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História Colonial (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2011
As duas últimas décadas foram testemunhas de uma grande ampliação – tanto em termos quantitativos, como em termos qualitativos – dos trabalhos de investigação dedicados ao estudo da América portuguesa. Várias são as razões que impulsionam o surgimento de trabalhos com este perfil e que têm permitido que esta importante fase de nossa história se torne cada vez mais conhecida. A abertura de novas frentes de pesquisa e a disponibilização maciça de fontes primárias estão entre estas razões. O acesso à documentação colonial já não está limitado apenas a um pequeno número de investigadores capazes de se deslocar até os arquivos europeus ou aos grandes fundos depositados em território nacional. A tecnologia permitiu que estes velhos papéis saíssem das gavetas e estantes, onde estiveram dormitando por séculos, para ganhar o espaço digital por intermédio da grande rede mundial.
O investigador mais atento pode dispor hoje em seu gabinete de milhões de páginas de documentação. A cada dia as ferramentas de busca se tornam mais eficazes e precisas. Para além dos fundos documentais, livros, periódicos e imagens também circulam com a velocidade vertiginosa do universo virtual. O passado e o presente se encontram e descortinam um futuro promissor para o estudioso dos séculos mais remotos de nossa civilização.
Não obstante, nada disso seria suficiente se, em paralelo ao maior acesso às fontes, não fôssemos capazes de repensar problemas, de lançar novos olhares e de elaborar novos questionamentos à matéria-prima de nossas narrativas. A ampliação da gama de objetos de estudo e de problemas suscitados pelas vivências de nossa sociedade permitiram uma salutar oxigenação e estimularam diálogos e debates em torno aos temas de história colonial. E quando tratamos de estudos históricos, nada mais desejável que a troca e a confrontação de ideias e interpretações, evitando-se leituras monocromáticas e simplificadoras. Temos visto emergir do período colonial um panorama muito mais complexo e nuançado do que imaginávamos antes. Como em todas as vivências humanas ao longo do tempo, nada é simples nesse passado e logo, não se pode confiná-lo em esquemas de pensamento pré-moldados. Para as nossas múltiplas perguntas, encontramos múltiplas respostas. Já não é possível uma mirada unidimensional, uma leitura uníssona.
Os recentes encontros científicos e o aluvião de publicações coletivas e individuais materializam os importantes avanços e contribuições nesta área. A vitalidade crescente dos estudos coloniais nos últimos lustros tem sido cabalmente demonstrada pela ampliação do número de projetos de pesquisa nos programas de pósgraduação em várias instituições brasileiras. Isso ocorre não apenas porque seja necessário que haja temas para um número cada vez maior de pós-graduandos, como alguém afirmou, mas, sobretudo, pelo fato de que o período passou a ser alvo das mais variadas matizes de abordagem. A realização de cada vez mais eventos científicos dedicados aos estudos coloniais tem permitido o intercâmbio de dados e perspectivas de estudo. Ressalta-se, a título de ilustração, o Encontro Internacional de História Colonial que já conta com três exitosas edições (UFPB, 2006; UFRN, 2008 e UFPE / UFRPE / UPE, 2010). A caminho de sua quarta edição (UFPA, 2012) este evento se configura na atualidade como destaque no calendário internacional de reuniões de especialistas em História Moderna.
Com o objetivo de reunir e divulgar alguns dos mais recentes trabalhos sobre o período em tela, a Revista CLIO o elegeu como eixo central para os dossiês de seus dois volumes do ano 2011. O segundo volume do dossiê se inicia com três artigos dedicados a um dos períodos melhor documentados de nossa história colonial, e que, felizmente, tem atraído um número crescente de jovens pesquisadores. Lúcia Furquim Werneck Xavier aborda a importantíssima questão do meio circulante durante a existência da Nova Holanda. A autora analisa as razões para a escassez do dinheiro em espécie e o uso de formas alternativas de intermediação nas trocas comerciais e nos pagamentos.
Atento às dinâmicas atlânticas do século XVII, Bruno Romero Ferreira Miranda enfoca uma questão até hoje pouco conhecida, apesar dos estudos clássicos sobre o período holandês. O autor aborda os contingentes de soldados recrutados na Europa para servirem a West Indische Compagnie na guerra de conquista, expansão e manutenção de parte do litoral norte do Brasil. Ainda a respeito do período holandês, Rômulo Luís Xavier do Nascimento analisa o papel dos cursos fluviais, de sua navegação e de sua conexão com o porto do Recife no processo de consolidação da presença da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais na costa do Brasil.
