História da Saúde, das doenças e da Assistência / História em Revista / 2020

Constituída como área de pesquisa histórica, a saúde consolidou-se através de pesquisas que auxiliam a discussão acerca do contexto histórico e social.

Com o surgimento da Covid-19, o mundo precisou, novamente, aprender a conviver com uma doença global. A pandemia modificou hábitos que alteraram a economia e todas as demais dinâmicas sociais. Os serviços de saúde e seus profissionais passaram a ganhar destaque no combate ao vírus, como na prevenção e na busca da cura.

Pensando nessa perspectiva, ao voltarmos nosso olhar para as discussões que envolvem a história da saúde, das doenças e da assistência, podemos vislumbrar de forma apurada, as relações do passado frente às dificuldades sanitárias impostas ao longo do tempo.

Assim, este dossiê se propõe a discutir estes olhares sobre os diversos períodos de tempo e de espaço, bem como as conexões e interfaces com outros campos, buscando a interdisciplinaridade, sempre mediada pelo aprofundamento teórico e metodológico no diálogo com os acervos e a bibliografia pertinente.

Assim, pesquisas históricas vêm ampliando esse debate, ao promoverem o diálogo entre a saúde, as doenças e a assistência, a partir da compreensão dos seus objetos, problemas e metodologias, amparadas nas fontes.

A organização desse dossiê se apresenta em seções temáticas, reunindo autores com abordagens de diversos recortes.

Na primeira seção – “Saúde tem história” – comparecem autores nacionais e estrangeiros, trazendo contribuições significativas como atestam seus textos.

Entre diferenças e similaridades: um estudo comparativo a respeito dos olhares sobre a “saúde” e a “doença” em “manuais de medicina popular”, homeopáticos e alopáticos, de finais do oitocentos, escrito por André Portela do Amaral é resultado de uma investigação sobre o conteúdo de três “manuais de medicina popular”, publicados no final do século XIX e amplamente divulgado no período.

Escrito por Astrid Dahhur, Circulación, prácticas y medicina popular: una reflexión sobre el curanderismo en el siglo XIX argentino, o texto busca refletir sobre a importância da circulação da informação através da oralidade, nas sociedades rurais dos séculos XIX e XX na Argentina, especialmente na província de Buenos Aires, com foco em como as pessoas reuniam informações úteis para garantir o acesso à saúde para elas e suas famílias.

Paulo Staudt Moreira e Nikelen Acosta Witter, no texto: O exercício de curar supõe o hábito e costume de o fazer: boticas e boticários no oitocentos no Brasil meridional buscam, com base em processos-crime, inventários post-mortem, artigos de jornais, documentos da cúria e do governo do Rio Grande do Sul, em comparação com a rica historiografia brasileira sobre o tema, apresentar um quadro da dinâmica dessas boticas e dos seus boticários e sua inserção na capital da província mais meridional do império brasileiro.

O artigo intitulado Sobre as virtudes medicinais dos insetos na obra Paraguay Natural Ilustrado de José Sánchez Labrador S. J. (1776-1776), escrito pela historiadora Eliane Cristina Deckmann Fleck, apresenta a análise de um dos livros que compõem a quarta parte da obra Paraguay Natural Ilustrado, escrita pelo padre José Sánchez Labrador, a partir de suas observações da fauna e da flora das regiões que compreendiam a Província Jesuítica do Paraguai. Na obra, o autor descreve as virtudes terapêuticas e os modos de preparo de vinte e um insetos, como escorpiões, aranhas, cantáridas, grilos e piolhos.

As autoras Laura Schäfer e Maria Helena Itaqui Lopes trazem o artigo denominado Do transplante de órgãos à engenharia de tecidos: a história que tem revolucionado a medicina e salvado vidas que tem como objetivo apresentar a história das descobertas relativas ao transplante de órgãos, a pesquisa desenvolvida até a atualidade e o impacto da pandemia pela Covid-19 nesses procedimentos.

Em seguimento, são trazidas histórias de doenças, que ampliam os estudos neste recorte temático, reforçando o campo de pesquisa que vem granjeando vivo interesse nos últimos tempos.

O artigo As doenças e o atendimento aos enfermos nos primórdios da ocupação do Continente de São Pedro (século XVIII), escrito por Rogério Machado de Carvalho se popoem a mostrar, a partir da análise e cotejamento dos documentos transcritos nos Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul com a bibliografia de referência sobre o tema, as causas que motivavam as doenças que acometiam os soldados e os primeiros colonos instalados na Vila de Rio Grande, no século XVIII. Apresentando ainda, através da trajetória de Sebastião Gomes de Carvalho, primeiro cirurgião do Rio Grande de São Pedro, as condições encontradas pelos colonos e soldados instalados em uma região fronteiriça da América portuguesa.

Mui Señor Mio, despues de hauer reconozido las medizinas, parese que ha encontrado de menos todo lo que parese su papel: um estudo sobre o tratamento de tumores no Paraguai Colonial (Séculos XVII E XVIII) é texto de autoria de Bernardo Ternus de Abreu. Ele investiga concepções dos jesuítas sobre tumores, através de sua documentação escrita na região da Província Jesuítica do Paraguai, no Setecentos, procurando levantar informações sobre os itens utilizados para os tratamentos, bem como algumas características das intervenções medicinais realizadas.

Leonor C. Baptista Schwartsmann apresenta o artigo intitulado O fenômeno imigratório e o controle do Tracoma: repercussões da doença. Ela busca identificar as relações entre imigração e tracoma, uma doença ocular de grande incapacitação que pode levar à cegueira. Procurou fazer uma abordagem da enfermidade a partir de autores que explicaram sua presença ligada à mobilidade humana pelo Brasil.

