A “virada global” como um futuro disciplinar para a História da Arte | MODOS. Revista de História da Arte | 2021

Nos últimos 15 anos, a “virada global” tem sido um fator importante para a transformação da disciplina de História da Arte. A abertura do campo impulsionou pesquisas que desafiaram sua versão canônica, marcada por nacionalismos, estilos, modelos binários e a divisão da própria disciplina (Nelson, 1997). Com a crítica aos conceitos tradicionais, os historiadores da arte passaram a incluir novos objetos, como os artefatos e cultura visual não-europeus que dificilmente ingressavam as fileiras de estudos. Da mesma forma, os pesquisadores se voltaram para realizações artísticas ocidentais, enfocando nas conexões e nas complexidades geradas pelas interações culturais.

A tradicional taxonomia da arte – como antiga, medieval, renascentista, moderna, cristã, islâmica, budista, africana e etc – abriu espaço para a constituição de outras unidades de investigação “mais responsivas à lógica de objetos e artistas em movimento” (Tatsch, 2020). As respostas acadêmicas para os novos questionamentos partiram da transdisciplinaridade e da transculturalidade. A primeira permitiu repensar as estruturas disciplinares existentes ao tomar emprestado análises de outros campos, como a antropologia, a história e a etnologia. Fomentou, assim, o conhecimento além das fronteiras estabelecidas – ao burlar as limitações disciplinares e as hierarquias entre elas – e estabeleceu novas formas de conhecimento. A transculturalidade permitiu perceber os “processos de transformação que constituem a prática da arte por meio de encontros e relações culturais” (Juneja, 2011: 281). Como salientou Espagne, “toda passagem de um objeto cultural de um contexto a outro tem por consequência uma transformação de seu sentido, uma dinâmica de ressemantização” (Espagne, 2013: 1). Leia Mais

Aportes a las perspectivas de género en historia del arte | Cuadernos de Historia del Arte | 2021

En 1995, en Cuadernos de Historia del Arte N° 15, José Emilio Burucúa y Laura Malosetti Costa publicaban “Iconografía de la mujer y lo femenino en la obra de Raquel Forner”. No buscaban los autores centrarse en la “visión femenina” de la artista, sino más bien observar la manera en que Forner había desarrollado el “tema de lo femenino” en sus series de obras. Pasó el tiempo hasta que volvieron a publicarse trabajos en los que se abordaba la temática de género en relación a las formas de representación, hasta que Gabriela Vázquez publicara en 2015 (CHA 25) “Mujeres y vitivinicultura. Representaciones de mujeres en la actividad vitivinícola de Mendoza hacia 1910”. Estas han sido las escasas intervenciones de nuestra revista en los asuntos relativos a la relación entre producción artística y género. Es por tanto con la intención de comenzar a salvar esta situación que proponemos el presente dossier, que lejos de ser una casualidad responde a los desafíos lanzados desde las perspectivas feministas a la disciplina de la historia del arte, desafío que ha cobrado protagonismo al calor de los movimientos de mujeres que se extienden por el mundo.

Entre las virtudes del llamado de atención de la historia del arte feminista, la exigencia de desandar el camino de la construcción del canon del arte moderno y contemporáneo es central en lo que respecta a encontrar claves para comprender visiones y representaciones alternativas de la modernidad occidental, en la que nos encontramos sumidos y culturalmente constituidos. Este es, entre otras cosas, un trabajo de visibilización y recuperación de artistas, obras, perspectivas estéticas y tendencias poéticas y políticas. Ese camino ha sido emprendido por historiadoras del arte, cuyo proyecto intelectual consiste no solamente en un proceso aditivo por el cual un número de artistas mujeres desplazadas y olvidadas es sumado a la narrativa de la historia del arte, si no más bien, y en primer lugar, en cuestionar las bases epistemológicas mismas de una disciplina que a partir de sus categorías, conceptos y teorías ha construido el canon del arte moderno y contemporáneo desde una perspectiva androcéntrica. Esto ha significado que el proceso de conformación de dicha narrativa dominante sobre el arte moderno y contemporáneo ha omitido la mirada de las mujeres. No una mirada pensada como producto de ciertas determinaciones naturales (concepción cara al pensamiento patriarcal y aristocrático sobre las artes), sino una mirada signada por la organización cultural y social de nuestro mundo histórico y por las diferentes posiciones que se han asignado a las personas según su definición en la organización sexual de la sociedad. Leia Mais

Arte, História e Escrita | LaborHistórico | 2020

A proposta de organização de um dossiê sobre as diversas relações possíveis entre arte, história e escrita responde ao interesse da revista LaborHistórico, publicação semestral on-line dos Programas de Pós-graduação em Letras Vernáculas e Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, um periódico que tem como foco estudos desenvolvidos a partir de fontes escritas nos quais se destaque o labor do historiador diante de seu material de trabalho. Focada nas áreas de Filologia e Linguística Histórica, a revista busca cada vez mais a interdisciplinaridade, promovendo números relacionados com áreas diversas, como a paleografia, a história, a literatura, a história social da cultura escrita, dentre outras.

