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Fantasmas modernos. Montagem de uma outra herança | Paola Berenstein Jacques
A modernidade é um fenômeno histórico altamente complexo, e que não pode ser facilmente enquadrado em perspectivas lineares ou unívocas. Qual seria a sua “verdadeira” natureza? Sintética (coesa e construtiva), ou analítica (fragmentária e destrutiva)? Voltada à integração das múltiplas artes, como na ideia alemã de “obra de arte total” (Gesamtkunstwerk), ou, ao contrário, como defendia Clement Greenberg, vocacionada à purificação e à autonomia de cada arte conforme suas técnicas e meios específicos? (1)
São muitas as correntes e vertentes modernas, com discursos múltiplos, dissonantes, e por vezes inconclusos e intervalares. Diversidade e polifonia que, no entanto, não evitou que essa mesma modernidade, confundida com os vários modernismos, e sua miríade de vanguardas, fosse lida como razoavelmente una e homogênea, e dotada de um discurso coerente, contínuo, teleológico e sem fissuras. Tendência generalizante das leituras históricas e historiográficas que é particularmente forte no caso da arquitetura e do urbanismo, onde a clara predominância das vanguardas de matriz construtiva eclipsou uma série de outras produções não alinhadas a ela. Produções estas que, uma vez amputadas de seu lugar e de sua organicidade histórica, parecem ter se tornado desgarradas, destituídas de sentido, entendidas como isoladas e estéreis, e, portanto, aparentemente incapazes de deixar heranças fecundas. Esse é o grande mito da modernidade que o belíssimo livro de Paola Berenstein Jacques –Fantasmas modernos: montagem de uma outra herança vol. 1 – vem contestar e desmascarar, refazendo minuciosamente as pontes dinamitadas, e revelando sementes muito frutíferas que nos pareciam invisíveis. Leia Mais
A imagem sobrevivente – DIDI-HUBERMAN (Topoi)
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Tradução de Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2013. Resenha de: Di GIOVANNI, Julia Ruiz. Histórias de fantasmas para gente grande. Topoi v.15 n.28 Rio de Janeiro Jan./June 2014.
Uma ciência da cultura
Georges Didi-Huberman, filósofo, historiador da arte e professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, é um autor de destaque: tem mais de trinta trabalhos publicados na França, muitos dos quais foram e continuam sendo traduzidos em diferentes países. Tendo a história da arte e a teoria das imagens como temas principais, seus trabalhos vão do Renascimento aos problemas da arte contemporânea, e têm sido recebidos com interesse renovado entre historiadores e antropólogos, mas também no campo crescente da curadoria de arte. É também como curador que Didi-Huberman vem ao Brasil, em 2013, na ocasião do lançamento de A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, trabalho publicado em versão original na França há mais de dez anos. Em conjunto com o lançamento do livro foi realizada, como uma das primeiras atividades a ocupar o espaço do recém-inaugurado Museu de Arte do Rio (MAR), a exposição Atlas suite. A mostra exibiu fotografias cujo objeto é outra exposição também curada por Didi-Huberman, esta muito maior, realizada em Hamburgo, em 2011: Atlas: como carregar o mundo nas costas, produzida originalmente em 2010 no Museu Reina Sofia, em Madri. Segundo a sinopse do MAR, tratava-se não de quadros, mas de “fantasmas” de uma exposição espalhados pelo chão do novo Museu.
Atlas, a exposição original de 2010, era um desdobramento dos estudos de Didi-Huberman sobre Aby Warburg (1866-1929), historiador alemão a que se dedica o extenso trabalho de A imagem sobrevivente: “Warburg é nossa obsessão, está para história da arte como um fantasma não redimido – um dibuk – para a casa que habitamos” (p. 27). Os modos de pensar de Warburg, tal como inspiram Didi-Huberman em seu percurso de produção teórica e agora também curatorial, recebem no livro um tratamento aprofundado, sendo apresentados menos por uma forma argumentativa linear do que por meio de séries de aproximações entre textos, imagens, referências teóricas e objetos de diversas naturezas. Demonstrando influências explícitas e implícitas nos estudos deste “antropólogo das imagens” – Burckhardt e Nietzsche, Lucien Lévy-Bruhl, E. Tylor, Darwin, entre outros – e propondo relações intensas entre sua abordagem e as proposições de contemporâneos – Sigmund Freud e Walter Benjamin, fundamentalmente -, Didi-Huberman busca destacar elementos para uma apreensão de Warburg que vai muito além da história da arte antiga e do Renascimento a que este em princípio se dedicara. Para o autor, trata-se fundamentalmente de reconhecer em Warburg modelos temporais, culturais e psíquicos que abrem a história da arte a “problemas fundamentais”, em grande medida “impensados” da disciplina, não por fornecer-lhe uma lei geral alternativa, mas por colocar as singularidades das imagens para funcionar na descrição das relações entre modos de figuração e modos de agir, de saber ou de crer de uma sociedade: “passamos de uma história da arte para uma ciência da cultura” (p. 41).
Uma compreensão expandida da obra de Warburg como teoria da cultura tem motivado interesse crescente em suas ideias e inspirado diversas extensões de seus conceitos e procedimentos metodológicos, construídos no contexto de estudos da arte renascentista e barroca, para as análises da sociedade industrial e contemporânea. José Emilio Burucúa já indicou a importância desse entusiasmo por um sistema warburguiano percebido como capaz de englobar os conflitos do tempo presente, identificando na última década certa tendência desses interesses a se converterem em uma moda intelectual ou mania acadêmica na América Latina.1 A publicação do livro de Didi-Huberman, embora possa ser lida superficialmente como reforço dessas extrapolações tão interessantes quanto arriscadas, propõe ao leitor brasileiro a possibilidade de uma confrontação mais aprofundada com a densidade do pensamento de Warburg. O estudo detido de Didi-Huberman – organizado em três grandes segmentos: a imagem-fantasma, a imagem-páthos e a imagem-sintoma – oferece uma série de elementos a serem problematizados no percurso (que tanto nos interessa) de formulação de teorizações mais gerais sobre a cultura que tenham a arte e as imagens como foco e como perspectiva a partir da qual pensar as relações sociais e sua historicidade.
A indagação sobre as estruturas e dinâmicas dos regimes visuais que Warburg inspira parece acenar com a possibilidade de acedermos, por meio da complexidade das imagens, ao “olho do furacão” dos processos sociais, abarcar os lapsos e esquecimentos, recuperar tudo o que parece escapar a modos verbais e lineares da escritura da história. A obsessão pelas imagens está ligada, como afirma Stéphane Huchet, a um fascínio em torno do “estrato da experiência e da intuição anterior às formalizações científicas” e de uma ambição de incorporação dessa dimensão ao saber teórico.2 Essa ambição intelectual, se considerada apenas a partir de Warburg, já apresenta manifestações múltiplas o suficiente para ser irredutível a qualquer moda passageira. Mas admitindo, como propõe Huchet, estarmos na presença de “certa atmosfera warburguiana”, é relevante deixar-nos guiar pela leitura de Warburg construída por Didi-Huberman: não para reproduzi-la impensadamente, mas sobretudo para buscar entender quais são as particularidades da imagem que nos prometem ver o que fontes de outra natureza não mostram. De que modo, segundo ele, na ciência warburguiana da cultura, as imagens se tornam não apenas objetos do pensamento, mas elementos com os quais pensar o passado, o presente e o futuro?