É de autoria de Bruno Chepp da Rosa o texto intitulado Páginas de um saber médico: a presença da tuberculose em trabalhos publicados no Archivos Rio-Grandenses de Medicina. O artigo está dividido em duas partes: na primeira, é comentado sobre a constituição de uma imprensa médica em Porto Alegre a partir da fundação do Archivos Rio-Grandenses de Medicina (1920-1943), periódico cujas páginas serviram aos interesses profissionais de médicos diplomados e atuaram como um canal de enunciação e difusão de um saber médico-científico no estado; na segunda parte, discute-se a presença da tuberculose em trabalhos publicados no Archivos. Para tanto, é obedecido um recorte analítico: sem dar conta da totalidade de estudos publicados a respeito dessa doença, são selecionados textos em que seus autores discutiam estratégias profiláticas, meios diagnósticos e recursos terapêuticos empregados contra a tuberculose em um período que antecedia o tratamento eficaz com antibiótico.

Concepção e desenvolvimento da exposição ‘Gripe Espanhola: a marcha da epidemia’ do Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul”, escrito por Angela Beatriz Pomatti e Gláucia G. Lixinski de Lima Kulzer tem como objetivo apresentar o cotidiano da cidade de Porto Alegre, entre outubro e dezembro de 1918, período da eclosão da epidemia na cidade, abordada na exposição realizada pela instituição, além de apresentar a forma como foi pensada e organizada.

Janete Abrão escreveu o texto História, memória e comportamentos sociais em tempos de Covid-19 em que realiza uma reflexão sobre a pertinência da dimensão histórica e da memória coletiva no estudo das epidemias e pandemias. A perspectiva comparada proposta pela autora parte das narrativas históricas sobre os comportamentos sociais durante a gripe de 1918-1919, a cólera no século XIX, e a peste bubônica nos séculos XIV e XVIII, dentre outras epidemias e pandemias, e os contrasta com os comportamentos que foram evidenciados com a Covid-19.

As autoras Quezia Galarca de Oliveira, Milena da Silva Langhanz e Lorena Almeida Gill, no artigo intitulado “Sinto falta de abraços”: os impactos da pandemia de Covid-19 na vida cotidiana dos alunos e alunas da UFPel trata dos impactos que a pandemia do novo coronavírus trouxe para o cotidiano dos alunos e alunas dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A metodologia empregada foi uma análise quali-quantitativa, através da construção de um questionário on-line, com 46 perguntas, lançado nas redes sociais.

Verificando a historiografia, é notório o crescente interesse de pesquisa dirigido às instituições voltadas à assistência. Elas vêm recebendo a atenção de pesquisadores e aqui suas apresentações enfeixem esta publicação, reafirmando que as temáticas balizadas pela saúde se firmaram e se afirmam no cenário dos estudos históricos.

Nesta terceira seção dirigida à assistência, o artigo intitulado A superlotação do Hospital Psiquiátrico São Pedro: implicações na internação de crianças e jovens entre os anos de 1932 e 1937 (Porto Alegre / RS) de autoria de Lisiane Ribas Cruz expõe algumas considerações referentes à pesquisa em desenvolvimento sobre a internação de crianças e jovens no Hospital São Pedro, entre os anos de 1932 e 1937.

O texto Estigma da Lepra: o manequim Lázaro na exposição do Memorial do Hospital Colônia Itapuã, de autoria dos pesquisadores Helena Thomassim Medeiros, Juliane Conceição Primon Serres e Diego Lemos Ribeiro aborda a exposição do Memorial do Hospital Colônia Itapuã, localizado no município de Viamão (RS). Discute questões vinculadas ao histórico e estigma da lepra, hoje conhecida como hanseníase, que foi a razão da construção deste hospital, único leprosário do Rio Grande do Sul. A exposição inaugurada em 2014 traz informações sobre o local e sobre a história desta doença. Contudo, um elemento expográfico se destaca em meio a esta construção narrativa: o manequim Lázaro. A partir deste objeto cenográfico, os autores visam problematizar algumas questões em relação ao imaginário coletivo acerca da lepra no tempo presente.

André Mota e Rodrigo Otávio da Silva escreveram A alimentação hospitalar moderna e a (re) produção do viver social no Hospital Miguel Couto em Natal (1927-1955). O autor analisa a alimentação no Hospital Miguel Couto, na cidade do Natal (RN), entre 1927 e 1955, buscando capturar as representações e práticas alimentares na instituição no momento transicional de um modelo hospitalar caritativo para um modelo de “hospital moderno”, enfocando, no estudo, a materialidade da produção e do consumo alimentar no hospital a partir da abordagem de Jean-Pierre Corbeau e de seu conceito de “sequência do comer”.

Gabrielle Werenicz Alves escreveu o texto Centros de Saúde e Postos de Higiene: novas instituições de saúde para novas políticas públicas (Rio Grande do Sul – 1928-1945) versando sobre a trajetória de criação e o funcionamento de duas instituições criadas no Rio Grande do Sul na área da saúde pública, entre os anos de 1928 e 1945: os Centros de Saúde e Postos de Higiene. Inicialmente, descreve os antecessores destas instituições. Além disso, aborda a trajetória de sua criação no estado do Rio Grande do Sul, bem como analisa seus objetivos, os serviços prestados e as transformações que estas instituições sofreram ao longo do período pesquisado.

Os autores Caroline Pereira Damin Pritsivelis, Antonio Rodrigues Braga Neto, Antonio Carlos Juca de Sampaio, Jorge Fonte de Rezende Filho e Joffre Amim Junior apresentaram o artigo intitulado “A Maternidade do Rio de Janeiro: história, ensino e assistência no Rio de Janeiro”. Ele destaca a importância da criação da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fundada em 1904 com o nome de Maternidade do Rio de Janeiro. Também faz sua relação com a construção de um modelo de ações voltadas não apenas para a ampliação, como também para a consolidação da assistência e ensino médico, ainda carentes de espaços específicos para esses fins.

Cuidar de pobres doentes nas memórias de enfermeiras religiosas na Santa Casa de Porto Alegre (1956-1973), escrito por Véra Lucia Maciel Barroso contempla oralidades registradas com Irmãs que atuaram no processo criatório e de ensino da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia Madre Ana Moeller, no mais antigo hospital do Estado. Trata também dos desafios que enfrentaram na Instituição, especialmente nos momentos de intermitentes crises e muitas carências no atendimento aos pobres.

