História Ambiental: problemas e abordagens | Sertão História | 2022

A História Ambiental vem sendo estruturada como campo historiográfico desde a década de 1970, cujo estabelecimento institucional tem sido garantido na criação de disciplinas, grupos de pesquisa e cursos de pós-graduação em diversas universidades do mundo. Embora entendida como uma resposta aos reclames por uma responsabilidade ambiental, a História Ambiental foi demarcada com vistas a evitar que a análise se limitasse ao debate ambientalista e pudesse promover uma reflexão mais profunda sobre os problemas de uma ‘História Ecológica’, ou, mais ampla no encalço de um entendimento sobre as relações historicamente estabelecidas pelo homem com o mundo natural.

A dimensão teórica desse campo foi delimitada a partir da compreensão de que a História é ‘o homem e tudo o que há em sua volta’ (Braudel), e de que era necessário aos pesquisadores da História Ambiental perceber ‘a terra embaixo dos pés dos homens’ (Worster). Nessa compreensão, a natureza é vista em sua constante produção e reprodução e como parte do processo histórico dinâmico, ainda que por vezes ela pareça um referencial estável, em virtude de seus marcos temporais sejam demarcados numa escala de tempo que extrapola muito ao do tempo humano/social. Leia Mais

A história ambiental do capitalismo no mundo colonial, séc. XV-XIX | Tempo | 2022

Colonizacao extinguiu metade das cobras e lagartos de arquipelago no Caribe Jose Francisco Dos Santos EyeEmGetty Images
Colonização extinguiu metade das cobras e lagartos de arquipélago no Caribe | Jose Francisco Dos Santos / EyeEm/Getty Images

História ambiental

Um espectro ronda a formação da história ambiental como campo disciplinar: o espectro da crise ecológica planetária. Ao longo de um pós-guerra marcado pela crescente hegemonia do capital financeiro ocidental, a intensificação de processos de extração e industrialização e o aumento exponencial da população mundial, certos movimentos sociais de cunho “ambientalista” se consolidaram com base em grupos da classe média e alta em países industrializados norte-americanos e europeus. Porta-vozes, polemistas e manifestantes ambientalistas no pós-guerra conscientizaram seus públicos sobre questões de biodiversidade e sustentabilidade, pressionando a elite político-administrativa de vários órgãos governamentais a legislar e estabelecer ordens regulatórias voltadas à “proteção ambiental”, como foi o caso nos Estados Unidos. Com exceção dos movimentos mais diversos e radicais de Environmental Justice (cf. Pellow, 2017), inicialmente as manifestações principais do movimento ambientalista norte-americano, tendo em conta obras de referência como as de Rachel Carson e Garrett Hardin, articulavam seus objetivos dentro das estruturas do Estado-nação. Com frequência, medidas rumo à sustentabilidade ecológica foram imaginadas tanto por ambientalistas quanto por governantes como formas de remediar danos perpetrados por coletivos humanos nem sempre claramente definidos, reconhecidos, porém, como ameaças à viabilidade de conglomerações não humanas imaginadas como “natureza”, separadas ontologicamente da esfera humana. Tais ameaças à ordem ecológica eram vistas – e continuam sendo vistas – em múltiplas escalas temporais e cronológicas: o choque de um cataclismo nuclear, o desgaste nocivo da poluição agroindustrial, a extração desinibida de recursos naturais precipitando extinções de espécies diversas, o esgotamento de recursos naturais necessários para o sustento da vida no planeta. Ao movimento ambientalista do pós-guerra, por fim, não faltavam narrativas de declínio ou apocalipse planetário; faltavam historiadores. Não foi por acaso, portanto, que o campo conhecido como história ambiental se cristalizou na historiografia internacional ao longo das últimas décadas do século XX. Leia Mais

História Ambiental, Migrações e Globalidades | Fronteiras – Revista catarinense de História | 2022

Há séculos as sociedades estão vivenciando problemas socioambientais, como doenças, epidemias, pandemias, mudanças climáticas, enchentes, tornados, entre outros – que foram catalisados por atos de degradação e não preservação/conservação dos recursos naturais. Tais problemas ocorreram e ocorrem de forma inter-relacionada e em escala global. Como exemplo, podemos citar o mês de janeiro de 2022 – em meio à pandemia de covid-19, durante o aumento considerável no número de casos em todo o mundo por conta da dispersão da variante ômicron – o Brasil foi acometido por enchentes, queimadas e deslizamentos. E também foi assim, perante o cenário do caos e de eminentes crises ambientais, que foi fomentada a necessidade de trazer o meio ambiente para as discussões da disciplina de História. Na década de 1970, surge a História Ambiental, que trouxe uma premissa revisionista tornando a disciplina da História muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tinha tradicionalmente se apresentado.

O estudo do meio natural pelo viés da História Ambiental Global tem sua relevância redimensionada por questões transversais como: as fronteiras e seus espaços de conflitos; a biodiversidade; o patrimônio que resulta das múltiplas relações entre natureza e cultura; entre outros. Também é importante relacionar estas questões com os estudos sobre os movimentos migratórios humanos e da flora e fauna, os estudos dos aspectos históricos, demográficos e ambientais – presentes na formação dos territórios. Desta forma, através de estudos e discussões que tangenciam os aspectos aqui apresentados, os textos que compõem o Dossiê História Ambiental, Migrações e Globalidades legitimam a necessidade de discutirmos o meio ambiente dentro da História e em escala global. Leia Mais

História ambiental: Transformaciones ambientales, desastres naturales y enfermedades tropicales e infecciosas | Historia y Espacio | 2022

La revista Historia y Espacio, presenta en esta edición un dossier cuyo propósito principal se centra en visibilizar trabajos investigativos en torno a la historia ambiental, en el que se consideran temáticas relacionadas con los cambios profundos que se vienen suscitando en el medio natural y humano a partir de las diversas dinámicas de interrelación sociedad-naturaleza. La idea de crear este dossier, nace del interés de generar una reflexión acerca de los diversos procesos de cambio ocurridos en diversos socioecosistemas y comprender la extensión y periodicidad de las principales transformaciones ocurridas en estos escenarios. Algunos de estos procesos de cambio se relacionan de manera directa con diferentes acciones antrópicas ligadas al crecimiento económico, productivo, industrial, urbanístico o demográfico.

Los esfuerzos emprendidos para el desarrollo de este dossier, integrado por nueve artículos, brindan como principal aporte el acopio de estudios serios en torno al tema correspondiente a este volumen titulado: “Transformaciones ambientales, desastres naturales y enfermedades tropicales e infecciosas”. Leia Mais

Historia Ambiental/Ciencia Nueva. Revista de Historia y Política/2022

En 1989, Augusto Ángel Maya1 , uno de los pioneros de los estudios ambientales en Colombia, advertía sobre el retardo del método histórico para dejarse interrogar por la problemática ambiental. Al abogar por la «necesidad de una historia ambiental» criticaba que la vieja racionalidad desligaba el acontecer social de sus entornos naturales, y que el paisaje significa la raíz explicativa de la actividad social y simbólica. Desde entonces, sus reflexiones se han transformado en tierra fértil para una disciplina que sin mayores aspavientos ha venido labrando un nuevo escenario de estudios y reflexiones sobre las relaciones críticas pasado– presente–futuro en el contexto de unas condiciones socioambientales cada vez más apremiantes para la humanidad y en especial para los sectores más vulnerables de la sociedad. Leia Mais

História Ambiental do Brasil Republicano: políticas ambientais, historiografias e mundo natural | Faces da História | 2021

Em 1989, diante de uma plateia estarrecida, a jovem indígena Tuíra Kayapó apontava um facão para o pescoço do então chefe da Eletronorte. O público era formado por diversos profissionais, populações tradicionais, políticos, jornalistas e outros, e estavam ali para o Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu. Na ocasião, discutiam-se os diversos impactos na vida da população ocasionados pela construção de uma usina hidrelétrica no rio Xingu. O chefe da Eletronorte tentava convencer da necessidade da obra, Tuíra procurava, ao seu jeito, mostrar o contrário. Três décadas depois, a Usina de Hidrelétrica de Belo Monte ocupa a paisagem outrora marcada pela floresta, rio, ocas e animais de muitas espécies (COLACIOS, 2015). A cena é simbólica. Símbolo da situação do meio ambiente no Brasil, das leis, políticas públicas, dos povos indígenas, da justiça ambiental e das desigualdades sociais de vários tipos.

Anos antes dessa cena, em 1981, enquanto ainda perdurava a ditadura civil-militar brasileira, a política ambiental do país ganhava novos contornos. Foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n.º 6.983), com um peso significativo na perspectiva desenvolvimentista, nada diferente das ações na área ambiental promovidas até então pelo governo militar, tal como a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), de 1973, que por sua inação deu o tom da década do suposto milagre econômico brasileiro e todas as suas consequências ambientais. No entanto, essa nova política abriu um leque de instrumentos legais que tencionava, dentre outras questões, a avaliação dos impactos ambientais e estabelecia padrões de qualidade ambiental. Leia Mais

Escrevendo a História Ambiental da América Latina: Processos de Ocupação, Exploração e Apropriação da Natureza / Estudos Ibero-Americanos / 2020

Tendo-se implantado no cenário acadêmico latino-americano apenas no início do século XXI, depois de já bem estabelecida nos Estados Unidos e na Europa, a história ambiental é um campo jovem da produção científica no subcontinente, mas podemos considerar que já dotado de firmes alicerces. Desde então, a pesquisa na área ganhou espaço nas instituições universitárias de muitos países, abrindo caminho para uma renovação dos horizontes teóricos, temáticos e interpretativos da historiografia. Sua presença tem se mostrado crescente em programas de pós-graduação, dando origem a grupos, laboratórios e centros de investigação, conduzindo à organização de sociedades científicas e eventos de dimensão variada. Ao estudar as interações ativas entre os agrupamentos humanos e os elementos da natureza, com base em abordagens dinâmicas que intersecionam áreas como a geografia, a biologia, a antropologia, os estudos culturais e a produção discursiva, a história ambiental mostra-se capaz de configurar objetos ainda não explorados e gerar perspectivas originais de leitura do passado.