Sobrevivência e fórmula gestual
Segundo Didi-Huberman, Warburg foi um pesquisador dotado de “maravilhosa lucidez quanto à história transindividual de seus objetos de estudo e paixão: as imagens” (p. 423-424). A primeira chave de apreensão dessa sensibilidade é um conceito tão fundamental quanto, dirá Didi-Huberman, mal interpretado: a sobrevivência ou Nachleben. Antes de mais nada, o modo de análise criado por Warburg nos coloca diante da imagem como algo que não se define apenas por um conjunto de coordenadas positivas (como autor, data, técnica, iconografia etc.). Uma composição visual é uma sedimentação de uma multiplicidade de movimentos históricos, antropológicos e psicológicos que começam e terminam fora dela. Não é um corte em uma linha do tempo, mas um “nó” de temporalidades: “ficamos diante da imagem como diante de um tempo complexo” (p. 34; destaque do autor). Onde a história da arte precedente explicava o “retrato” como gênero das belas-artes surgido no Renascimento graças ao triunfo do humanismo, do indivíduo e de novas técnicas miméticas, Warburg encontrará uma forma em que se entrelaçam marcas de diferentes tempos: práticas pagãs antigas, formas litúrgicas medievais cristãs e problemas artísticos e intelectuais do século XV italiano. Nessa perspectiva, a obra de arte não se deixa resolver tão facilmente pela história, apresenta-se antes como um “ponto de encontro dinâmico” (p. 41) de historicidades heterogêneas e sobredeterminações: relações com as múltiplas dimensões da vida, com os modos de agir, pensar ou crer, sem os quais toda imagem, segundo Warburg, perderia “seu próprio sangue” (p. 41). Haveria assim uma dinâmica interna das imagens, um tempo que lhes é próprio: denso, porque formado de sobreposições e misturas entre instâncias históricas particulares. A sobrevivência, do alemão Nachleben, é o nome deste tempo, afirma Didi-Huberman.
Inspirada inicialmente pelo uso do termo por Edward Tylor (survival) para descrever os vestígios de um estado social já desaparecido, que resiste sob formas deslocadas – como o arco e a flecha de guerras antigas sobrevivem como brinquedos infantis -, a noção warburguiana designa a intrusão de formas anacrônicas que obriga a uma visão complexa do tempo histórico. Embora evoque um horizonte epistemológico evolucionista, a forma sobrevivente de Warburg não é aquela que vence suas concorrentes em uma corrida contra a morte, e sim a forma inapta que sobreviveu subterraneamente ao próprio desaparecimento para reemergir de modo inesperado em outro ponto da história. Ao introduzir o conceito de sobrevivência para discutir o Renascimento italiano, período a que estava remetida a invenção da história da arte como tal, Warburg lançava luz sobre o caráter fundamentalmente impuro desse renascimento, pois “cada período é tecido por seu próprio nó de antiguidades, anacronismos, presentes e propensões para o futuro” (p. 69). Isso equivalia, segundo Didi-Huberman, a comprar uma briga quanto ao estatuto do discurso histórico em geral (p. 60-66).
Inspirado por Burckhardt, como afirma Didi-Huberman, Warburg reconheceria essa complexidade da articulação temporal como uma articulação formal (p. 89). Na arte, a forma dos detalhes, o movimento dos adornos ou as nuances cromáticas são vestígios dos conflitos em ação no tempo, as formas são portanto vivas, portadoras de jogos de força em estado de latência. É nesse sentido que as imagens de que trata Didi-Huberman são “sobreviventes”: formas da sobrevida de tensões já mortas, disponíveis para assombrar as periodizações e causalidades definidas pela história. Warburg definiria a história das imagens que praticava como uma “história de fantasmas para gente grande” (p. 72), pois desvelava em sua temporalidade específica, híbrida, a palpitação de conflitos que, apesar de enterrados, pareciam nunca encontrar repouso.
Uma morfologia das imagens sensível a seu caráter de “nó” temporal jamais pode prescindir de registrar seu caráter dinâmico: “não há morfologia, ou análise das formas, sem uma dinâmica, ou análise das forças” (p. 90), afirma Didi-Huberman; “toda a problemática da sobrevivência passa, fenomenologicamente falando, por um problema de movimento orgânico” (p. 167). O segundo conceito central daquilo que o autor chama de “lucidez” warburguiana a respeito do caráter das imagens responderia a este problema: de que modo as formas dinâmicas do tempo sobrevivente se manifestam como movimentos dos corpos?
A questão conduziu o historiador a uma antropologia das formas do gesto intensificadas por sua recorrência em tempos históricos e modos de representação díspares, da Antiguidade ao século XX europeu, passando pelos hopis na América do Norte. Warburg reconheceu essas formas recorrentes como fórmulas, modos de operação da tragicidade do tempo. Chamou-as de Pathosformeln, ou fórmulas de páthos. O conflito não resolvido estaria contido em uma memória do gesto, em uma tensão corporal que se repete deslocada, transformada ou convertida em seu contrário, como as mênades pagãs que reaparecem nos anjos renascentistas. Graças a sua atenção às imagens, Warburg teria encontrado vínculos entre o problema do tempo histórico e o tempo psíquico nos corpos agitados por afetos. As contorções, inclinações e texturas da forma humana, sua força patética, fornecem a matéria das imagens fantasma. A pesquisa sobre as fórmulas primitivas ou sobreviventes do movimento corporal era um caminho para compreender o que esse “primitivo” ou “antigo” queria dizer no presente (p. 193).
Lições do olhar
Ao explorar os conceitos de sobrevivência e fórmula de páthos construídos por Warburg, Didi-Huberman desenvolve a que talvez seja a proposição central de A imagem sobrevivente: a complexidade das imagens tal como tratada por Warburg é de natureza “sintomal”. Do entrelaçamento entre o presente do páthos, o passado da sobrevivência e a imagem do corpo, ele dirá: “Que é afinal esse momento senão o do sintoma (…) no qual só permite pensar a psicanálise freudiana, contemporânea de Warburg?” (p. 229).