Em breve tempo foi possível reunir um expressivo número de pesquisadores que aqui compartilham suas pesquisas, seus estudos e sua produção, cujo contributo demarca esta publicação com expressividade e proeminência.

Uma proveitosa leitura!

Angela Beatriz Pomatti

Éverton Reis Quevedo

Véra Lucia Maciel Barroso

Organizadores


POMATTI, Angela Beatriz; QUEVEDO, Éverton Reis; BARROSO, Véra Lucia Maciel. [História da Saúde, das doenças e da Assistência]. História em Revista. Pelotas, v.26, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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História das Doenças e das práticas de curar no Oitocentos / Almanack / 2019

As últimas décadas têm sido marcadas por uma ampliação significativa no campo de pesquisa da história das doenças e das práticas de curar no Oitocentos. Dentre as características presentes nesses estudos, podemos ressaltar a intercessão e diálogo entre diferentes especialidades científicas, destacadamente os diálogos entre a história e a antropologia e a história e a linguística e a teoria literária; a multiplicidade de opções teórico-metodológicas adotadas – que transitam, mais comumente, entre a história social, a (nova) história política, a história cultura e a história das ciências – e de fontes utilizadas. Aliás, parte desse alargamento de fontes e olhares nos tem permitido, cada vez mais, captar as percepções em torno das doenças e das possibilidades de curas de certos estratos sociais antes desconsiderados em narrativas da história da medicina (em âmbito geral, apenas de uma medicina douta) eivadas de triunfalismos e percepções “presentistas”. [7]Cada vez mais sabemos dos achaques e de suas explicações e terapêuticas engendradas por escravos, libertos e demais elementos oriundos das camadas subalternas, num tipo de olhar que Roy Porter (1985), tão bem nomeou “visão dos pacientes / sofredores”.

Outro aspecto que merece menção é o alargamento dos temas de investigação: representações e caracterizações de doenças; passagem sempre temida de epidemias; diferentes medicinas que coexistiam e, não raro, se confrontavam em diferentes arenas; institucionalização da medicina douta; práticas de curar e doenças dos cativos, entre outros assuntos. Não sendo aqui o lugar para arriscarmos uma revisão dessa extensa bibliografia[8].

No rastro dessas possibilidades de ampliarmos o campo de análise em torno dessa área de pesquisa em franca expansão e fomentar o diálogo entre parte de seus autores e estudos, que apresentamos o presente dossiê temático História das Doenças e das práticas de curar no Oitocentos, na Revista Almanack. Acreditamos que o dossiê possa contribuir para que seus leitores – especialistas ou não especialistas – tenham diante de si textos que uma pertinente amostragem dessas novas leituras, fontes e métodos de estudo em torno dos temas da saúde e da doença no século XIX, com ênfase à realidade do Brasil imperial.

Assim, o artigo de Jean L. N. Abreu, “Discípulos de Asclépio: as teses médicas e a medicina acadêmica no oitocentos (1836-1897)”, analisa, a partir da organização das primeiras faculdades de medicina no Brasil, na década de 1830, até fins do século XIX, de que maneiras a produção de final de curso desses “facultativos” – como se dizia à época – espelha a institucionalização dos saberes médicos no Brasil. Nesse sentido, o autor, usando como corpus documental o banco de teses existente no Arquivo Público Mineiro, percebe as leituras, teorias e controvérsias que formavam os médicos nas faculdades de medicina do Império, ainda em vias de afirmação e legitimação de seus discursos e práticas.

Ainda acerca do processo de institucionalização dos saberes e práticas médicas oficiais no Brasil, mas, nesse caso, com base em um objeto mais específico de interpretação, qual seja as “nevroses” e demais “doenças mentais”, temos o texto de Simone de Almeida Silva, “Impugnação analítica: uma semiologia das doenças nervosas em defesa da medicina douta no período joanino”. A autora analisa os diagnósticos produzidos em torno dos êxtases da beata irmã Germana (1782-1853), na região do Caeté (Minas Gerais). Assim, diferentes saberes médicos oscilaram entre a percepção de que a beata era vítima de fenômenos sobrenaturais, argumento defendido por dois cirurgiões, e sua recusa, tecida em obra publicada pela Imprensa Régia em 1814, pelo médico mineiro diplomado na Europa, Antônio Gonçalves Gomide. Tais diferenças de olhares, teorias e conceitos acionados por esses diferentes discípulos de Hipócrates, revelam a rivalidade entre cirurgiões e médicos, além das influências de autores como Philipe Pinel e outros alienistas nessa publicação que a autora considera uma das primeiras obras sobre o tema do alienismo no Brasil.

O artigo de Tânia Pimenta, intitulado “Médicos e cirurgiões nas primeiras décadas do século XIX no Brasil”, com base na documentação da Fisicatura-mor (1808-1828), nos permite tomar conhecimento das diferentes “artes de curar” e perfis sociais daqueles que recorreram ao Órgão para oficializarem suas terapêuticas a partir da aquisição de licenças para curar. Assim, Pimenta dá conta das amplas e profícuas possibilidades analíticas dessa rica documentação, a exemplo da relação – em geral conflituosa – entre médicos e cirurgiões, os conhecimentos médicos exigidoa para a aquisição das licenças expedidas pelo Fisicatura, seu raio de ação em diferentes espaços geográficos, os custos arcados pelos indivíduos que queriam curar sem caírem nas raias da repressão e da ilegalidade, entre outros aspectos.

Os outros quatro artigos que compõem o presente dossiê revelam uma temática em franca expansão na historiografia das doenças e das artes de curar (como se dizia de modo corrente no oitocentos): a saúde dos escravos[9].

