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História Indiscreta da Ditadura e da Abertura – Brasil 1964-1985 – COUTO (HE)
COUTO, Ronaldo Costa. História Indiscreta da Ditadura e da Abertura – Brasil 1964-1985. Rio de Janeiro: Record, 1998, 517p. Resenha de: FERRAZ, Francisco César Alves. História & Ensino, Londrina, v.6, p.199-201, 2000.
Os interessados na história recente do Brasil têm à sua disposição uma obra que é proveitosa tanto do ponto de vista do seu conteúdo, quanto do perspectiva de quem a escreveu. A História Indiscreta da Ditadura e da Abertura -Brasil: 1964-1985, de Ronaldo da Costa Couto, além do estilo agradável e direto, sem as retorções acadêmicas de praxe, possui, dentre suas principais virtudes, o fato de oferecer uma síntese da história política brasileira recente a partir da perspectiva de quem participou de vários de seus momentos principais, seja sob as luzes do palco principal, seja nos bastidores do poder.
Costa Couto foi, ao longo das décadas de 70 e 80, secretário de governos estaduais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, bem como ministro em duas pastas e governador de Brasília. A história que escreveu ajuda a entender melhor como alguns homens públicos neste país concebem sua função política e social.
É um tipo de história que tem sido escasso nesses últimos tempos, a do pOlítico de Estado que escreve histórias de seu presente, para além de suas memórias particulares. Dois exemplos deste tipo de história podem ser lembrados: a volumosa História da Segunda Guerra Mundial, do estadista britânico Winston Churchill, e o recém reeditado clássico da historiografia brasileira do século XIX Um Estadista do Império, do parlamentar Joaquim Nabuco.
A maior diferença desses trabalhos com o de Costa Couto é que este foi apresentado, originalmente, como tese de doutorado na Universidade de Paris-Sorbonne (Paris IV). A maior semelhança é a de ter a perspicácia de compreender a estrutura e o funcionamento dos acontecimentos políticos a partir de uma interpretação singular, combinando duas dimensões da história pol ítica que nós, historiadores acadêmicos, deixamos de lado como “história factual’ ou desprovida de interesse. Uma delas é aquilo que nossos parlamentares e membros do poder executivo chamam de “entendimentos”, ou seja, aquelas conversas de bastidores entre políticos, aqueles acordos ou rompimentos que nós, da plateia, só descobrimos quando o roteiro já foi todo rearranjado, à nossa revelia e muitas vezes às nossas custas … Essa dimensão da “política miúda” é enredada com o poder de síntese histórica que, queiramos ou não enxergar, alguns políticos possuem de sobra, principalmente quando tentam articular os meios que dispõem para os fins que desejam. Esse é o ponto mais forte desse livro. Se desejamos conhecer como as coisas realmente acontecem na política brasileira, precisamos aprender a ler as notinhas de jornais com o mesmo apetite que lemos as matérias de primeira página.
A fonte documental básica para o livro de Costa Couto contribui bastante para esta compreensão: são os depoimentos de trinta e duas pessoas de relevante importância política, de Luís Inácio Lula da Silva ao general João Baptista Figueiredo. Alguns dos depoentes não concediam entrevistas a historiadores acadêmicos, o que torna o estudo de Costa Couto uma boa oportunidade para conhecer certos meandros do poder no Brasil. Essas entrevistas propiciam ao leitor uma perspectiva que, dificilmente, seria conseguida com o estudo dos documentos usuais de nossa história recente. Têm, contudo, o inconveniente de limitar a compreensão dos processos históricos nas fronteiras do que é possível um político dizer em público. Pessoas públicas que têm uma imagem a zelar não costumam revelar nada além do que é permitido e já divulgado. Neste sentido, é uma história “discreta”, sem novidades para os leitores mais atentos de nossa produção historiográfica.
Assim, alguns problemas do livro aparecem. O principal, já evidente desde o título, é prometer algo maior do que o que pode cumprir: o que o autor quer dizer com ‘história indiscreta”? Não é uma história de fofocas do poder, adianta na apresentação
o historiador (recentemente falecido) Francisco Iglésias. Ainda bem. Mas ao fazer uma história da política brasileira a partir dos bastidores, “sem comprometer ninguém (p.20)”, sem o risco de propor explicações mais gerais do que a dinâmica de poder palaciano, perde-se uma oportunidade única de oferecer ao leitor uma reflexão sobre o porquê de “plantinhas tão tenras” (nas palavras do político Octávio Mangabeira) como democracia, direitos, cidadania e igualdade social, aparecerem com mais frequência de modo instrumental e oportunista, nas considerações de nossos homens públicos, do que como princípios fundamentados na vivência e na dignidade da vida política.
Não obstante essa “discrição” -por não revelar nada novo ou “guardado a sete chaves” pelo poder -o livro é importante pelas pistas que, voluntariamente ou não, oferece para estudos futuros sobre a história do poder político no Brasil. Nessa história, eu, você, todos nós, leitores, aparecemos mais como a plateia do que como coadjuvantes, menos ainda como protagonistas da história. Não se trata apenas de uma divisão entre classes, ou entre elites e massas. Se essa estrutura política ainda sobrevive às vésperas da virada do século, se ainda é possível combinar o discurso da modernidade com o clientelismo mais tradicional, e se tudo isso ainda aparece na história dos livros didáticos como algo pertencente à ordem natural das coisas, nossa atenção deve deslocar um pouco das explicações que reduzem a política à expressão dos interesses de classe. Talvez seja o momento de saber o que alguns políticos pensam de si mesmos, e como concebem a história da qual se vêem como os atores principais. Neste sentido, o livro de Costa Couto é um importante e útil ponto de partida.
Francisco César Alves Ferraz – Professor da Universidade Esiadual de Londrina e Doutorando em História na USP.
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