No contexto latino-americano, o campo tem oferecido referenciais capazes de conduzir à problematização de diversos aspectos da trajetória desses países: os modos de exploração colonial do território e seus desdobramentos; a incorporação do imaginário da natureza nas culturas nacionais; a geração de ferramentas intelectuais e técnico-científicas para o escrutínio da base físico-geográfica das nações; a apropriação do território e dos elementos do ambiente como “recursos naturais” e “matérias-primas”; as formas de ocupação humana do espaço; os impactos ambientais da produção econômica e de suas externalidades; a circulação e a comodificação de espécies; os movimentos sociais conservacionistas e ambientalistas; os aspectos sensoriais, perceptivos e emocionais do contato com a natureza. Esses estudos caracterizam-se por seus aspectos interdisciplinares, seus diversificados temas, problematizações, bases conceituais, escalas de referência e delimitações espaciais, em uma demonstração da heterogeneidade e do dinamismo do campo.

Este dossiê apresenta uma amostra da produção contemporânea em história ambiental latino-americana. “A agricultura e floresta dos alemães no Brasil: mobilidade, conhecimentos e transfers no Urwald (século XIX)”, assinado por Eduardo Relly, abre horizontes inovadores para o campo. O autor questiona, sobretudo, o que denomina “nacionalismo metodológico”, perspectiva que conduz a uma abordagem estática da dimensão espacial, reduzindo o escopo das análises a referências territoriais estanques. No contexto da história das migrações em massa dos séculos XIX e XX, ele propõe uma abordagem transcultural em que a região e a localidade sejam trabalhadas a partir da dinâmica das construções e práticas sociais, que conduzem à constante reelaboração das fronteiras. Aplicando o conceito de transfers à história agrícola e florestal, ele enfatiza, ao contrário da definição do processo migratório como ruptura cultural, até hoje privilegiada, a necessidade de também atentar para os fluxos de informação e experiência entre o Brasil e a Europa, escrevendo a história de uma agropecuária, por exemplo, teuto-brasileira. Sua pesquisa esclarece que, para além da incorporação de técnicas e produtos agrícolas próprios da cultura brasileira, os imigrantes também aportaram conhecimentos europeus relacionados ao manejo do fogo e introduziram sementes e mudas de sua sociedade de origem. A própria escolha dos setores agropecuários a serem adotados por eles nas colônias refletiu, como observa o autor, afinidades culturais prévias.

Também em um contexto relacionado à colonização neoeuropeia, o trabalho de Claudia Schemes, Magna Lima Magalhães e Cleber Cristiano Prodanov, “Um rio, uma cidade: caminhos que se cruzam – São Sebastião do Caí (RS)” exemplifica a pesquisa em história ambiental urbana, estudando a relação de uma cidade com o rio que a cruza. Acompanhando a história do município pelo viés de suas interações com o rio Caí, o estudo explora os condicionamentos, limites e possibilidades por ele representados desde a ocupação europeia e, particularmente, desde a colonização da região por imigrantes alemães. As múltiplas dimensões da simbiose entre cidade e rio são descritas a partir do estudo do ordenamento espacial, das práticas econômicas, dos modos de ocupação e distribuição populacional ao longo de sua evolução histórica. À medida que aborda os resultados dessa interação, que compreendem o desmatamento das áreas ribeirinhas e o consequente assoreamento do rio, o estudo permite acompanhar as rotinas sociais e econômicas do município, que consagraram a navegação fluvial como fator de impulsionamento da atividade produtiva. Ao mesmo tempo, enfoca os prejuízos causados pelas enchentes periódicas, tão recorrentes que passaram a ser vistas tanto quanto eventos naturais como culturais. Ao longo do artigo, o panorama histórico permite descrever a dinâmica da relação entre o rio e o município, exemplificando a reciprocidade das interações entre sociedade e ambiente.

Questões similares são tratadas pelo artigo de Alfredo Ricardo Silva Lopes, “Uma história social dos desastres de 1974 na bacia do rio Tubarão (SC- Brasil)”, que analisa o impacto das enchentes e deslizamentos de terra então ocorridos na região catarinense. O autor reconstitui o evento conforme as narrativas de suas testemunhas, registradas pela imprensa e pela escrita memorialística locais. O estudo dessa produção textual permite observar o impacto imediato da catástrofe a partir dos modos de representação e significação da experiência, ao mesmo tempo que explicita as estratégias de mobilização empregadas para a reorganização da vida urbana em função da profunda crise social que se seguiu. As fortes ondas emigratórias foram sua manifestação mais visível, além do desalojamento, das dificuldades de subsistência, da desorganização das atividades produtivas, da generalização da violência e sua decorrente política de controle e repressão social. O autor demonstra como, com a reconstrução da cidade, obras públicas lograram manter sob controle uma região caracterizada como uma “bacia de inundação”, onde as condições geográficas apontam para um elevado risco de enchente. Para além da excepcionalidade do evento em questão, esse estudo de caso ilustra exemplarmente o dinamismo, a reciprocidade e a busca de um equilíbrio – por vezes precário – característicos da interação entre as sociedades e seu ambiente físico.

Compreendendo um âmbito geográfico mais amplo, o trabalho de Eduardo di Deus, “A borracha que apaga o café: notas para uma história tecnoambiental da seringueira em São Paulo”, aborda a expansão do plantio da Hevea spp no planalto ocidental paulista, desde as primeiras experiências como árvores laticíferas no final do século XIX até o auge da produção no final dos anos 1980. O trabalho reconstitui o processo de implantação da heveicultura em seus aspectos tecnológicos e produtivos, atentando também para fundamentos institucionais e econômicos, para sua articulação com a tradicional agricultura cafeeira e para a circulação internacional de informação e de meios tecnológicos no setor. Ao mesmo tempo, o estudo demonstra a centralidade das instituições de pesquisa e desenvolvimento agrícola do estado na prestação de assistência técnica aos produtores, enquanto atenta para as demandas do setor industrial, para as condições de manejo, transporte e processamento da produção. Como se vê, o artigo integra os múltiplos aspectos que condicionaram a produção da seringueira como alternativa econômica em São Paulo, demonstrando a importância de considerar os processos produtivos a partir das relações das sociedades humanas com os elementos ambientais, e identificando na apropriação de tecnologia os meios de sua viabilização.

Trazendo para o debate a delimitação de uma esfera regional de abrangência a partir de um bioma específico, o estudo “As fronteiras geopolíticas do condomínio panamazônico: observações epistemológicas” dedica-se a discutir o tema da incorporação da dimensão geográfica nas políticas públicas, segundo a obra de Carlos Moreira Mattos. Tomando como referência seus escritos sobre a Amazônia, Delmo de Oliveira Torres Arguelhes demonstra como, na visão do General, cabia trabalhar para a defesa do território amazônico através de programas de cooperação entre os países da região, no sentido de buscar o compartilhamento da responsabilidade sob sua administração, nas perspectivas do desenvolvimento e da integração regional. Seria necessário promover, simultaneamente, o fortalecimento de seus nexos com os estados brasileiros e a criação de diretrizes comuns para a gestão da Amazônia entre os países que dividiam seu território. Definem-se, a partir daí, tanto medidas diplomáticas de abrangência internacional, como a assinatura do Tratado de cooperação amazônica (1978), quanto a formação de uma infraestrutura de transportes e comunicação entre a região e os estados brasileiros. Através de uma abordagem que combina as teorias da geopolítica e das relações internacionais, o artigo reflete, assim, sobre as bases intelectuais das políticas públicas que, nas últimas décadas, intentaram imprimir ao território amazônico diretrizes institucionais de controle, ao mesmo tempo inserindo-o nas redes nacionais e internacionais de intercâmbio material e simbólico.

Outro dos grandes biomas brasileiros foi tematizado por Sandro Dutra e Silva e Altair Sales Barbosa em “Paisagens e fronteiras do Cerrado: ciência, biodiversidade e expansão agrícola nos chapadões centrais do Brasil”. O trabalho explora os recentes desenvolvimentos na produção de uma história ambiental do cerrado como sistema biogeográfico, enquanto promove uma reflexão sobre os danos a ele causados pelo recente avanço da fronteira agrícola em seu território, que demonstram o dramático processo de destruição de sua fisionomia primitiva, hoje residual. Os autores inventariam a produção acadêmica recente sobre a região, apresentando um retrato das transformações por ela experimentadas, sobretudo nas últimas décadas. Através de um viés ecológico, eles interpretam as interações entre os elementos constituintes desse sistema biogeográfico, demonstrando, por exemplo, o comprometimento da flora do cerrado pela extinção de elementos de sua fauna. Partindo de conceitos consagrados por textos clássicos da história ambiental, pela produção científica ligada à tradição dos naturalistas-viajantes e pelos trabalhos acadêmicos contemporâneos sobre o sistema, o estudo oferece um vasto painel da historiografia regional, culminando com a análise da situação contemporânea. No que toca ao processo recente de expansão da fronteira agrícola, os autores examinam os expressivos impactos ambientais da agricultura sobre o bioma, demonstrando os severos danos causados a seu equilíbrio ecológico, que abrangem o solo, a fauna, a flora, o clima e os recursos hídricos. O diagnóstico demonstra o comprometimento de seu patrimônio genético – e, consequentemente, de seu potencial farmacêutico –, apontando para a insustentabilidade desse modelo de exploração.

A incorporação de espécies vegetais exóticas, um dos fatores observados por Sandro Dutra e Silva e Altair Barbosa como uma das características da inserção do Centro-oeste brasileiro no mercado mundial de alimentos e energia, é o tema do estudo seguinte, de autoria de Marília Teresinha de Sousa Machado, José Augusto Drummond e Cristiane Gomes Barreto. O artigo “Leucaena leucocephala (Lam.) de Wit in Brazil: history of an invasive plant” busca analisar a dispersão da espécie, uma das mais invasivas do mundo, no território brasileiro. Os autores observam que o fenômeno da propagação de espécies fora de seu bioma nativo, intencionalmente ou não, representa uma das áreas de investigação mais relevantes na história ambiental para a abordagem das relações entre as sociedades humanas e o meio físico-natural. Considerando que a dispersão de plantas atende a diversos propósitos humanos, sua propagação na atualidade tem sido objeto de estímulo, considerada a facilidade com que se reproduz e sua utilidade econômica como forragem para a criação de gado. Sendo assim, essa pesquisa examina, em primeiro lugar, a chegada da espécie ao País, muito anterior à data em que foi introduzida oficialmente por uma instituição de pesquisa. Com base nesse estudo, são observados os padrões de sua difusão por grande parte do território nacional, chegando a atingir uma área de preservação, o Parque Nacional de Brasília.

