rígidos, em países como o Brasil a História das Relações Internacionais pode ser um instrumento inverso, qual seja, importante reflexão crítica acerca da construção do sistema internacional; questionamento da ordem global defendida pelo “establisment” e uma relevante percepção e análise dos atores corporativos do capital internacional. A História das Relações Internacionais “vista de baixo” poderia e deveria ser muito mais um instrumento contra hegemônico do que a tácita aceitação de uma realidade dada e definida.
Dessa forma, a História das Relações Internacionais pode contribuir, por exemplo, para avaliar as incoerências entre discurso e prática dos atores centrais, para ajudar a desvendar acontecimentos ou processos pouco conhecidos da História Internacional e para inovar e criar alternativas para a transformação do sistema internacional. Ademais, pode ser pensada para descortinar os mecanismos comumente utilizados na disseminação de políticas culturais e educacionais alinhadas com os interesses daqueles atores e criar estratégias para se não confrontar, ao menos amenizar os seus efeitos. Ou será acaso o sistema marcado por imutáveis leis como defendem alguns dos teóricos mais tradicionais?
Outro aspecto marcante das duas áreas de conhecimento diz respeito aos tempos de construção das mesmas. Enquanto a História é vista e reconhecida como disciplina tradicional, de múltiplas épocas, povos e temas, e permeada por um longo e complexo debate teórico e historiográfico, o campo das Relações Internacionais é de desenvolvimento bem recente. As Teorias das Relações Internacionais e os estudos sobre Organizações Internacionais, por exemplo, são quase todas preocupações do século XX em diante.
Obviamente isso não significa que os objetos de estudo das Relações Internacionais não estivessem presentes em tempos muito distantes, como o clássico tema da Guerra e da Paz, tão antigo quanto as memórias e registros dos povos da antiguidade. No entanto, é quase consensual na área que só há um campo de estudos claramente identificado como de Relações Internacionais no século XX.
Isso decorre basicamente da reconfiguração hegemônica do sistema internacional na primeira metade do século XX, permeada pelo que Eric Hobsbawm chamou de a “a era da guerra total” e todas as suas nefastas consequências; da construção de um sistema internacional global de aproximadamente 200 estados de tipo westhphaliano, por algumas e depois incontáveis organizações e instituições internacionais e pela fase mais complexa e integrada do capitalismo global, em especial a partir da financeirização do sistema no transcorrer do século XX.
Dessa forma, após o desfecho da turbulenta transição hegemônica decorrente da terceira “guerra de 30 anos” entre 1914 e 1945, não havia como negar que haviam nascidos novos temas de estudo e que seria necessária uma disciplina específica atenta a esse contexto. Durante a Guerra Fria, a prepotência teórica de alguns autores realistas das Relações Internacionais chegou a conjecturar que a Política Internacional seria um campo de estudo completamente autônomo, descolado e acima dos demais, e que seria possível estabelecer leis e postulados que valeriam para todos os tempos. Esse tempo passou e a nova transição que vivemos após o final de Guerra Fria parece mostrar mais incertezas do que propriamente a assertividade das leis anteriormente invocadas. Portanto, mais do que nunca as Relações Internacionais e a História precisam se aproximar.
Outra diferença nítida entre História e Relações Internacionais diz respeito às origens dos campos de conhecimento. A História, como referido anteriormente passou por inúmeras batalhas no campo teórico e historiográfico. Desde o século XIX, os debates se intensificaram e a trajetória da disciplina se confunde com as incontáveis perspectivas teóricas. Desde as convicções otimistas e normativas dos positivistas no século XIX, passando pela complexa e ácida crítica da perspectiva marxista, pelas ondas da Escola de Annales e chegando até as negações dos pós-modernos que, em alguns casos, relegaram à disciplina aos campos da ficção e do discurso, a História passou e passa por todas as transformações possíveis de uma disciplina densamente influenciada pelas grandes correntes teóricas desde o Iluminismo até o pós-modernismo e carrega consigo as contradições inerentes e normais a qualquer campo de conhecimento cada vez mais diverso e marcado por incertezas do que pela convicção original de uma ciência concreta e estabelecida.