Assim em, “tráfico e escravidão: cuidar da saúde e da doença dos africanos escravizados”, de Jorge Prata, encontramos aproximações metodológicas e conceituais entre a História da Escravidão e a História das Ciências para o entendimento das formas de cuidados dos escravizados e das classificações e percepções dos achaques que sofriam. O autor, usando variada documentação, como testamentos e inventários, fontes da Santa Casa de Misericórdia, assentos de óbitos, defende a existência de um “sistema de saúde do escravo”, com especificidades e formas de identificação das doenças e, sobremaneira, tipos de tratamento que possuíam características próprias.

A fértil documentação da Santa Casa de Misericórdia (desta vez, a da Bahia) reaparece em “Decrépitos, anêmicos, tuberculosos: africanos na Santa Cada de Misericórdia da Bahia (1867-1872)”, de Gabriela Sampaio que, valendo-se de fontes inéditas, analisa as doenças dos escravos que viviam em Salvador na década de 1870. A autora busca, a partir desses registros, “chegar mais perto de quem eram e como viviam” esses indivíduos africanos, muitos deles cativos, uma vez que são revelados pela documentação do Hospital dados como a idade, o estado civil, a profissão, sua “nação”, entre outros dados. Além disso, a partir da produção médica da época, a autora igualmente busca compreender o discurso médico oficial tecido acerca das doenças que acometiam essa população e suas causas.

O corpo e a doença escrava como objetos de análise do saber médico oficial no século XIX também é analisado por Sílvio Lima, com base na obra do renomado médico Cruz Jobim. Assim, o autor sublinha de que maneiras, nas primeiras décadas do século XIX, o entendimento das enfermidades e a produção do conhecimento médico se processavam a partir da observação direta dos pacientes em hospitais que cada vez mais se configuravam com importantes espaços pedagógicos e de produção de textos médicos, a exemplo de teses, manuais e periódicos especializados. Para o autor, nesse processo de produção de saberes médicos, os corpos dos escravizados internados na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, seriam de fundamental valia para a construção das teorias etiológicas que tão fortemente influenciaram a medicina brasileira em recentes vias de institucionalização.

Como há tempos sabemos, os escravizados e seus descendentes não apenas adoeciam, mas também curavam. Nesse sentido, o artigo produzido por Sebastião Pimentel Franco e André Nogueira, interpreta as ações de dois curandeiros ilegais que atuaram na província do Espírito Santo na segunda metade do século XIX, sendo um deles, decerto filho de uma cativa. O processo-crime, tipo fonte já consagrada na produção de abordagens sociais em torno do universo do cativeiro, é aqui usado para percebermos que tipo de indivíduo recorreu aos curandeiros, quais achaques curavam e de que tipo de terapêutica e recursos sobrenaturais se valeram para a realização de suas curas. Assim, o caso de “O Trem” e Olegário dos Santos, nos remete ao pregnante universo da crença no feitiço e de práticas de curar que flertavam com o catolicismo e com matrizes culturais centro-africanas.

Aproveitamos para externar nossos agradecimentos à equipe da Revista Almanack pela eficaz parceria e auxílio em todas as etapas da edificação desse volume. Agradecemos, igualmente, aos colaboradores, cujos estudos aqui publicados nos permite um panorama dos mais atuais em torno da produção acadêmica da história das doenças e das práticas de curar no oitocentos. Enfim, desejamos que as leituras que seguem contribuam para o fomento do diálogo nesta seara de produção e possibilite novas incursões no universo fascinante e vário das doenças e suas curas no século XIX.

Saudações e boa leitura!

Notas

7. Para uma discussão sobre essa temática, ver, entre outros, Edler (1998) e Luiz Antônio Teixeira et. al. (2018, pp. 9-26).

8. Para um apanhado mais geral dessas tendências e texto concernentes à história das doenças e das práticas de curar no oitocentos, conferir Acosta (2005), além dos textos – muitos se propondo a um “estado da arte” publicados na coletânea organizada por Teixeira e Pimenta (2018).

9. Para uma abordagem mais ampla e que sugira ao escopo dessa apresentação sobre a produção historiográfica sobre a saúde dos escravos, ver, entre outros Figueiredo (2006, pp. 252-273) e Barbosa e Gomes (2016, pp. 273-305).

Referências

GOMES, Flávio e BARBOSA, Keith de Olivreira. Doenças, morte e escravidão africana: perspectivas historiográficas. PIMENTA, Tânia Salgado e GOMES, Flávio (org.). Escravidão, doenças e práticas de cura no Brasil. Rio de Janeiro: Outras Letras / CNPQ, 2016. [ Links ]

EDLER, Flávio. A medicina brasileira no século XIX: um balanço historiográfico. InAsclépio. V. L-2, 1998. [ Links ]

FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. As doenças dos escravos: um campo de estudo para a história das ciências da saúde. NASCIMENTO, Dilene Raimundo do, Diana Maul de; MARQUES, Rita de Cássia (org.). Uma história brasileira das doenças, v. 2. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006. [ Links ]

PORTER, Roy. The patient’s view: doing Medical history from below. Theory and Society, v.14, n.2, Mar1985, pp. 175-198. [ Links ]

TEIXEIRA, Luiz A; PIMENTA, Tânia S. HOCHMANe Gilberto (org.). História da Saúde no Brasil. 1ed.São Paulo: Hucitec, 2018. [ Links ]

WITTER, Nikelen A. Curar como arte e ofício: contribuições para um debate historiográfico sobre saúde, doença e cura. In: Tempo. Revista do departamento de História da UFF. V.10, 2005. Disponível em:http: / / www.scielo.br / pdf / tem / v10n19 / v10n19a02.pdf. [ Links ]

André Luís Lima Nogueira – Doutor em História das Ciências e da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (COC / FIOCRUZ). Atualmente está no Programa de Pós-doutorado Nota 10 da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, na mesma instituição (FAPERJ / FIOCRUZ). Autor de Entre Cirurgiões, Tambores e Ervas: calunduzeiros e curadores ilegais em ação nas Minas Gerais (século XVIII) (Garamond, 2016), além de artigos e capítulos em livros. E-mail: guazo08@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0003-2160-4279