O artigo seguinte também se debruça sobre uma espécie em particular. “História, ciência e conservação da onça-pintada nos biomas brasileiros”, de José Luiz de Andrade Franco e Lucas Gonçalves da Silva, faz um balanço da produção de informação científica sobre a Panthera onca e da atuação de entidades dedicadas a projetos efetivos voltados para sua conservação. Compreender a articulação entre a pesquisa e o conservacionismo é um dos objetivos alcançados pelo artigo, após uma caracterização da espécie e uma recensão historiográfica em que obras escritas por caçadores são identificadas como os primórdios da produção de conhecimento sobre a onça-pintada. Os autores demonstram que as iniciativas efetivamente dedicadas à pesquisa sistemática sobre a espécie datam da década de 1970, quando se iniciam os estudos sobre suas características ecológicas. Demonstrando o imbricamento entre a investigação científica e os projetos protetivos, já esses primeiros estudos apresentavam propostas de medidas conservacionistas. Esse aspecto seria uma constante também nos empreendimentos de cunho científico desenvolvidos no século XXI, quando se intensifica a atuação de entidades ambientalistas, centros de pesquisa ligados ao poder público, fundações e organizações não governamentais. Considerando a ameaça de extinção da espécie, sobretudo nos biomas da Mata Atlântica e da Caatinga, seus projetos têm alcançado, simultaneamente, repercussão acadêmica e colaboração de ativistas. O artigo nos permite também observar o diálogo entre a história ambiental e outras áreas do saber – em particular a zoologia, a veterinária e a genética –, e, também, entre ela e os movimentos sociais ambientalistas. Como concluem os autores, a ciência tem sido o principal instrumento para a conservação da espécie.

Desde o trabalho de seus pioneiros, o tratamento dos aspectos culturais e intelectuais da relação entre homem e natureza é uma das linhas mais produtivas da história ambiental, como demonstram os dois artigos seguintes do dossiê. Em “José Mármol e o ambiente brasileiro do século XIX visto por um exilado”, Amanda da Silva Oliveira e Maria Eunice Moreira empreendem uma análise dos aspectos identitários relacionados à elaboração, pelos intelectuais latino-americanos, de concepções acerca da originalidade da região. Nesse texto, elas analisam os artigos publicados pelo escritor argentino José Mármol durante seu exílio brasileiro, entre 1845 e 1846, e observam que suas impressões etnográficas difundem uma concepção paradisíaca da natureza, que lhe inspira sentimentos do sublime, em contraposição a visões da sociedade urbana como espaço conspurcado pelo cosmopolitismo. Em sua escrita, enquanto a natureza carrega as insígnias do americanismo, incorrupta, copiosa e opulenta, a sociedade, em contato com a cultura europeia, prendia-se a laços de dependência que inviabilizavam o projeto de uma identidade americana comum. Assim, observa-se na análise das autoras a plasticidade dos conceitos de natureza e cultura e sua capacidade de traduzir concepções e representações sobre a vida social que incorporam aspirações e projetos de cunho político-ideológico.

Também nessa categoria direcionada aos estudos da cultura e da vida intelectual, o trabalho de Rodrigo Antonio Vega y Ortega Baez, “Matías Romero, las ciencias geográfico-naturales y la transformación ambiental del sureste de México, 1870-1883”, ilustra a crença, pelos letrados latinoamericanos, de que o desenvolvimento científico proporcionaria a prosperidade econômica do País por meio de ações efetivas sobre o território. Caberia promover, segundo o político, o direcionamento das forças produtivas nacionais no sentido do fomento ao plantio de gêneros de exportação para os mercados norte-americano e europeu, por meio da ampliação e da diversificação da oferta. A base para tal seria a incorporação dos saberes da geografia e das ciências naturais, que conduziriam a uma racionalização das iniciativas econômicas. Em particular, buscavam-se plantas nativas ou aclimatadas que possuíssem alto valor comercial e que poderiam ser cultivadas em terras até então tidas como inférteis. Por meio de um trabalho de propaganda, Romero promoveu a divulgação dos conhecimentos adquiridos em suas leituras científicas, e que exploraram as possibilidades de uso produtivo de parcelas intocadas do território. Nessa análise de sua obra, Vega y Ortega Baez explora, assim, as bases intelectuais de uma transformação do meio ambiente mexicano a partir das últimas décadas do século XIX que estimulou a conversão de “terras ociosas” – selvas, bosques e manguezais – em campos agrícolas, conduzindo a uma sensível alteração da paisagem do País.

O dossiê finaliza com uma entrevista concedida aos organizadores por John Soluri, professor da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Soluri narrou sua trajetória como pesquisador em história ambiental da América Latina e apresentou reflexões sobre diversos temas relativos ao campo: o estado atual da pesquisa; as áreas e temas mais promissores e imperiosos; perspectivas de investigação globais versus regionais e locais; as relações do conhecimento científico com os problemas sociais e ambientais do mundo contemporâneo; a história ambiental nos Estados Unidos; as oportunidades de intercâmbio entre pesquisadores e estudantes; a responsabilidade dos intelectuais. Ao final, refletiu sobre o significado da história ambiental no meio científico, suas particularidades, desafios e riscos.

Convidamos todos os leitores da revista Estudos Ibero-americanos a conhecer esse dossiê. Agradecemos aos autores que nos confiaram seus artigos e aos pareceristas que contribuíram anonimamente para sua apreciação e aprimoramento.

Luciana Murari – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. Professora da Escola de Humanidades e do Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orcid.org / 0000-0003-1517-1016 E-mail: luciana.murari@pucrs.br

Georg Fischer – Doutor em História pela Universidade Livre de Berlim. Professor associado da Escola de Cultura e Sociedade da Universidade de Aarhus, Dinamarca. orcid.org / 0000-0003-4791-5884 E-mail: fischer@cas.au.dk


MURARI, Luciana; FISCHER, Georg. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 46, n. 1, jan. / abr., 2020. Acessar publicação original [DR]

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Fontes para a história ambiental / Revista de Fontes / 2019

A história ambiental busca documentar e compreender a relação sociedade-natureza ao longo do tempo, a partir da problemática ambiental contemporânea. Essa problemática, hoje, perpassa as discussões sobre o desenvolvimento econômico e social, as relações internacionais, a cultura e o cotidiano. Cuidar da vida do planeta Terra como um todo aparece como imperativo no século XXI, sem o que haverá, inexoravelmente, a degradação das condições de vida de bilhões de seres humanos.

Este dossiê, assim, encontra plena justificativa no que se refere a sua relevância social. No âmbito acadêmico também se justifica, pois a relação sociedade-natureza fez parte do repertório da reflexão histórica ao longo do tempo[1].Talvez o exemplo mais eloquente dessa situação, no Brasil, seja a produção relativa ao período colonial, que ao investigar a ocupação europeia do continente americano, abordou como recursos naturais eram utilizados e percebidos pelos povos nativos, pelos invasores e pela nova sociedade que surgia. Obras clássicas como A Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. e Caminhos e Fronteiras de Sérgio Buarque de Holanda, para citar duas das mais conhecidas e importantes, demonstram como a História Ambiental encontra referências na história da historiografia brasileira.

Mas embora investigar sociedade e natureza não seja novidade na historiografia, a História Ambiental tem como especificidade problematizar essa relação a partir de um ponto de vista, que ganha força na segunda metade do século XX, de que a crise ambiental tem alcance mundial, afetando diretamente a vida da maior parte da população do planeta e que é uma ameaça não só ao futuro da Humanidade, mas ao seu presente. Essa compreensão ganhou forma a partir do diálogo e controvérsias estabelecidas entre diferentes ciências, mas também entre estas e as artes, a literatura e os saberes tradicionais, tudo isso impulsionado por movimentos sociais diversos, que apontavam tanto questões práticas e imediatas como preservar uma floresta, como ampliavam o escopo da sua crítica para a própria organização da sociedade industrial e seu modo de vida.

A medida que o século XX avançava houve questionamentos radicais à sociedade industrial, que tinha na noção de progresso elemento central. O próprio conceito de “desenvolvimento econômico” foi contestado, diante da crescente percepção de uma crise ambiental planetária, manifestada, dentre outros aspectos, pela poluição crescente do ar, água e solo; pela destruição dos ecossistemas e extinção de espécies; pelo esgotamento ou distribuição e uso desigual de recursos naturais [2]; e, no fim de século, pelas mudanças climáticas. Cabe notar que a crise ambiental aparecia com toda força na vida cotidiana e na economia dos próprios países ricos em meados do século XX, como nos casos da contaminação do ar em Londres e Nova York ou a intoxicação por mercúrio em Minamata e Niigata, no Japão. Em 1973, o primeiro “choque do petróleo”, embora decorrente de disputas geopolíticas e comerciais, demonstrou a dependência das sociedades industrializadas de um recurso natural finito.

A crise ambiental que em maior ou menor grau atingia a todos e era tida como ameaça ao futuro dava força aos movimentos ambientalistas mundo afora, e eles tinham ampla ressonância social em países democráticos da Europa e nos EUA. Os debates e estudos sobre essa problemática aumentavam. Em 1968 foi fundado o Clube de Roma, um grupo de pesquisadores que se reuniu para debater assuntos relacionados ao desenvolvimento e o meio ambiente, trabalhando ativamente para que as discussões alcançassem centralidade na agenda política mundial. Em 1972, em conjunto com a Associação Potomac e o Massachusets Institute of Technology, foi publicado o relatório Os limites do Crescimento, que influenciou os debates que ocorreram em torno da Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, que ocorreu, no mesmo ano, em Estocolmo, na Suécia. Os estudiosos discutiam como seria o futuro se todos os países continuassem crescendo num ritmo acelerado. Apontavam, então, para os limites do crescimento, ou seja, a impossibilidade de se manter o padrão de desenvolvimento sem que isso resultasse em um colapso ambiental. Pensar novas formas de organização social que propiciassem um relacionamento mais harmonioso entre sociedade e natureza impunha-se como um dos grandes desafios do século [3].