O sintoma freudiano é o modelo que Didi-Huberman utilizou para demonstrar a atualidade das tensões que o olhar de Warburg destacava nas imagens e extrapolar esse olhar, desenvolver como formulações mais gerais seus modelos temporais e semióticos. Como sintoma, segundo o autor, é que as imagens se tornam uma via de acesso aos processos invisíveis e formas paradoxais da cultura: a imagem é nesse sentido um retorno do conflito recalcado sob uma forma deslocada, uma “formação de compromisso”. A clínica da histeria teria fornecido ao próprio Warburg um modelo sintomatológico para interpretar as fórmulas expressivas e encontrar nas imagens a temporalidade latente dos traumas.
No entanto, ao contrário do médico que busca reduzir a mobilidade de corpos atravessados por crises a um quadro de regularidades, Warburg teria buscado preservar e incorporar em sua leitura da história da arte as descontinuidades, diferenças e incongruências entre manifestações das mesmas fórmulas. Segundo o autor, a epistemologia de Warburg é definida pelo procedimento de montagem. Na criação de Mnemosyne – o atlas aberto em que Warburg criava e recriava composições de imagens em busca de uma interpretação das fórmulas de páthos – e de sua própria biblioteca, Warburg teria antecipado a ideia de montagem de Walter Benjamin, que aproxima a construção cinematográfica contemporânea das operações de quebra e recomposição próprias dos processos mnemônicos (p. 419).
Didi-Huberman encontra assim “lições do olhar” ensinadas por Freud e Benjamin como chaves para a compreensão e o desdobramento de uma abordagem warburguiana das imagens em geral e, mais além, de todo objeto da cultura – como “tensão em ato” (p. 162). A leitura do movimento, a descrição da estrutura contraditória dos gestos e a dialética das relações entre imagens, apreendida por seu incessante deslocamento combinatório, por uma atitude interpretativa que recusa a se fechar: “Warburg havia compreendido que devia renunciar a fixar as imagens“, afirma o autor (p. 389).
Warburg sintoma
O sintoma como categoria crítica, dirá Didi-Huberman, e a montagem como operação investigativa e interpretativa seriam portanto definidores de um modo de estar diante das imagens que encontra atualmente novos desenvolvimentos, como ramos ressecados que inesperadamente se põem a brotar fora de estação (p. 428). Não é esse o tema warburguiano por excelência, o das coisas que rebentam fora de seu tempo “natural”? É também por meio da descrição freudiana da formação dos sintomas psíquicos que Didi-Huberman apresenta ao leitor o fundamento “anacrônico” desse olhar sobre a cultura: assim como uma lembrança recalcada só ganha dimensão de trauma a posteriori, na medida em que reemerge distorcida na forma do sintoma, as “fontes primitivas” da imagem só se constituem no processo de seu reaparecimento (p. 289).
Para Didi-Huberman, esse movimento estrutura a maneira warburguiana de perscrutar o antigo a partir de suas reconfigurações contemporâneas. A conferência de 1923 sobre o ritual da serpente, que Warburg apresenta no sanatório onde se encontrava internado em grave crise psicótica, é considerada por Didi-Huberman uma síntese epistemológica. A um só tempo uma regressão e uma invenção: no momento da crise, o retorno ao périplo passado – a viagem ao território hopi realizada trinta anos antes – possibilita a produção de um novo conhecimento, “que tirou do fato de estar em perigo os fundamentos de sua eficácia” (p. 318).
Como teórico e curador, Didi-Huberman não deixa de mimetizar os procedimentos que identifica em Warburg, buscando apresentar ideias e imagens em seu caráter estruturalmente dúbio e parcialmente inacessível, sujeitando-as de modo explícito a “deslocamentos” ou “desvios”. As formas de montagem caleidoscópica que apresenta em seus textos e nas exposições que tem organizado fornecem, hoje, provavelmente, o paradigma mais visível e persuasivo para a recepção dos trabalhos de Warburg – que se torna mais presente no Brasil com a publicação.
Parece pertinente dirigir a essas formas a pergunta que nos ensinam: a que responde, no presente, o emprego das figuras da sintomatologia e da montagem modernista na narrativa historiográfica ou antropológica? A aspiração por uma anticiência, que ambiciona dar a ver as instâncias obscuras ou recalcadas da história, não deixa de ser uma das fórmulas patéticas que habitam nossas práticas de pesquisa e modas intelectuais. Seria desejável nesse sentido interpretar os conflitos persistentes e novos compromissos que se manifestam no destaque que vem recebendo a obra de Warburg e nas proposições sobre essa obra feitas por Didi-Huberman. Nas aproximações sempre férteis entre história e antropologia, sob inspiração do próprio autor, devemos estar dispostos a ler tais proposições e seus modos de difusão como sintomas, observar atentamente sua forma e temporalidade.
Em grande medida, o Warburg que vemos surgir no livro de Didi-Huberman – fortemente freudiano e benjaminiano, deleuziano em algumas passagens – é, ele mesmo, uma imagem: fantasma, montagem e sintoma. O Warburg “pescador de pérolas” (p. 423), mestre dos procedimentos intelectuais que nos parecem indispensáveis para a decifração do tempo presente (este tempo em que as imagens se multiplicam tão vertiginosamente a ponto de não mais as vermos), não nos precede cronologicamente apenas, como uma forma original resolvida, transmitida por imitação. Ele se constitui no próprio processo de deslocamento graças ao qual (re)aparece ao nosso interesse, uma “origem que só se constitui no atraso de sua manifestação” (p. 289).
1 BURUCÚA, José Emilio. Repercussões de Aby Warburg na América Latina. Concinnitas, Rio de Janeiro, v. 2, n. 21, dez. 2012. Disponível em: <http://concinnitas.kinghost.net/texto.cfm?edicao=21&id=97>.
2 HUCHET, Stéphane. O historiador e o artista na mesa de (des)orientação. Alguns apontamentos numa certa atmosfera warburguiana. Revista Ciclos, Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 3-18, set. 2013. Disponível em: <www.revistas.udesc.br/index.php/ciclos/issue/view/291/showToc>.
Julia Ruiz Di Giovanni – Doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: judigiovanni@gmail.com.
Les invasions barbares: une généalogie de l’histoire de l’art – MICHAUD (Topoi)
MICHAUD, Éric. Les invasions barbares: une généalogie de l’histoire de l’art. Paris: Gallimard, 2015. 320p.p. Resenha de: DOSSIN, Francielly Rocha. O imaginário europeu sob o fantasma da filiação: sobre a racialização da arte e sua história. Topoi v.18 n.36 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2017.
“Nos pères les Germains”, Montesquieu.
Éric Michaud é historiador da arte e diretor de estudos na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris (École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS). Suas pesquisas giram em torno dos projetos artísticos que visaram a construção do novo homem, especialmente nos séculos XIX e XX. Há alguns anos tem se dedicado a compreender a distinção que a história da arte europeia, a partir do século XIX, fez entre norte e sul. Michaud pesquisa a criação dessa divisão, fundamentada por concepções nacionalistas e racializadas, a partir da leitura de autores como Wölfflin, Schlegel, Riegl, Courajod e Viollet-le-Duc.
