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História Ambiental: Memória e Migrações / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2015
A revista História em Reflexão chega ao seu volume 9, número 17 e é com grande alegria que escrevo a apresentação desta edição. Iniciativa dos discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, a revista surgiu com uma proposta arrojada, tendo sido uma das primeiras a circular exclusivamente on-line, apostando, desde seu nascimento, nas novas tecnologias de mídia e na internet. Atualmente esta dinamicidade permanece nas propostas de cada número, sendo o deste dossiê “História Ambiental: memória e migrações”, temas que se entrelaçam e que estão no âmago dos debates públicos contemporâneos. Grandes desastres “naturais”, intensos deslocamentos humanos e a necessidade de se usar a prática de recordar como instrumento de luta política e cultural marcam a passagem do século XX ao XXI. Cabe ao historiador, situar esses processos em sua historicidade, contextualizando-os em sua duração mais longa.
Preocupados com a convergência destes temas, os pós-graduandos em História da UFGD produziram esta edição, organizaram o dossiê e realizaram entrevistas sobre história ambiental. As discentes Marciana Santiago de Oliveira e Ilsyane do Rocio Kmitta entrevistaram Gilmar Arruda, expoente da área, o qual discorre sobre a emergência deste campo de estudos marcado pela interdisciplinaridade. Como bem situa o pesquisador, a área surge nos Estados Unidos da América, na década de 1970, porém, no Brasil, o tema natureza integra os interesses dos estudiosos da história desde o século XIX, preocupados em edificar uma determinada identidade nacional ou mesmo em problematiza-la. O grande problema explorado pela história ambiental, como bem frisa Arruda, é a dissociação que se processou entre seres humanos e natureza, como se a humanidade não fosse parte do próprio mundo natural.
Na segunda entrevista, realizada com Roberto Marinucci, intelectual preocupado com as migrações, temos um importante estado da arte (interdisciplinar) sobre os estudos migratórios. Fenômeno marcante no processo histórico contemporâneo, o pesquisador frisa a grande complexidade envolvendo a mobilidade humana, sobre como os movimentos atuais tem colocado por terra categorias fixas como imigração / emigração / migração. Além disso, destaca como os estudos migratórios estão cada vez mais reconhecendo o migrante como sujeito do ato de migrar, abandonando uma visão economicista que o tratava como uma peça dentro de um sistema de exclusão. Por outro lado, Marinucci também aborda a importância da memória nos estudos migratórios e em como o ato de recordar pode integrar movimentos de resistência dos migrantes, dentro do difícil processo de abandono do lugar de origem e de adaptação ao novo.
O dossiê, por sua vez, traz contribuições de diversos pesquisadores sobre as temáticas em destaque. O primeiro artigo, “Memória e Identidade em um Espaço de Migração: Fronteiras em Santa Rita, Alto Paraná, Paraguai”, de Andressa Szekut e Jorge Eremites de Oliveira, versa sobre a emigração brasileira ao Paraguai. Os autores problematizam as memórias e identidades construídas pelos emigrantes, naquele país, partícipes de um processo de colonização recente. Seu foco reside nas relações identitárias desses sujeitos, especialmente as estabelecidas entre o eu e outro.
Fabiano Silva Santana e Sérgio Paulo Morais, em “Norma regulamentadora 36: pausa, desafio posto pela intensidade do trabalho nos frigoríficos”, analisam as relações de trabalho nos frigoríficos brasileiros. Sua preocupação se centra na “Norma Regulamentadora, nº 36” e nas condições de salubridade do trabalho na indústria alimentícia, enriquecendo com isso os conhecimentos da área de história do trabalho.
José Otávio Aguiar e Hilmaria Xavier, em “Ambiente, vivências e memórias da Favela da Cachoeira (Campina Grande 1959 – 2006)”, analisam a construção da Favela da Cachoeira, na cidade de Campina Grande, iniciada em 1959, edificação que não ocorreu apenas no aspecto físico, mas também no campo dos significados que os moradores imprimiram ao lugar. Os autores analisam também os movimentos em prol de melhorias para o local, culminando na remoção de parcela dos moradores para um novo local na cidade, o Bairro da Glória.
Em “Da imposição à Vocação: A economia da capitania dos Ilhéus nos circuitos mercantis”, Rafael dos Santos Barros desmistifica o suposto atraso econômico daquela capitania, atribuído à falta de participação na produção açucareira. O autor desenvolve a tese de que à região de Ilhéus atribuiu-se a função de produzir alimentos para as regiões monocultoras – prática comum nas regiões periféricas da colônia e do império – existindo severas proibições à introdução da cana-de-açúcar e tabaco.
Giovani José da Silva, em “‘Todo se cambia, incluso el paisaje’: Memórias indígenas e migração camba-chiquitano” une preocupações com as migrações, memórias e história ambiental e indígena em um estudo sobre a etnia Kamba (também conhecida como Camba-chiquitano). Originários da Bolívia, essa população indígena se fixou na periferia da cidade sul-mato-grossense de Corumbá, localizada na fronteira do Brasil com aquele país. Silva problematiza as relações dos indígenas com o mundo natural e as condições inóspitas que enfrentaram no processo de fixação naquela cidade.