Assim, este dossiê, intitulado Arte, História e Escrita, reúne vinte artigos de pesquisadores filiados a instituições do Brasil, Espanha, Argentina, Itália, México, Chile e Estados Unidos, principalmente relacionados com a História da Arte, que refletem sobre o labor do historiador da arte diante de suas fontes de trabalho. O próprio conceito de fonte escrita, sua definição, suas diferentes tipologias e caraterísticas se constituem como elementos vertebradores da reflexão, assim como os diferentes modos possíveis de tratamento destas fontes na Historia da Arte e sua importância para a construção da disciplina. Leia Mais

Canibalismos Disciplinares. Entre a História da Arte e a Antropologia: museus, coleções e representações | MODOS. Revista de História da Arte | 2019

Em sua origem, aquilo que a história da arte e a antropologia apresentam de comum é a constituição de saberes sustentada pela constituição de coleções. O que as diferenciou ao longo do tempo foram os critérios de valores que as levaram a construir coleções e a acumular cultura nas instituições que ajudavam a legitimar ambos esses campos do saber – notadamente os museus. Hoje a antropologia já se distanciou dos objetos, dando lugar à arte que passa a se apropriar de um conjunto de referências culturais requalificando-as como obras. E a história da arte, por sua vez, abriu-se para questionar os mecanismos que formam os distintos sentidos do “artístico”, suas implicações e ativações sociais, ampliando seu campo de atuação para diferentes culturas visuais e formas de circulação poéticas1. A disputa iniciada no final do século passado entre a linguagem científica e a linguagem artística, já não apresenta validade para as análises sobre estes diferentes regimes de valor2 no contexto contemporâneo, sendo mais recentemente preconizadas as análises que consideram as intermediações entre um campo e o outro, e as práticas por detrás das apropriações culturais (Chartier, 2002) que, no presente número, escolhemos nos referir como “canibalismos disciplinares”. Leia Mais

IV Seminário de pesquisa em História da Arte / Ícone/ 2019

A pesquisa na área de Humanidades – mesmo quando se aproxima do texto mais livre, literário ou poético – sempre há de exigir de quem se dedica a ela o rigor teórico e metodológico. Não se trata de encontrar uma receita ou uma fórmula mágica de aplicação que nos conduzam por veredas seguras e certeiras; o importante, antes de tudo, é a construção de um percurso próprio e desacomodado, ainda que seja, como sugere o poeta Francis Ponge, no estilo vaique-vai, “muito pouco a cada dia”. [1]

O presente dossiê, desdobramento do IV Seminário de Pesquisa em História da Arte, retoma algo desses horizontes possíveis. O evento, realizado pela Comissão de Graduação do Bacharelado em História da Arte da UFRGS, em setembro de 2017, no Goethe Institut, em Porto Alegre, contou com pôsteres virtuais de estudantes de graduação, comunicações de alunos e alunas que recém haviam se formado no curso e conferências de três professoras que então se aposentavam: Blanca Brites, Elida Tessler e Mônica Zielinsky. De modo generoso e alvissareiro, tanto os mais jovens quanto as decanas compartilharam diferentes aspectos de suas trajetórias e seus trabalhos.

Para compor esta edição, convidamos os egressos e as egressas a produzirem textos que não exatamente resumissem seus Trabalhos de Conclusão de Curso, mas que dessem conta dos processos de composição dessas pesquisas: os bastidores, as costuras, os alinhavos feitos pelo avesso. Em uma série de artigos inéditos, na primeira pessoa do singular, Carolina Grippa, Caroline Hädrich, Charlene Cabral, Diego Groisman, Diego Hasse, Gabriela Carvalho da Luz, Paulo Heidrich e Valdriana Corrêa rememoram como se desenvolveu a tarefa – tantas vezes árdua e desgastante, mas também sensível e reveladora – de abrir seus próprios caminhos na escrita da História da Arte.

Esperamos que esses depoimentos, raros e bastante singulares, possam servir de estímulo a quem começa a se aventurar por essas trilhas, nem que seja vai-que-vai, um pouco a cada dia.

Nota

1. PONGE, Francis. Métodos. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 27.

Eduardo Veras


VERAS, Eduardo. Sobre o dossiê. Ícone, Porto Alegre, v. 4, n. 4, jul., 2019. Acessar publicação original [DR]

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O artista em representação: imagens de artistas através da História da Arte | MODOS. Revista de História da Arte | 2019

De que modo as transformações da percepção sobre os artistas e suas significações (sociais, culturais, simbólicas e políticas) marcam as escritas da história da arte? Foi essa indagação que nos motivou a propor para a revista Modos o dossiê O Artista em Representação: Imagens de artistas através da História da Arte.

Tomando de empréstimo o título “o artista em representação” da exemplar exposição e publicação organizadas por Alain Bonnet (L’artiste en représentation: images des artistes dans l’art du XIXe siècle, 2012), interessou-nos pensar as construções históricas da imagem do artista e sua inscrição específica nos contextos brasileiro e latino-americano. Leia Mais

Da adversidade vivemos! | MODOS. Revista de História da Arte | 2017

Da adversidade vivemos! – assim finalizou Hélio Oiticica, em tom de alerta e revolta, o manifesto de apresentação da exposição Nova Objetividade Brasileira, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em abril de 1967. A mostra contou com a participação de 40 artistas, entre os quais nomes emblemáticos da geração concretista e neoconcretista e recém ingressantes no circuito das artes, além de alguns convidados, entre eles dois cineastas (Antonio Carlos da Fontoura e Arnaldo Jabor). A maioria absoluta das obras expostas colocava em questão os códigos artísticos e institucionais tradicionais, bem como criticava o poder efetivo de transformação social atribuído à arte abstrata até o final dos anos 1950. Trazia para o centro do debate a questão da participação do espectador e o potencial revolucionário do objeto de arte no campo da ética, da política e do social.

Nova Objetividade Brasileira marcou um momento decisivo para a arte brasileira na proposição de um comprometimento político dos artistas, críticos e agentes culturais, bem como na tentativa de reformulação do conceito estrutural de obra de arte e de sua relação com o público. Inserida em um conjunto de exposições do período que promoviam um diálogo crítico com a realidade nacional, tais como Opinião 65, Propostas 65, Opinião 66, Propostas 66, Jovem Arte Contemporânea e Do Corpo à Terra, ela incitou a uma reflexão sobre um conceito crítico de vanguarda, que fosse operacional em um país “subdesenvolvido”. Leia Mais

Olhares Cruzados: Brasil-Portugal | ArtCultura | 2014

O minidossiê Olhares Cruzados: Brasil-Portugal apresenta ao leitor três artigos marcados por espacialidades que se entrecruzam, talhando diferenças. História e arte se interpenetram produzindo “modos de fazer” singulares. Fotografia, gastronomia e escrita da história evocam a arte de bem fazer.