Mas a Primeira Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente também foi marcada por debates acirrados entre os representantes dos governos dos países desenvolvidos e dos países subdesenvolvidos. Nesse encontro, os temas da poluição e da pressão exercida pelo crescimento demográfico sobre os recursos naturais provocaram discussões acirradas. Surgiram propostas de controle de natalidade e do próprio crescimento econômico de países periféricos na economia mundial, resultando em um intenso debate entre os desenvolvimentistas e os “zeristas”, que defendiam um crescimento econômico zero, ressaltando que não haveria recursos naturais suficientes para garantir a universalização dos padrões de produção e consumo dos países desenvolvidos.

Mas diante disso, o que deveriam fazer os países mais pobres? Aceitar a pobreza e a desigualdade internacional ou destruir o planeta em busca de seu desenvolvimento? Colocado nesses termos o debate não avançava. A resposta mais complexa tentava superar o dilema do desenvolvimento como sinônimo de degradação ambiental. Não era fácil. Mas, do ponto de vista intelectual era a reflexão que tinha futuro. Os intelectuais mais criativos assumiam como premissa que era preciso conciliar desenvolvimento humano e natureza, inventar um novo rumo para o planeta, e ele somente poderia ser realizado a partir de uma abordagem socioambiental. As humanidades, assim, alcançavam o centro do debate ambiental, que, para muitos, parecia ser objeto das ciências naturais. A historiografia também se engajou nessa reflexão.

Nos Estados Unidos nascia a Environmental History, ou seja, a História Ambiental adquiria identidade com o início de um esforço consciente e sistemático de incorporação aos estudos históricos das questões e variáveis ambientais. Segundo Donald Worster, uma das principais referências do movimento nascente, o objetivo principal dos historiadores ambientais tornou-se “aprofundar o entendimento de como os seres humanos foram, através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural, e, inversamente, como eles afetaram esse ambiente e com que resultados” [4]. Em 1974, os Annales, a renomada revista francesa vinculada à escola historiográfica que leva o mesmo nome, publicou uma edição especial dedicada a temática ambiental: Historie et environnement. Em 1999 era fundada a European Society for Environmental History (ESEH). Em 2003 os historiadores ambientais da América Latina se reuniram na SOLCHA, a Sociedade Latino Americana e Caribenha de História Ambiental

O Brasil acompanhou toda essa movimentação social e acadêmica que acontecia no mundo na segunda metade do século XX, embora o ambiente repressivo implantado pela Ditadura de 1964 tenha dificultado a participação mais ampla da sociedade. Mas no contexto de redemocratização do país nos anos 1980, período marcado por grande efervescência cultural e política, as questões ambientais chegaram ao grande público. Foi a época em que Chico Mendes, liderança popular do Acre, ganhou destaque internacional ao encarnar a luta dos seringueiros e a defesa da Floresta Amazônica; quando as ONGs ambientalistas ganharam força e, inclusive, surgiu o Partido Verde, inspirado na experiência europeia. Em 1992, vinte anos depois de Estocolmo, o Brasil receberia a Segunda Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, a Rio92, que teve grande repercussão no país.

Nos cursos de história a temática ambiental começou a ganhar espaço. Os livros de Keith Thomas [5] e Warren Dean eram inspiradores. Dean, tendo finalizado sua pesquisa sobre a Amazônia, publicou o livro “Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history”, em 1987, e a obra logo foi traduzida e publicada no Brasil em 1989 [6]. Autor bastante conhecido no mundo acadêmico brasileiro, Warren Dean deu visibilidade à nova agenda de pesquisa que surgia. Anos mais tarde escreveria um clássico: A Ferro e Fogo. A história da devastação da Mata-Atlântica Brasileira [7]. Em 1987 era defendida na Unesp de Assis a dissertação de mestrado de Jozimar Paes de Almeida, intitulada a “A Extinção do Arco-Iris. A agroindústria e o eco-histórico”, talvez a primeira pesquisa da área nascente em programas de pós-graduação em história8.

O ensino também participou desse movimento de incorporação do meio-ambiente à reflexão histórica. A importância da educação para o enfrentamento da crise ambiental foi ressaltada na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, em 1972. Discussões sobre o conceito de Educação Ambiental e as formas de implementá-la aconteceram em seminários e encontros ao longo dos anos seguintes. A Constituição Federal do Brasil de 1988, elaborada em um contexto de grande participação social indica em seu Capítulo VI – Do meio ambiente, no art. 225, que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Além disso, a mesma Constituição afirma que para assegurar a efetividade desse direito o Poder Público deve promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados em meados dos anos 1990, instituíram o meio-ambiente como tema transversal no ensino fundamental e médio9. Hoje, o ensino de história terá de pensar a questão ambiental a partir da Base Nacional Comum Curricular, uma novidade ainda pouco conhecida pela grande maioria dos historiadores.

Como se vê, a partir de fins do século XX o meio-ambiente floresceu na área de história e, desde então, se expandiu fortemente. No Brasil, vinte anos atrás, seria possível identificar facilmente os poucos historiadores dedicados à temática ambiental e os centros de pesquisa da área. Em 2020 essa lista seria longa demais para um texto introdutório. A história ambiental aumenta seu espaço no ensino, na pesquisa e nas publicações acadêmicas e alcança ressonância social.

Esperamos que os artigos deste dossiê auxiliem todos aqueles que pretendem pensar o meio-ambiente em perspectiva histórica.

Notas

1. Paulo Henrique Martinez. “Existe Uma Historiografia Ambiental Brasileira ?”. In: Anais do XVII Encontro Regional de História: O lugar da História. ANPUH / SP Unicamp. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom. Seminário Temático XIII.

2. Arthur Soffiati. “Algumas palavras sobre uma teoria da eco-história”, Desenvolvimento e Meio Ambiente, 18, jul. / dez. 2008, p. 14.

3. Wagner Costa Ribeiro. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2001, p. 77; Phillippe Le Preste. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora Senac, 2001, p. 159ss.

4. Donald Worster. “Para fazer história ambiental”, Estudos Históricos, 4-8, 1991, pp. 198-215 (publicado, originalmente, em 1988 nos EUA).

5. Keith Thomas. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

6. Warren Dean. Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history. Cambridge: Cambridge University Press, 1987; A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989.

7. Warren Dean. A Ferro e Fogo. A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.

8. Jozimar Paes de Almeida. A Extinção do Arco-íris: A Agro-Indústria e o Eco-histórico. Mestrado em História, UNESP, 1987.

9. Circe Maria Fernandes Bittencourt. “Meio ambiente e ensino de história”, História & Ensino, 9, 2003, p. 51.

Referências

ALMEIDA, Jozimar Paes de. A Extinção do Arco-íris: A Agro-Indústria e o Eco-histórico. Mestrado em História, UNESP, Brasil, 1987.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. “Meio ambiente e ensino de história”, História & Ensino, 9, pp. 63-96, 2003.

DEAN, Warren. A Ferro e Fogo. A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.

DEAN, Warren. A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989.

DEAN, Warren. Brazil and the Struggle for Rubber: a study in environmental history. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

LE PRESTE, Phillippe. Ecopolítica Internacional. São Paulo: Editora Senac, 2001.

MARTINEZ, Paulo Henrique “Existe Uma Historiografia Ambiental Brasileira?”. In: Anais do XVII Encontro Regional de História – O lugar da História. ANPUH / SP Unicamp. Campinas, 6 a 10 de setembro de 2004. Cd-rom.

RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2001. SOFFIATI, Arthur. “Algumas palavras sobre uma teoria da eco-história, Desenvolvimento e Meio Ambiente”, n. 18, pp. 13-26 , jul. / dez. 2008.

THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

WORSTER, Donald. “Para fazer história ambiental”, Estudos Históricos, 4-8, pp. 198-215, 1991.

Janes Jorge – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, SP, Brasil. E-mail: janes.jorge@unifesp.br https: / / orcid.org / 0000-0003-1767-2148

Patricia Tavares Raffaini – Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Programa de Pós-Graduação em História, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, SP, Brasil. E-mail: raffaini@usp.br https: / / orcid.org / 0000-0003-1921-6269


JORGE, Janes; RAFFAINI, Patricia Tavares. Apresentação. Revista de Fontes. Guarulhos, v.6, n.11, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental e Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2019

Em ensaio recente, Christof Mauch (2019) propõe a “esperança lenta” como caminho para construir leituras otimistas e alternativas sobre as “histórias assustadoras” do presente, tais como a mudança climática, as migrações, as violências e as extinções. Longe de negar as crises contemporâneas, o autor sustenta que precisamos de narrativas esperançosas que possam contribuir ou, pelo menos, acenar para futuros alternativos.

Acreditamos que as proximidades e possibilidades de interligação da História Ambiental e da História do Tempo Presente oferecem algumas dessas narrativas esperançosas. Elas nos contam sobre longos processos de mudança, sobre práticas não contemporâneas que permanecem no cotidiano, sobre saberes ambientais, controvérsias, atitudes e relações entre humanos e mundo natural. Elas permitem explorar a memória das relações de humanos e não humanos e a percepção das consequências que as escolhas do passado têm criado para as expectativas contemporâneas de futuro.

Foi essa visão de proximidade da História Ambiental com a História do Tempo Presente que nos motivou à construção do presente Dossiê da Revista Tempo & Argumento. A acolhida da proposta foi rápida, provocativa e instigante, o que pode ser observado nos artigos da edição.

Elenita Malta Pereira, em A construção da ética do convívio ecossustentável pelo ambientalista José Lutzenberger (1971-2002) discute a construção de uma perspectiva peculiar de relação entre humanos e mundo natural ao longo da trajetória de militância ambientalista do engenheiro agrônomo brasileiro José Lutzenberger, intelectual polêmico e de influência no debate público das questões ambientais no Brasil pós-ditadura militar.

No artigo Industrialização e crise ambiental: a representação do desastre nuclear em vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch, Alfredo Ricardo Silva Lopes e Rauer Ribeiro Rodrigues discutem os embates contemporâneos da crise ambiental e dos modelos industriais a partir de um dos maiores desastres radioativos da história, explorando, simultaneamente, possibilidades e limites das relações entre História e Literatura no tempo presente.

Gabriel Lopes e André Felipe Cândido da Silva, em O Aedes aegypti na historiografia: reflexões, controvérsias e perspectivas, buscam refletir sobre as diferentes abordagens que têm sido realizadas acerca do mosquito Aedes aegypti, as ecologias ligadas ao longo processo de coevolução do inseto e da espécie humana. O ponto de partida é a leitura de uma epidemia de dengue sem precedentes na cidade do Rio de Janeiro em 1986.