Pouco conhecido no Brasil, Michaud ainda não obteve uma tradução de fôlego no país. A publicação mais próxima que dispomos é a argentina La estetica nazi – un art de la eternidade (Buenos Aires: Adriana Hidago, 2009, 397p.),1 seu livro anterior.2 Nessa obra o historiador francês empenhou-se no estudo do projeto estético nacional-socialista alemão, sendo exemplo cabal do uso da arte como prova da autoproclamada superioridade ariana. Michaud mostra como os usos da arte podem estar em posição contrária à “reconciliação” entre povos e como se dá o vínculo inseparável entre projetos políticos e estéticos. Como revela o subtítulo original, “Uma arte da eternidade”, a arte nazista propunha uma negação do tempo e da história. A inspiração para essa negação vem do cânone atemporal atrelado à noção de raça na história da arte. Essa problemática, que também circunda o último livro lançado, é tratada com a mesma erudição de seus textos anteriores. As invasões bárbaras: uma genealogia da história da arte3 é uma publicação da coleção Nrf Essais da editora francesa Gallimard. Resultado de uma pesquisa conduzida em 2010 no Institute for Advanced Study (Universidade de Princeton) e financiada pela fundação franco-estadunidense Florence Gould Foundation Fund. Na obra, Éric Michaud demonstra como concepções raciais foram fundantes da história da arte como disciplina.
Para o autor, “a história da arte começou com as invasões bárbaras”4 (p. 11), uma afirmação forte, mas que não significa que a história da arte tenha começado nos séculos IV e V com as invasões ao Império Romano, tampouco que a arte não possuísse história antes delas, mas sim que a disciplina só se fez possível quando, entre os séculos XVIII e XIX, as invasões começaram a ser entendidas e narradas como o “(…) evento decisivo pelo qual o Ocidente se engajou na modernidade, ou seja, tomou consciência de sua própria historicidade” (p. 11). A noção de que os bárbaros foram aqueles que destruíram a Europa clássica se inverte a partir do romantismo, momento em que passam a ser entendidos como aqueles que construíram o continente. Há nesse momento uma grande mudança na representação sobre o passado, criando-se uma grande oposição entre nórdicos (enérgicos e masculinos) e latinos (decadentes e femininos).
“Sobre um fantasma da filiação” é o título da introdução na qual o autor nos apresenta as linhas gerais de sua obra, mostrando como a partir de 1800 os “bárbaros” começam a ser entendidos como “um povo” vigoroso, forte e criativo, que trouxe renovação e rejuvenescimento de todas as ordens através da “injeção” do novo sangue, das raças nórdicas, no “corpo” dos povos do Império decadente. O “gênio5 nórdico” passa então a ser valorizado em detrimento da “latinidade”.
A história da arte, que surge com um viés antirromano e anticlassicismo, é uma criação romântica, contemporânea à criação dos Estados-Nações e ao desenvolvimento do nacionalimo na Europa. Sua genealogia nos remete a uma determinada organização histórica e política inerente ao regime de visualidade racializado. As relações entre história da arte e o modelo arqueológico e antropológico também ajudam a compreender como se deram as preocupações com as origens étnicas e raciais, pois tinham objetivos semelhantes: determinar o pertencimento de origem de um objeto. A maior parte dos departamentos de história da arte nas universidades europeias é de “história da arte e arqueologia”, um exemplo dessa relação estreita entre ambas as disciplinas. Tanto a arqueologia quanto a história da arte tinham por tarefa associar “(…) seus objetos a grupos raciais se baseando em alguns signos visíveis” (p. 23). Essa procura por uma filiação, muitas vezes fantástica, levou a compreensão da estética como algo ligado ao sangue e à raça e serviu para que a “Europa projetasse no passado, seu projeto político nacional e racial” (p. 16). Assim, entendemos como “(…) a história da arte se inscreveu na grande narrativa da guerra das raças” (p. 16).
No primeiro capítulo, intitulado “Do ‘gosto das nações’ ao ‘estilo de raça’”, Michaud revela o caráter fantasmático, imaginário e confuso de noções basilares da disciplina, a exemplo das ideias de gosto e estilo que facilmente se confundiam com construções raciais. O “estilo” foi uma forma de visualizar, teorizar e hierarquizar diferenças. Daí teriam surgido divisões como “arte latino-mediterrânea” e “arte nórdico-germânica”.
Já no segundo capítulo, intitulado “Automiméses e autorretrato dos deuses”, Michaud mostra como se construiu determinada “leitura” da antiguidade (a mesma que posteriormente o projeto nazista portará, mas desta vez como uma caricatura). Um dos historiadores mais presente neste momento é Johann Joachim Winckelmann, considerado por muitos como o pai da história da arte (e da arqueologia científica). Winckelmann empreendeu uma busca pela pureza da arte antiga grega, ideal que para Michaud está intrinsecamente ligado à noção de pureza racial e à idealização da beleza humana, a exemplo da invenção do perfil grego. A análise dos textos de Winckelmann revela também o desenvolvimento de uma narrativa a-histórica e cristã. Nas palavras de Éric Michaud: “(…) foi, portanto, um modelo cristão que estruturou essa narrativa: o ideal era a encarnação do Espírito na história – mas na história da Grécia antiga” (p. 88), a arte grega espelhava, para Winckelmann, deuses autorretratados.
No terceiro capítulo, “As invasões bárbaras ou a racialização da história da arte”, o autor aprofunda sua tese central na qual identifica na reinterpretação das invasões bárbaras o ponto decisivo da racialização da história da arte. Aqui vemos como o processo de “desbarbarização” dos povos outrora bárbaros e considerados sem arte e sem cultura possibilitou a inversão romântica e produziu o modelo histórico e cultural que agenciou a narrativa da disciplina história da arte. Ao longo da leitura somos introduzidos a conceitos como o de “tempo de incubação” (temps d’incubation), essenciais para compreender a visão evolucionista da arte. Segundo Michaud:
Ela [a noção de tempo de incubação] se comunicava com os conceitos de despertar,6 de reminiscência, e especialmente de sobrevivência que ele [Louis Courajod] lidava com talento para lançar constantemente pontes entre os planos biológico e cultural a fim de estabelecer uma natureza hereditária da transmissão das formas no espaço e no tempo. (p. 133)
Com a reabilitação dos povos bárbaros, surge outro grande inimigo das artes: o judeu. Se uma das tarefas da história da arte era mostrar como a arte representava um povo em suas qualidades e tradições, o judeu, sem um território constante, ficava fora dessa narrativa. A visão comum era de que os judeus, egoístas, eram incapazes artisticamente de se verem como um povo, uma nação. Eram iconoclastas e, portanto, insensíveis à beleza plástica. O judeu passa aos poucos a ser não só aquele que não tem arte, mas também o destruidor da cultura. Isso se dá principalmente depois da emancipação judaica.7 Esta tese está presente no quarto capítulo, “Um novo bárbaro: o judeu sem arte”.