Assim, no artigo de Annateresa Fabris, o foco se volta para o artista luso-brasileiro Fernando Lemos, que, por intermédio do ato de fotografar o “real”, colocou para o mundo das artes, notadamente em Portugal , um modo específico no qual procurou destacar “o real maravilhoso”, expressão tão cara ao surrealismo. Como diz a autora, “e m relação ao panorama por – tuguês, Lemos é, sem dúvida, uma figura sui generis, uma vez que não tinha praticamente interlocutores no momento em que começa a interessar-se pela fotografia. A fotorreportagem, a fotografia de propaganda e a estética divulgada pelos salões fotográficos eram os exemplos correntes no país”. Em Portugal, a experiência política do salazarismo não via com bons olhos manifestações artísticas que destoassem do receituário estabelecido pelo cânone do “ser moderno” de António Ferro, que já vinha sendo questio – nado, mas prevalecia como valor simbólico da cultura política autoritária do governo de António de Oliveira Salazar, servindo para dentro e para fora de Portugal. E Lemos, como argumenta Annateresa Fabris, na sua maneira de fazer fotografia agia no cotidiano, fugia da fotografia realista documental, opondo-se à estética modernista vigente em Portugal. Por sinal, o preço que pagou por essa insubordinação foi alto, vendo-se obri – gado a transferir-se para o Brasil em 1953. Aqui, radicou-se em São Paulo, nacionalizou-se brasileiro e desenvolveu intensa atividade artística, sendo também professor da FAU/USP. Leia Mais

Discursos da História e Linguagens da História da Arte / História, Histórias / 2013

A história e a história da arte, embora possam parecer tão próximas, possuem cada uma objetos e métodos próprios. Nos trabalhos que se seguem, não se pretende “chover no molhado” retomando os limites e problemáticas que são próprios a cada uma das disciplinas. Nossa intenção, ao nos aproximarmos dos discursos produzidos pela história e pelas linguagens expressadas pela história da arte, é a de nos determos mais atentamente ao tempo, ao espaço e à representação, categorias que são caras a ambas as disciplinas.

A partir dos anos 70, a história passou a encontrar no objeto de arte testemunhos importantes dos eventos históricos. No deslanchar desse processo, vivido paralelamente com a crise dos paradigmas, os historiadores da arte Aby Warburg, Erwin Panofsky e Meyer Schapiro tornaram-se referências teóricas essenciais para os historiadores, em especial os medievalistas. A história da arte por sua vez, ao organizar a pesquisa e o ensino, apoderou-se, não sem alguma resistência, das “idades” da história – antiga, medieval, moderna e contemporânea – como marco temporal na escolha dos temas de estudo. Não se tem conhecimento de que os historiadores e os historiadores da arte tenham se reunido para discutir os possíveis pontos de interseção das duas disciplinas.1
Para os historiadores, as possibilidades abertas por Warburg, Panofsky, e Shapiro permitiram o acesso a uma nova dimensão da história, constituída pelo imaginário e o simbólico, o que renovou em especial a história política.2 Para os historiadores da arte, a despeito da reação de alguns profissionais com relação a uma periodização que atrela a história da arte à história, alguns historiadores da arte têm se mostrado inflexíveis quando o objeto de arte analisado escapa aos padrões temporais ou mesmo regionais impostos tradicionalmente.3 A opção por uma história da arte que ignore as balizas temporais da história e busque nos estudos regionais, ou estilísticos, uma temporalidade longa revelada pelas formas, enfrenta quase sempre uma reação desfavorável. Enfim, para muitos, a história da arte continua a ser vista como uma sucessão de ciclos de vida, morte e renascimento. “O discurso histórico não ‘nasce’ nunca. Ele sempre recomeça”.4
Desde o final do século XX, nos anos 90, Georges Didi-Huberman sacudiu com veemência as velhas certezas dos historiadores da arte e dos historiadores. Dentre elas, a crença inabalável na vitória sobre o anacronismo. Em Devant le Temps. Histoire de l’art et anachronisme des images, Didi-Huberman demonstrou com clareza que o tempo da imagem não é o mesmo da história.5
Este dossiê se inspirou em questões que tocam a história e a história da arte. Mais precisamente, o discurso da história e a linguagem da história da arte. O ponto de partida é Brasília, cidade capital, por excelência, dos espaços. Um espaço que foi pensado, segundo Elisa de Souza Martinez, para o “florescimento de um metadiscurso sobre a história do pensamento brasileiro”, um “laboratório de novas ideias” que, no entanto, não se concretizou. Estudando os escritos de Mário Pedrosa, a autora colheu uma questão, Brasília ou Maracangalha? e a transformou no fio condutor de suas reflexões, onde buscou abordar o confronto entre a utopia e a realidade a partir das proposições de Lúcio Costa, “o inventor de Brasília”.

A proposta deste dossiê se inspirou, portanto, no espaço idealizado, ou se preferirmos, na utopia da nova capital federal. Uma espécie de terra nova, prenhe de criatividade e reprodutora dos mais variados discursos e linguagens. Uma oportunidade única para traçar “os limites e os intercâmbios entre as artes plásticas e/ou visuais, rompidos no início do século XX”, conforme lembra Roberto Conduru ao abordar a realização do Congresso da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte) em Brasília, cujo tema foi “A cidade nova e a síntese das artes” – um tema rebatido por Lúcio Costa, que ponderou tratar-se de “integração mais do que síntese”. Em Razões da Nova Arquitetura, o arquiteto urbanista afirmou que “arquitetura, escultura, pintura, formam um só corpo coeso, um organismo vivo de impossível desagregação.