De parque a APA: uma análise do processo de recategorização de parte do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, SC, de Jackson Alexsandro Peres, discute ressignificações de uma unidade de conservação que ocupa aproximadamente um por centro do território do estado de Santa Catarina, Brasil.

Marco Armiero e Leandro Sgueglia, em Wasted Spaces, Resisting People. The politics of waste in Naples, Italy analisam mobilizações sociais e injustiças ambientais na periferia de Nápoles, pontuando a criação de novos commons, novas instituições e guarnições sociais ou comunitárias, desenhando alternativas para desastres ecológicos urbanos como o desafio da contaminação tóxica ou do lixo.

Andrés Ernesto Francel Delgado, em Historia de la arquitectura y el urbanismo en bicicleta, Ibagué, Colombia, 2015-2017, trabalha com a implementação de uma metodologia de aprendizagem de arquitetura urbana e de leitura da transformação das cidades por meio da cultura ciclista como uma nova urdidura da cidade contemporânea.

Eunice Sueli Nodari e Zephyr Frank discutem, no artigo Vinhos de altitude no Estado de Santa Catarina: a firmação de uma identidade, uma história recente da vitivinicultura no estado de Santa Catarina, discutindo os territórios que trabalham com os, assim denominados, “Vinhos de Altitude”. No artigo fica evidente que a vitivinicultura não pode ser percebida, de forma idílica, vinculada a pequenos agricultores, e sim, como uma commodity econômica e cultural, que envolve um universo de atores humanos e não humanos.

Jo Klanovicz e Maíra Kaminski da Fonseca, em Tempo Presente e História Ambiental: a contemporaneidade do desastre do Césio-137 (Goiânia, mais que 1987), discutem a presença contemporânea da temporalidade do desastre radiológico de Goiânia, Brasil, em 1987. A partir da articulação entre História do Tempo Presente e História Ambiental, o artigo estabelece continuidades e rupturas em narrativas traumáticas estabelecidas a partir do acontecimento e suas repercussões no presente.

Já Samira Perucchi Moretto e Marlon Brandt, em Das pequenas produções à agroindústria: suinocultura e transformações na paisagem rural em Chapecó, SC, analisam os desdobramentos em torno da criação dos suínos, a partir da segunda metade do século XX no oeste de Santa Catarina e suas ligações com transformações ambientais regionais.

Todas as contribuições apresentam, além dos seus respectivos temas, o desafio de relacionar História do Tempo Presente e História Ambiental do ponto de vista teórico-metodológico. A grande acolhida do dossiê, materializada pelos artigos brasileiros e de pesquisadores internacionalmente reconhecidos na área de História Ambiental, expressa o desejo de convergência e de intercâmbio de experiências e de desafios apresentados pela História do Tempo Presente.

Referência

MAUCH, Christof. Slow Hope: Rethinking Ecologies of Crisis and Fear. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, 2019, no. 1.

Eunice Sueli Nodari

Jo Klanovicz

(Organizadores)


NODARI, Eunice Sueli; KLANOVICZ, Jo. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.26, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História ambiental e ensino / Revista do LHISTE / 2017

Meio ambiente na aula de História: Interações entre ensino de história, história ambiental e educação ambiental

A questão ambiental vem se tornando, nas últimas décadas, debate incontornável na esfera pública, a partir da ocorrência de desastres socioambientais, das reivindicações dos movimentos ambientalistas, da realização de conferências internacionais, da apreensão gerada pelos impactos do desenvolvimento tecnocientífico, e da percepção cada vez mais difundida de uma crise de proporções planetárias. Desde os anos 1970, essas questões passaram a ser discutidas também no âmbito da educação e do ensino. Surgia a educação ambiental, como campo de conhecimento dedicado à formação de cidadãos aptos a uma atuação política, capazes de reivindicar “justiça social, cidadania nacional e planetária, auto-gestão e ética nas relações sociais e com a natureza” (REIGOTA, 2006, p. 10). Também a história passou a incorporar o estudo sobre as interações entre seres humanos e natureza ao longo da história, por meio da história ambiental. Essa área de conhecimento trata do papel e do lugar da natureza na vida humana (WORSTER, 1991).

Dada a urgência e importância do tema, o ensino de história não poderia abster-se de abordá-lo. Como bem colocou Circe Bittencourt (2003, p. 42), “a manipulação da natureza pelo homem possui uma longa história, com variações em intensidade e brutalidade”, que precisa estar presente nas aulas de história. Mais do que isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) preveem o tratamento da temática de forma transversal na Educação Básica.

Entre outras possibilidades, Gerhardt e Nodari (2010) apresentam algumas sugestões de como o meio ambiente pode ser alvo das aulas de história, por meio do estudo da história local, da toponímia e de fontes visuais e arquivísticas. Os relatos de viajantes que percorreram o território brasileiro ao longo dos períodos colonial e imperial podem ser alvo de investigação que interliga ensino de história e história ambiental, pois contém descrições da flora e fauna que podem ser comparadas com a situação atual de ecossistemas.

Este dossiê se propõe a unir textos que revelam como seus autores percebem as discussões atuais em torno da questão ambiental no ensino de história. Alguns trabalham em cima de suas próprias experiências em sala de aula, outros apresentam balanços históricos e historiográficos, em regiões delimitadas, e, um terceiro grupo apresenta desafios e perspectivas inovadoras para trabalhar o tema. Em função dessa subdivisão temática, o dossiê está organizado em três grupos que totalizam 10 artigos. Além disso, dois textos discutem o tema dos desastres ambientais, na seção Painel. Conta também com duas entrevistas, uma com historiador, outra com educador, ambos autores de obras referenciais nas áreas de história ambiental e educação ambiental.

No primeiro grupo de artigos, Experiências de Ensino, o primeiro texto, de Ely Bergo de Carvalho, busca refletir sobre as dificuldades de se trabalhar a educação ambiental na formação inicial de historiadores. A partir de suas pesquisas e experiências pessoais, o autor considera que essa dificuldade, entre outras razões, está no paradigma de pensamento hegemônico no mundo ocidental, fundado na disjunção sociedade / natureza que, por sua vez, condiciona o viés antropocêntrico com que as ciências humanas têm sido concebidas, ao longo da história.

Na sequência, Ana Marcela França apresenta uma proposta de curso universitário que conjuga história ambiental e história da arte. Além de discussão teórica sobre as duas áreas do conhecimento e sobre o conceito de paisagem, a autora acrescenta exemplos de análises de imagens a partir da interação entre as duas disciplinas.

O artigo de Wesley Kettle procura analisar de que maneira os professores e professoras de história da rede pública da cidade de Ananindeua-PA incorporam o tema do meio ambiente em suas práticas pedagógicas. A partir da realização de entrevistas, o autor percebe alguns problemas derivados da formação dos docentes, o que leva a um descompasso entre a história ensinada em sala de aula e os resultados das investigações oriundas dos programas de pós-graduação e projetos de pesquisa desenvolvidos nas universidades brasileiras.

No texto que fecha essa primeira parte do dossiê, Elenita Malta Pereira e Antônio Dias Prestes apresentam as discussões que foram objeto em aulas de História Ambiental ministradas pelos autores no curso de História da UFRGS, em 2012 e 2013. Além de expor a sequência dos conteúdos e temáticas abordados naquelas experiências, o artigo argumenta pela necessidade de aprofundamento da questão ambiental nas disciplinas voltadas à formação de professores de história, sem prejuízo de sua presença de forma transversal em todas as demais que compõem os cursos formadores.

No segundo grupo de textos que compõem o dossiê, História e historiografia, o artigo de Carla Oliveira de Lima apresenta um balanço historiográfico – não exaustivo – sobre abordagens que tematizaram sobre as interações entre o homem e o mundo natural no contexto da Amazônia brasileira. A autora defende que os trabalhos orientados pela história ambiental conseguem superar o determinismo geográfico e oferecem interpretações mais aprofundadas da região.

Fabiano Quadros Rückert, no segundo artigo da seção, constrói uma narrativa da história da educação ambiental na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos. O texto aborda iniciativas individuais, a partir da atuação precursora de Henrique Roessler, bem como a atuação da sociedade civil em organizações ambientalistas e comitês de bacias.

No último artigo dessa seção, Bread Soares Estevam analisa o contexto de emergência da Educação Ambiental e da História Ambiental, como resultado do processo de busca por novos paradigmas para a superação da crise socioecológica configurada a partir da década de 1970. O autor defende a profunda conexão entre as duas disciplinas e oferece sugestões de eixos temáticos que podem ser trabalhados nas aulas de história, de forma a contribuir para a educação ambiental dos estudantes.

A terceira seção do dossiê, Desafios e Perspectivas, é aberta com o artigo de Jó Klanovicz, no qual o autor discute o impacto da política estadual de Educação Ambiental do Paraná no redimensionamento das matrizes curriculares dos cursos de graduação em História das universidades estaduais paranaenses. O artigo argumenta que a implementação da História Ambiental ocorre muito mais no âmbito da pesquisa do que do ensino, em função das especificidades desse campo do conhecimento histórico e de dificuldades no âmbito político das universidades estaduais.

Na sequência, o artigo de Rodrigo Barchi apresenta o discurso ecologista presente em um movimento (anti) musical chamado grindcore, surgido nos anos 80 e que se caracteriza tanto pela grande velocidade quanto pelo alto ruído de suas composições. A proposta do autor é, a partir do conceito de “saberes insurrectos” e das verdades construídas pelas pessoas infames, desvelar um pouco mais as ecologias e educações “menores” construídas por grupos menores e / ou marginais.

Encerrando a terceira seção, o artigo de Denis Fiuza traz uma proposta de análise de fontes impressas no ensino e na pesquisa em história, como periódicos, jornais e revistas relacionados à preservação ambiental, com o objetivo de aprofundar os debates sobre a ecologia e instrumentalizar os professores e estudantes em relação a essa temática, a partir do referencial teórico da ecocrítica.

O dossiê conta também com dois textos na seção Painel, que abordam o tema dos desastres socioambientais. O primeiro, escrito por Haruf Salmen Espindola e Cláudio Bueno Guerra, realiza um esforço no sentido de facilitar o entendimento do desastre socioambiental que abateu sobre o Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, oferecendo elementos para se discutir criticamente riscos, impactos e desastres ligados aos grandes investimentos de capital. No segundo texto, Marcos Aurélio Espindola discute a importância de se abordar a temática dos desastres socioambientais no ensino de história, a partir de um ponto de vista não-antropocêntrico.