Curiosamente, essa “batalha” pela História fez muito bem à disciplina e apesar das evidentes e contundentes divergências entre os historiadores, a História tornou-se um campo repleto de contradições mas ao mesmo tempo com uma densidade, profundidade e permeabilidade que são invejáveis a qualquer disciplina que aspira a maturidade.
De outra parte as Relações Internacionais com sua origem recente possuem um campo teórico e metodológico diferente. O núcleo original herdado da Ciência Política, em especial a de corte anglo-saxão, trouxe às Relações Internacionais um rapidíssimo crescimento, uma incrível capacidade analítica e uma objetividade que foi proporcional à sua inserção no campo das ciências sociais e humanas. Em contrapartida, o núcleo central dos debates teóricos permaneceu polarizado entre duas teorias de origem tradicional e conservadoras.
Tanto o realismo em suas múltiplas vertentes, assim como o revisitado e antigo liberalismo ampliado e encorpado pelas teses institucionalistas são sem dúvida duas teorias que remetem a uma percepção conservadora e mantenedora do “status quo”. Tal estado da arte em Relações internacionais não é incoerente com a origem das teorias, qual seja, a primeira uma clara defensora do poder, das grandes potências e da separação entre ética e ação nas Relações internacionais e a outra, apesar de ser sua antípoda nos EUA e países centrais, é uma percepção excessivamente otimista das instituições democráticas representativas tradicionais de corte liberal, das organizações internacionais dominadas de maneira geral pelas grandes potências e de uma visão positiva e imaculada da economia capitalista. Ou seja, se a primeira é um elogio do poder e de sua utilização pelas grandes potências, a segunda defende o indivíduo, a política partidária tradicional e o capitalismo globalizado.
A proposta desse dossiê parte justamente da constatação que o diálogo entre História e Relações Internacionais é não só necessário, como uma possibilidade de abordagem que pode e deve aproximar áreas que podem contribuir muito para uma melhor compreensão histórica do ambiente internacional. E essa abordagem faz essa aproximação de um ponto de vista contra hegemônico, aproveitando o que de melhor e mais transformador as duas disciplinas fornecem.
Há outros elementos que precisam ser tocados ao se pretender elaborar um trabalho que visa aproximar História e Relações Internacionais. O primeiro é a forma e a função da História em alguns dos trabalhos mais tradicionais de Relações Internacionais. Apesar da evidente e reconhecida importância da mesma no campo da Relações Internacionais e do constante elogio que se faz da História, há que se considerar que para os autores de corte mais conservador, a História tem alguns traços que ainda se aproximam das proposições teóricas e metodológicas que lembram alguns dos historiadores de formação positivista. Seria importante citar e exemplificar pelo menos três tipos de abordagens nesse sentido.
Em primeiro lugar, em obras como essas, a História tem uma função muito mais ilustrativa do que de fato processual. Ou seja, para alguns dos analistas realistas e liberais mais representativos os acontecimentos históricos confirmam e reafirmam os postulados teóricos já construídos e amplamente considerados. A ideia realista parcialmente aceita e compartilhada pelos liberais de que o sistema internacional é anárquico é frequentemente repleta de exemplos históricos. Desde a paz de Westphália no século XVII, passando pelo Concerto de Viena no século XIX e chegando à Guerra Fria, a História é vista “de cima” e como processo de confirmação do postulado central, ou seja, nunca houve um sistema internacional que pudesse ser regido incondicionalmente por um Estado e ou organização. Mesmo as superpotências da Guerra Fria e os EUA após essa, não dispõem de meios militares, econômicos e políticos para controlar integralmente o sistema. A anarquia é inerente a ele, já que nenhum governo realmente global se afigura como algo possível nem provável. Os três períodos citados são usados, portanto, para reafirmar um postulado que parece inexoravelmente comprovado. A lei objetiva da política internacional precederia e definiria os processos da História.
Um segundo aspecto a ser apontado é o da percepção de que as Relações Internacionais são fundamentalmente o ambiente apenas de grandes atores, ou como diriam os analistas de Direito Internacional, os chamados “sujeitos” de Direito internacional, que teriam as condições e prerrogativas de conduzirem, regrarem e normatizarem o sistema internacional. Esses sujeitos seriam apenas os Estados e algumas Organizações Internacionais. Outros atores como empresas privadas, ONGs, movimentos sociais, sindicatos, etc seriam apenas atores marginalmente importantes quando conseguem interferir em algum tema ou cenário específico. De maneira geral, o argumento é que mesmo se admitindo a complexidade dos cenários e a atuação cada vez mais interconexa de múltiplos atores, são os Estados e algumas das grandes OIs que definem e pautam a Política Internacional.