As preocupações utópicas que cercaram a construção de Brasília, tão contemporâneas e presentes, fazem, ao mesmo tempo, parte do passado. Giulio Carlo Argan escreveu que “a ideia de cidade ideal está profundamente arraigada em todos os períodos históricos, sendo inerente ao caráter sacro anexo à instituição e confirmado pela contraposição recorrente entre cidade metafísica ou celeste e cidade terrena ou humana”.6 Em História da Cidade como História da Arte, Argan afirma que “cenário e sujeito da história, construída a partir de um modelo no qual as tradições culturais expressam valores, a cidade projeta a sua própria história através de múltiplas facetas que revelam o que são, o que deixaram de ser e o que pretendem vir a ser”.7 Assim, tendo Brasília como inspiração inicial, as palavras de Argan foram tomadas por empréstimo, buscando-se “no cenário e sujeito” as múltiplas facetas que permitam compreender os discursos da história e as linguagens da história da arte.

A ideia do espaço urbano construído “de acordo com modelos e tradições que expressam valores que oscilam no que são, no que deixaram de ser e no que pretendem vir a ser” é evidenciado por Françoise Vergneault-Belmont, para quem a planta de uma cidade é o testemunho de um passado. Cartógrafa por formação, Vergneault-Belmont decifra nos traçados das ruas uma lógica de um itinerário ou de um limite. Para ela, as plantas da Paris permitem compreender as relações entre a sociedade e o espaço. Debruçando-se com um rigor fino sobre três séculos de planos traçados para a capital francesa (séculos XVI, XVII e XVIII), ela concluiu que as plantas são denominadas de portrait8, do verbo pourtraire. No sufixo da palavra, composta por dois elementos, o verbo traire, tirer, assume seu antigo sentido, dessiner, tirer un trait. Isto é, segundo a autora, a planta é como um retrato de uma pessoa, ou do rei, ultrapassando a descrição para revelar a natureza e a essência do que é representado. Isto significa que desde a sua origem, em suas palavras, estabeleceu-se um “estreito parentesco semântico e simbólico entre a planta e o retrato como efígies do poder”. Os sucessivos planos da cidade de Paris procuraram interferir diretamente na sua urbanidade, eram projetos urbanos nos quais Vergneault-Belmont enxergou um testemunho da história.
É sobre testemunhos que nos fala Susani Silveira Lemos França, referindo-se aos cronistas quatrocentistas e viajantes estrangeiros que passaram por Lisboa no século XV. Esses escritos contribuíram de forma decisiva para a “consolidação de um passado selecionado” que fez de Lisboa “a cabeça” de Portugal. Susani França os vê como “peças-chave” na configuração da imagem e da história de Lisboa. Ela chama atenção para o fato de que em uma época em que outras cidades marítimas, tais como Veneza, Gênova, Ceuta e Constantinopla, eram descritas minuciosamente, Lisboa não era vinculada ao oceano: a sua história interna se sedimentava na memória religiosa e nas condições comerciais. No discurso da crônica, Lisboa aparece como o palco de cenas memoráveis que envolvem o rei e a corte régia. Ressalta-se, igualmente, o valor bélico e os eventos memoráveis, tais como as procissões e outras manifestações sagradas ou políticas vinculadas às cortes. Mas, como se sabe, a corte era itinerante, passando, portanto, por outras cidades. A beleza das cidades associava-se então, ao que nelas acontecia e a como os seus habitantes atuavam. A ordenação dos edifícios e a arquitetura (tão cara aos historiadores da arte) só eram citadas pelos cronistas enquanto cenários de acontecimentos extraordinários, tais como o sepultamento de relíquias e o albergamento das cortes. São, portanto, questões internas memoráveis que promovem Lisboa como “cidade grandíssima e cabeça de Portugal”, e não como cidade marítima.
A memória religiosa e comercial das cidades modernas é fruto de um movimento longo da memória coletiva. Memória, aqui, compreendida como vida em permanente mudança. A chamada modernidade não renasceu das cinzas de um passado sepultado, e, muito menos, rompeu com a Idade Média. Para os medievais, a notoriedade de uma cidade estava vinculada às suas catedrais, nas quais se guardavam um tesouro de objetos preciosos, incluindo as relíquias de um santo. A riqueza ostentada pela catedral e a importância das feiras realizadas na praça da cidade asseguravam a grandeza e a celebridade da cidade.

Clara Bargellini e David J. Weber, estudando o território das missões na América Espanhola, demonstram com propriedade como franciscanos e jesuítas transportaram para o Novo Mundo práticas religiosas que foram constituídas ao longo da Idade Média e continuaram vivas até o século XVIII. Em La Maison Dieu, Dominique Iogna-Prat pergunta: por que e quando Deus se tornou de “pedra”; e por que, e quando, a Igreja se impôs na paisagem do Ocidente? A partir de quando a Igreja passou a ocupar espaços e territórios? Para Iogna-Prat, a doutrina sozinha não explica a reunião dos cristãos em um “edifício de pedra” que recebe a mesma denominação da comunidade dos fiéis. Ele considera que a Igreja é também um conjunto de bens eclesiásticos, o que permite que se interrogue de forma mais ampla a relação dos homens com o espaço em uma época onde os termos Igreja e sociedade são coextensivos no lugar das estruturas eclesiásticas de fixação e controle das populações.9

Analisando os bens eclesiásticos da missão jesuítica de Becerac no norte da Nova Espanha, Clara Bargellini inventariou um impressionante acervo constituído de altares, ornamentos diversos, prataria e outros objetos de adorno do culto. Tais objetos apontam, ao mesmo tempo, para o uso de materiais preciosos e para a habilidade dos artífices, permitindo que sejam identificados como objetos de arte, de função comemorativa permanente. Trata-se de comemorações importadas para a América pelos franciscanos e jesuítas. A suntuosidade dos ornamentos e objetos tem como cenário uma arquitetura magnífica tanto nas fachadas exteriores, quanto no interior.