Encerram o dossiê duas entrevistas com professores que atuam intensamente pela interação da temática ambiental no Ensino de História a partir de suas respectivas áreas: Paulo Henrique Martinez, na história ambiental, e Marcos Reigota, na educação ambiental.

O dossiê, portanto, abriga artigos e entrevistas que trazem diferentes olhares e perspectivas para pensarmos a abordagem da questão ambiental no Ensino de História. Que frutifique e colabore para multiplicar as análises sobre o tema e, mais importante, que possa contribuir para qualificar a atuação docente no dia-a-dia da sala de aula. Dessa forma, quem sabe, o dossiê mesmo possa ser um instrumento de Educação Ambiental, ajudando a superar a disjunção sociedade-natureza, de forma a construir um ensino de história menos antropocêntrico.

Referências

BITTENCOURT, C. M. F. Meio ambiente e ensino de História. História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 63-96, 2003.

GERHARDT, M.; NODARI, E. S. Aproximações entre História Ambiental, Ensino de História e Educação Ambiental. In: BARROSO, V. L. M. et al. Ensino de História: desafios contemporâneos. Porto Alegre: EST, 2010.

REIGOTA, M. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2006.

WORSTER, D. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.

Elenita Malta Pereira – Doutora em História (UFRGS). Professora no Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A organizadora


PEREIRA, Elenita Malta. Editorial. Revista do LHISTE. Porto Alegre, v.4, n.6, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental / Expedições / 2016

Por muito tempo a História foi vista como uma disciplina que enfocava os grande eventos e as correlações sociais, políticas e econômicas, sobrepujando outras categorias de análise. No entanto, desde a segunda metade do século XX e inicio do século XIX, tal premissa vem sendo ampliada e outras relações passaram a ser vistas como fundamentais para a compreensão da própria disciplina da História, intensificando a análise das relações dos seres humanos com meio ambiente.

Historicamente as alterações no meio natural são recorrentes em diferentes partes do mundo e os pesquisadores acreditam que tais mudanças resultam da atividade de um catalisador: os seres humanos. Desta forma, a História Ambiental vem analisando essas ocorrências, pois tais questões são latentes e afetam diretamente o meio ambiente, assim como os demais seres que fazem parte dos ecossistemas nele existentes.

O presente Dossiê: História Ambiental, da Revista Eletrônica Expedições: Teoria da História e Historiografia, traz sete textos que analisam a temática ambiental dentro da história, numa perspectiva inter / transdisciplinar.

O artigo de abertura é A busca de outros sertões, do pesquisador André Heráclio do Rêgo, mostra a expansão portuguesa dos séculos XV e XVI, e a busca por sertões, que foram mapeados por cronistas e exploradores. O autor aponta que uma geografia imaginária estava presente nos mapas contemporâneos a época estudada, possibilitou o encurtamento das distâncias entre o Brasil e o Peru (o que reforçaria os indícios da presença de metais preciosos em território brasileiro), ou entre a costa e a contra costa da África (o que tornaria mais fácil cumprir um dos principais anelos dos portugueses naquele continente: a travessia entre as costas atlântica e índica). Essa geografia imaginária, em que se destacavam alguns tópicos como a busca do preste João e do Paraíso terreal, a existência de riquezas imensas escondidas no sertão, tanto do continente africano quanto do americano, estendeu-se até bem entrado o século XVIII. Segundo Rêgo, foi neste período que a mesma começou a ser substituída por uma geografia iluminista, mais próxima da realidade e baseada em pressupostos mais científicos.

Já a pesquisadora argentina, Marina Miraglia, aborda as definições ao longo da história, dos conceitos de paisagem, espaço, lugar (entendido como um lugar ou cenário em que essas relações se materializam, colocando a ênfase no substrato físico-biológico em que ocorrem). No artigo El Territorio como Unidad de Análise em la Historia Ambiental y la Geografía Histórica a autora mostra que nas últimas décadas o conceito de território como unidade de análise processual é entendido como um sistema complexo, resultado da continuidade histórica e geográfica, onde a sociedade e o ambiente interagem uns com os outros ações cotidianas.

O artigo Devastação e Conservação no Bioma Cerrado: Duas Dinâmicas de Fronteira, de José Luiz de Andrade Franco, Roseli Senna Ganem e Cristiane Barreto aponta as dinâmicas opostas de devastação e conservação da natureza no bioma Cerrado. Descrevendo o processo de ocupação do território e os impactos crescentes da atividade antrópica. Os autores chamam a atenção para a urgência de políticas púbicas específicas e integradas capazes de conter a degradação dos ecossistemas nativos do Cerrado e visando promover a conservação efetiva de parcelas representativas de toda a sua biodiversidade.

O quarto artigo é A Região do Lagamar: fronteiras abertas para o re / ordenamento territorial, escrito por Alexandre Dullius e Maclovia Correia da Silva onde os autores discutem o “re / ordenamento territorial chamada Adaptação às Mudanças Climáticas baseadas em Ecossistemas (Abe)” observando detalhadamente a Região do Lagamar, parte da Mata Atlântica brasileira. No artigo seguinte, Miguel Mundstock Xavier de Caravalho, Bruno Griebler Provin e Renan Paganini Valentini escreveram Uma Leitura da Modernização da Suinocultura: história, agropecuária e bem-estar animal – Paraná, Brasil (1960-1980), os autores analisam as transformações da suinocultura no estado do Paraná, Brasil, nas décadas fundamentais do processo de modernização agropecuária (décadas de 1960 e 1970).

No artigo, são abordados os antecedentes, motivos, implantação e as características da modernização da suinocultura através do uso de literatura interdisciplinar e de fontes primárias como artigos de jornais, revistas de divulgação do setor, publicações técnicas, uma entrevista e censos agropecuários. Como conclusão os autores afirmam que as transformações ligadas à modernização da suinocultura estão relacionadas ao sofrimento e às alterações na qualidade de vida desses animais, questões usualmente negligenciadas nas análises históricas.

Na sequência, Jó Klanovicz apresenta a trajetória do viveirista francês Georges Delbard, que trabalhou diretamente na construção do estado de Santa Catarina, como espaço privilegiado para a implantação de projetos de fruticultura de clima temperado a partir dos anos 1960. Ao fornecer conhecimento técnico e mudas de frutíferas para a região, Delbard também influenciou profissionais envolvidos no projeto com sua concepção de natureza e de modernização da agricultura, dando legitimidade ao processo de transformação ambiental que a fruticultura de clima temperado ocasionou. Como fonte o autor utilizou de documentos técnicos que representam aspectos da fruticultura na região, bem como analisou a autobiografia de Delbard como texto ambiental.

Por fim, Ricardo Gomes Luiz e Maclovia Corrêa da Silva lançam mão da teoria da fronteira de Frederick Turner e território de diferença de Arturo Escobar para desenvolverem o artigo Remanescentes de Floresta com Araucária na Região Centro-Sul do Estado do Paraná e os Sentido de Fronteira, onde os autores analisam a convivência entre a expansão territorial, política e a conservação da Floresta com Araucária com ênfase especial para a erva-mate. Desta forma enceramos o dossiê e esperamos que os leitores possam fazer proveito todos os textos aqui apresentados.

Samira Peruchi Moretto – Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC. Professora do Curso de História da Universidade Federal da Fronteira do Sul –UFFS. E-mail: samirapm@gmail.com

Eduardo Henrique Barbosa de Vasconcelos – Doutorando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS. Professor do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás. E-mail: eduardo.vasconcelos@ueg.br


MORETTO, Samira Peruchi; VASCONCELOS, Eduardo Henrique Barbosa de. História Ambiental. Revista Expedições, Morrinhos, v.7, n.1, 2016. Acessar publicação original. [DR].

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[DR]

História Ambiental: Memória e Migrações / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2015

A revista História em Reflexão chega ao seu volume 9, número 17 e é com grande alegria que escrevo a apresentação desta edição. Iniciativa dos discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados, a revista surgiu com uma proposta arrojada, tendo sido uma das primeiras a circular exclusivamente on-line, apostando, desde seu nascimento, nas novas tecnologias de mídia e na internet. Atualmente esta dinamicidade permanece nas propostas de cada número, sendo o deste dossiê “História Ambiental: memória e migrações”, temas que se entrelaçam e que estão no âmago dos debates públicos contemporâneos. Grandes desastres “naturais”, intensos deslocamentos humanos e a necessidade de se usar a prática de recordar como instrumento de luta política e cultural marcam a passagem do século XX ao XXI. Cabe ao historiador, situar esses processos em sua historicidade, contextualizando-os em sua duração mais longa.

Preocupados com a convergência destes temas, os pós-graduandos em História da UFGD produziram esta edição, organizaram o dossiê e realizaram entrevistas sobre história ambiental. As discentes Marciana Santiago de Oliveira e Ilsyane do Rocio Kmitta entrevistaram Gilmar Arruda, expoente da área, o qual discorre sobre a emergência deste campo de estudos marcado pela interdisciplinaridade. Como bem situa o pesquisador, a área surge nos Estados Unidos da América, na década de 1970, porém, no Brasil, o tema natureza integra os interesses dos estudiosos da história desde o século XIX, preocupados em edificar uma determinada identidade nacional ou mesmo em problematiza-la. O grande problema explorado pela história ambiental, como bem frisa Arruda, é a dissociação que se processou entre seres humanos e natureza, como se a humanidade não fosse parte do próprio mundo natural.

Na segunda entrevista, realizada com Roberto Marinucci, intelectual preocupado com as migrações, temos um importante estado da arte (interdisciplinar) sobre os estudos migratórios. Fenômeno marcante no processo histórico contemporâneo, o pesquisador frisa a grande complexidade envolvendo a mobilidade humana, sobre como os movimentos atuais tem colocado por terra categorias fixas como imigração / emigração / migração. Além disso, destaca como os estudos migratórios estão cada vez mais reconhecendo o migrante como sujeito do ato de migrar, abandonando uma visão economicista que o tratava como uma peça dentro de um sistema de exclusão. Por outro lado, Marinucci também aborda a importância da memória nos estudos migratórios e em como o ato de recordar pode integrar movimentos de resistência dos migrantes, dentro do difícil processo de abandono do lugar de origem e de adaptação ao novo.