Nesse sentido novamente a História das Relações Internacionais entendida sob um prisma mais conservador simplesmente ocorre em um tabuleiro que não pode ser frequentado por outros atores menores. Apesar das pressões, dos conflitos e dos inúmeros exemplos históricos de atores diversos com atuação internacionalizada, os analistas mais conservadores insistem que naquilo que é essencial (guerras, construção da pauta política internacional e definição dos grandes temas da economia global) são os Estados e algumas OIs que concentram o processo decisório. Mesmo os exemplos históricos de movimentos como os contrários à globalização e suas ações são apenas demonstrações de uma luta que apenas marginalmente atinge os definidores da ordem. Seu poder, mesmo com alguns “arranhões” permanece intacto.
Por fim, outro aspecto que ilustra algumas percepções da História em Relações Internacionais em um sentido mais tradicional é que a História é muito mais importante pelas permanências do que pelas mudanças. Novamente há ampla correlação entre Teorias e História das Relações internacionais. A insistente e até irritante percepção liberal, continuamente renovada e travestida que busca justificar o sistema capitalista como construtor de prosperidade, propugnador do progresso e mais recentemente promotor de uma globalização benevolente desafia os historiadores que ao sul do equador não conseguem elementos concretos para sustentar tal postulado.
Há nessa percepção um condicionante há muito criticado pela História que é o da linearidade que conduz a um fim em direção ao progresso. Há também obviamente, um aspecto ideológico e político bastante sintomático. A versão da História que assim percebe o sistema capitalista procura explicar a divisão internacional do trabalho como processo das aptidões e capacidades criativas dos Estados mais poderosos, vendo nisso mérito e progresso e explica o atraso, pobreza e subdesenvolvimento como incapacidade de implementar um modelo que historicamente produziu bons resultados nas grandes potências e em alguns outros países do centro do sistema.
Obviamente essas três caracterizações remetem aos defensores mais ciosos da política e da economia globais como um modelo civilizatório ocidental, liberal e capitalista. A proposta aqui pretendida é justamente a oposta. Uma História das Relações Internacionais que já é feita em muitas universidades do mundo inteiro e no Brasil, e que possui uma clara conotação contra hegemônica.
Os textos presentes nessa coletânea compartilham de uma proposta diferente. Ao contrário de uma História “ilustrativa” e referenciada às teorias, busca o inverso; demonstrar que a imensa produção teórica e historiográfica pode sim se contrapor e pelo menos desafiar.
Nesse sentido a chamada História Social foi uma das mais fecundas e importantes do século XX. Constructo de uma crítica mordaz ao capitalismo e atenta a todos os atores sem distinção de tabuleiro, procurou mostrar que se de fato há anarquia no sistema ela representa apenas um aspecto da Política Internacional. De que adianta apenas constatar a ausência de um governo global se de fato, o mais importante é explicar como o sistema foi construído e qual a importância das hegemonias e da divisão internacional do trabalho entre os países. A anarquia do sistema é uma observação vertical. Pouco explica das lutas intestinas em cada cenário, tampouco esclarece as possibilidades de transformação do sistema.
Outro elemento que pode e deve aproximar a História das Relações Internacionais e produzir nova síntese é sua eloquente e detalhada análise das fontes não tradicionais, muitas vezes deixadas de lado pelos analistas mais conservadores das RIs. Estudar cinema, música literatura, movimentos sociais, sindicatos, associações e comunidades étnicas permite perceber que o mundo das High Politics pode ser sim tocado e desafiado pelos de baixo. Mais que isso, permite construir alternativas contra hegemônicas que contradizem a ideia tão propalada entre os defensores do establismenth de que a mudança no sistema internacional é muito difícil ou quase impossível.