Apesar da semelhança entre as duas ordens, Bargellini chama atenção para diferenças que apontam para a história de cada uma delas. Enquanto os franciscanos recordam o “seu papel missionário como fundadores da Igreja na Nova Espanha, apoiados pela monarquia dos Habsburgos, os jesuítas insistiram na individualidade dos membros da Companhia, ativos e heroicos representados na iconografia da Igreja, seguidamente sozinhos, ou em grupo, mas sempre identificados. Ambas as ordens, em todas as etapas da produção artística, imprimiram um valor simbólico aos objetos. Ao estabelecerem uma missão, as necessidades artísticas se centravam especificamente nos ornamentos, na prataria e nos objetos de uso na missa. Para os jesuítas, as imagens ganhavam uma função especial voltada para a catequese (uma resposta aos ídolos indígenas). A arquitetura do edifício da igreja e as coleções interiores de objetos de importante valor material e artístico respondiam à necessidade vital da identidade e da transcendência, conforme afirma a autora. Porém, guardando as devidas proporções de tempo e espaço, poderíamos dizer que são seguidamente, “coextensivas”, conjugando seguidamente os poderes da Igreja e da monarquia.

David J. Weber ressalta a importância da arquitetura na forma de igrejas missionais, assim como da pintura, da escultura, da música, dança e teatro para impressionar os indígenas com o poder e a glória de Deus. Adverte, todavia, que o uso das artes pelos missionários para promover conversões e sustentar a fé fez, das mesmas, coadjuvantes na pedagogia do medo.

Em síntese, os trabalhos de Bargellini e de Weber, que integram um projeto institucional que reuniu estudiosos dos dois lados da fronteira, México e Estados Unidos, evidenciam como os fins doutrinários e expansionistas da Igreja, apoiada nas monarquias ibéricas, promoveram uma integração das artes, arquitetura, escultura, pintura, ourivesaria, música, dança e teatro no território das missões. Se ousássemos pensar em termos contemporâneos e rompêssemos as barreiras do tempo, poderíamos ver nas Missões da Nova Espanha a realização da síntese das artes que veio a ser almejada alguns séculos mais tarde. A realização dessa “síntese” com base na doutrina cristã prometia, aos que se convertessem, a salvação, isto é, o Paraíso: lugar, que vários historiadores veem como uma utopia medieval10, uma espécie de lugar idealizado, sempre almejado e jamais encontrado.

Considerando as abordagens feitas aos espaços, aos tempos, aos discursos e às linguagens, este dossiê espera favorecer o debate entre historiadores e historiadores da arte. Foram convidados historiadores de diferentes formações, que enriqueceram o dossiê, possibilitando a sua publicação. Agradecemos a generosidade, presteza e paciência de cada um. A Elisa Martinez, Roberto Conduru e Susani França, participantes fiéis desde o início desta “empreitada”. Nossa gratidão, em particular, à viúva de David Weber, que permitiu a publicação do seu trabalho, bem como a Clara Bargellini, que intermediou o consentimento. Nossos sinceros agradecimentos a Françoise Vergneault-Belmont, pela inestimável contribuição prestada aos historiadores de várias partes do mundo. Nosso muito obrigado a Flávio Fonseca e Matheus Silveira pelo auxílio essencial na transposição e configuração dos textos em língua estrangeira.

Brasília, novembro de 2013.

Maria Eurydice de Barros Ribeiro (Universidade de Brasília)

Notas

1 Os historiadores e historiadores da arte encontram-se ou em simpósios temáticos ou em participações isoladas de historiadores ou historiadores da arte em eventos específicos promovidos pelas associações das disciplinas (Associação Nacional de História – ANPUH, Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP, Comitê Brasileiro de História da Arte – CBHA). Não há registro de que historiadores e historiadores da arte tenham promovido um evento específico visando discutir questões pertinentes às duas disciplinas.

2 Foram os medievalistas os primeiros a chamar a atenção para a importância das imagens como fonte para o historiador. A renovação da história política partiu também de um grupo de medievalistas liderados por Jacques le Goff pelo viés de uma nova disciplina, a Antropologia Histórica.

3 Ver MARTINEZ, Elisa de Souza; RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Anti-medieval ou anti-moderno? As fronteiras do estudo da história da arte na contemporaneidade. In: História da Arte: 50 anos. Rio de Janeiro. http://wordpress.com/

4 DIDI-HUBERMAN, Georges. L’image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg. Paris: Minuit, 2002, p.11.

5 DIDI-HUBERMAN, Georges. Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images. Paris: Minuit, 2000.

6 ARGAN, Giulio Carlo. História da arte, como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 73-74.

7 Idem, p. 74.

8 Portrait, retrato, em português, vem do italiano ritratto, originado do latim retractus: significa fazer a efígie de uma pessoa. Sugere, assim, os mesmos significados apontados por Françoise Vergneault. Conferir no texto da autora.

9 IOGNA-PRAT, Dominique. La Maison de Dieu. Une histoire monumentale de l`Église au Moyen Âge. Paris: Seuil, 2006, p. 17-18.

10 Deve-se naturalmente, tomar cuidado com a palavra utopia, pelo fato da mesma não existir na Idade Média (como se sabe, a palavra foi utilizada pela primeira vez por Thomas More em 1516). Todavia, os medievais idealizaram vários lugares, frequentemente, ilhas, onde o clima seria ameno, com abundância de frutos e fartura de alimentos, e onde a natureza seria bela e clemente.

História e História da Arte / Sæculum / 2013

Em 2013 a Sæculum completa 18 anos desde a publicação de seu primeiro número. Atingimos a maioridade, mas continuamos a buscar, com o frescor dos primeiros anos, a expansão das inúmeras possibilidades de discussão e debates nas searas de Clio.

Os eixos de interesse da pesquisa histórica no Brasil certamente não são os mesmos de 1995, quando saiu a primeira edição de nossa revista, e nem poderiam ser, haja vista a enorme expansão que houve no que diz respeito à pós-graduação de nossa área. Hoje existem programas de pós-graduação em História em todos os Estados brasileiros, e isso certamente trouxe uma mudança inexorável no leque de temas que se abriu para a investigação histórica em nosso país.

