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A literatura infantil e juvenil em língua espanhola: história, teoria, ensino – CARDOSO (EA)
CARDOSO, Rosane Maria (Org.). A literatura infantil e juvenil em língua espanhola: história, teoria, ensino. Campinas, SP: Pontes Editores, 2018. 407 p. Resenha de: MONTEMEZZO, Luciana Ferrari. Literaturas para o ensino de língua espanhola. Em Aberto, Brasília, v. 32, n. 105, p. 205-210, maio/ago. 2019.
Em 2018, a Pontes Editores brindou-nos com a publicação da obra A literatura infantil e juvenil em língua espanhola: história, teoria, ensino. Organizada pela professora Rosane Maria Cardoso, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), vem cumprir o importante papel de trazer à tona reflexões acerca do papel dos professores de línguas adicionais perante grupos discentes variados: desde o ensino básico até a formação de professores e seus cursos de licenciatura.
A preocupação com o tema, conforme conta a organizadora na apresentação da obra, surgiu das inquietudes internas dos alunos do curso de licenciatura em Letras. Ansiosos pelo ingresso em sala de aula, esses alunos projetam novas possibilidades para o ato de ensinar. Durante esse processo, percebem que, via de regra, a literatura que aprendem na universidade acaba ficando de fora da sala de aula, no ensino básico. Ali, por questões que se referem sobretudo às exigências de avaliações em que a literatura não é contemplada, há espaço apenas para o ensino de língua adicional, em escassas horas semanais.
Identificado o desafio, surge o grupo de pesquisa “Didáticas de Língua e de Literatura: leituras na educação básica”, que busca pensar, em conjunto, alternativas para essa lacuna. E, das reflexões do grupo, nasce o livro aqui resenhado.
A inserção da literatura em aulas de língua não apenas pode ser implementada, como tende a ser um de seus braços mais destacados. Quando se trata especificamente de literatura em língua espanhola, o farto material e a qualidade da literatura produzida no mundo hispânico favorecem a seleção de textos que podem estimular os alunos a conhecer a língua, por conseguinte, sua literatura e, por meio desta, também a cultura e a história dos países que têm o espanhol como língua oficial.
Isso significa, para os alunos brasileiros, a oportunidade de ampliar o conhecimento sobre os países fronteiriços, com os quais compartilhamos hábitos e paisagens. Por exemplo, lendo os contos do uruguaio Horacio Quiroga (1878-1937), o estudante brasileiro perceberá a existência de paisagens e costumes muito semelhantes aos do Sul do Brasil. Tal reconhecer-se no outro poderá provocar um importante movimento identitário, de fundamental relevância para despertar o interesse do discente, que seguirá estudando e descobrindo com autonomia.
Ciente desse quadro e buscando propor respostas às inquietações de professores e alunos, a coletânea organizada pela professora Rosane Maria Cardoso conta com artigos de pesquisadores de vários países de fala hispânica: Espanha, Peru, Uruguai, Colômbia, Guatemala e Venezuela. Inclui também artigo de autora brasileira cuja pesquisa lança um olhar estrangeiro sobre o objeto, ressignificando-o.
Tal fato demonstra não apenas a capacidade de integração e articulação entre pesquisadores, mas também a pertinência de seus estudos.
Além disso, esta obra marca posição em uma área que, infelizmente, ainda carece de estudos, sobretudo no Brasil. Se a literatura, em termos gerais, vem merecendo cada vez menos atenção das políticas culturais no âmbito brasileiro, o que se pode esperar da fatia dedicada aos pequenos leitores? Como muito bem assevera Gretel Eres Fernández, no prefácio que acompanha a publicação, nosso país atravessa um momento delicado, em que o ensino da língua espanhola é visto com certo desprestígio. Nesse sentido, trazer à luz essa obra anima e revigora todos aqueles que acreditam que o ensino de uma língua adicional é primordial, não apenas para a comunicação, mas também para a ampliação de horizontes do ser humano, no sentido mais incondicional de sua existência. Nada melhor do que a literatura para estabelecer essa ponte entre o que é próprio e o que é alheio (Carvalhal, 2003).
