História Cultural / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2008

A terceira edição da Revista Eletrônica História em Reflexão, traz num primeiro momento o Dossiê sobre História Cultural. A ampla gama de estudos que cercam a historiografia que relega suas pesquisas à história cultural se destaca nas universidades brasileiras. Grande parte dos programas de pós-graduação em História possuem disciplinas destinadas à pesquisa em práticas culturais, cultura e história cultural, bem como há uma grande difusão da temática em eventos acadêmicos. Um dos grandes méritos da linha de pesquisa é por envolver as mais diversas áreas de pesquisa, fornecendo assim estudos interdisciplinares, o que enriquece ainda mais as discussões teórico-metodológicas acerca dos temas.

Os trabalhos aqui apresentados contribuem em grande parte para mostrar essa diversidade de estudos em torno da Cultura, levando em consideração as diversas lacunas existentes nessa historiografia que há pouco tempo tem se voltado para novos objetos, novos problemas e novas abordagens – como bem destacaram Jacques Le Goff e Pierre Nora. Também mostram as mudanças historiográficas ocorridas no Brasil nas últimas décadas, quando se tem a possibilidade de encontrar um campo fértil para a injeção de novidades, como muito bem denota Peter Burke em “Variedades de História Cultural”, e que possam ser externalizados para a comunidade acadêmica e para o público em geral, por meio desse veículo de difusão de idéias.

Num segundo momento e de mesma importância, trazemos artigos com temas livres e que tratam das complexidades historiográficas que permeiam a disciplina. Sem demoras passamos há apresentar os trabalhos publicados nessa edição de História em Reflexão.

Antonio Marcos Myskiw, estuda o cenário cultural e intelectual de Curitiba / PR, entre os anos 1870 e 1920, com ênfase na produção literária de alguns intelectuais paranaenses; na importância das casas tipográficas, das oficinas de redação dos jornais e de seus respectivos editores para a construção de hábitos de leituras na população curitibana; nos leitores e nas práticas da leitura, em seu artigo intitulado “Curitiba, ‘República das letras’ (1870 / 1920)”.

No texto “Ipes e Ibad: A crise política da década de 60 e o advento do Golpe Civil-Militar de 1964”, Carlos Fellippe de Oliveira busca verificar as diferentes fases do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática, entre os anos de 1959 e 1966. Busca ainda compreender o arcabouço ideológico que formou tais institutos. A crise política, culminando na total paralisia do poder de decisões do parlamento brasileiro, propiciaria a implantação de um Estado burocrático-autoritário. Investigando de que forma o IPES e o IBAD se instalaram no governo pós-64, assumindo a formulação de diretrizes básicas para a nova administração.

Francisco de Assis, em “Comunicação vertical na Igreja de Pedro: uma história crítica do jornal da Diocese de Taubaté” pontua dois objetivos distintos para seu artigo. O primeiro recupera a trajetória do jornal O Lábaro, publicado pela Diocese de Taubaté desde 1910; o segundo mostra, por meio da leitura crítica de sua história, como os líderes da Igreja Católica utilizaram tal mecanismo, ao longo de quase 100 anos, para disseminar suas idéias.

Marcelo Souza Oliveira mostra como a elite baiana no inicio do século XIX, passou por um período de dificuldades econômicas e sociais em decorrência do declínio das atividades agrícolas de exportação. Levando muitos membros da elite letrada a escrever textos sobre os saudosos tempos de opulência e abastança dos agricultores do Recôncavo. A escritora Anna Ribeiro (1843-1930), era membro desse grupo. O objetivo do texto é fazer uma releitura do mundo em que Anna Ribeiro viveu e do grupo com o qual se identificou. Visa ainda oferecer fundamentos para a interpretação da literatura produzida por Anna Ribeiro, no artigo denominado “Uma Senhora de Engenho no mundo das letras: História, memória e identidade cultural em Anna Ribeiro de Góes Bittencourt (1843-1930)”.

Em “Estorvo: uma crônica interrompida”, Marcelo Pessoa realiza um breve estudo da obra Estorvo, de Chico Buarque, tentando estabelecer uma relação desse texto com o gênero literário crônica. Realiza ainda uma abordagem da representação literária da subjetividade sócio-cultural e histórica do Brasil contemporâneo. Marcos Leandro Mondardo mostra como os caboclos tiveram uma importância muito grande, enquanto indivíduos que ocuparam diversas regiões do Brasil. No Sudoeste paranaense, os caboclos tiveram participação no processo de (re)ocupação. Busca no artigo discutir elementos da territorialidade cabocla no Sudoeste do Paraná, e demonstrar os processos que se desenrolaram através da migração direcionada de gaúchos e catarinenses para a referida região. No seu artigo intitulado “Os Caboclos no Sudoeste do Paraná: de uma “Sociedade Autárquica” a um grupo social excluído”.