No último capítulo, “O sangue dos bárbaros: estilo e hereditariedade”, encontramos outros conceitos e problemas que dão suporte à tese do autor. A história da arte como evolução é observada na oposição da tatilidade antiga do sul à opticalidade moderna do norte e também nas disputas acerca das origens do gótico. São vários os diálogos entre a visão evolucionista e racializada da história da arte e o pensamento de autores como Conde de Gobineau,8 por exemplo.
Outro conceito que nos é apresentado é o de Kunstwollen (vontade da arte), desenvolvido por Aloïs Riegl. Para Michaud, o conceito de vontade da arte está imbuído de um essencialismo psicológico nacional e racial. Caso semelhante é o conceito de Rassencharakter (Caráter racial), que Wölfflin creditava ser o responsável pelo estilo de um povo. No entanto, Michaud não foi o primeiro a observar as estreitas relações entre história da arte e teorias raciais. Meyer Shapiro já havia afirmado em 1936:
As teorias raciais do fascismo apelam constantemente às tradições artísticas (…). Onde, senão nos restos artísticos do passado, um nacionalista encontra as provas tangíveis de seu caráter racial imutável? Sua própria experiência se limita a uma ou duas gerações; somente os monumentos artísticos de seu país lhe asseguram que seus ancestrais eram como ele, e que seu próprio caráter é um legado permanente enraizado no seu sangue e no seu solo. Já faz um bom século que o estudo da história da arte tem sido usado para essas conclusões. (Apud Michaud, 2015, p. 211)
É verdade que os historiadores da arte mais lidos, como Aby Warbug, não são diretamente citados, entretanto, Michaud problematiza a metodologia de Giovanni Morelli (sob o pseudônimo de Ivan Lermolieff), revisitado por Carlo Ginzburg, para desenvolver seu “paradigma indiciário”, bastante utilizado por historiadores que tratam de arte, imagens, iconografia. Para Michaud, o método morelliano é outro exemplo de procura por indícios raciais e que faz parte de uma relação estabelecida anteriormente entre a “morfologia dos povos e as formas artísticas que produzem” (p. 64).
Nessa obra o conceito de raça tem uma conotação diversa da que ganha dianteira com o racismo científico. Por isso, sentimos falta de maiores contornos para o termo. No entanto, o autor está ciente dessas nuances e nos mostra que os termos raça, povo, nação, etnia foram utilizados de forma totalmente intercambiável por muitos dos autores que cita.
Para finalizar, cabe uma crítica relativa ao epílogo, intitulado “A etnização da arte contemporânea”. Nessas quatorze páginas, o autor defende que a crença de que uma arte representa um povo ou uma raça perdura não só nas classificações e divisões museológicas por nações e origens, mas também no que ele chama de “etnicização da arte”, que seria um fenômeno presente desde os anos 1950. Para ele, a universalidade abstrata, um dos princípios do mundo romano, continua a ser acusada de oprimir as singularidades dos diferentes povos; universalidade esta atualizada por meio da globalização. Tal queixa, para o autor, vem de uma visão romântica contra o que seria o poder normativo do classicismo. Michaud observa que o mercado de arte contemporânea tem sobrevalorizado as origens étnicas das obras de arte e dos artistas. Um dos casos lembrados pelo autor é a arte dos inuítes e como ela teria sido organizada pelo mercado de forma a valorizá-la, encerrando-a na constituição de um ideal de “pureza” de suas origens étnicas.
É possível observar um paralelo com a tese apresentada anteriormente, afinal, com a valorização de artistas fora do eixo Europa-Estados Unidos, não estaríamos assistindo a uma nova “reabilitação dos povos bárbaros”? Pode-se observar, por exemplo, como artistas africanos e afrodescendentes nas Américas e na Europa têm emergido em importantes espaços expositivos. Não seria esse outro momento de “desbarbarização” dos povos outrora considerados sem arte e sem cultura? Lembramos especialmente o caso da África por ter sido o continente que por muito tempo foi considerado o exato oposto da Europa. E por isso, sem leis, sem cultura, sem história e sem arte.9
Se, por um lado, podemos afirmar com o autor que uma compreensão racial baliza a compreensão da arte na contemporaneidade, por outro, Michaud parece nivelar a produção contemporânea como sendo um produto do interesse “étnico”. Nos últimos anos vêm ocorrendo uma maior participação de artistas oriundos de países chamados “periféricos” ao mundo da arte. É verdade que parte desses artistas conquista espaço através de rótulos relativos à origem, como, por exemplo, “arte latino-americana”, “arte do mundo árabe” ou “arte africana”. Por outro lado, vários desses artistas procuram colocar essas noções em xeque. Os próprios artistas lutam para se livrar dessa etiqueta que acaba por enclausurá-los na função de porta-vozes de uma nação ou de um determinado povo. Muitos artistas questionam e criticam esse olhar balizado a partir do interesse pelo “exótico” ou por uma “diferença construída”. A poética desses artistas acaba centrando-se no intuito de desconstrução da visualidade racializada que embalou e embala o ocidente. Eles assim o fazem, tal como o faz Michaud, demonstrando como tais critérios fazem parte do atual momento histórico marcado pelas estruturas e práticas racializadas.
É significativo que a obra se encerre abordando a arte contemporânea, afinal, as perguntas que fazemos ao passado são fruto das preocupações que temos com o presente. Em suma e ao final da leitura, a obra provoca os historiadores da arte a se colocarem uma questão capital: como pensar a historicidade da arte e sua narrativa fora do âmbito genealógico das filiações?
As invasões bárbaras apresenta uma grande contribuição à historiografia da arte, não apenas porque traz, com erudição, uma pesquisa excelentemente realizada, mas porque dialoga com as mais agudas preocupações da contemporaneidade. Se hoje sobra à História o exercício da autocrítica e da reflexão sobre sua própria escrita, faltava à História da Arte a coragem de se colocar algumas questões difíceis e incontornáveis impostas por nosso presente. Neste livro, Michaud realiza uma reflexão preciosa sobre a história, a ética e a estética da história da arte e as representações e sentimentos fundantes desta disciplina. Para quem se interessa por temas ligados não só à História da Arte, mas às questões ligadas à visualidade, em especial ao regime de visualidade racializado, esta obra é leitura imprescindível, e por isso espero que não tardemos a ver uma tradução em português.
1Un art de l’éternité. L’image et le temps du national-socialisme. Paris: Gallimard, 1996, 392p. (A obra contou também como uma tradução em língua inglesa: The Cult of Art in Nazy Germany. Trad. Janet Lloyd. Stanford: Stanford University Press, 2004, 276p.).