A obra está dividida em três partes: “Sobre a literatura infantil em língua espanhola”, “Literatura infantil e práticas de leitura” e “Leituras da literatura infantil em língua espanhola”. Essa organização responde a perspectivas distintas, mas não excludentes, uma vez que o principal objetivo da publicação é ampliar o diálogo sobre o tema. Diante da impossibilidade de resenhar cada um dos capítulos, destacarei brevemente apenas um de cada parte, à guisa de exemplo.
O segundo capítulo da primeira parte, de autoria de Elvira Cámara Aguilera, “Panorama general de la LIJ y su traducción en España: evolución y tendências”, oferece ao leitor um panorama da produção literária em literatura infantil e juvenil (LIJ) na Espanha, a partir de seus processos tradutórios. Remontando aos primórdios da literatura nesse país, ao citar Gonzalo de Berceo, poeta do século 13, a autora recompõe a trajetória da produção literária para crianças e destaca também as relações que a referida produção estabelece com obras estrangeiras.
El origen de la LIJ española está intrínsecamente ligado a la traducción. Así, la obra Kalila wa-Dimna (Calila e Dimna), que serviría de inspiración a Don Juan Manuel para escribir El Conde Lucanor, llega hasta nosotros desde toda una serie de traducciones y cuyo punto de partida es la obra hindú Panchatantra, del 200 a. C. (Cámara Aguilera, 2018, p. 38).1 A consequência de uma tradição fundada na diversidade pode resultar na intensificação desse processo, como conclui a própria autora, quando menciona o boom da literatura infantil e juvenil na Espanha dos anos 1980. Segundo ela, o fato de que, paralelamente ao espanhol, convivem no país outros idiomas cooficiais, – catalão, vasco e galego – certamente contribuiu para o incremento da produção de obras infantojuvenis. Tal diversidade gerou, por conseguinte, uma posição de destaque para a área, no que se refere a traduções.
Hay que destacar que fue el segundo subsector con mayor porcentaje de traducciones (37,5 %), solo por detrás y a una escasa diferencia de Tiempo Libre (38,8 %). La principal lengua de traducción fue el inglés (50,2 %), seguido por el francés (16 %), el castellano (10,4 %) y el italiano (6,8 %). (Cámara Aguilera, 2018, p. 43).2 Esse panorama somente é possível graças ao apoio de políticas educacionais que fomentam a leitura, a educação e a formação cidadã. Além dessas, merecem destaque as atividades promovidas pela Asociación Nacional de Investigación en Literatura Infantil y Juvenil (ANILIJ), que articula pesquisadores e promove intensos diálogos entre pares. Com base em tais observações, a autora explicita avaliações e processos tradutórios desenvolvidos em aula, com vistas a melhor abordar o público infantil. De acordo com a pesquisadora, as investigações que reúnem tradução e literatura infantil e juvenil precisam levar em conta a opinião – ainda que empírica – das crianças, embora essa ainda não seja uma prática efetiva. Afinal, são elas o objetivo final do trabalho de autores e tradutores.
Na segunda parte, o capítulo intitulado “Literatura eletrônica em língua espanhola: seleção e aplicabilidade de obras na escola”, de Naiane Carolina Menta Três, do Brasil, discute os novos desafios de (…) investigar sobre o ensino da língua espanhola na cibercultura. Sendo assim, define-se a problemática: “Como a literatura eletrônica, voltada ao público infantil, pode ser lida na escola e auxiliar na formação de leitores em língua espanhola?” (Menta Três, 2018, p. 254).