A profusão de programas também fez com que o universo de periódicos científicos no campo da História fosse alavancado a um patamar sem precedentes anteriores no cenário nacional. Todos nós, pesquisadores, vimos as opções de divulgação dos resultados de nosso trabalho diuturno aumentarem enormemente e, mais ainda, serem cada vez mais franqueadas ao público, graças à disseminação de edições eletrônicas e de acesso aberto na web.

A Sæculum não esteve alheia a todo este processo. Desde 2006 passou a disponibilizar em seu portal, em formato PDF e de modo gratuito, todas as suas edições, inclusive as primeiras, muitas das quais esgotadas há anos. Com a criação do PPGH-UFPB em 2004, ao qual imediatamente foi vinculada, a revista também passou a ter maior visibilidade, recebendo submissões de textos praticamente de todo o Brasil desde então.

Desse modo, não surpreende que a presente edição da revista apresente nada menos do que vinte e dois artigos e uma resenha, com autores vinculados ou formados por dezoito instituições diferentes, do Brasil e do exterior. Seguindo a política adotada desde sua edição de nº 14 (jan. / jun. 2006), a Sæculum continua a apresentar um dossiê temático, desta feita dedicado à História da Arte, além de sua seção de artigos avulsos, submetidos à Comissão Editorial em fluxo contínuo.

Organizado pela profª Carla Mary S. Oliveira, o dossiê “História e História da Arte” se constitui de textos submetidos em resposta à chamada de trabalhos da edição, amplamente divulgada por meio de newsletters e sites institucionais como o da ANPUH, seguindo a tradição já instaurada desde os primeiros momentos em que a Sæculum passou a disponibilizar suas edições na web, em 2006. Os temas tratados no dossiê são dos mais variados, indo da análise teórico-conceitual da obra de Aloïs Riegl em relação ao Barroco, em texto da própria Carla Mary, até as influências de Pedro Américo sobre a obra de Arlindo Daibert, de Maraliz de Castro Vieira Christo.

Também estão presentes no dossiê artigos tratando da cultura visual dos Países Baixos no século XVII, de autoria de Daniel de Souza Leão Vieira; da iconografia carmelita em seu convento pessoense, de André Cabral Honor; da imaginária jesuítica no Paraguai, de Jacqueline Ahlert; da passagem do pintor bracarense José Soares de Araújo pela Diamantina do século XVIII, de Maria Cláudia Orlando Magnani; do espaço urbano carioca e sua relação com o Paço dos Governadores em finais do século XVIII, de José Maurício Saldanha Alvarez; dos compêndios iconográficos portugueses setecentistas conhecidos como Registos de Santos, de Camila Fernanda Guimarães Santiago; do ofício de pintor e da Academia de Pintura de Portugal, de Raquel Quinet Pifano; da litografia no Brasil oitocentista, de Luciana Fernandes Boeira; do universo das partituras musicais no Rio de Janeiro do século XIX, de Silvia Cristina Martins de Souza; do surgimento do campo artístico na cidade de São Paulo em começos do século XX, de Mirian Silva Rossi; da figura de Paulo Prado e sua importância para o modernismo brasileiro, de Thaís Chang Waldman; dos desdobramentos da Semana de 22, de José Lúcio da Silva Menezes; das configurações do modernismo norteamericano e suas incursões pelo trotskismo, de Tiago Machado de Jesus; e, por fim, da importância da editora Ediarte para a crítica e colecionismo da arte moderna no Brasil dos anos de 1960, de Emerson Dionísio Gomes de Oliveira e André Camargo Thomé Maya Monteiro.

Na seção de artigos livres desta edição, a diversidade de interesses se mostra, como sempre, como uma das características da pesquisa histórica atual no Brasil: os trabalhos vão desde estudos sobre a chamada Conspiração dos Suassuna no Pernambuco de 1801, de Bruno Gontijo Andrade, até a Teologia da Libertação e a figura de D. Pedro Casaldáliga nas décadas de 1970 e 1980 no Araguaia, de Mairon Escorsi Valério.

Complementam a seção os textos de Jucieldo Ferreira Alexandre, sobre o Cólera no Cariri cearense de meados do XIX; de José Bento Rosa da Silva, acerca dos marinheiros negros em Santa Catarina na segunda metade dos oitocentos; de Carlos Alberto Cunha Miranda, sobre o Hospital Pedro II no Recife dezenovista; e de Moisés Wagner Franciscon, sobre o discurso político do cinema soviético e a criação da imagem do herói. Por fim, a resenha de Izabel Maria dos Santos sobre obra recentemente publicada de Benedito Lima de Toledo fecha este número da Sæculum.

Como se pode constatar, os trabalhos reunidos nesta edição da Sæculum, tanto em seu dossiê temático como nos artigos livres, atendem os mais variados enfoques da pesquisa histórica, característica que sempre esteve presente nas páginas de nossa revista, aliás.

Ao leitor, a este convidamos para mergulhar em nossas páginas e embeber-se desta miríade de temas e abordagens do mundo de Clio.

Boa leitura!

A Comissão Editorial.


Comissão Editorial. Editorial. Sæculum, João Pessoa, n.28, 2013. Acessar publicação original [DR]

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História e História da Arte | SÆCULUM – Revista de História | 2013

Em 2013 a Sæculum completa 18 anos desde a publicação de seu primeiro número. Atingimos a maioridade, mas continuamos a buscar, com o frescor dos primeiros anos, a expansão das inúmeras possibilidades de discussão e debates nas searas de Clio.

Os eixos de interesse da pesquisa histórica no Brasil certamente não são os mesmos de 1995, quando saiu a primeira edição de nossa revista, e nem poderiam ser, haja vista a enorme expansão que houve no que diz respeito à pós-graduação de nossa área. Hoje existem programas de pós-graduação em História em todos os Estados brasileiros, e isso certamente trouxe uma mudança inexorável no leque de temas que se abriu para a investigação histórica em nosso país. Leia Mais

História da Arte / Varia História / 2008

O presente dossiê inserido neste número da Revista Varia História do Departamento de História da UFMG apresenta uma série de textos especializados sobre o estudo e as preocupações da história da arte, para além de inéditas reflexões sobre o objeto artístico.