Por fim, a História Social entendida como área de densa e coerente produção realizou já uma ampla e detalhada crítica do capitalismo globalizado. A aproximação desses estudos com os das Relações Internacionais pode ao menos produzir um ruído forte e realizar novas perguntas e produzir respostas mais satisfatórias sobre as dinâmicas do capitalismo globalizado. Ao invés de percebê-lo apenas como uma faceta do poder internacional, cabe detalhar os estudos acerca dos processos de formação dos conglomerados industriais no mundo, estudar as indústrias do entretenimento como aspecto mais claro do “soft power”, ampliar os estudos acerca dos atores não estatais e verificar em que cenários e contextos os mesmos produziram ou produzem de fato mudança; avaliar e aclarar os mecanismos do processo decisório que unem Estado e capital, o que certamente irá contrapor melhor a tese da separação clássica entre essas esferas nas teorias tradicionais de RI.
Enfim, a produção desse Dossiê pela primeira vez na Esboços – Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC, mas com a presença de renomados e conceituados autores brasileiros e estrangeiros procura ampliar o estudo e aproximação dos dois campos e fazer dessa História das Relações Internacionais uma leitura que possa conectar melhor duas áreas tão relevantes mas que em muitos aspectos se desconhecem.
O Brasil e a História das Relações Internacionais é o trabalho que abre este dossiê. Nele, Paulo Fagundes Visentini aponta como na historiografia brasileira e mundial, a História Diplomática vem dando lugar à História das Relações Internacionais. Para o autor ambas tem caminhado paralelamente, com periodizações próprias e dissociadas, sem dialogar apropriadamente. Assim, o artigo procura associar ambas periodizações, posicionando o Brasil dentro da História das Relações Internacionais mundiais, desde a fase colonial ao século XXI. Tal posicionamento, permite ao autor discutir com propriedade a cooperação nos campos diplomático, científico, militar e econômico com os grandes países em desenvolvimento como Rússia, China, Índia e África do Sul; uma condição indispensável para o país tornar-se um dos pólos de poder num sistema mundial multipolar e um membro permanente do CS da ONU.
Francisco Carlos Teixeira da Silva, em uma perspectiva próxima a de Visentini, aponta que o campo da História das Relações Internacionais possui, entre nós um tremendo déficit de abordagem no tocante à História da Segunda Guerra Mundial e das suas consequências. No artigo 70 Anos depois: O Holocausto e a sua atualidade nas Relações Internacionais, Silva explora com exímia habilidade a emergência de veementes debates sobre a natureza do Holocausto ao final do século XX. A existência e a multiplicidade do Holocausto na história do tempo presente, aponta o autor, é uma questão em curso de pesquisa, de aplicação do Direito Internacional e de procedimento ético em plena construção. Em sua perspectiva não se trata, portanto, de processo fechado, definindo um, dois ou três fenômenos genocidários contemporâneos.
Maria Fernanda Rollo em seu artigo Diplomacia Europeia: desígnios e meios da integração europeia de Portugal (1945-1986), explora o processo da integração europeia de Portugal do pós-Segunda Guerra Mundial até se concretizar formalmente por meio da assinatura do Tratado de Adesão às Comunidades Europeias, em Junho de 1985. Para Rollo, após a Segunda Guerra Mundial o regime português se viu obrigado a uma aproximação com a Europa e aos EUA, sobretudo no contexto da participação de Portugal no Plano Marshall. A autora demostra como embora forçado e a contragosto, este momento acabaria por revelar-se o início de um processo de internacionalização e de envolvimento nos movimentos de cooperação europeia.
Em uma perspectiva próxima a dos trabalhos anteriores, Cristina Soreanu Pecequilo indica como ao longo da história da diplomacia brasileira, as relações bilaterais Brasil-Estados Unidos evoluíram de forma sólida, mas não isenta de controvérsias. Em seu artigo Do alinhamento e autonomia ao engajamento e contenção: o repensar das Relações Bilaterais Brasil-Estados Unidos, a autora assevera que a oposição alinhamento vs. autonomia expressa estas contradições muitas vezes reduzindo as alternativas de política externa do Brasil a uma visão de cooperação ou conflito com os estadunidenses. Pecequilo procura ir além desta perspectiva considerando a pauta estratégica dos Estados Unidos e procurando compreender suas interações com as potências regionais. Seu artigo, portanto, apresenta uma análise mais realista e pragmática destas relações, tendo como ponto de partida o olhar estadunidense sobre o Brasil em termos de engajamento e contenção, demonstrando a importância de que o país se posicione de forma autônoma no sistema internacional.