2Michaud é autor de outros livros que ainda não foram traduzidos para a língua estrangeira. Cf. <http://cehta.ehess.fr/index.php?/membres/membres-associes/163-eric-michaud>.
3Algumas questões centrais das quais o autor se ocupou no livro já tinham sido apresentadas em um artigo que publicou previamente na revista estadunidense October (n. 139, p. 59-76, inverno de 2012) sob o título “Barbarian Invasions and the Racialization of the Art History”.
4Todas as citações dos originais em língua estrangeira foram traduzidas por mim.
5A palavra gênio é utilizada aqui não no sentido de extraordinário talento, potência intelectual e/ou conhecimento, mas no sentido, mais comum em francês (génie), de características e qualidades próprias e distintivas de algo e/ou alguém.
6Réveil pode ser traduzida como “despertar”, referindo-se a um processo de renascimento.
7Refiro-me aqui ao processo, que se deu entre o século XVIII até o século XX, de libertação dos judeus na Europa, expresso principalmente pela abolição de leis discriminatórias e pela conquista de direitos civis.
8Bastante conhecido no Brasil e pelos estudiosos das relações raciais, pois, como diplomata, serviu no Brasil e seus escritos representam um resumo claro do racismo do século XIX.
9Lembro aqui o já bastante citado excerto da introdução de Fundamento geográfico da história Universal de Hegel: “A principal característica dos negros é que sua consciência não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com sua própria vontade, e onde ele teria uma ideia geral de sua essência. (…) O negro representa, como já foi dito, o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos de sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a ideia de caráter humano. (…) Entre os negros, os sentimentos morais são totalmente fracos — ou, para ser mais exato, inexistente. (…) Com isso, deixamos a África. Não vamos abordá-la posteriormente, pois ela não faz parte da história mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar. (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da história. Brasília: Ed. UnB, 1995, p. 84-88).
10Como citar – MICHAUD. Éric. Les invasions barbares: Une généalogie de l’histoire de l’art. Paris: Gallimard, 2015. p. 320. Resenha de DOSSIN, Francielly Rocha. O imaginário europeu sob o fantasma da filiação: Sobre a racialização da arte e sua história. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro, v. 18, n. 36, p. 690-695, set./dez. 2017. Disponível em: <www.revistatopoi.org>.
Francielly Rocha Dossin – Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: frandossin@gmail.com.
Galilée critique d’art | Erwin Panofsky
Once again, Erwin Panofsky returns to the publishing scene. In 2016, Galilee critique d’art was again published by Les impressions nouvelles. But, in fact, it is not just Panofsky’s return. In the French-speaking world, his text was hardly ever published alone. It was almost always accompanied by either Nathalie Heinich’s foreword or Alexandre Koyré’s review, or by these two works whose considerations gained a weight almost equivalent to Panofsky’s own text. On the one hand, Heinich elucidates, in the wake of Pierre Bourdieu, the fruitful method implied in the analyzes of the art historian. On the other, Koyré affirms and unfolds the reach of Panofsky’s statements that surpass his place of comfort, those based on the field of the history of the sciences, in which Koyré is considered an authority. And this is how the texts of Heinich, Panofsky and Koyré configure what comes to us as the book Galilee critique d’art.
In this work, Panofsky presents us with a series of statements that, in any way, could be included in the foreseeable assertions. It is in the midst of a disputatio over the superiority of painting or sculpture, a field where Leonardo da Vinci once engaged, which he places the mathematical physicist Galileo Galilei. In describing him, he does not speak of physical and astronomical theories, but of artistic tastes, he speaks of a character who knew by heart the latin classics, who loved Ariosto and repudiated Tasso, who was a designer and profound connoisseur of painting – even more inclined to study it than mathematics – who was a close friend of the painter Ludovico Cigoli, and for this very reason he was involved in the battle between the partisans of the painting and the sculpture, initiated in century XV. Leia Mais
Hélio Oiticica: folding the frame | Irene Small
Na História da Arte do século XX, Hélio Oiticica ocupa uma posição crucial, sendo indispensável para as versões transnacionais da (neo)vanguarda e para as narrativas pós-coloniais que buscam desafiar dos modelos de transmissão artística baseados na noção de centro-periferia. Uma vez que a carreira de Oiticica encarnou uma transição do modernismo tardio para o contexto contemporâneo globalizado, suas práticas heterogêneas figuraram em exposições recentes e em relatos históricos da arte que buscavam compreender as geografias mais abrangentes da arte moderna e contemporânea. Entre essas iniciativas, vale destacar a Documenta X (1997), de Catherine David, a exposição “Out of actions: between performance and the object, 1949-1979”, no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles (LA MoCA) e Contemporary art: world currents, livro de Terry Smith (Pearson, 2011). Embora sejam esforços admiráveis, existe ainda o risco de que esse tipo de abordagem incorra em um tipo de tokenização. De fato, a arte de Oiticica pode ser imbuída de certo exotismo, em virtude de suas origens não euro-americanas, de um imaginário erótico do Brasil. E, ao mesmo tempo, suas inovações formais são perfeitamente incorporadas a um cânone contemporâneo ampliado como construtivismo do pós-guerra (Zelevansky, 2004), arte conceitual (Alberro e Stimson, 1999), cinema expandido (Michalka, 2004), performance (Jones e Heathfield, 2012) ou participação (Bishop, 2006).
Enquanto primeira monografia em inglês sobre o artista, Hélio Oiticica: dobrar a moldura, de Irene V. Small (University of Chicago Press, 2016), enfrenta, portanto, um desafio triplo: narrar uma mini-história do Brasil e de sua arte em meados do século XX, analisar as inovações formais de Oiticica em relação às vanguardas históricas e a um reconhecido cânone euro-americano da arte do pós-guerra, além de propor uma metodologia para o estabelecimento de uma História da Arte no contexto contemporâneo da globalização. Leia Mais
Modos | Unicamp | 2017
Criada pelo Grupo de Pesquisa MODOS – História da Arte: modos de ver, exibir e compreender, a revista MODOS (Campinas, 2017-) objetiva publicar textos que visam discutir a produção artística, crítica e [produção] historiográfica dedicada às artes visuais em suas várias dimensões, dando ênfase aos lugares de exibição, à circulação, às coleções e às narrativas que instituem como percebemos, interpretamos e divulgamos a produção artística e o objeto de arte. MODOS está vinculada a seis Programas de pós-graduação em Artes/Artes Visuais (UnB, UNICAMP, UFRJ, UFRGS, UFBA e UERJ).
A revista aceita artigos (em português, espanhol e inglês), traduções, entrevistas e resenhas de livre tema, bem como textos para dossiês temáticos, organizados por pesquisadores convidados pela Comissão Editorial ou pelos Editores.
Periodicidade trimestral.
Acesso livre.
ISSN 2526-2963
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Ícone | UFRGS | 2015
Ícone (Porto Alegre, 2015-) é a primeira revista acadêmica brasileira criada com o objetivo específico de constituir um espaço para a divulgação da produção em História da Arte.