Em “Rio Açu, Capitania do Rio Grande: sertão, natureza e espacialidades no Assu seiscentista (1624 – 1680)”, Tyego Franklim da Silva realiza um estudo sobre o período colonial da região de Assu / Açu, Rio Grande do Norte. Utilizando-se de documentos oficiais, crônicas e relatos de viajantes, o autor explora a conquista da região, bem como as relações que ali se estabeleceram entre europeus e povos indígenas e como eles se relacionaram com a natureza.
Dilson Vargas-Peixoto, em “Indícios da alteração ambiental nas crônicas de três viajantes (Rio Grande do Sul, 1808-1827)”, analisa as mudanças ambientais ocasionadas pela introdução de elementos da fauna e da flora europeia do Brasil, no século XIX. Toma como fonte os relatos de viajantes, notadamente Auguste de Saint- Hilaire, John Luccok e Nicolau Dreys, nos brindando com um belo trabalho de história ambiental.
Já na sessão de artigos livres, “O projeto político oposicionista de Assis Brasil nas campanhas eleitorais de 1922 no Rio Grande do Sul”, escrito por Pedro Paulo Lima Barbosa, problematiza os discursos e práticas políticas de Assis Brasil, com foco especial nas eleições de 1922. Como aponta, aquele político se insurgira contra o Partido Republicano Rio-grandense (PRR) e a candidatura de Borges de Medeiros à presidência do estado, o que lhe daria um quinto mandato consecutivo. Problematiza as intencionalidades da candidatura, pois, embora fosse oposicionista, as posições políticas de Assis Brasil eram muito semelhantes a de seus adversários.
“A fotografia-quadro em imagens de conflitos bélicos: a permissividade à arte contemporânea e à expressão do produtor, nas coberturas fotográficas noticiosas de guerras” é o artigo escrito por Fernanda Rechenberg e Bruno Cavalcante Pereira, em que os autores tomam com objeto de estudo as fotografias realizadas em zonas de conflito armado. Como analisam, formou-se um mercado de imagens violentas, que acabam por contribuir com os discursos ideológicos de grandes potências e que pouco auxiliam na reflexão crítica sobre as guerras. Assim, os autores questionam a veracidade de tais registros fotográficos bem como refletem sobre a permissividade dessa arte no mundo contemporâneo.
Maurício Marques Brum, no artigo “‘Expulsar a esquerda do poder’: Considerações sobre a formação de cadeias de equivalência contra o governo de Salvador Allende (1970-1973) à luz da teoria de Ernesto Laclau”, analisa o contexto político-ideológico do Chile durante o governo Allende. O autor se detém no processo de corrosão dos ideais democráticos, que primevamente sustentaram a posse daquele presidente, e, posteriormente, foram substituídos pela concepção de que um golpe de estado se justificaria como recurso para alijar a esquerda do poder.
Em “Disputas eleitorais em Dourados, no sul do antigo Mato Grosso: influência do contexto estadual e crescimento do PTB nas eleições de 1954, 1958 e 1962”, Fernando de Castro Além nos traz capítulos da história política do município de Dourados, inserindo-a devidamente no contexto do antigo estado de Mato Grosso. Entre suas preocupações está a análise da prática dos mandatários estaduais em impulsionar candidaturas municipais e a rivalidade entre as principais siglas do período (PTB, PSD e UDN), concluindo o autor que houve uma ascensão eleitoral do PTB no município em tela.
Tomaz Espósito Neto, em “Uma análise histórico-jurídica do Código de Águas (1934) e o início da presença do Estado no setor elétrico brasileiro no primeiro Governo Vargas” analisa o decreto no 24.643 de 10 de julho de 1934 (Código de Águas) e consequente processo de ampliação da presença estatal no setor de energia elétrica, no Brasil, tendência dominante no setor até a década de 1990. Entre suas preocupações, está o estudo das motivações que levaram o Governo Vargas a adotar tal medida, bem como os conflitos com os setores do capital estrangeiro, que exploravam o setor no Brasil.
De maneira geral, os temas estudados abordam o Brasil e países vizinhos em diferentes temporalidades, mas buscam responder a questionamentos contemporâneos quanto à formação, uso e apropriação do espaço, às transformações operadas na natureza, à mobilidade humana, às identidades e práticas sociais e políticas construídas por diferentes grupos. Privilegiando os estudos de caso e a dimensão micro espacial, o conjunto de textos nos faz refletir sobre diversos caminhos trilhados por diferentes pesquisadores, que possuem, em comum, o desejo de responder a inquietudes que nos acompanham (e, vez por outra, nos assombram) neste começo de milênio.
Jiani Fernando Langaro – Professor Doutor UFGD.
Dourados / MS / Brasil – Inverno de 2015.
LANGARO, Jiani Fernando. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 9, n. 17, jan. / jun., 2015. Acessar publicação original [DR]