História, Ciência e Saúde: práticas e saberes / Varia História / 2004

Estamos diante de um campo de pesquisa em expansão. A partir do cenário da História Cultural podemos identificar uma série de temas que se mesclam com as especificidades da História da Ciência. Desta fusão encontramos a história da ciência e suas interfaces culturais. Neste número da revista Varia História, no dossiê intitulado História, Ciência e Saúde: práticas e saberes apresentamos algumas das pesquisa que indicam as possibilidades analíticas na área.

A linha Ciência e Cultura na História, do Programa de Pós Graduação em História / UFMG, possui duas ênfases: a História Social da Ciência e a História das Idéias Científicas. Ao estabelecer essas duas ênfases de estruturação das pesquisas, não se busca conformá-las à tradicional dicotomia entre uma história interna da ciência e uma história externa da ciência. Pretende-se, através da mediação cultural, dissolver essa dicotomia, mudando o eixo do debate. Assim, a divisão dos trabalhos entre as duas ênfases complementares reflete muito mais uma dimensão metodológica do que propriamente uma perspectiva epistemológica.

As pesquisas em História Social da Ciência procuram analisar as diversas relações existentes entre a ciência e a sociedade. Os impasses entre a produção do conhecimento científico e a sociedade no seu contexto histórico é o objeto da análise. As investigações procuram refletir a construção social da ciência através de biografias, instituições, práticas, procedimentos, descobertas, rupturas.

As pesquisas em História das idéias Científicas procuram compreender, a partir das relações culturais, a formação dos conceitos e das idéias que caracterizam as teorias científicas em seus diversos contextos. Nesse sentido, não se trata de tomar idéias e conceitos científicos por eles mesmos, mas de compreender como os determinantes culturais desempenham um importante papel na formação dessas idéias e conceitos e na elaboração das teorias científicas.

Na linha de pesquisa Ciência e Cultura na História são realizados estudos que contemplam a formação e o desenvolvimento da ciência moderna, bem com, em particular, o surgimento e o desenvolvimento das ciências no Brasil.

O presente dossiê recortou como objeto a história da saúde e apresenta em seus 5 artigos um espectro bastante diversificado da produção na área.

O artigo de María Silvia Di Liscia aborda a intercessão entre a prática médica e a escola, a partir da discussão em torno da regeneração racial, no final do século XIX e primeiras décadas do século XX na Argentina. Além de apresentar a interface com a história da educação o artigo pode instigar análises comparativas entre Brasil e Argentina.

O artigo de Vera Marques Beltrão investiga um campo de análise inusitado: os manuais de divulgação de ciência, especificamente na área da saúde, no século XVIII. Está em discussão novamente a interface com a história da educação e a circulação de saberes na medida em que há uma apropriação do conhecimento acadêmico pela parcela da população distante dos espaços privilegiados de formação do saber.

A seguir o texto de Flávio Coelho Edler investiga a formação de conceitos na história da saúde, especialmente a sociologia de uma descoberta, em questão a ancilostomíase. O material de análise do autor são as publicações e os debates na área médica expressos entre os membros da Academia Imperial de Medicina e no periódico Gazeta Médica da Bahia. A investigação proposta por Edler permite vislumbrar um campo de análise promissor, mas ainda pouco explorado no Brasil.

Já o artigo de Yonissa Marmitt Wadi, de forma especial, discute o campo da psiquiatria fugindo da tradição das histórias institucionais ao privilegiar os paradoxos da vivência em uma instituição psiquiátrica. Os discursos e práticas médicas são abordados na medida que surgem não pela escrita médica (tratados, relatórios, compêndios, receituários), mas a partir da escrita da paciente que utiliza o pseudônimo de Pierina Cechini. O percurso que Yonissa Wadi nos apresenta é ao mesmo tempo fascinante e impressionante ao mesclar um relato pessoal que toca na temática das instituições asilares e suas repercussões sociais.

Encerra o dossiê o artigo de Henrique Carneiro “As plantas sagradas na história da América”. Nele o autor investiga as plantas sagradas das tradições indígenas de diferentes regiões das Américas.

História institucional, construção de conceitos na área da saúde, práticas médicas são alguns dos temas que apresentamos nesse dossiê. Como um campo em construção, novos dossiês deverão ser apresentados em breve com temáticas envolvendo a circulação do saber, a história das doenças e as concepções de corpo e saúde. Aguardamos sua colaboração.

Belo Horizonte, Julho / 2004

Betânia Gonçalves Figueiredo – Organizadora.


FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.20, n.32, jul., 2004. Acessar publicação original [DR]

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