Do litoral para o sertão, acompanhamos Tanya Maria Pires Brandão em sua abordagem do fenômeno do rapto de mulheres no Piauí colonial. A partir da análise dos autos processuais de queixas-crime referentes a esta prática, a autora analisa o rapto como estratégia para a formação de novos núcleos familiares e de conquista de uma melhor condição social no âmbito daquela sociedade, num contexto marcado pela predominância numérica de homens. Tomando como caso de estudo a fundação da Confraria das Onze Mil Virgens na América portuguesa dos quinhentos, Stela Beatriz Duarte analisa o papel da Companhia de Jesus na difusão da devoção a Santa Úrsula através da fundação e manutenção de lugares de devoção na colônia.
Kalina Vanderlei Silva realiza em seu artigo uma leitura das principais formas de sociabilidade desenvolvidas em Pernambuco durante os séculos XVII e XVIII. Para tanto, a autora abordou as fontes produzidas no âmbito da administração e pelas irmandades a partir de uma perspectiva que privilegia os conceitos de sociabilidade e representação. Seus sujeitos são os atores sociais presentes em instituições urbanas que atuam nas festividades barrocas que se realizavam nas ruas de Olinda e do Recife. Helder Alexandre Medeiros de Macedo aplicou os métodos da demografia histórica para reconstituir as origens dos portugueses presentes em agrupamentos familiares da freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó. As fontes usadas pelo autor foram os registros de batizado, casamento e óbitos desta localidade, cuja ocupação remonta ao final do século XVII. O segundo volume do dossiê de história colonial da Clio n. 29, se encerra com o artigo de William de Souza Martins, cujo objetivo é discutir os padrões sociais e econômicos das mulheres que ingressavam no Convento de Nossa Senhora da Ajuda, no Rio de Janeiro de meados do século XVIII. O autor se interessou ainda pela ocorrência de práticas que não autorizadas pelas normas institucionais da vida em clausura.
O volume que o leitor tem em mãos conta ainda com mais três artigos livres e duas resenhas. Vamos a eles. Iván Armenteros Martínez analisa o processo de assimilação de comunidades africanas nas penínsulas Ibérica e Itálica a partir das confrarias e dos rituais públicos que elas realizavam. O caso enfocado pelo autor é o da confraria de Sant Jaume de Barcelona nos séculos XV e XVI e suas relações com outras congêneres surgidas na esteira do incremento do comércio de escravos na Europa. A Península Ibérica quinhentista é também o cenário da contribuição de Edison Bisso Cruxen, mais precisamente, a paisagem, o cotidiano e a arquitetura da fronteira entre Portugal e Castela no século XVI. O autor trabalha para isso com o “Livro das Fortalezas”, de autoria de Duarte D’Armas, escudeiro real de Dom Manuel, o Venturoso.
Duas épocas e uma mesma localidade: Regina Helena Martins de Faria analisa as intervenções do exército brasileiro na região limítrofe entre Maranhão e Pará no século XIX e nas décadas de 1960 e 1970. Utilizando a análise de discurso dos sujeitos envolvidos nos dois processos, a autora construiu sua narrativa sobre a Colônia Militar de São Pedro de Alcântara do Gurupi. Encerrando este volume, Denis Antônio de Mendonça Bernardes apresenta resenha do livro “Calabouço urbano: escravos libertos em Porto Alegre (1840-1860)” de autoria de Valéria Zanetti, Laércio Albuquerque Dantas analisa a obra de Marcela da Silva Varejão intitulada “Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica, giuristi e legislazione (1822 – 1935)” e María Emília Monteiro Porto resenha a obra do historiador espanhol Manuel Lucena Giraldo, intitulada “Naciones de rebeldes. Las revoluciones de independência latino-americanas”
Virgínia Maria Almôedo de Assis
George F. Cabral de Souza
ASSIS, Virgínia Maria Almôedo de; SOUZA, George F. Cabral de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.29, n.2, jul / dez, 2011. Acessar publicação original [DR]
História Colonial – Parte II / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2011
As duas últimas décadas foram testemunhas de uma grande ampliação – tanto em termos quantitativos, como em termos qualitativos – dos trabalhos de investigação dedicados ao estudo da América portuguesa. Várias são as razões que impulsionam o surgimento de trabalhos com este perfil e que têm permitido que esta importante fase de nossa história se torne cada vez mais conhecida. A abertura de novas frentes de pesquisa e a disponibilização maciça de fontes primárias estão entre estas razões. O acesso à documentação colonial já não está limitado apenas a um pequeno número de investigadores capazes de se deslocar até os arquivos europeus ou aos grandes fundos depositados em território nacional. A tecnologia permitiu que estes velhos papéis saíssem das gavetas e estantes, onde estiveram dormitando por séculos, para ganhar o espaço digital por intermédio da grande rede mundial.