Os textos aqui em questão discutem e analisam a arte sobe o ponto de vista teórico-formal, mas também apresentam uma dinâmica histórico-cultural: do universo imagético ao sentido intrínseco. Como Panofsky afirmava é fulcral atravessar o quadro; é necessário passar da iconografia à iconologia, pois para este teórico a primeira não era apenas um meio, mas a compreensão global da obra de arte. É neste sentido que as pesquisas aqui escolhidas viajam desde o universo da forma, até uma acurada análise especializada do universo invisível da arte, isto é, as importantes questões culturais e históricas que possivelmente explicam um conteúdo específico.

Neste momento o principal objetivo foi o de difundir e tornar visível o universo da história da arte em suas diferentes aparições. Apresentar este universo artístico em suas mais amplas facilidades de estudo: o aspecto visível e o universo invisível, que, mesmo fora das linhas da objetiva visibilidade, está ali como ponto complementar. Mostrar as inúmeras possibilidades e o quanto esta disciplina pode apresentar conjunturas infinitas tanto para o estudioso que inicia suas pesquisas, como para o grande investigador. Foi a tentativa de propor ao estudioso da história da arte uma reflexão, uma espécie de provocação e por isso apresenta-se aqui um mundo de diversificações, de análises e de futuros estudos.

O campo aqui escolhido é bastante amplo, mas não foi nosso intuito criar uma visão panorâmica da história da arte, mas apenas mostrar as possibilidades de investigação que esta disciplina nos fornece. Nossa preocupação não foi dar um sentido linear (de pura continuidade) na organização, pois os assuntos são muitos diferentes e não apresentam continuidades específicas. Discute-se o ver a arte, seja simplesmente no seu aspecto formal, ou em suas particularidades culturais como uma aliança do conhecimento, mas nunca a partir de uma simples obrigatoriedade. Assim, apresentam-se ao leitor tanto as probabilidades imediatas do objeto em si, como ainda as análises das suas funções e do seu sentido retórico ou persuasivo.

É fundamental dizer que a história da arte não deve ficar exclusivamente presa a uma preocupação voltada para grandes problemas ou grandes soluções de atribuição de autoria. O que mais importa é saber o que representa esta ou aquela pintura, quais são seus universos e quais são as mensagens ali caracterizadas.

Com o exercício do olhar pode-se analisar tanto uma obra de arte antiga como outra contemporânea. Penso que está é a mensagem mais importante de todos estes artigos. Neste contexto as investigações aqui apresentadas nos mostram que a história da arte procede de problemas, por tendências e por confrontos, por encontros e desencontros e nunca por cronologia, com bem salienta o historiador de arte italiano Maurizio Fagiolo.

Outro aspecto que merece referir-se diz respeito ao conjunto de artigos aqui escolhidos. Trata-se de pesquisadores oriundos do Brasil, da Colômbia, do Canadá, da Itália, da França e de Portugal. As diferentes análises permitirão ao leitor interessado no estudo da história da arte criar diferentes comodidades para se pensar as inúmeras questões pertinentes não só ao campo da arte, mas também conectadas ao universo da história.

Da importância de refletir sobre o barroco toscano nasce o texto de Fauzia Farneti, da Università degli Studi de Florença. Sua pesquisa abrange estudos originais sobre o quadraturismo (pintura de falsa arquitetura) e o universo da arte setecentista barroca florentina. Trata-se de investigação pautada não só em relação a novas atribuições, como também no real entendimento da pintura perspéctica em Florença. Sua análise e metodologia mostram um estudo apurado ao pesquisador interessado na cidade de Florença não apenas como marco do Renascimento, mas também como centro difusor de um universo barroco pouco conhecido. Acreditamos que a língua original permitiria visualização melhor de seus conteúdos e conceitos, para além do fato de criar, junto com os demais uma coerência internacional.

O artigo de Paula André, professora do ISCTE de Lisboa discute os processos específicos e fundamentais no modo de ver e conceber a obra de arte. Sua pesquisa mostra que os aspectos formais estão vivos dentro dos pintores sejam eles do presente ou do passado. As formas viajam e não se pode perder de vista o sentido de apropriação num diálogo constante entre obra e artista.

O artigo de Roberto Carvalho Magalhães, professor da Università Internacionale dell’Arte de Florença é impecável nesta discussão da arte e do artista, pois sua formação invade dois campos muito próximos: o da arte e o da museologia. Roberto Magalhães trata destas e de outras questões de modo dinâmico e nos faz pensar muito sobre as inúmeras questões relativas ao universo da história da arte onde estamos sempre vinculados a conceitos e a especificidades.

O estudo de Alexandra Gago da Câmara, na Universidade Aberta de Lisboa, abrange um amplo conjunto de inventários fotográficos do pesquisador Santos Simões e sua repercussão no estudo do patrimônio azulejar em Portugal. Percebe-se um universo geográfico gigantesco traduzido em inventário e que permitirá constituir categorias específicas para futuras pesquisas. Salienta-se aqui a envergadura deste trabalho sempre inovando com metodologias inéditas na possibilidade de trazer à luz diferentes interpretações ao universo dos azulejos luso-brasileiros.

O artigo de Márcia Cristina Leão Bonnet, professora de história da arte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul intitulado A representação do Cristo Seráfico na igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro contempla estudos importantes sobre questões iconográficas associadas ao estudo do culto franciscano. Esta abordagem apresenta pesquisa iconográfica franciscana medieval e seu contínuo desenvolvimento até o período setecentista, alvo específico das investigações desta pesquisadora.