Lorelai Brilhante Kury – Doutora em História pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS. Atualmente é professora do PPGHCS da Casa de Oswaldo Cruz (onde atua também como pesquisadora titular) e do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autora de Usos e circulação das plantas no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2013; Iluminismo e Império na Brasil: O Patriota (1813-1814). 1. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz / Biblioteca Nacional, 2007. Entre outros livros, artigos e capítulos de livros. E-mail: lolakury@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-5231-5720

SEBASTIÃO PIMENTEL FRANCO – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Professor Titular e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Autor, entre outros livros, de O Terribilíssimo Mal do Oriente:o cólera da província do Espírito Santo (1855-1856) (EDUFES, 2015), e da organização, com a colaboração de outros pesquisadores, da coletânea Uma História Brasileira das Doenças, vols. 4, 5, 6 e 7. E-mail: sp.franco61@gmail.com http: / / orcid.org / 0000-0002-3593-1724


NOGUEIRA, André Luís Lima; KURY, Lorelai Brilhante; FRANCO, Sebastião Pimentel. O oitocentos visto a partir de suas doenças e artes de curar. Almanack, Guarulhos, n.22, maio / agosto, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História da Saúde e das Doenças / Dimensões / 2015

Os artigos que compõem o Dossiê História da Saúde e das Doenças refletem a variedade de temáticas, usos de fontes e possibilidades de diálogo com diferentes metodologias que vem surgindo nos últimos tempos, explorando desde linhas já mais consolidadas, como os estudos sobre as instituições, até perspectivas mais recentes, dentro de discussões como o das histórias conectadas, circulação de saberes, e história global. Dialogando com variados ramos da pesquisa histórica, os autores nos dão mostras a um só tempo da expansão dos estudos sobre história da saúde e das doenças no Brasil e de seus variados matizes, fazendo-nos notar um campo de investigações que, apesar de consolidado, tende a crescer de modo pulsante nos próximos anos.

O número abre com o artigo de André Nogueira, Santo forte! Devoção antoniana e práticas de cura ilegais nas Minas do século XVIII, que faz uma rica análise sobre os calundus e a devoção a Santo Antônio, associando-os à religiosidade afro-católica, especialmente àquela desenvolvida em terras centro-ocidentais africanas, de que seriam portadores alguns dos participantes citados nas documentações. Leia Mais

História da saúde e das doenças: protagonistas e instituições / Territórios & Fronteiras / 2013

O dossiê “História da saúde e das doenças: protagonistas e instituições”, da Revista Territórios & Fronteiras, do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, reúne trabalhos de estudiosos de diversas procedências institucionais. Radicados profissionalmente no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais e São Paulo, os autores refletem sobre a temática, utilizando-se de distintos recortes espaço-temporais e de perspectivas teórico-metodológicas e fontes diferenciadas.

Desde aproximadamente a década de 1970, que o campo da História da saúde e das doenças ganhou projeção, em especial com os trabalhos de Jean-Pierre Peter, Jacques Le Goff, Philippe Áries, Jean Delumeau e Jean-Charles Sournia1, que chamaram a atenção para a importância do corpo – em todas as suas manifestações. Para Jacques Le Goff, esse interesse deveu-se ao fato de as doenças não estarem ligadas apenas a uma história dos progressos científicos e tecnológicos, mas por pertencerem “à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às instituições, às representações” 2.

As doenças devem ser entendidas como fenômenos inteligíveis apenas em um contexto biossocial historicamente determinado, e regulado pelas condições do ambiente3; sua eliminação sempre fez parte das preocupações de homens e mulheres, em todas as civilizações, quaisquer que tenham sido as representações produzidas sobre elas4.

Fatos e acontecimentos associados às doenças produzem uma historicidade que se diferencia nas diversas temporalidades e espacialidades. Assim, a aplicação da perspectiva histórica para o estudo das doenças pode auxiliar na compreensão das estruturas de poder e dos comportamentos humanos de uma determinada época, possibilitando a análise das ações dos diferentes grupos sociais. O binômio saúde-doença não pode, evidentemente, ser interpretado da mesma maneira ao longo das diferentes épocas, pois as sociedades apresentam particularidades que distinguem esse fenômeno. Se na Antiguidade existiu a crença de que as doenças eram enviadas aos homens pelos deuses como castigo por suas faltas, foi também durante esse largo período histórico que surgiram as primeiras formulações de que as doenças eram provocadas por fatores naturais, a exemplo de Hipócrates (século IV a.C). O médico grego recomendava que os fatores ambientais fossem conhecidos tanto para averiguar as causas da propagação das doenças, quanto para melhor determinar as ações a serem adotadas face à manifestação de alguma enfermidade.

Durante a Idade Média vigorou a idéia de que as práticas mágicas e religiosas eram fatores determinantes para a manifestação das doenças; no entanto, os médicos do medievo também difundiram o conceito de contaminação e a necessidade da quarentena como forma de contenção da propagação de epidemias. Nas faculdades medievais de medicina conviviam os ensinamentos de Hipócrates, os de Galeno e de alguns médicos do mundo árabe. Abordando o contexto dos séculos XIII e XIV, o artigo de Dulce O. Amarante dos Santos, “Saúde e enfermidades femininas nos escritos médicos (séculos XIII e XIV)”, aborda a produção do conhecimento médico sobre doenças próprias das mulheres, mais especificamente daquelas associadas aos órgãos ligados à reprodução. Para tanto, a autora analisou dois textos medievais importantes: De secretis mulierum, atribuído ao Pseudo Alberto Magno, que analisa os mistérios que envolvem o processo da reprodução humana, e o Thesaurus pauperum, atribuído ao físico Pedro Hispano, um receituário de practica medica para todas as doenças, dirigido aos praticantes leigos.5