O investigador mais atento pode dispor hoje em seu gabinete de milhões de páginas de documentação. A cada dia as ferramentas de busca se tornam mais eficazes e precisas. Para além dos fundos documentais, livros, periódicos e imagens também circulam com a velocidade vertiginosa do universo virtual. O passado e o presente se encontram e descortinam um futuro promissor para o estudioso dos séculos mais remotos de nossa civilização.
Não obstante, nada disso seria suficiente se, em paralelo ao maior acesso às fontes, não fôssemos capazes de repensar problemas, de lançar novos olhares e de elaborar novos questionamentos à matéria-prima de nossas narrativas. A ampliação da gama de objetos de estudo e de problemas suscitados pelas vivências de nossa sociedade permitiram uma salutar oxigenação e estimularam diálogos e debates em torno aos temas de história colonial. E quando tratamos de estudos históricos, nada mais desejável que a troca e a confrontação de ideias e interpretações, evitando-se leituras monocromáticas e simplificadoras. Temos visto emergir do período colonial um panorama muito mais complexo e nuançado do que imaginávamos antes. Como em todas as vivências humanas ao longo do tempo, nada é simples nesse passado e logo, não se pode confiná-lo em esquemas de pensamento pré-moldados. Para as nossas múltiplas perguntas, encontramos múltiplas respostas. Já não é possível uma mirada unidimensional, uma leitura uníssona.
Os recentes encontros científicos e o aluvião de publicações coletivas e individuais materializam os importantes avanços e contribuições nesta área. A vitalidade crescente dos estudos coloniais nos últimos lustros tem sido cabalmente demonstrada pela ampliação do número de projetos de pesquisa nos programas de pósgraduação em várias instituições brasileiras. Isso ocorre não apenas porque seja necessário que haja temas para um número cada vez maior de pós-graduandos, como alguém afirmou, mas, sobretudo, pelo fato de que o período passou a ser alvo das mais variadas matizes de abordagem. A realização de cada vez mais eventos científicos dedicados aos estudos coloniais tem permitido o intercâmbio de dados e perspectivas de estudo. Ressalta-se, a título de ilustração, o Encontro Internacional de História Colonial que já conta com três exitosas edições (UFPB, 2006; UFRN, 2008 e UFPE / UFRPE / UPE, 2010). A caminho de sua quarta edição (UFPA, 2012) este evento se configura na atualidade como destaque no calendário internacional de reuniões de especialistas em História Moderna.
Com o objetivo de reunir e divulgar alguns dos mais recentes trabalhos sobre o período em tela, a Revista CLIO o elegeu como eixo central para os dossiês de seus dois volumes do ano 2011. O segundo volume do dossiê se inicia com três artigos dedicados a um dos períodos melhor documentados de nossa história colonial, e que, felizmente, tem atraído um número crescente de jovens pesquisadores. Lúcia Furquim Werneck Xavier aborda a importantíssima questão do meio circulante durante a existência da Nova Holanda. A autora analisa as razões para a escassez do dinheiro em espécie e o uso de formas alternativas de intermediação nas trocas comerciais e nos pagamentos.
Atento às dinâmicas atlânticas do século XVII, Bruno Romero Ferreira Miranda enfoca uma questão até hoje pouco conhecida, apesar dos estudos clássicos sobre o período holandês. O autor aborda os contingentes de soldados recrutados na Europa para servirem a West Indische Compagnie na guerra de conquista, expansão e manutenção de parte do litoral norte do Brasil. Ainda a respeito do período holandês, Rômulo Luís Xavier do Nascimento analisa o papel dos cursos fluviais, de sua navegação e de sua conexão com o porto do Recife no processo de consolidação da presença da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais na costa do Brasil.
