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Sínteses e identidades da UFS
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e técnicos são os principais narradores. Entre eles, temos um técnico-administrativo, uma professora de História Econômica, um reitor economista e uma professora que faz história da educação. Cada um constrói um personagem, desenha uma forma ou dá dimensões ao volume de acordo com sua perspectiva. Silvana Bretas refere-se à criação, Josué Subrinho fala sobre o nascimento, Lenalda Santos aborda a fundação, enquanto Luís Oliva descreve a gestação.
No texto de Luiz Eduardo Oliva (1990), a UFS é apresentada como um corpo orgânico e em fase de crescimento. O título é sugestivo: *O processo de gestação de uma universidade do Nordeste*. Explicando a metáfora, poderíamos dizer que o “bebê” nasceu de forma tardia. Essa é a justificativa para o então pró-reitor de Extensão da UFS dedicar-se à história da instituição: “apontar as razões do surgimento tardio do ensino superior em Sergipe” e examinar os condicionantes econômicos, sociais e políticos que possibilitaram sua concretização. Ele inaugura uma crítica ao atraso local ou ao descaso da União com o pequeno estado de Sergipe, mas não explora completamente a vasta experiência que tinha como aluno e técnico-administrativo. O texto foi elaborado nos anos [1980], período em que as ideias de Antonio Gramsci (1891-1937) e Louis Althusser (1918-1990) orientavam as interpretações históricas da maioria da esquerda acadêmica brasileira. Assim, sua experiência pessoal foi, provavelmente, suprimida pelos referenciais teóricos que o levaram a afirmar que a criação do ensino superior em Sergipe foi impulsionada pela economia desenvolvimentista, e, consequentemente, pelos interesses da classe dominante. Nessa visão, a formação da UFS seria uma ação conduzida pelas elites econômicas, que se sobrepunham às elites políticas e intelectuais. Na base dessas elites, estava o verdadeiro motor: as relações capitalistas de produção, que determinariam as funções de cada parte desse corpo em formação: um curso de Química para revigorar a indústria açucareira, o de Economia para planejar o desenvolvimento, o de Direito para modernizar o Estado, a Faculdade de Filosofia para educar a classe trabalhadora, e os cursos de Medicina e Serviço Social para o “apaziguamento dos desafortunados”.
No texto de Lenalda Andrade Santos, professora do Departamento de História da UFS, a instituição também surge dentro de um cenário econômico: o “milagre” e o “crescimento industrial”. No entanto, o mercado não atua sozinho. O vasto contexto de experiências no qual a UFS seria gerada continha também forças políticas, como a “redemocratização do país” e o aumento das ações do Estado para a educação nacional (CAPES, CADES, CNER). Lenalda busca dar sentido à transição da “revolução educacional provocada pelo funcionamento de cinco Faculdades” em Sergipe para a criação da UFS. Não é fácil representar esse processo de formação, mas podemos dizer que a trajetória da UFS é expressa como um movimento de partículas, tal como o título do texto sugere: *Da dispersão à unidade*. O momento de dispersão corresponde à criação das Faculdades de Direito, Química, Ciências Econômicas, Filosofia, Medicina e Serviço Social (anos 1950), quando a UFS já existia em partes, mas sem a consciência de ser uma unidade. O momento de concentração acontece com a instituição (1967) e a instalação (1968) da universidade. A força que une esses fragmentos não é claramente definida, mas os protagonistas, sobretudo após a unidade, são bem evidentes. A militância política de Lenalda Santos pode ter influenciado sua decisão de destacar os principais atores: os dedicados professores e alunos. O Estado de Sergipe teria, então, uma grande dívida com a instituição e com esses professores, que forneceram os melhores profissionais para as atividades econômicas, sociais, políticas e culturais.
Josué Modesto dos Passos Subrinho (2012, p.5-12), que era reitor ao escrever sua breve síntese, concebia a UFS como um exemplo de uma instituição secular chamada universidade, com características “paradoxais” de conservar e renovar “valores” e “práticas” na busca pelo conhecimento. Essa era a visão de Subrinho como historiador da Educação. Suas metáforas acadêmicas envolviam termos como “universidade em geral”, “universidade específica” e “modelo americano”. Para ele, a UFS (uma “universidade específica” entre centenas existentes nos últimos oito séculos) foi influenciada ou inspirada pelo “modelo americano”. No entanto, o modelo era apenas um ponto de partida, uma ideia presente na mente dos técnicos do Ministério da Educação e nos governos de Costa e Silva e Garrastazu Médici. O modelo ganhou corpo quando gestores planejaram e adotaram o estatuto jurídico de Fundação, quando abandonaram a estrutura de faculdades (1968) em favor dos centros e departamentos (1971), quando transformaram o sistema seriado em sistema de créditos e, finalmente, quando concentraram as atividades no Campus Universitário de São Cristóvão. A partir desse ponto, a UFS começa a se afastar do modelo americano. As causas desse afastamento são analisadas pelo historiador da economia Josué Subrinho, que traça curvas de crescimento, estagnação e novo crescimento, tanto em termos orçamentários quanto em número de técnicos, professores e vagas ofertadas. A UFS foi beneficiada pela política econômica dos governos militares, que resultou na criação do Campus Universitário e no aumento significativo do corpo técnico-administrativo. Por outro lado, a instituição também se adequou à política liberalizante dos governos do PSDB, marcada por uma expansão mínima em termos de docentes, técnicos e vagas. Finalmente, a UFS prosperou durante os dois primeiros mandatos do PT, período em que se iniciou a interiorização (com os campi de Itabaiana e Lagarto) e dobrou a oferta de vagas nos cursos de Licenciatura a distância (CESAD).
No texto de Silvana Aparecida Bretas, professora do Departamento de Educação da UFS, a instituição é retratada como uma ideia concretizada por “autoridades sergipanas” (p.21). Essa ação, conduzida por figuras como Dom Luciano Duarte e Antonio Garcia Filho, oferece uma explicação rápida. No entanto, em uma perspectiva mais ampla, o que dá forma à instituição é um longo “processo de federalização, iniciado nos anos 1920” em âmbito nacional, além de um extenso “processo de modernização social, nos moldes do que já ocorrera em sociedades desenvolvidas” (p.23).
Referências
PASSOS SUBRINHO, Josué dos Passos. Memórias de um tempo de transformação: Universidade Federal de Sergipe 2004-2012. In: SERGIPE. Universidade Federal. Relatório de gestão UFS: 2004-2012. São Cristóvão: Editora da UFS, 2012. p.5-12.
SANTOS, Lenalda Andrade. Da dispersão à unidade: o trajeto da UFS. In: ROLLEMBERG, Maria Stella Tavares; SANTOS, Lenalda Andrade (org.). UFS – História dos cursos de graduação. São Cristóvão: UFS, 1999. p.11-14.
BRETAS, Silvana Aparecida. A criação da universidade Federal de Sergipe: história, política e formação da comunidade acadêmica (1950-1970). São Cristóvão: Editora da UFS, 2014.
OLIVA, Luís Eduardo. O processo de gestação de uma universidade do Nordeste. O caso Sergipe. Santa Maria, 2003. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal de Santa Maira.
Para citar este texto
FREITAS, Itamar. Sínteses e identidades da UFS. Resenha Crítica, 13 nov. 2024. Disponível em <>.