Durante os séculos XVII e XVIII, o conhecimento médico e científico avançou consideravelmente. Em especial, no Setecentos, saúde e aumento da população estavam relacionados ao aumento da riqueza e do poder do Estado. Desse modo, governantes se esforçavam para organizar estatísticas que pudessem servir de fontes para propostas políticas e econômicas que aumentassem a riqueza e o poder do Estado. O crescimento das cidades promoveu uma série de ações políticas e médicas, provocando a emergência da medicina do estado alemã, da medicina urbana francesa e da medicina do trabalho inglesa. Neste período, e tratando da produção colonial luso-brasileira, se insere o estudo de Jean Luiz Neves Abreu, “Tratados e construção do saber médico: alguns aspectos dos paratextos nos impressos de medicina lusobrasileiros – século XVIII”. Em seu artigo, Abreu identifica os princípios e finalidades que a medicina assumia no Setecentos, e, através da análise de prefácios e preâmbulos de livros de medicina publicados ao longo do século XVIII, aponta para sua condição de difusores e legitimadores do saber médico deste período. 6

Ao longo do século XVIII e século XIX, inúmeras foram as viagens realizadas por naturalistas, botânicos, zoólogos e médicos, que a serviço de seus Estados europeus de origem, detiveram-se na sistematização de conhecimentos sobre o meio ambiente, as doenças e os costumes de outros povos. No artigo “Raça, clima e doença: a viagem de Alphonse Rendu para o Brasil (1844-45)”, Rosa Helena Girão de Moraes analisa as idéias do médico francês Alphonse Rendu, inserindo-as num debate mais amplo, que não se restringia às Academias de Ciências e de Medicina do período, na medida em que chamaram também a atenção dos políticos e intelectuais.7

Numa Europa em que predominavam os estudos que atribuíam o funcionamento do corpo às leis da física e da química, surgiram também diferentes propostas para a cura, como a do médico escocês John Brown (1735–88), para quem todas as doenças seriam provocadas por estimulação excessiva ou deficiente. Para curá-las, Brown prescrevia doses muito altas de sedativos e estimulantes, provocando danos e polêmica. Opondo-se a esta orientação terapêutica, surgiu a homeopatia, que propunha que os sintomas de um paciente deveriam ser tratados com drogas que produzissem os mesmos sintomas, mas com a aplicação de dosagens mínimas. Em “Medicina intuitiva, homeopatia e espiritismo na Revista Espírita de Allan Kardec – 1858-1869”, Beatriz Teixeira Weber, com base nas edições da Revue Spirite – Journal d’Etudes Psychologiques, entre 1858 e 1869 − período em que a revista foi dirigida por Allan Kardec −, analisa os pressupostos do espiritismo e da homeopatia, confrontando-os nas várias correntes de pensamento existentes na Europa da segunda metade do século XIX, priorizando os aspectos relacionados ao processo de adoecimento e de cura. 8

Apesar dos intensos debates e avanços, houve pouca mudança na prática clínica no Oitocentos, como se pode constatar na continuidade da sangria e da purga. As mudanças mais substanciais emergiram ao final do século, especialmente com Pasteur (1822-95) e sua revolucionária teoria microbiana. Contemplando este período, o artigo intitulado “A saúde dos escravos na Bahia Oitocentista através do Hospital da Misericórdia”, de Maria Renilda Nery Barreto e Tânia Salgado Pimenta, analisa as condições de saúde da população escrava em Salvador, na primeira metade do século XIX, identificando quais as doenças que mais acometiam esta população, e explorando as possíveis associações entre elas e as condições de trabalho a que estavam submetidos. Tendo como fontes os registros de entradas e de saídas de doentes internados no Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, as autoras avaliam, ainda, o impacto da epidemia de cólera de 1855 sobre esta população. 9

Também com o olhar direcionado para a saúde da população escrava, Paulo Roberto Staudt Moreira, em “Ingênuas mortes negras: doenças e óbitos dos filhos de ventre livre (Porto Alegre – 1871 / 1888)”, trata de dois temas ainda pouco explorados do universo escravista: a infância e a saúde. Enfocando o período de 1871 a 1888, o artigo se detém na análise das condições de saúde das crianças geradas por ventre escravo após a Lei Rio Branco, de 28 de setembro de 1871, identificando as doenças que as acometiam com maior freqüência.10

Dilene Raimundo do Nascimento e Matheus Alves Duarte da Silva, em “A peste bubônica no Rio de Janeiro e as estratégias públicas no seu combate (1900- 1906)”, analisam os relatórios da Diretoria Geral de Saúde Pública e do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, a fim de identificar as estratégias adotadas pelo poder público para o combate da epidemia de peste bubônica, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, que consistiram na reformulação das leis sanitárias e no saneamento da Capital Federal. 11

Abordando tema ainda pouco contemplado pela historiografia brasileira, Kaori Kodama e Magali Romero Sá, em “Saúde, imigração e circulação de conhecimentos: Japão e Brasil nas relações científicas no período entre-guerras”, apresentam os intercâmbios havidos entre cientistas japoneses e brasileiros e as relações que podem ser estabelecidas entre os fluxos de imigração japonesa e algumas das políticas internacionais de saúde. Kodama e Sá referem a existência de uma agenda comum entre brasileiros e japoneses representantes da Liga das Nações, o que permitiu lançar luz sobre alguns dos problemas de saúde pública associados ao deslocamento de grandes contingentes pelo mundo, especialmente aqueles relacionados à ancilostomíase.12

O presente dossiê, ao contemplar diferentes sociedades e épocas, constitui-se em amostra da vitalidade dos estudos de História da saúde e das doenças que vêm sendo desenvolvidos no Brasil, os quais, não apenas têm ampliado significativamente as análises sobre saberes e práticas de cura, discursos científicos, instituições e políticas públicas, representações e percepções sociais das doenças, como também as perspectivas teórico-metodológicas do campo. Os oito artigos aqui apresentados filiam-se a esta tendência atual das investigações da área da História da saúde e das doenças, privilegiando a discussão sobre os papéis desempenhados por certos protagonistas – alguns deles esquecidos ou pouco valorizados pela historiografia –, e sobre a atuação de instituições – européias ou brasileiras –, para a adoção ou difusão de determinadas concepções e práticas.