A pesquisadora chama a atenção para os espaços internos das escolas, como laboratórios de informática e bibliotecas, considerando-os ambientes privilegiados para a formação de novos leitores na era digital. Ressalta, nesse sentido, a fundamental importância da escola, uma vez que esta poderá orientar as leituras do público infantojuvenil, tendo em vista a diversificada – e nem sempre confiável – oferta virtual. Contudo, a autora apresenta um problema relevante: a formação de professores ainda é restrita à literatura impressa. Diferencia a segunda – que apenas foi digitalizada –, da primeira, que foi produzida por meio digital, o que a caracteriza como “um objeto digital” (Menta Três, 2018, p. 257).
A pesquisadora ressalta, por outro lado, as desigualdades das escolas brasileiras: em algumas, há acesso irrestrito à tecnologia, enquanto em outras, professores e alunos ainda estão limitados a técnicas rudimentares. Entretanto, em sua opinião, o telefone celular – tido como vilão em sala de aula – pode transformarse em um aliado, desde que tenha seu uso mediado por um profissional. Sob essa perspectiva, a autora conclui seu texto com a esperança de que todos os alunos possam ter acesso à literatura digital e, por conseguinte, motivar-se ante essa arte tão importante e transformadora.
Na terceira parte da obra, o texto intitulado “El paraíso perdido de la infancia en Paulina de Ana María Matute”, de autoria de Sara Núñez de la Fuente (Espanha), trata do livro, publicado em 1960, por Ana María Matute (1925-2014). A partir da contextualização da obra e da autora no âmbito da literatura espanhola contemporânea, a pesquisadora enfatiza suas relações com outros autores espanhóis que a crítica convencionou chamar filhos da guerra: “niños asombrados por la perplejidad con que tuvieron que asumir la guerra civil [en] el tránsito de la infancia a la adolescencia”.
Refere-se, portanto, àqueles autores que começaram a publicar na década de 1950, em plena ditadura franquista, para os quais a metáfora representou muito mais do que um recurso expressivo e acabou tornando-se uma forma de resistência.
Nesse contexto, surge a infância como símbolo de paraíso perdido, que pode ser interpretado como a perda da liberdade e dos direitos individuais e coletivos de uma sociedade que vive sob forte repressão. A autora relaciona, também, a obra infantil de Matute com sua obra para público adulto, evidenciando que as fronteiras, no caso matuteano, não são assim tão inflexíveis. Ao mencionar a obra adulta Paraiso inhabitado (2008), a pesquisadora destaca o papel que teve a infância na vida da protagonista Adriana e a compara com protagonistas de outros romances de Matute: Sol Roda, de En esta tierra (1955), Mónica, de Los hijos muertos (1958), e Matia, de Primera memoria (1959).
De acordo com a autora, há muito de autobiográfico em Paulina, sobretudo no que se refere à condição de saúde da protagonista, que, assim como aconteceu com Matute na infância, se recupera de longa enfermidade em companhia de seus familiares, em espaço rural. Ali, a literatura é a melhor companhia para a menina que precisa aliar-se ao tempo para obter a cura de sua enfermidade.
Siguiendo un esquema literario que presenta los tópicos de Heidi (1880), como el amor por la naturaleza y la relación de la niña con su abuelo, la escritora ambienta su historia en el espacio real de Mansilla de la Sierra, un pueblo de La Rioja donde solía veranear con su família. (Núñez de la Fuente, 2018, p. 373).3 3 Seguindo um esquema literário que apresenta os tópicos de Heidi (1880), como o amor pela natureza e o relacionamento da garota com seu avô, a escritora ambienta sua história no espaço real de Mansilla de la Sierra, uma cidade de La Rioja onde ela costumava passar o verão com sua família (Núñez de la Fuente, 2018, p. 373). (Traduzido por Jessyka Vásquez).
A vigorosa e bem fundamentada análise simbólica do romance demonstra, uma vez mais, os objetivos peculiares da obra matuteana voltada para a infância: o duplo destinatário e a multiplicidade de significações. Levando em conta que, em alguns casos, os adultos “participam” da leitura de seus filhos, Matute constrói narrativas que servem para ambos os públicos. Quando um adulto lê para um filho, não o faz de forma passiva. Se se envolve com a narrativa – o que é comum quando se trata da literatura de Matute – certamente aprofundará, a partir dela, muitas reflexões e será, ele também, mais um leitor.