O dossiê, por sua vez, traz contribuições de diversos pesquisadores sobre as temáticas em destaque. O primeiro artigo, “Memória e Identidade em um Espaço de Migração: Fronteiras em Santa Rita, Alto Paraná, Paraguai”, de Andressa Szekut e Jorge Eremites de Oliveira, versa sobre a emigração brasileira ao Paraguai. Os autores problematizam as memórias e identidades construídas pelos emigrantes, naquele país, partícipes de um processo de colonização recente. Seu foco reside nas relações identitárias desses sujeitos, especialmente as estabelecidas entre o eu e outro.

Fabiano Silva Santana e Sérgio Paulo Morais, em “Norma regulamentadora 36: pausa, desafio posto pela intensidade do trabalho nos frigoríficos”, analisam as relações de trabalho nos frigoríficos brasileiros. Sua preocupação se centra na “Norma Regulamentadora, nº 36” e nas condições de salubridade do trabalho na indústria alimentícia, enriquecendo com isso os conhecimentos da área de história do trabalho.

José Otávio Aguiar e Hilmaria Xavier, em “Ambiente, vivências e memórias da Favela da Cachoeira (Campina Grande 1959 – 2006)”, analisam a construção da Favela da Cachoeira, na cidade de Campina Grande, iniciada em 1959, edificação que não ocorreu apenas no aspecto físico, mas também no campo dos significados que os moradores imprimiram ao lugar. Os autores analisam também os movimentos em prol de melhorias para o local, culminando na remoção de parcela dos moradores para um novo local na cidade, o Bairro da Glória.

Em “Da imposição à Vocação: A economia da capitania dos Ilhéus nos circuitos mercantis”, Rafael dos Santos Barros desmistifica o suposto atraso econômico daquela capitania, atribuído à falta de participação na produção açucareira. O autor desenvolve a tese de que à região de Ilhéus atribuiu-se a função de produzir alimentos para as regiões monocultoras – prática comum nas regiões periféricas da colônia e do império – existindo severas proibições à introdução da cana-de-açúcar e tabaco.

Giovani José da Silva, em “‘Todo se cambia, incluso el paisaje’: Memórias indígenas e migração camba-chiquitano” une preocupações com as migrações, memórias e história ambiental e indígena em um estudo sobre a etnia Kamba (também conhecida como Camba-chiquitano). Originários da Bolívia, essa população indígena se fixou na periferia da cidade sul-mato-grossense de Corumbá, localizada na fronteira do Brasil com aquele país. Silva problematiza as relações dos indígenas com o mundo natural e as condições inóspitas que enfrentaram no processo de fixação naquela cidade.

Em “Rio Açu, Capitania do Rio Grande: sertão, natureza e espacialidades no Assu seiscentista (1624 – 1680)”, Tyego Franklim da Silva realiza um estudo sobre o período colonial da região de Assu / Açu, Rio Grande do Norte. Utilizando-se de documentos oficiais, crônicas e relatos de viajantes, o autor explora a conquista da região, bem como as relações que ali se estabeleceram entre europeus e povos indígenas e como eles se relacionaram com a natureza.

Dilson Vargas-Peixoto, em “Indícios da alteração ambiental nas crônicas de três viajantes (Rio Grande do Sul, 1808-1827)”, analisa as mudanças ambientais ocasionadas pela introdução de elementos da fauna e da flora europeia do Brasil, no século XIX. Toma como fonte os relatos de viajantes, notadamente Auguste de Saint- Hilaire, John Luccok e Nicolau Dreys, nos brindando com um belo trabalho de história ambiental.

Já na sessão de artigos livres, “O projeto político oposicionista de Assis Brasil nas campanhas eleitorais de 1922 no Rio Grande do Sul”, escrito por Pedro Paulo Lima Barbosa, problematiza os discursos e práticas políticas de Assis Brasil, com foco especial nas eleições de 1922. Como aponta, aquele político se insurgira contra o Partido Republicano Rio-grandense (PRR) e a candidatura de Borges de Medeiros à presidência do estado, o que lhe daria um quinto mandato consecutivo. Problematiza as intencionalidades da candidatura, pois, embora fosse oposicionista, as posições políticas de Assis Brasil eram muito semelhantes a de seus adversários.

“A fotografia-quadro em imagens de conflitos bélicos: a permissividade à arte contemporânea e à expressão do produtor, nas coberturas fotográficas noticiosas de guerras” é o artigo escrito por Fernanda Rechenberg e Bruno Cavalcante Pereira, em que os autores tomam com objeto de estudo as fotografias realizadas em zonas de conflito armado. Como analisam, formou-se um mercado de imagens violentas, que acabam por contribuir com os discursos ideológicos de grandes potências e que pouco auxiliam na reflexão crítica sobre as guerras. Assim, os autores questionam a veracidade de tais registros fotográficos bem como refletem sobre a permissividade dessa arte no mundo contemporâneo.

Maurício Marques Brum, no artigo “‘Expulsar a esquerda do poder’: Considerações sobre a formação de cadeias de equivalência contra o governo de Salvador Allende (1970-1973) à luz da teoria de Ernesto Laclau”, analisa o contexto político-ideológico do Chile durante o governo Allende. O autor se detém no processo de corrosão dos ideais democráticos, que primevamente sustentaram a posse daquele presidente, e, posteriormente, foram substituídos pela concepção de que um golpe de estado se justificaria como recurso para alijar a esquerda do poder.

Em “Disputas eleitorais em Dourados, no sul do antigo Mato Grosso: influência do contexto estadual e crescimento do PTB nas eleições de 1954, 1958 e 1962”, Fernando de Castro Além nos traz capítulos da história política do município de Dourados, inserindo-a devidamente no contexto do antigo estado de Mato Grosso. Entre suas preocupações está a análise da prática dos mandatários estaduais em impulsionar candidaturas municipais e a rivalidade entre as principais siglas do período (PTB, PSD e UDN), concluindo o autor que houve uma ascensão eleitoral do PTB no município em tela.

Tomaz Espósito Neto, em “Uma análise histórico-jurídica do Código de Águas (1934) e o início da presença do Estado no setor elétrico brasileiro no primeiro Governo Vargas” analisa o decreto no 24.643 de 10 de julho de 1934 (Código de Águas) e consequente processo de ampliação da presença estatal no setor de energia elétrica, no Brasil, tendência dominante no setor até a década de 1990. Entre suas preocupações, está o estudo das motivações que levaram o Governo Vargas a adotar tal medida, bem como os conflitos com os setores do capital estrangeiro, que exploravam o setor no Brasil.

De maneira geral, os temas estudados abordam o Brasil e países vizinhos em diferentes temporalidades, mas buscam responder a questionamentos contemporâneos quanto à formação, uso e apropriação do espaço, às transformações operadas na natureza, à mobilidade humana, às identidades e práticas sociais e políticas construídas por diferentes grupos. Privilegiando os estudos de caso e a dimensão micro espacial, o conjunto de textos nos faz refletir sobre diversos caminhos trilhados por diferentes pesquisadores, que possuem, em comum, o desejo de responder a inquietudes que nos acompanham (e, vez por outra, nos assombram) neste começo de milênio.

Jiani Fernando Langaro – Professor Doutor UFGD.

Dourados / MS / Brasil – Inverno de 2015.


LANGARO, Jiani Fernando. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 9, n. 17, jan. / jun., 2015. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental e Migrações / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2014

Por muito tempo a História foi vista como uma disciplina que enfocava as correlações sociais, políticas e econômicas, sobrepujando outras categorias de análise. No entanto, esta premissa foi superada e outras relações passaram a ser vistas como fundamentais para a compreensão da própria disciplina da História. Segundo o historiador Donald Hughes, a História Ambiental pode adicionar bases e perspectivas a conceitos tradicionais dos historiadores: guerra, diplomacia, política e economia, revelando relações entre esses conceitos e o mundo físico [1].

Partindo deste mesmo pressuposto, o Dossiê de História Ambiental e Migrações, número 23 de Fronteiras, a Revista Catarinense de História, visa analisar a problemática ambiental com enfoques distintos em sua relação com a sociedade.

Marlon Brandt, em Agricultura e urbanização na paisagem do município de São José-SC (Séculos XVIII a XX), procura analisar as transformações da paisagem do município de São José, SC, partindo da ocupação açoriana no século XVIII, até a intensificação do crescimento urbano e adensamento demográfico na década de 1970, que foram modificando espaços que antes assumiam uma feição caracteristicamente rural em bairros densamente povoados.

Sandro Dutra e Silva busca identificar a postura de enfrentamento à natureza presente nos discursos da Marcha para Oeste, no artigo O desbravador do Oeste e as narrativas do enfrentamento e devastação da natureza na construção da Rodovia Belém-Brasília. Com a finalidade de identificar as representações do desbravador do Oeste, por meio da criação da imagem heroica de Bernardo Sayão, o texto procura se fundamentar nos pressupostos teóricos-metodológicos da História Ambiental, e baseia-se em diferentes fontes e documentos para caracterizar as representações da natureza no imaginário social brasileiro das décadas de 1940 a 1950.

Dando enfoque nas migrações contemporâneas, Emerson César de Campos e Michele Gonçalves Cardoso, em Migrações internacionais e família: experiências de migrantes criciumenses em configuração transnacional, analisam como o município de Criciúma tem se destacado pelo elevado número migrantes que partem da cidade rumo aos Estados Unidos ou para a Europa, em especial a Itália. Esses processos migratórios promoveram novos arranjos familiares e desempenham um importante papel na manutenção do projeto migratório e das novas configurações familiares. Soeli Regina Lima, também aborda a temática de migração no artigo Migrações e desenvolvimento local: um estudo biográfico. A autora analisa a trajetória de Luís Szczerbowski numa perspectiva bibliográfica, para entender o desenvolvimento econômico na cidade de Três Barras, em Santa Catarina.

Roberta Barros Meira procura comparar a importância recíproca entre natureza, imigração e agricultura, nos discursos dos diferentes atores ligados diretamente a questões como a ocupação e defesa do território e a transição da mão de obra escrava para a livre em Entre a experiência e a fantasia: natureza, agricultura e imigração no Brasil do Império.

Em História Ambiental do(s) Agreste(s) de Pernambuco: As ações humanas no ambiente natural sob a ótica dos indígenas e dos estudos acadêmicos (Séculos XIX – XX), Edmundo Monte aborda as mudanças ocorridas no ambiente natural do atual Agreste pernambucano, como consequência das ações humanas na região, sobretudo entre os séculos XIX e XX, para atender os ideais de progresso da nação.