Notas

1 REVEL, Jacques e PETER, Jean-Pierre. O corpo: o homem doente e sua história. In LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre Nora (org). História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1988. LE GOFF, Jacques (org). As doenças têm história. Lisboa: Terramar, 1985.; ARIÈS, Philippe. O homem perante a morte I. Portugal: Editora Europa América, 1988.; DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente 1300-1800. Uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.; SOURNIA, JeanCharles. História da medicina. Instituto Piaget, sd.

2 LE GOFF, Jacques. As doenças têm história. p. 8.

3 ROSEN, George. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980. p. 47.

4 PORTER, Roy. Das tripas coração: uma breve história da medicina. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2004. p. 13.

5 Da mesma autora, recomenda-se ver: SANTOS, Dulce O. Amarante dos. O percurso intelectual do físico Pedro Hispano (século XIII). In: GONÇALVES, Ana Teresa M. et al.(Orgs.). Escritas da História. Goiânia: Ed. da UCG, 2004. p.129-145; SANTOS, Dulce O. A. Aproximações à medicina monástica em Portugal na Idade Média. História (São Paulo. Online), v. 31, p. 47-64, 2012; SANTOS, Dulce O. A; FAGUNDES, M. D. C. Saúde e dietética na medicina preventiva medieval: o Regimento de saúde de Pedro Hispano. História, Ciências, Saúde-Manguinhos (Impresso), v. 17- 2, p. 333-342, 2010.

6 Ver, também, do mesmo autor, Higiene e conservação da saúde no pensamento médico luso-brasileiro do século XVIII. Asclepio. Revista de Historia de la Medicina y de la Ciencia, 2010, vol. LXII, nº 1, enero-junio, págs. 225-250. Sobre temática similar, ver a tese de doutoramento de Leny Caselli Anzai, defendida em 2004 no Programa de Pós-graduação em História da UnB, “Doenças e práticas de cura. O olhar de Alexandre Rodrigues Ferreira” (prelo). Neste estudo, a autora analisa o manuscrito “Enfermidades endêmicas da capitania de Mato Grosso”, do naturalista Rodrigues Ferreira e, em especial, no capítulo II, trata dos manuais médicos que serviram de fonte para o naturalista em seu trabalho sobre as doenças que encontrou na Amazônia. Anzai analisou também apresentações e prefácios de publicações utilizadas pelo naturalista, com o intuito de destacar o estágio do conhecimento médico à época, e o alcance dos manuais médicos. Destacou a ação do médico Antonio Nunes Ribeiro Sanches, que pregava a necessidade de se enviar bolsistas ao exterior, por conta do Estado, para estudar em centros prestigiados com o objetivo de formar quadros técnicos e intelectuais necessários ao desenvolvimento do país. Em seu “Tratado da conservação da saúde dos povos”, Sanches chamava a atenção para aspectos relacionados à higienização das cidades, que deveria ser promovida pelo Estado, esclarecendo que, sem isso, de nada valeria toda a ciência da medicina; a essa ação do poder público denominou “medicina política”. Tratando da mesma temática, recomendamos a leitura de FLECK, Eliane Cristina Deckmann; POLETTO, Roberto. ‘En este libro no hallo cosa que se oponga a los dogmas de nuestra Santa Fe ni a las buenas costumbres’: um estudo sobre dedicatórias, prólogos e censuras em tratados de cirurgia e de medicina do Setecentos. Varia História (UFMG. Impresso), v. 29, 2013, p. 125-142. E, ainda, o artigo de FLECK, Eliane Cristina Deckmann; POLETTO, Roberto. Circulação e produção de saberes e práticas científicas na América meridional no século XVIII: uma análise do manuscrito Materia Medica Misionera de Pedro Montenegro (1710). História, Ciências, Saúde-Manguinhos (Impresso), v. 19, p. 1121-1138, 2012, no qual os autores revelam que alguns missionários jesuítas dedicados às artes de curar, como o irmão Montenegro, não se limitaram à adoção de teorias médicas e procedimentos terapêuticos vigentes à época e difundidos através dos manuais médicos, realizando uma série de experimentalismos que visavam sua comprovação ou contestação. Os catálogos de botânica médica, os tratados médico-cirúrgicos e os receituários, que resultaram da sistematização de suas observações e experiências, apontam para a produção de novos conhecimentos médicos e farmacêuticos, condição fundamental para a conformação de uma original cultura científica na América hispânica colonial.

7 Da mesma autora, ver também: A geografia médica e as expedições francesas para o Brasil: uma descrição da estação naval do Brasil e da Prata (1868-1870). História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.14, n.1, p. 39-62, jan.-mar. 2007. Também Flávio C. Edler debruçou-se sobre o relatório da viagem realizada pelo médico francês Alphonse Rendu ao Brasil, entre 1844 e 1845, em artigo intitulado De olho no Brasil: a geografia médica e a viagem de Alphonse Rendu, publicado na Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, vol.8, supl. 2001, p. 925-943. De acordo com Edler, a obra evidencia a posição estratégica que o Império brasileiro veio a ocupar no programa de pesquisa orientado pelo paradigma etiológico ambientalista, e sua inserção em uma segunda fase da geografia médica, inaugurada a partir da criação dos Archives de Médecine Navale, na década de 1860.

8Sobre a constituição do espiritismo no Brasil, e particularmente, no Rio de Janeiro, ver: GIUMBELLI, Emerson. O cuidado dos mortos: uma história da condenação e legitimação do espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997. Nesta publicação, o autor afirma que, no Brasil, o espiritismo se subordinou ao monopólio de cura conquistado pela medicina, aliando-se ao poder policial para garantir, no campo “religioso”, seu papel privilegiado em relação ao baixo espiritismo, à macumba, ao candomblé, ou seja, aos cultos de origem africana em geral. Sobre a introdução da homeopatia no Rio Grande do Sul, recomenda-se a leitura do artigo de Beatriz Teixeira Weber, Estratégias homeopáticas: a Liga Homeopática do Rio Grande do Sul nos anos 1940-1950, publicado na Revista História Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.2, abr.-jun. 2011, p. 291-302.