Por outro lado, um texto baseado em relações simbólicas tende a dificultar o trabalho de censores que, em regimes de exceção, costumam identificar na arte um de seus mais importantes inimigos. A autora conclui seu texto destacando a influência que teve Elena Fortún (1886-1952) na obra de Ana María Matute. Esse tema, ao que tudo indica, merece pesquisas mais aprofundadas, uma vez que a autora madrilenha, exilada na Argentina, foi importante referencial para vários autores da geração de 1950.
É preciso enfatizar, diante do exposto, sem medo de ser redundante, que a obra organizada pela professora Rosane Maria Cardoso é de suma importância no contexto atual. Além de tudo o que já foi dito, vale ressaltar que a referida obra apresenta textos escritos originalmente em português e em espanhol. O que pode, de início, parecer um descuido é, na verdade, parte da proposta investigativa: que nos entendamos sem barreiras, ou melhor, que não avaliemos as diferenças como obstáculos ao entendimento. Todos somos diferentes e, a partir de nossas diferenças – que são constitutivas –, podemos nos irmanar, se nos une um objetivo comum.
Nesse caso, o amor pelas palavras, pela arte literária, pelo ensino de língua espanhola (e suas respectivas literaturas) e, por fim, pela esperança do que as crianças e os adolescentes significam neste mundo já um pouco corrompido pelos adultos: um futuro melhor, em que reinem a paz e a tolerância entre todos.
Referências
CÁMARA AGUILERA, Elvira. Panorama general de la LIJ y su traducción en España: evolución y tendências. In: CARDOSO, Rosane Maria (Org.). A literatura infantil e juvenil em língua espanhola: história, teoria, ensino. Campinas, SP: Pontes Editores, 2018. p. 37-56.
CARVALHAL, Tania Franco. O próprio e o alheio. São Leopoldo, Ed. Unisinos, 2003.
MATUTE, Ana María. Paulina, el mundo y las estrelas. Barcelona: Editorial Garbo, 1960.
MENTA TRÊS, Naiane Carolina. Literatura eletrônica em língua espanhola: seleção e aplicabilidade de obras na escola. In: CARDOSO, Rosane Maria (Org.). A literatura infantil e juvenil em língua espanhola: história, teoria, ensino. Campinas, SP: Pontes Editores, 2018. p. 253-268.
NÚÑEZ DE LA FUENTE, Sara. El paraíso perdido de la infancia en Paulina de Ana María Matute. In: CARDOSO, Rosane Maria (Org.). A literatura infantil e juvenil em língua espanhola: história, teoria, ensino. Campinas, SP: Pontes Editores, 2018. p. 365-387.
Notas
1 A origem do LIJ espanhol está intrinsecamente ligada à tradução. Assim, a obra Kalila wa-Dimna (Calila e Dimna), que inspiraria Dom Juan Manuel a escrever O Conde Lucanor, chega até nós em toda uma série de traduções e cujo ponto de partida é a obra hindu Panchatantra, de 200 a. C. (Cámara Aguilera, 2018, p. 38). (Traduzido por Jessyka Vásquez).
2 Cabe destacar que foi o segundo subsetor com a maior porcentagem de traduções (37,5%), só ficou atrás e a uma ligeira diferença de Tempo Livre (38,8%). O principal idioma da tradução foi o inglês (50,2%), seguido pelo francês (16%), espanhol (10,4%) e italiano (6,8%). (Cámara Aguilera, 2018, p. 43).( Traduzido por Jessyka Vásquez).
Luciana Ferrari Montemezzo – Professora de Literatura Espanhola e Tradução na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desde 1996, e, atualmente, em estágio pós-doutoral na Facultad de Traducción e Interpretación da Universidad de Granada, Espanha. E-mail: lucesfm@gmail.com.
