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História e Cidade / Cadernos de História / 2017
É com intensa satisfação que publicamos o Dossiê História e Cidades, a mais recente edição da revista Cadernos de História.
A aproximação da História com outros campos disciplinares, sobretudo com as Ciências Sociais, contribuiu para ampliar os olhares sobre a cidade. Nesse propósito, apresentamos nesse dossiê, artigos que dialogam com várias áreas cujas pesquisas muito contribuem para alargar as maneiras de se pensar o urbano.
Convidados para apresentar nosso editorial, a sociológica Luciana Teixeira de Andrade. A pesquisadora traz importantes contribuições em destacar o atual estágio dos estudos urbanos no meio acadêmico, suas múltiplas conexões interdisciplinares e diversificados campos de possibilidades que permitem amplos e sofisticados debates acerca da leitura sobre as cidades.
Os dois primeiros artigos que abrem esse dossiê, “Uma problemática da Arqueologia e da História: a cidade e seus territórios” e “O papel da ambiência histórica nos processos de tombamento dos sítios urbanos”, escritos, respectivamente por Arno Alvarez Kern e pelos coautores Cíntia Camila Viegas e Rubenilson Brazão Teixeira, entrecruzam os estudos sobre as cidades com a perspectiva arqueológica e patrimonial. A primeira pesquisa apresenta a arqueologia como um campo de possibilidades em considerar os vestígios obtidos por suas escavações como fontes históricas complementares para a interpretação do fenômeno urbano. Já no segundo artigo, os pesquisadores, ao utilizarem o conceito de ambiência histórica e ao analisarem as trajetórias percorridas sobre a noção de patrimônio, discutem os valores materiais e simbólicos atribuídos ao processo de tombamento de sítios urbanos. Cíntia Viegas e Rubenilson bem ilustram essa abordagem teórica através de um estudo de caso do patrimônio urbano potiguar.
O próximo artigo, de autoria da historiadora Maria Alice da Silva Tavares, apresenta o medievo português priorizando analiticamente o modo de vida urbano. Intitulada “Vivências quotidianas na rua: costumes e foros da Idade Média portuguesa”, a pesquisadora utiliza-se de fontes documentais municipais para fornecer dados para se entender a criminalidade urbana, os tratos higienistas e as atividades econômicas de ruas do século XIII, a partir de determinadas regiões lusitanas selecionadas pela autora.
Em seguida, a pesquisa de Gustavo Leandro Gouvea Lopes também se orienta pela análise higienista, porém, voltada ao cenário urbano mineiro de finais do século XIX e início do século XX. Em seu artigo “Vida e morte sujam a urbe moralizada: latidos, mugidos, higienismo e os jornais diamantinenses”, o autor analisa as narrativas da imprensa local, especialmente os jornais impressos, no sentido de identificar discurso civilizatório e moralizador favorável à ação da municipalidade no recolhimento de animais soltos pelas ruas da cidade mineira de Diamantina. De metodologia similar, ao priorizar a leitura de jornais e periódicos, a historiadora Sônia Maria de Meneses Silva, no artigo “A pena e o bacamarte: imprensa e narrativa criminal – um olhar sobre a cidade no século XIX”, também analisa as práticas e discursos higienistas reproduzidos pelas narrativas jornalísticas em relação ao controle da violência e à ordenação dos espaços urbanos da cidade de Fortaleza a partir da segunda metade do século XIX. Ainda tendo o século XIX como recorte temporal, porém estendendo-se ao primeiro quartel do século XX, o artigo “Comerciantes e artesãos toscanos nas ruas de São Paulo (1875-1914)”, do historiador Antonio de Ruggiero, trata da temática da imigração italiana, particularmente da região da Toscana, na cidade de São Paulo. A pesquisa aborda os vínculos engendrados por essa comunidade através do trabalho artesanal e pelas redes de sociabilidade construídas entre imigrantes e país receptor.
O artigo seguinte desse dossiê transpõe-se ao cenário latino-americano das primeiras quatro décadas do século XX. O trabalho “Antes del espacio publico: una historia de los espacios verdes y libres de la ciudad de Rosário (1900-1940)”, de autoria dos pesquisadores argentinos Diego Roldán e Sebastián Godoy, analisa as intervenções urbanísticas, higienistas e paisagísticas realizadas pelo poder público nos parques urbanos da cidade argentina de Rosário, província de Santa Fé, tendo em vista as narrativas construídas e sentidos atribuídos ao espaço público contemporâneo. Logo depois, Alexandre Cotovio Martins, em seu artigo “Fatores ‘genéticos’ da política de habitação operária da Companhia União Fabril em Portugal: uma breve análise” apresenta a realidade urbana lusitana, especialmente sua capital Lisboa, a partir da instalação da indústria têxtil Companhia União Fabril no ano de 1907. A pesquisa analisa as políticas habitacionais empreendidas por este empregador ao operariado e como tais iniciativas afetaram a forma de se pensar o espaço público naquele entorno industrial.