9 De acordo com Jaime Rodrigues, as moléstias que atingiam os africanos e seus descendentes na América, tais como a febre amarela e o cólera, provocaram pouca discussão intelectual entre os médicos brasileiros do século XIX e início do XX: “Nas poucas vezes em que essas doenças suscitaram debates, se tratava de discussões muito menos significativas do ponto de vista biológico e muito menos politizadas no meio médico”. Ver mais em RODRIGUES, Jaime. Reflexões sobre tráfico de africanos, doenças e relações sociais. História e Perspectivas, Uberlândia (47): 15-34, jul. / dez. 2012. Recomenda-se também a leitura de PÔRTO, Ângela. O sistema de saúde do escravo no Brasil do século XIX: doenças, instituições e práticas terapêuticas. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. v, 13, n. 4, p. 1019-1027; BARRETO, Maria Renilda Nery. Assistência ao nascimento na Bahia oitocentista. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.15, n.4, out.- dez. 2008, p. 901-925. Recomenda-se ainda aos interessados o livro História da saúde na Bahia: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958), organizado pelas historiadoras Christiane Maria Cruz de Souza e Maria Renilda Nery Barreto, que revela aos leitores como a Bahia construiu sua rede de assistência à saúde da população, materializada em instituições públicas, privadas, de caridade, filantrópicas, de investigação e de difusão científica. O livro foi editado pela Fiocruz e Manole, e é de 2011. Outro estudo é o que consta da edição especial da Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos vol.19 supl.1 Rio de Janeiro Dec. 2012, cujo tema é “Saúde e Escravidão”, organizado por Tânia Salgado Pimenta, Kaori Kodama e Flávio Gomes, que reúne trabalhos de historiadores da escravidão e da saúde, que se utilizam de diferentes abordagens teóricas e metodológicas e de fontes originais ou já conhecidas, reinterpretando-as sob novos ângulos.

10 Do mesmo autor, ver: MOREIRA, Paulo R. S. Com ela tem vivido sempre como o cão com o gato. Alforria, maternidade e gênero na fronteira meridional. In: FARIAS, Juliana, GOMES, Flávio; XAVIER, Giovana. (Org.). Histórias das mulheres negras: condição feminina, escravidão e pós-emancipação no Brasil, séculos XVIII ao XX. 1ª ed. Rio de Janeiro: Selo Negro, 2012. p. 149-171. Tratando, também, desse tema, mas para Minas Gerais, vale destacar a pesquisa de pós-doutoramento realizada por Heloisa Maria Teixeira, intitulada “Entre a escravidão e a liberdade: as alforrias em Mariana no século XIX (1840-1888)”, desenvolvida em 2013, no Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, e, ainda, contemplando a situação em Mato Grosso, a Dissertação de Mestrado intitulada Filhos livres de mulheres escravas (Cuiabá: 1871 a 1888), defendida por Nancy de Almeida Araújo, junto ao Programa de Pós-Graduação em História da UFMT, em 2001. Por abarcar o mesmo recorte temporal e tratar da morte e da mortalidade infantil e, em especial, das concepções a respeito da infância dos homens do século XIX nas cidades do sudeste, recomenda-se ver também: VAILATTI, Luiz Lima. A morte menina. Infância e morte infantil no Brasil dos Oitocentos (Rio de Janeiro e São Paulo). São Paulo: Alameda, 2010, em especial a abordagem que faz da emergência de um discurso moderno, médico-cientificizante e aburguesado a partir da década de 1850. Ver também o estudo realizado por Jorge Prata de Souza, A mão-de-obra de menores: escravos, libertos e livres nas instituições do Império. In: SOUSA, Jorge Prata de. Escravidão: ofícios e liberdade. Rio de Janeiro: APERJ, 1999, que se detém na análise dos efeitos do discurso higienista sobre as políticas de inserção da mão-de-obra infantil durante o período do Império.

11 O artigo em questão se propõe complementar estudos já realizados sobre as epidemias que grassaram no Rio de Janeiro nos anos que se seguiram à Proclamação da República. O estudo dialoga com os trabalhos de Sidney Chalhoub e Jaime Benchimol, que abordaram a campanha de saneamento comandada por Oswaldo Cruz, e a de erradicação da varíola e da febre amarela. Sobre a temática, recomendase a leitura do artigo de NASCIMENTO, D. R.; DUARTE Matheus. À caça aos ratos. Revista de História (Rio de Janeiro), v. 67, p. 33-37, 2011.

12 Sobre esta temática ver mais em: BENCHIMOL, Jaime Larry; SÁ, Magali Romero; KODAMA, Kaori (org.). Cerejeiras e cafezais: relações médico-científicas entre Brasil e Japão e a saga de Hydeyo Noguchi. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2009. Trata-se de estudo que aborda o intercâmbio científico associado a grandes fluxos migratórios e reconstitui a trajetória de cientistas japoneses em missões de pesquisa no Brasil no início do século XX, destacando as contribuições relevantes que esse intercâmbio trouxe para ambos os países. Como contribuição aos estudos sobre imigração japonesa, recomendamos a dissertação de mestrado defendida por Aldina Cássia Fernandes da Silva no Programa de Pós-graduação em História da UFMT em 2004, Nas trilhas da memória: uma colônia japonesa no norte de Mato Grosso – Gleba Rio Ferro (1950 – 1960). Neste estudo, Fernandes da Silva trata: da venda, na década de 1950, de uma grande área de terras devolutas em Mato Grosso para várias colonizadoras particulares; do discurso do governo estadual para atrair colonos japoneses; da luta dos imigrantes japoneses para se adequarem às condições da região norte do estado de Mato Grosso.

Eliane Cristina Deckmann Fleck – Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: ecdfleck@terra.com.br

Leny Caselli Anzai – Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: l.caselli.anzai@terra.com.br


FLECK, Eliane Cristina Deckmann; ANZAI, Leny Caselli. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.6, n.2, ago / dez, 2013. Acessar publicação original [DR]

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