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Literatura infantil brasileira: uma nova / outra história – LAJOLO; ZILBEREMAN (EA)
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: uma nova / outra história. Curitiba: PUCPress; FTD, 2017. 152 p. Resenha de: SILVA, Raquel Souza da; CAMPOS, Cleide de Araúo. Revisitando a história da literatura infantil e juvenil brasileira. Em Aberto, Brasília, v. 32, n. 105, p.199-203, maio/ago. 2019.
A leitura do livro Literatura infantil brasileira: uma nova / outra história, de Marisa Lajolo e Regina Zilberman, traz à tona outros olhares para o universo da literatura infantil e juvenil brasileira, centralizando uma produção diferenciada nos últimos trinta anos. A obra possui caráter de continuidade da história literária já registrada, entretanto, com uma perspectiva que ultrapassa a menção cronológica de obras e de autores, objetivando ampliar os conhecimentos sobre esse gênero literário em contexto nacional de modo mais analítico. Estruturalmente, o livro está dividido em quatro grandes eixos. O primeiro deles diz respeito à natureza da literatura infantil e juvenil além-livro impresso: há o detalhamento das discussões sobre o futuro do texto literário em papel, o que é o livro, o que constitui a arte literária, as novas perspectivas e os nomes representativos da produção para crianças e jovens na era digital e sobre as relações entre o tradicional e a novidade, entre o impresso e o digital. O segundo eixo trata da força que as instituições têm sobre a literatura infantil: são discutidas as influências do mercado editorial sobre esse gênero literário, bem como a adequação e a capacitação das figuras que compõem uma obra – como o escritor, o ilustrador, o designer gráfico etc.; faz-se ainda debate sobre a intervenção da escola e do Estado no processo de formação leitora de crianças e jovens. No terceiro eixo, há um grande arcabouço de exemplos e breves análises de autores e obras que caminham sob um novo viés estético da criação literária, em que novas temáticas são pensadas, como a figura não estereotipada do indígena, havendo também o destaque para a linguagem não verbal nas obras destinadas a crianças e jovens. Por fim, o último eixo está relacionado à questão da possibilidade de haver livro e leitura além-universo escolar, com discussões e menção a autores que estão à margem das paredes escolares, mas que se revelam muito próximos do gosto do público mirim.
De maneira geral, as autoras trazem reflexões e questionamentos especialmente para pensar o futuro do livro, o mercado editorial, o avanço das técnicas oferecidas pelo mundo digital, a função da escola e o papel do Estado nesse processo. Elas apontam possíveis explicações para a disseminação de obras cada vez mais interativas e de materialidades diversas nas produções para o público infantil e juvenil, como a corrida da indústria do livro, em que a lógica neoliberal predomina.
Para as pesquisadoras, é “nesse cenário globalizado e economicamente vicejante que escritores e ilustradores têm produzido muitos e belos livros” (Lajolo; Zilberman, 2017, p. 77). Seja ela impressa ou em ambiente virtual, os profissionais que produzem a obra literária procuram atender os diferentes gostos do público leitor ao qual ela se destina e têm forte reconhecimento quando recebem prêmios, distribuídos nacional e internacionalmente. Além disso, a proximidade com o público tem se solidificado cada vez mais, se pensarmos que os autores frequentam as mesmas feiras literárias que os consumidores, visitam escolas, promovem encontros de diversas naturezas, a fim de estreitar essa relação. Tais movimentos permitem conhecer e entender as crianças e os jovens mais de perto, fato que há poucas décadas não era visto como tão importante.
Diante das dinâmicas e das múltiplas alternativas para ler livros de literatura infantil e juvenil, as autoras convidam o leitor a adotar “uma nova e uma outra” posturas em relação à leitura literária nos dias atuais, que são definidas conforme a necessidade do público e das rápidas mudanças que um mundo globalizado impõe a ele. Assim, o suporte e o destino do livro ultrapassam a tradição, saltando do patamar do impresso e da linguagem uniformizada para as hipermídias e para as múltiplas formas de expressão, bem como rompendo cada vez mais com paradigmas que estigmatizam as histórias ficcionais ao longo da tradição literária.