No texto “Santidade, jejum e anorexia na História” notaremos que na atualidade a anorexia é classificada como um transtorno alimentar caracterizado por limitação da ingestão de alimentos, devido à obsessão de magreza e o medo mórbido de ganhar peso. Mesmo não sendo conhecida por este nome, é possível detectar a presença desta doença no Ocidente a partir do século XII. O jejum religioso, prática comum naquela época, configurava-se como uma forma de aproximação com Deus, sendo recorrente entre as pessoas consideradas santas. A autora Maria Valdiza Rogério Soares tem como objetivo analisar a prática da restrição alimentar como atributo da santidade, traçando uma relação entre aquela e a anorexia na história.

No texto intitulado “O êxodo do hebreus segundo historiadores e arqueólogos: ênfase na perspectiva minimalista a partir da obra de Finkelstein e Silberman”, Josué Berlesi procura analisar as interpretações de historiadores e arqueólogos a cerca do evento bíblico do êxodo hebraico. O autor propõe-se a sua abordagem que privilegie a analise teórica minimalista.

Em seu artigo “Revisitando A Retirada da Laguna: um debate entre a Memória, História e Turismo” os autores Carlos Alexandre Barros Trubiliano e Carlos Martins Júnior buscam a partir da ciência histórica, discutir as revisões da obra A Retirada de Laguna, que vêm sendo realizadas com o objetivo de seu aproveitamento turístico. Além disso os autores sinalizam alguns elementos que podem ajudar a garantir o sucesso de uma trilha turística cultural baseada nos eventos descritos por essa obra.

Paulo Raphael Feldhues em “Modernidade, Cultura e Poder: Aspectos da cidade do Recife durante o Estado Novo” exibe como o golpe de 1937 levou Agamenon Magalhães à interventoria do estado de Pernambuco. A política cultural empregada por Agamenon permitiu que a modernidade consagrasse seus moldes autoritários. O objetivo do autor é analisar a relação entre as práticas cotidianas e a importância dada à visão do outro na sociedade recifense estadonovista, a partir das representações simbólicas contidas em propagandas privadas e eventos sociais do período.

No Artigo “Cultura popular no imaginário brasileiro e latino-americano: caminhos possíveis de reflexão teórica”, Sérgio Campos Gonçalves com um olhar direcionado àqueles que se iniciam nas pesquisas sobre representações do popular no imaginário brasileiro e latino-americano, estabelece o objetivo de apresentar um pequeno guia panorâmico e bibliográfico das discussões teóricas acerca das aplicações do conceito de cultura popular. No artigo “História da Idéias – em torno de um domínio historiográfico” José D’Assunção Barros faz uma análise panorâmica desta modalidade historiográfica, principalmente de suas relações dialógicas com a História Cultural e a História Política.

Em conjunto as autoras Fabíola Andrade Pereira e Vivian Galdino de Andrade procuram mostrar como na contemporaneidade a educação popular tem ganhado destaque, sobretudo no que se refere a suas perspectivas, enquanto prática pedagógica e uma teoria da educação cuja concepção tem sido uma das mais belas contribuições ao pensamento pedagógico universal. Sua fundamentação tem contribuído positivamente na construção de novas formas de fazer política, de pensar e fazer democracia. Neste aspecto, surgem emaranhados de questões que evocam a necessidade de pensá-la como uma busca, um produto histórico, nos levando a lançar algumas idéias para renovar antigas discussões, por meio do texto denominado “(Re) pensando a educação popular e suas perspectivas diante da construção da escola cidadã” a análise busca compreender o campo da educação popular sob a perspectiva de uma educação emancipatória.

Inaugurando uma nova seção na Revista trouxemos a polêmica acerca do cinema nacional em que Ricardo Corrêa Peixoto denomina de “Tropa de Elite: Realidade ou Narcisismo às Avessas?” O presente texto tem como força motriz, o firme desejo de promover a confrontação entre as concepções moralistas e inflexíveis, em relação ao trato dos usuários de drogas apresentados no filme, cuja truculência e implacabilidade inviabiliza o diálogo e, por conseguinte, um melhor entendimento dessas “anomalias” que não são meramente questões urbanas, sociais, culturais, mas transitam nas dimensões existenciais da humanidade em todo globo e em todos os tempos.

A Professora Doutora Marieta de Moraes Ferreira nos brinda com uma entrevista dando um panorama geral da História Oral na atualidade. Entre outros elementos elenca uma série de questões relacionadas à historiografia nacional e internacional, como a história do presente, breves reflexões sobre a historiografia contemporânea, algumas questões metodológicas e assim por diante, apresentando-as na íntegra.

Por último trouxemos as seguintes resenhas: do livro organizado por Gilson Porto Jr, intitulado “História do tempo presente”, resenhado por Gabriele Daiana Thiecker; a resenha feita por Nataniél Dal Moro, do livro “O jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos”, dos autores Luiz Alberto Oliveira Gonçalves e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e por fim a resenha do livro de, Matthew Restall “Sete Mitos da Conquista Espanhola” elaborada por Maurício Tadeu Andrade.

Boas leituras!

Leandro Baller

Thiago Leandro Vieira Cavalcante

(Editores)

Dourados – Verão de 2008.


BALLER, Leandro; CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 2, n. 3, jan. / jul., 2008. Acessar publicação original [DR]

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