Do litoral para o sertão, acompanhamos Tanya Maria Pires Brandão em sua abordagem do fenômeno do rapto de mulheres no Piauí colonial. A partir da análise dos autos processuais de queixas-crime referentes a esta prática, a autora analisa o rapto como estratégia para a formação de novos núcleos familiares e de conquista de uma melhor condição social no âmbito daquela sociedade, num contexto marcado pela predominância numérica de homens. Tomando como caso de estudo a fundação da Confraria das Onze Mil Virgens na América portuguesa dos quinhentos, Stela Beatriz Duarte analisa o papel da Companhia de Jesus na difusão da devoção a Santa Úrsula através da fundação e manutenção de lugares de devoção na colônia.
Kalina Vanderlei Silva realiza em seu artigo uma leitura das principais formas de sociabilidade desenvolvidas em Pernambuco durante os séculos XVII e XVIII. Para tanto, a autora abordou as fontes produzidas no âmbito da administração e pelas irmandades a partir de uma perspectiva que privilegia os conceitos de sociabilidade e representação. Seus sujeitos são os atores sociais presentes em instituições urbanas que atuam nas festividades barrocas que se realizavam nas ruas de Olinda e do Recife. Helder Alexandre Medeiros de Macedo aplicou os métodos da demografia histórica para reconstituir as origens dos portugueses presentes em agrupamentos familiares da freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó. As fontes usadas pelo autor foram os registros de batizado, casamento e óbitos desta localidade, cuja ocupação remonta ao final do século XVII. O segundo volume do dossiê de história colonial da Clio n. 29, se encerra com o artigo de William de Souza Martins, cujo objetivo é discutir os padrões sociais e econômicos das mulheres que ingressavam no Convento de Nossa Senhora da Ajuda, no Rio de Janeiro de meados do século XVIII. O autor se interessou ainda pela ocorrência de práticas que não autorizadas pelas normas institucionais da vida em clausura.
O volume que o leitor tem em mãos conta ainda com mais três artigos livres e duas resenhas. Vamos a eles. Iván Armenteros Martínez analisa o processo de assimilação de comunidades africanas nas penínsulas Ibérica e Itálica a partir das confrarias e dos rituais públicos que elas realizavam. O caso enfocado pelo autor é o da confraria de Sant Jaume de Barcelona nos séculos XV e XVI e suas relações com outras congêneres surgidas na esteira do incremento do comércio de escravos na Europa. A Península Ibérica quinhentista é também o cenário da contribuição de Edison Bisso Cruxen, mais precisamente, a paisagem, o cotidiano e a arquitetura da fronteira entre Portugal e Castela no século XVI. O autor trabalha para isso com o “Livro das Fortalezas”, de autoria de Duarte D’Armas, escudeiro real de Dom Manuel, o Venturoso.
Duas épocas e uma mesma localidade: Regina Helena Martins de Faria analisa as intervenções do exército brasileiro na região limítrofe entre Maranhão e Pará no século XIX e nas décadas de 1960 e 1970. Utilizando a análise de discurso dos sujeitos envolvidos nos dois processos, a autora construiu sua narrativa sobre a Colônia Militar de São Pedro de Alcântara do Gurupi. Encerrando este volume, Denis Antônio de Mendonça Bernardes apresenta resenha do livro “Calabouço urbano: escravos libertos em Porto Alegre (1840-1860)” de autoria de Valéria Zanetti, Laércio Albuquerque Dantas analisa a obra de Marcela da Silva Varejão intitulada “Il positivismo dall’Italia al Brasile: sociologia giuridica, giuristi e legislazione (1822 – 1935)” e María Emília Monteiro Porto resenha a obra do historiador espanhol Manuel Lucena Giraldo, intitulada “Naciones de rebeldes. Las revoluciones de independência latino-americanas”
Virgínia Maria Almôedo de Assis
George F. Cabral de Souza
ASSIS, Virgínia Maria Almôedo de; SOUZA, George F. Cabral de. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.29, n.2, jul / dez, 2011. Acessar publicação original [DR]