Nesse contexto, é compreensível que constituir um arcabouço da novíssima história da literatura endereçada ao público infantil e juvenil siga uma linha cronológica e restrita a nomes específicos. O movimento que o grupo produtor e receptor dessa literatura realiza é tão acelerado, que torna efêmera qualquer proposição de listagem de autores e de obras, por isso destacamos a escolha e a justificativa das autoras logo na introdução do livro aqui discutido. As estudiosas seguem, portanto, analisando alguns títulos de nomes representativos para falar do tema proposto, mostrando que conhecer autores e suas obras é importante, mas que entender o contexto de produção e de recepção deles também é essencial. Tudo isso pode minimizar o risco de se continuar a pensar em gêneros literários apresentados de uma única maneira, como se o leitor também fosse uniforme, quando na verdade sabemos que sua diversidade é imensa e considerar sua subjetividade é indispensável.
Levando em consideração alguns dos desafios impostos pela contemporaneidade, a literatura infantil e juvenil vem se reinventando na busca por mercados e leitores nascidos em plena era digital. Nesse sentido, procurando estabelecer algumas considerações acerca dos últimos trinta anos de produção para o público mirim, são apresentados alguns autores que ocupam o cenário das plataformas virtuais. Há, ainda, menção a autores que abordam a temática indígena sob um olhar diferenciado do que comumente se propagou até agora. Também recebem destaque reflexões sobre a linguagem visual, com sua importância cada vez mais reconhecida.
Em relação às obras multimidiáticas, as pesquisadoras atentam para a possibilidade de autores menos visados circularem por gêneros que ainda encontram resistência para serem publicados, como o texto poético. Sobre “um novo indianismo”, mencionado na obra, é possível realçar que todos os autores apresentados por Marisa Lajolo e Regina Zilberman prezam pelo reconhecimento próprio da cultura narrada, afirmando as identidades locais e rompendo com os estereótipos fortemente marcados sobre a figura do indígena ao longo da tradição literária como um todo, não só da infantil e juvenil. No que diz respeito ao texto não verbal, o diferencial são as inovações proporcionadas pelo universo virtual, em que, transgredindo “as técnicas sugeridas pelos meios de comunicação do mundo do impresso, a tecnologia digital suscitou novas possibilidades de expressão que repercutem positivamente na produção de livros para crianças” (Lajolo; Zilberman, 2017, p. 101-102). Assim, reconhecemos a importância de diálogo entre os suportes, lembrando que diversificálos pode possibilitar o interesse e a ampliação de repertório leitor para crianças e jovens.
Como mencionado anteriormente, as autoras também se preocupam em discorrer sobre em que medida a escola atual (não) realiza a mediação das novidades da produção literária destinadas a crianças e a adolescentes. Além do mais, a intervenção estatal, que gerencia o movimento escolar, também é apresentada como forte influenciadora sobre como se entende a produção literária infantil e juvenil.
Elas problematizam essa força institucional, por vezes negativa, pontuando que, no Brasil do século 21, “livros para crianças e jovens continuam, salvo em fugidios momentos de intervenção e vanguarda, gerenciados pelo discurso didático e ideológico de órgãos centrais da Educação e da Cultura” (Lajolo; Zilberman, 2017, p. 68).
Percebendo o cenário exposto, ainda que ações exitosas aconteçam, a figura do Estado sobre a escola caminha contramão quando, por exemplo, ele ainda mantém a prática de destinar para as instituições de ensino obras encomendadas ao seu gosto pragmático e distante das possibilidades de constituição de sujeitos que repensem seu papel social. Muitas editoras, nesse caso, não ficam para trás, priorizando sua lógica mercadológica e atendendo à demanda estatal, sem necessariamente prezar as obras que centralizem a natureza estética como indispensável na formação de leitores. Sabemos que isso não acontece por acaso, pois os encaminhamentos dessas instituições são pensados com vistas à tentativa de formar um público que não questione a sua hegemonia.