Com base em farta literatura especializada, Fábio Bertonha examina a aplicação da noção de imaginário coletivo a respeito de Guerras Mundiais, e como tal conceito pode ser trabalhado com relação ao Império Austro Húngaro. No artigo O Império Austro-Húngaro: o ator desconhecido da Primeira Guerra Mundial, Bertonha indica que se o Império Austro-Húngaro foi um participante importante no mundo pré-1914, suas responsabilidades na eclosão do conflito que destruiu esse mundo não devem ser esquecidas.
Na História das Relações Internacionais existem grandes polêmicas quanto à datação de determinadas fases bem como quanto ao significado que se pode atribuir a termos como Guerra Fria e alguns conflitos de menor ou maior escala. No artigo Détente e détentes na época da Guerra Fria, (Décadas De 1960 e 1970) Sidnei J. Munhoz e José Henrique Rollo demonstram como em diversas ocasiões a conduta estratégica de elites nacionais pautada por macrodispositivos semiológicos hegemônicos, foi capaz de estabelecer pautas amplas de ação e interferir decididamente no curso dos processos históricos. Assim, partindo de tais perspectivas os autores exploraram as distintas dimensões e dialogam com interpretações ancoradas em diferentes matizes analíticas desse processo.
A importância da região conhecida por Oriente Médio para a sedimentação da perspectiva estadocêntrica ocidental das Relações Internacionais é tema estudado por Renatho Costa no artigo A construção ocidental do Oriente Médio como instrumentalização das Relações Internacionais. Nele, o autor discute o processo que levou o Império Otomano à fragmentação e sua posterior divisão em Estados sob a égide das potências europeias que instituíram o sistema de Mandatos na região. Ainda, questiona como as relações de poder foram construídas no Oriente Médio no intuito de subsidiarem o modelo westphaliano e reinante nas Relações Internacionais. Por fim, Costa aborda qual o efeito da criação do Estado de Israel e de novos atores não-estatais (organizações islamistas) para a (des)estabilização da região e potencialização dos conflitos geopolíticos.
Rogério Santos da Costa, no artigo As Organizações Internacionais na história das relações internacionais: entre a governança global e as estratégias dos estados nacionais, procuras discutir a dinâmica das Organizações Internacionais (OIs) na história das relações internacionais, abordando suas limitações e possibilidades em contribuir como mecanismo de ação coletiva dos Estados nacionais, buscando uma aproximação com os debates acerca da relação das OIs ora com uma “Governança Global”, ora com a estratégia dos Estados nacionais. O trabalho contém três seções, além das considerações iniciais e finais, abarcando o período pré e pós-criação da Liga das Nações, um outro durante a Guerra Fria, e, por fim, a última parte dedicada ao momento pós-Guerra Fria até a primeira década do novo milênio. Para Costa, se, por um lado, é possível assumir a dificuldade de as OIs efetivarem seus objetivos diante das estratégias dos Estados nacionais, por outro, é inegável a sua contribuição em algumas áreas específicas do sistema internacional, que podem indicar o embrião de possibilidades para certa “Governança Global”.
Por fim, a relação entre Portugal e Espanha na década de 1930 é o tema abordado por Ruben Serem no artigo Portugal e a Guerra Civil de Espanha (1936-1939): uma introdução. Segundo Serem, a Guerra da Espanha apresentou-se como uma oportunidade única para a radicalização do Estado Novo português. Concomitantemente, um dos objetivos do governo português era substituir a jovem democracia espanhola, implantada em 1931, por um governo ideologicamente compatível com o Estado Novo. A vitória da autodenominada fação Nacionalista (uma nomenclatura que pressupunha que a República Espanhola era antipatriota), caudilhada pelo General Francisco Franco Bahamonde, foi fator determinante para a consolidação das ditaduras salazarista e franquista, que viriam a sobreviver ao colapso do fascismo europeu no pós-Segunda Guerra Mundial e perdurar até 1974, em Portugal, e 1975, na Espanha.
Boa leitura!
Márcio Roberto Voigt – (PPGH UFSC).
Alexandre Busko Valim (PPGH UFSC).
Organizadores
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