A Revista é uma publicação digital, vinculada ao Departamento de Artes Visuais e ao Bacharelado em História da Arte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A Revista Ícone tem periodicidade semestral, sendo a primeira edição de cada ano temática (a ser sempre divulgado na chamada) e a segunda livre.
Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX – HOBSBAWM (HP)
HOBSBAWM, Eric J. Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX.Tradução de Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 360 p. Resenha de: KÖLLN, Lucas André Berno. A cultura e a arte como expressões da fratura histórica dos tempos. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 27, n. 50, 27 ago. 2014.
Investigando Piero – GINZBURG (RBHE)
GINZBURG, Carlo. Investigando Piero. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Resenha de: AGUIAR, Thiago Borges de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 2 (29), p. 267-280, maio/ago. 2012
Recomendar a leitura de uma obra escrita pelo autor de O queijo e os vermes para o público brasileiro pode ser facilmente justificável pela qualidade já consagrada de sua produção histórica. No entanto, fazê-lo para os historiadores da educação no Brasil justifica-se por dois motivos. O primeiro consiste em fugir do lugar-comum pelo qual Ginzburg é visto por aqui: um autor da micro-história que propõe uma leitura das fontes a partir de um paradigma indiciário e/ ou da circularidade cultural. O segundo é o caráter de “aula-passeio pela arte de se fazer história” que essa obra possui.
A tradução da obra Investigando Piero, lançada em 2010 pela Cosac Naify, foi baseada na edição italiana de 1994. Ela é diferente da tradução publicada pela editora Paz e Terra, que até então circulava no Brasil, visto que esta última foi traduzida de outra edição italiana, a do ano de 1982. A nova tradução para o português, em oposição à edição que circulava anteriormente no Brasil, traz diversas imagens em cores, maior quantidade de figuras, inclusão de quatro apêndices, além da revisão do próprio texto.
Ginzburg propõe com esse livro uma discussão do comissionamento das obras de Piero della Francesca e da iconogafia nelas presente, evitando a discussão de aspectos propriamente formais, questões que deixa o autor para serem respondidas pela história da arte. Três obras de Piero foram escolhidas para esse trabalho: o Batismo de Cristo, a Flagelação e o conjunto de afrescos da igreja de San Francesco, em Arezzo.
Por que investigar Piero della Francesca? Pode um estudo histórico sobre esse pintor renascentista italiano trazer resultados relevantes? É o que se questiona o autor no início de seu prefácio à edição de 1981. Ele entende que, apesar de suas limitações no campo da arte, as condições para a pesquisa sobre Piero (escassas referências biográficas e pouquíssimas obras datadas) são um rico campo de pesquisa histórica. Entendemos que, para Ginzburg (p. 15), está justamente na dificuldade de se trabalhar com esse artista a possibilidade de convertê-lo num “caso de grande importância metodológica, até independente de sua excelência artística”.
O livro de Ginzburg também estabelece um diálogo com a obra de Roberto Longhi, seu conterrâneo, cujo título é Piero dela Francesca (Florença: Sansoni, 1963/São Paulo: Cosac Naify,2007). Comenta o autor que, apesar de ser um trabalho de peso, digno de nota pela qualidade do exame realizado diante de tão parca documentação existente, é inevitável que a obra de Longhi apresente algumas falhas depois de tanto tempo de sua primeira formulação (1927).
Em uma aula que Ginzburg ministrou durante um seminário de estudos da Fundação Longhi, cujo ensaio foi publicado como “Apêndice IV” da edição aqui resenhada, o autor afirma que seu livro consiste em uma homenagem à obra de Longhi, da única maneira que é possível fazê-la: discutindo-a e criticando-a. De certa maneira, investigar Piero é investigar Longhi, e fazer dele um “modelo e um desafio constante”, mesmo quando as conclusões d ambos seguem caminhos diferentes.
A discussão que é praticamente o pano de fundo de todo o livro de Ginzburg é a datação das obras de Piero. Em diálogo com Longhi, Ginzburg (p. 11) afirma que para este “a datação era um momento decisivo na análise de uma obra”. É esse procedimento, porém, que recebe as críticas mais contundentes do historiador italiano. Uma datação estilística permite afirmar apenas que uma obra é anterior ou posterior à outra. “Só é possível converter esse ‘antes’ e esse ‘depois’ em indicações cronológicas absolutas – talvez até ad annum – se a análise estilística se enganchar com elementos de datação externa” (p. 13-14).
São os “ganchos” em documentações concernentes e relacionáveis ao comissionamento e à iconografia das obras que permitiram ao autor (p. 24) “entrar num terreno, o da cronologia das obras, que os conhecedores [da história da arte] sempre reivindicaram como área sua”. E a resposta de Ginzburg (p. 25) aos críticos de seu livro é categórica nesse sentido:
Sem dúvida, o estilo é um fenômeno histórico e, enquanto tal, está ligado a um contexto temporal, em princípio verificável. Mas a datação dos fatos estilísticos pode se prender a uma cronologia absoluta, de calendário, apenas por meio de fatos extraestilísticos, como a data inscrita no afresco de Piero em Rimini, por exemplo.
Não me cansarei de repetir que, sem essa data, o afresco não poderia constituir um “gancho”, um ponto de referência indiscutível (pelo menos até prova em contrário) para a cronologia absoluta das obras de Piero. Isso não significa que a história da arte seja uma disciplina à deriva ou que o juízo dos conhecedores seja mais frágil que o dos historiadores. Porém, o caráter relativo das datações puramente estilísticas coloca claros limites à sua capacidade demonstrativa.
Por que, então, um historiador trabalhar com Piero dela Francesca? A resposta de Ginzburg passa por uma retomada de Lucien Febvre. Se este sugeria examinar plantas, campos de lavoura, eclipses da lua, por que não examinar pinturas? Além disso, para Ginzburg (p. 20), já está na hora de reunir historiadores e historiadores da arte num trabalho interdisciplinar, “cada qual com seus instrumentos e competências próprias, a fim de chegar a uma compreensão mais aprofundada dos testemunhos figurativos”.
Essa interdisciplinaridade, já proposta por Ginzburg em obras como História noturna ou Mitos, emblemas e sinais (história e morfologia), bem como em Nenhuma ilha é uma ilha (história e literatura), tende, tradicionalmente, a se traduzir numa apregoada justaposição de resultados de áreas diversas. No entanto, o historiador italiano propõe fugir dessa prática pouco produtiva, visto que as divergências em relação a problemas concretos, como a questão da datação das obras de Piero, são mais frutíferas do que as convergências entre as áreas. É por meio das divergências que se pode “recolocar em discussão os instrumentos, as áreas e as linguagens de cada disciplina. A começar, sem dúvida, pela pesquisa histórica” (p. 21).