Feito esse contexto, voltamos à proposição inicial das autoras e destacamos que, de acordo com o prefácio escrito por Roger Chartier, desde o século 18, a definição do objeto livro é associada à ideia de “originalidade da escritura” e de “propriedade literária de seu autor”. Diante dos excertos, constatamos que o objeto livro ainda mantém a sua especificidade inicial, mas que vem se reformulando a cada época. É por isso que uma das propostas discutidas na obra é a relação entre o impresso e o digital, pois, no mercado editorial do livro, é evidente o cenário de mudanças de suportes que a literatura infantil e juvenil vem passando. Tais desdobramentos não poderiam ser muito diferentes, afinal, as crianças e os jovens estão cada vez mais imersos na era tecnológica desde muito cedo, e negar o contexto sociocultural do público ao qual uma obra se destina é também negar a matéria viva que constitui a literatura: o tempo, o espaço e as vivências de seus autores e de seus receptores. Logo, quando a proposta maior é formar leitores, o menos ideal a se fazer é restringir ao público a diversidade de linguagens em que, cada vez mais acelerada, caminha a produção literária infantil e juvenil.
O suporte, a materialidade do livro, vem resistindo e se ressignificando perante as diversas possibilidades de funcionalidades e de expansão tecnológica. Marisa Lajolo e Regina Zilberman pontuam em suas análises que escritores e editoras acompanham uma diminuição da cultura impressa e investem na modernização de suas produções literárias para crianças e jovens. Estes são os pontos cruciais para as autoras quando elas conceituam o que é o livro, suas implicações e suas pluralidades. Ao longo de toda a obra aqui discutida, reforça-se a constituição da literatura infantil e juvenil brasileira nas três últimas décadas, pontuando as evoluções mais significativas ocorridas no decorrer dos últimos tempos.
As estudiosas salientam que as obras infantis são produzidas em múltipla autoria (escritores, ilustradores, designers gráficos, editores e outros). Elas chamam atenção para o Ciberespaço, definido como um ambiente virtual que pode servir de suporte para a criação e a circulação das obras literárias. Esse espaço torna as fontes de informação cada vez mais acessíveis e mais rápidas, facilitando o digital, mas sem negar o suporte impresso, podendo, inclusive, dialogar com ele.
Em virtude do acesso às tecnologias digitais de informação e das múltiplas plataformas, os textos que circulam na sociedade são cada vez mais multimodais, favorecendo as variadas formas de leituras entre crianças e jovens. Assim, o modo de ler um livro digital é diferente, tanto pelo fato do público ser diversificado quanto pelas inúmeras formas de comunicação, que inevitavelmente a era tecnológica proporcionou.
Por fim, realçamos o diferencial que Marisa Lajolo e Regina Zilberman deram ao tratar da história da literatura infantil nas últimas décadas. Desta vez, elas nos convidam a atentar para o fenômeno das rápidas mudanças em relação às obras destinadas para crianças e jovens, justificando que essa aceleração decorre principalmente por conta do avanço das tecnologias, da corrida do mercado editorial e da própria sociedade, que anseia por novidade e está cada vez mais dinâmica no processo leitor. Nesse sentido, cabe reforçar que mais vale um diálogo entre o impresso e o digital do que uma disputa entre os dois, pois, como mostrado pelas autoras, essa pode ser uma maneira exitosa para formar leitores de literatura infantil e juvenil.
Raquel Souza da Silva – Mestranda em Educação na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. E-mail: raquelsousadasilva02@gmail.com.
Cleide de Araújo Campos – Doutoranda em Educação na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. E-mail: emaildacleide6@gmail.com Recebido em 21 de junho de 2019