Outro texto que aborda importante artista baiano, chamado Vitoriano dos Anjos Figueiroa, é o artigo de Luís Alberto Freire, professor na Escola de Belas Artes da UFBA. Trata-se de um estudo minucioso de um artista que operou em Salvador, mas que em meados do século XIX inicia atividade em Campinas, São Paulo. Um texto bem construído e de grande fôlego.

As preocupações com o estudo da perspectiva como disciplina específica nas Academias Militares é o ponto fulcral do artigo de Jorge Galindo, professor na Universidad Nacional de Colombia. Suas preocupações voltam-se para o ensino da técnica da perspectiva junto ao universo dos engenheiros militares desde os séculos XV e XVI na Academia Real de Matemática de Barcelona.

O texto intitulado Arquitectura, Esquema, Significado – Problemas de semántica de la arquitectura de Dominique Raynaud na Université Pierre-Mendès-France em Grenoble diz respeito a questões concernentes a aspectos semióticos e semânticos na arquitetura. O autor afirma que a conexão de uma forma arquitetônica com o seu significado não acontece por acaso. Suas preocupações são extremamente complexas. Como exemplo o autor coloca a idéia de ascensão vinculada a diversas arquiteturas desde as pirâmides no Egito antigo, até as construções da atualidade. Tudo como exemplo de elevação, verificado desde a subida do faraó, ou desde a conquista da luz divina na arquitetura gótica ou mesmo o alto poder econômico dos edifícios na contemporaneidade, momento máximo de uma conquista social e presa a determinações financeiras.

Outro trabalho é o de Maria Helena Flexor, professora emérita da UFBA. Seu estudo desvenda a presença do escultor Pedro Ferreira que a autora salienta como obra muito importante, pouco estudada pela historiografia na Bahia.

Luís de Moura Sobral é professor titular no Departamento de História da Arte Université de Montréal. Este artigo intitulado Uma nota sobre o ilusionismo e alegorias na pintura barroca de Salvador da Bahia contempla uma série de pinturas expostas na igreja do antigo Colégio dos Jesuítas, como ainda analisa a pintura de falsa arquitetura no teto da Antiga Biblioteca do mesmo Colégio. Sua análise é minuciosa em relação ao português Antônio Simões Ribeiro em Salvador colocando-o como o criador da chamada “Escola Baiana de pintura”

O artigo intitulado A história da arte na encruzilhada, de autoria de José Alberto Gomes Machado, professor catedrático da Universidade de Évora nos brinda com questões importantes para a análise crítica da história da arte nos tempos atuais. Para além do tema em pesquisa, o autor lança uma questão polêmica e que merece destaque: pode se falar de uma história da arte global? Assim, José Alberto instiga o leitor a ver e a rever outras questões paralelas.

Acredito que este universo de visão e de experiências artísticas apresentadas possa constituir futuros estudos e que surjam novas preocupações em relação ao objeto artístico. As formas, o desenho, as variantes cromáticas e as questões intrínsecas dos mais diferentes formatos artísticos foram tratadas e expostas como novas possibilidades, marcando um renovado percurso que culminariam num estudo sistematizado, seja a partir da simples idéia do formato e de questões técnicas, seja em questionamentos e significados histórico-culturais completando esta infinita dimensão do estudo e das investigações da história da arte.

Não poderia deixar de manifestar o meu agradecimento aos convidados que aqui participaram e deram o seu contributo histórico na confecção deste dossiê. Agradeço ainda a antiga editora da revista, Prof.ª Júnia Furtado e a atual editora, Prof.ª Adalgisa Arantes Campos; finalmente, ao bolsista da FAPEMIG Mateus Alves Silva, que nos ajudou com toda a disposição no remate final e na organização dos textos apresentados no dossiê.

Belo Horizonte, Dezembro de 2008.

Magno Moraes Mello – Organizador do dossiê. Departamento de História / UFMG. E-mail:
magno@fafich.ufmg.br


MELLO, Magno Moraes. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.24, n.40, jul. / dez., 2008. Acessar publicação original [DR]

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História e Arte nas Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2007

O número 6 da Revista Eletrônica ANPHLAC apresenta o dossiê História e Arte nas Américas. A escolha do tema visa enfatizar a arte como constituida e constituinte do real, integrada às sociedades e a seus conflitos, e, nestes termos, como fonte impreterível para escrita da história. Os artigos que compõem este dossiê contemplam particularmente o cinema e a música. O primeiro, Desenvolvimentismo e cinema: convergências e contradições entre o ideário cinematográfico de Nelson Pereira dos Santos e Fernando Birri e o pensamento desenvolvimentista latino-americano, analisa as propostas teóricas dos cineastas Nelson Pereira dos Santos (1928-Brasil) e Fernando Birri (1925-Argentina) e suas respectivas relações com o pensamento nacional-desenvolvimentista latino-americano dos anos 50 e 60. Mônica Cristina Araújo trabalha, inicialmente, com a conceituação da ideologia desenvolvimentista, a partir do momento histórico de seu surgimento para, em seguida, abordar como a área cinematográfica refletiu este ideário reforçando ou rejeitando conceitos e preocupações.

Também elegendo o cinema como objeto da pesquisa histórica, Mariana Martins Villaça aborda a trajetória do cineasta Nicolás Guillén Landrián (1938 – 2003), frente às mudanças ocorridas em Cuba após a Revolução, enfocando o engajamento político no meio cinematográfico, nos anos sessenta e setenta. Limites da contestação no cinema documental cubano: a trajetória de Nicolás Guillén Landrián se debruça principalmente sobre os aspectos estéticos e políticos de seu polêmico documentário Coffea Arábiga (1968), produzido pelo Instituto Cubano del Arte e Indústria Cinematográficos, no qual este cineasta trabalhou entre 1961 e 1971, até ser expulso. Durante esse período, Guillén Landrian aprendeu técnicas de cinema com o renomado documentarista holandês Joris Ivens, contribuiu com o projeto de educação massiva denominado Enciclopédia Popular e destacou-se por seus curtas-metragens ousados, experimentais e politicamente contestatórios. Leia Mais