O livro de Ginzburg (p. 24) serviu-lhe também como alimento para “uma reflexão sobre um tema mais geral – o da prova” –, com o qual ele afirma ter-se ocupado “várias vezes na última década, e de diversos pontos de vista”. Investigando Piero, nesse sentido, fornece subsídios para o diálogo com outras obras de Ginzburg, como Relações de força e O fio e os rastros, ou ainda, mais especificamente, com o ensaio “De A. Warburg a E. H. Gombrich: notas sobre um problema de método”, publicado no Mitos, emblemas e sinais.
Vemos aqui como o Ginzburg investigador de Piero dela Francesa é muito mais do que o historiador que estudou a vida de um moleiro perseguido pela inquisição ou que reuniu Morelli, Freud e Sherlock Holmes num único texto, como ele aparece nos estudos de história da educação. É alguém que nos mostra que a construção histórica passa por uma discussão sobre o lugar da prova, diante de uma documentação escassa e da necessária interdisciplinaridade para a realização desse debate.
Mais do que isso, trabalhando com um assunto não tão próximo às temáticas mais recorrentes de sua obra, como os sistemas de crença e bruxaria, Ginzburg oferece, para quem está familiarizado com sua obra, uma oportunidade para ser enxergado por outro prisma. Visto trabalhar numa área na qual ele não circula com facilidade, Ginzburg, em seu livro, constrói sua argumentação com mais “cuidado”, deixando claramente à mostra as etapas do processo de elaboração de uma narrativa histórica valendo-se da análise de sinais que não saltam à vista num primeiro momento.
Investigando Piero está, portanto, recheado da metodologia indiciária e narrativa da escrita histórica de Ginzburg. Ao longo dos capítulos do livro, detalhes como o aperto de mãos de personagens nas obras de Piero são discutidos com historiadores da arte e documentos de época e analisados pela ótica de categorias como “convincente” e “implausível” (p. 38) à luz de critérios de análise como “exaustividade, coerência e economia” (p. 39). As conclusões que o autor (p. 140) constrói ao longo de quatro capítulos dividem-se entre comprovações e conjecturas, como comenta no final da análise do ponto mais controverso de sua obra, a identidade de um dos personagens de Flagelação:
a coerência interpretativa sem correspondências de fato sempre deixa uma margem de dúvida. Os documentos sobre a encomenda e a localização original, que no caso do Batismo permitiram que controlássemos a exatidão da interpretação iconográfica de Tanner, ainda não vieram à luz no caso da Flagelação; esperamos que algum dia apareçam. No aguardo de novas descobertas documentais, é preciso reconhecer que a interpretação acima apresentada é, em boa parte, conjectural. Tratando-se de um quadro anômalo em termos iconográficos, cujo destinatário e localização originais são ignorados, talvez seja difícil proceder de outra maneira.
Não apenas pela qualidade do exercício metodológico de Ginzburg e da ilustração de seu método indiciário de trabalho histórico vale a leitura de Investigando Piero. O exercício de autocrítica que o autor faz ao questionar seus próprios resultados com base em críticas externas é um rico exemplo de honestidade científica. No apêndice II de seu livro, Ginzburg (p. 245), ao discutir os limites da prova no campo dos estudos sobre a iconografia, apresenta “conclusões bastante autodestrutivas”, justificando que “a reflexão sobre um fracasso pode ser tão (ou talvez mais) instrutiva quanto a reflexão sobre um sucesso”. Embora termine afirmando que “preferiria de longe ter discorrido sobre um sucesso”, entendeu o autor (p. 259) que “conjecturas e refutações, ambas fazem parte da pesquisa”.
Seu fracasso constituiu num detalhe que descobriu mais tarde: a faixa vermelha que o autor (p. 258) demonstrou ser a “irrefutável e correta” interpretação de que Giovanni Bacci fora o comitente do quadro Flagelação e estava nele retratado não consistia numa faixa cardinalícia e sim num simples xale, ou um becchetto, “uma longa tira cujas pontas pendiam como uma espécie de turbante, amplamente usada na Itália quatrocentista”. O que Ginzburg pensava ser uma anomalia era, na verdade, uma série de elementos repetidos em outras obras da época. Embora essa descoberta tenha destruído boa parte de sua argumentação sobre a datação tardia do quadro, ela serviu ao autor como instrumento para novas descobertas a respeito de Piero e suas obras. Seu exercício de assunção de um erro apenas reforçou sua posição de que “a propensão a hipóteses arriscadas e o rigor na pesquisa das provas podem e devem coexistir” (p. 250).
Nesse sentido, Investigando Piero, obra que se poderia supor uma anomalia dentro do conjunto de escritos de Ginzburg, talvez um livro de deleite ou uma fuga para outra área, é um exemplo consistente do lugar da prova na pesquisa histórica e das amplas possibilidades de atuação do historiador que quer se arriscar a sair dos lugares-comuns.
Thiago Borges de Aguiar – Pedagogo e doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorando bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na Faculdade de Educação da USP. E-mail: tbaguiar@uol.com.br
História da Arte e Arqueologia | Unicamp | 1994-2015
A Revista de História da Arte e Arqueologia (1994 – 2015) é uma publicação do Centro de História da Arte e Arqueologia, da Universidade Estadual da Campinas.
Publicada desde 1994, seu principal objetivo é promover um maior desenvolvimento da História da Arte e Arqueologia no Brasil, relacionando-as com a produção internacional da área. A RHAA é uma das mais importantes revistas científicas brasileiras que trata essas duas disciplinas correlatas, e é indexada internacionalmente.
A RHAA tem por objetivo a publicação de trabalhos de especialistas brasileiros e estrangeiros sobre qualquer assunto de História da Arte e Arqueologia, e ainda alcançar um público amplo e interessado.
Acesso livre.
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Museu Paulista | USP | 1993
Anais do Museu Paulista (São Paulo, 1993-) vem sendo publicado desde 1922. A partir de 1993, o periódico passou a circular em nova série, com o subtítulo História e Cultura Material. Trata-se de revista acadêmica que traz à discussão temas afeitos à cultura material como mediadora de práticas sociais, bem como abordagens inovadoras sobre processos históricos e museológicos.
Em 2018, o periódico passou a operar no sistema de publicação contínua, em um único volume anual, com submissão de manuscritos tramitada exclusivamente no sistema informatizado para recebimento e gestão de manuscritos do Portal de Revistas da Universidade de São Paulo (USP).
Periodicidade anual.
Acesso livre
ISSN 0101-
ISSN 1982-0267 (Online)
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Work and struggle. The painter as witness – LUCIE-SMITH; DARS (RBH)
LUCIE-SMITH, Edward; DARS, Celestine. Work and struggle. The painter as witness. Sdt: Paddington Press, 1977. Resenha de: COLI, Jorge. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.5, n.7, n.15, p.189-210, set.1986/fev.1987.
Acesso apenas pelo link original
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