Dando sequência às publicações desse dossiê, o artigo “A cidade do Rio de Janeiro e a construção do Aeroporto Santos Dumont (1933-1938)” retoma os estudos urbanos sobre a realidade nacional. Sua autora, Claúdia Musa Fay, apresenta a conexão entre as construções dos primeiros aeroportos e a história urbana. A historiadora destaca como a criação do Aeroporto Santos Dumont modificou a paisagem estética, provocou significativas alterações urbanística e renovou as formas de representar o espaço público da cidade do Rio de Janeiro a partir da década de 1930. Já a pesquisa de Maria Cristina de Castro Pereira –, intitulada “Mapeando o Pouso Frio: dinâmicas de um bairro na cidade de Toledo / PR” – apresenta o processo de ocupação, ocorrido a partir da década de 1940, por diversificados sujeitos provenientes no norte do Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Paraguai, do bairro denominado Pouso Frio, situado na cidade paranaense de Toledo. A autora destaca a omissão da história oficial reproduzida pelo município acerca da apropriação desse bairro por trabalhadores vindos de diversas regiões do país na busca por condições de moradia e por acesso à cidade.
A seguir, apresentamos o artigo “Um futuro alternativo para São Paulo: Anhaia Mello e a tese da limitação do crescimento da metrópole”, elaborado por Bruno de Macedo Zorek. Nesta pesquisa é abordada a conjuntura de modernização urbana experimentada pela cidade de São Paulo no decorrer da década de 1950, tendo em vista seu emergente processo de metropolização. O autor analisa, especialmente, documentos produzidos pelo urbanista Luís de Anhaia Mello acerca de suas perspectivas de pensar a nova configuração e o futuro da cidade paulistana.
Os próximos artigos abordam a temática do patrimônio e suas articulações ao urbano. Felipe Araujo Xavier, na pesquisa “O zé-pereira em Rio Novo: uma emancipação cultural centenária no interior de Minas Gerais (1906-2006)”, analisa as relações constituídas entre as práticas pré-carnavalescas representadas pelo bloco zépereira e os bailes de carnaval realizados pelos clubes sociais no município mineiro de Rio Novo em amplo recorte temporal. Nesse artigo, o autor utiliza-se de diversificadas fontes para interligar a memória e sua relação com o espaço urbano daquela localidade. Já o artigo “O Espelho da História: práticas patrimonialistas e transformações na paisagem urbana de Viçosa (1980-2010)”, dos pesquisadores Leonardo Civale e Walkíria Maria Freitas Martins, discute as relações acirradas e conflituosas que envolvem o patrimônio. Os coautores analisam como as ações patrimoniais reconfiguraram a paisagem urbana da cidade mineira de Viçosa, ao final do século XX e início do século XXI, no sentido de preservar e revitalizar antigas áreas industriais degradadas.
Finalizando a sequência de publicações desse dossiê, apresentamos duas comunicações voltadas à realidade lusitana: “O olhar estrangeiro na Lisboa de oitocentos” e “Shilb (Silves) no período islâmico – a Bagdad do ocidente”, respectivamente escritas por Maria João Castro e Natália Lopes Nunes. Na primeira comunicação, sua autora Maria João Castro utiliza-se do discurso literário no propósito de cartografar a cidade de Lisboa a partir do olhar memorialístico de seus visitantes europeus do século XIX. Já na segunda comunicação, Natália Lopes Nunes, ao coordenar um projeto em andamento, investiga a herança árabe e islâmica em Portugal, especialmente, na cidade de Silves, de antigo domínio muçulmano.
Assim, através dos colaboradores deste dossiê temático, podemos perceber a íntima relação entre História e Cidades. Os objetos abordados permeiam um vasto campo de possibilidades em se pensar a urbe, percorrendo a memória, o poder, as narrativas jornalísticas, a arqueologia, o patrimônio, as ocupações sociais, as manifestações e o planejamento urbano. Desse modo, Cadernos de História ratifica ser um amplo espaço de discussão acadêmica que contribui com o diálogo transdisciplinar ao reunir neste número instigantes pesquisas sobre História e Cidades. Agradecemos mais uma vez a equipe do Setor de Revisão da PUC Minas, especialmente, a professora Daniella Lopes, e aos estagiários Roberto Barcelos, Aline de Oliveira, Julia Magalhães e Thatiane Marques.
Agradecemos também a professora Jacyra Parreiras, chefe do Departamento de História da PUC Minas, e ao diretor da Editora PUC Minas, professor Paulo Agostinho Nogueira Baptista. Agradecemos ainda aos membros do Conselho Editorial dos Cadernos de História, notadamente, aos professores Rafael Pacheco Mourão, Virgínia Valadares e Maria Flor de Maio Benfica. Ressaltamos que todas essas pessoas foram importantíssimas para tornar possível mais uma publicação.
Desejamos a todos uma boa leitura!
Marcelo de Araújo Rehfeld Cedro – Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor do Departamento de História da PUC Minas. Editor Gerente dos Cadernos de História.
CEDRO, Marcelo de Araújo Rehfeld. Apresentação. Cadernos de História. Belo Horizonte, v.18, n.28, 2017. Acessar publicação original [DR]