Jackson Peres analisa como se deu a exploração dos recursos naturais na região da Baixada do Maciambú, no artigo A exploração dos recursos naturais no Porto dos Patos entre os séculos XVI e XIX. O autor mostra como os navegadores, desde o século XVI, usufruíram dos recursos naturais, especialmente de água, lenha e caça, bem como dos alimentos produzidos pelos indígenas que viviam na região.

Em Discussões acerca da necessidade de instalação de colônias agrícolas no sul de Mato Grosso (1889-1920), foi feita uma análise com base na colônia de Terenos, sobre a primeira experiência de colonização pública naquele estado. No artigo, Vinicius Rajão da Fonseca faz uma discussão entre a configuração da fronteira no sul de Mato Grosso, nas décadas finais do século XIX, e os discursos sobre a necessidade da colonização do estado, através da instalação de núcleos coloniais agrícolas.

Simoni Mendes de Paula, em A utilização dos recursos energéticos no rio Itajaí-Açú (SC), analisa os projetos para a produção de energia elétrica no rio Itajaí-Açú, em Santa Catarina. No último quartel do século XIX, indústrias como a Hering e a Karsten iniciaram sua produção utilizando-se da energia hidráulica produzida na região do Testo Salto. Nas décadas seguintes, empresas como a Empresa Eletricidade do Salto e a Empresa Força e Luz ratificaram o potencial hidrelétrico do vale do Itajaí com a construção de usinas hidrelétricas.

A mandioca e os carros de boi: ruralidades de uma Ilha ao Sul do Brasil, de Giovana Callado Ferreira, discute as mudanças produzidas pelo processo de urbanização na Ilha de Santa Catarina nos espaços outrora considerados “rurais”. Através da prática do cultivo da mandioca, da produção da farinha e da reemergência dos encontros dos donos de carros de boi, o texto mostra que apesar dos discursos vigentes apontarem para o esvaziamento das práticas de ruralidade, as trocas promovidas entre o “rural” e o “urbano” permitem perceber um universo sócio cultural muito mais complexo do que supunha a velha dicotomia entre o campo e a cidade.

Misael Costa Corrêa, em Alectoromaquia: Os galos de briga dentro da história ambiental, traz aspectos historiográficos da espécie gallus gallus e aponta vestígios de sua provável origem na Ásia, onde, desde muito cedo, a antropização possibilitou sua domesticação e posteriormente sua difusão pelo mundo. Mostra, também, aspectos que tangem à prática das brigas de galos, seus aspectos legais e morais.

Em Ciência e Natureza nas páginas da Revista da Escola de Engenharia de Porto Alegre (1914-1930), Fabiano Quadros Rückert aborda as relações entre a Escola de Engenharia de Porto Alegre e o governo do Partido Republicano Rio-Grandense, e mostra como esta oferece subsídios para compreensão do perfil editorial da EGATEA, destacando questões referentes ao uso da Ciência para exploração da Natureza e o processo de modernização das atividades agrárias no Rio Grande do Sul da Primeira República.

Este número traz ainda a seção de Resenhas, com a resenha da obra Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política, apresentada por Carlos Alberto Menarin.

Esperamos que os leitores possam fazer um ótimo proveito dos mais variados textos apresentados neste número.

Nota

1. HUGHES, Donald. Environmental History and Older History. In: GANDARA, Gercinair Silvério (orgs). Natureza e Cidades: viver entre águas doces e salgadas. Goiânia: PUC / UNIEVANGÉLICA Goiás, 2012. p. 25.

Samira Peruchi Moretto

Eunice Sueli Nodari

Organizadoras do Dossiê de História Ambiental e Migrações


MORETTO, Samira Peruchi; NODARI, Eunice Sueli. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.23, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental, relações socioculturais e suas espacialidades / Revista Espacialidades / 2014

A Revista Espacialidades, idealizada pelos discentes do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresenta com satisfação os resultados de seu sétimo volume, intitulado “História Ambiental, Relações Socioculturais e suas espacialidades”.

Neste dossiê temático, a Espacialidades tem como objetivo propiciar a discussão de trabalhos que abordem as mais diversas categorias espaciais presentes nos estudos da História Ambiental. Aqui publicamos artigos que discutem o processo de caracterização de ambientes naturais e suas transformações, análises históricas das ideias, percepções e valores aplicados ao mundo natural e estudos sobre os processos de exploração econômica e seu impacto sociocultural no ambiente natural; considerando as diversas relações que caracterizam o espaço como uma produção histórica.

Sendo assim, iniciamos nossa revista com o artigo de Cícero Pereira da Silva Júnior e Pere Petit, intitulado “Memórias Alagadas: a Amazônia Oriental e os projetos hidrelétricos, o caso da UHE de Estreito (MA / TO)”. Nele o autor analisa os depoimentos dos moradores do reassentamento “Mirindiba”, da cidade de Araguaína, em Tocantins, para investigar as memórias dessas pessoas que tiveram de deixar suas moradias, na Ilha de São José, por ocasião da inundação da barragem.

Em seguida, tendo por tema a questão da seca, trazemos o artigo de Antonio Alexandre Isidio Cardoso, intitulado “As secas e as migrações entre o Ceará e o território amazônico (1845-1877)”. Inserindo o papel do próprio migrante, o autor busca problematizar a perspectiva que enxerga o fenômeno de 1977-79 através do estudo das políticas públicas / migração percebidas como desdobramentos da estiagem.

Silvano Fidelis de Lira e João Batista Gonçalves Bueno, no texto “Modernizar a agricultura, salvar o ’Nordeste’: considerações acerca da polifonia discursiva sobre a agricultura no Nordeste no início do século XX”, discutem o papel da cultura do agave como elemento para o discurso de modernização do setor agrícola nordestino. Os autores oferecem uma análise da atuação tanto do governo quanto dos agrônomos envolvidos diretamente nesse processo.

Ana Paula da Cruz Pereira de Moraes, no texto “Sertão, sociedade e meio ambiente no Rio Piranhas, Capitania da Paraíba do Norte, 1670-1750”, discute sobre o envolvimento dos agentes sociais com o meio ambiente no contexto da colonização dos sertões da América, sobretudo, do sertão do Rio Piranhas, no interior da Capitania da Paraíba do Norte.

Emy Falcão Maia Neto, no artigo “O abastecimento de água em Fortaleza – CE (1813 –1867)”, reflete sobre o papel dos trabalhadores domésticos e carregadores de água no contexto do abastecimento de água em Fortaleza, entre os anos de 1813 e 1867. Recorrendo a textos de memorialistas e literatos, o autor demarca a importância fundamental dos chamados “carregadores humanos”, tentando extrair daí os sentidos da água para a população naquele momento histórico.

Diego José Fernandes Freire, no artigo “O Passado Verdejante: a defesa das árvores nos artigos jornalísticos de Gilberto Freyre (1921- 1926)”, utiliza-se do “Diário de Pernambuco” como fonte para destacar a dimensão saudosa de Gilberto Freyre frente ao arvoredo recifense, na medida em que os textos do Jornal alertam para a preservação ambiental.

Natascha de Vasconcellos Otoya, em texto intitulado “Conexão Brasil-Namíbia: duas nações em busca de petróleo e progresso”, reflete sobre a ligação entre esses dois países por meio da questão petrolífera. A autora discute sobre a exploração do petróleo vinculado a uma ideia de progresso, demarcando, nesse contexto, a questão da importância da preservação do meio ambiente.

David Durval Jesus Vieira, no artigo “Sensibilidade (In)civilizada: poder público, animais de tração e touradas em Belém (1897-1911)”, reflete sobre o “Código de Polícia Municipal” dessa cidade, preocupando-se com as políticas relativas ao uso de animais durante os anos de 1897 e 1911, período do apogeu da economia gomífera.

Assis Daniel Gomes, no texto “O ‘Rio Civilizador’ e o ‘Vale Do Cariri’: a eletrificação urbana do sul do Ceará (1949-1961), analisa as construções imagético-discursivas do Rio São Francisco no âmbito da criação da Companhia de Eletricidade do Cariri, defendendo ser uma correlação de forças entre passado, presente e futuro que atuou no sentido de reinventar a imagem do Rio.

Encerramos o dossiê temático com o texto de Raimundo Nonato Ribeiro Santana que, no artigo “História e Natureza: mudanças ambientais no norte de Goiás em relatos de cronistas e viajantes naturalistas no século XIX”, qualifica o Brasil desse período como recebedor de inúmeros viajantes naturalistas. Detendo-se ao estudo da então Província de Goiás, o autor analisa as transformações regionais perceptíveis a partir da documentação produzida por tais viajantes. Dessa forma, oferece um estudo sobre a transformação paisagística e a navegação do Rio Araguaia.

Dando prosseguimento, com o intuito de ser um mecanismo de ampla divulgação de produção científica, a Revista Espacialidades conta ainda com a Seção Livre. Nela contamos com publicações de temáticas variadas, não contempladas pelo dossiê temático, dentro da área História e Espaço.

Nesse sentido, apresentamos a contribuição de Helder Alexandre Medeiros de Macedo, em artigo intitulado “Reflexões sobra a questão indígena no Seridó: entre a História e o patrimônio cultural”. Em seu texto, o autor destaca a importância da presença pretérita de comunidades indígenas para a cultura do Seridó norte-rio-grandense, fazendo parte do patrimônio cultural da região.

Em seguida, contamos com a contribuição de Gil Eduardo de Albuquerque Macedo, que em seu artigo intitulado “Theatrum Mundi: Antônio Vieira e a comédia de Deus”, discorre sobre a “História do Futuro”, polêmica obra do jesuíta Antônio Vieira. O “Quinto Império”, cuja emergência está descrita na obra do jesuíta, tinha como intuito situar Portugal como responsável pela expansão do cristianismo pelo mundo. Através da análise da metáfora “Teatro do Mundo”, o artigo investiga a postura do homem diante do mundo através da obra do padre jesuíta.

Recebemos ainda a contribuição de Felipe Alves Paulo Cavalcanti, através do artigo intitulado “À procura das infâncias perdidas: espaço, poesia e sensibilidades saudosistas em ‘Evocação do Recife’, de Manuel Bandeira (1925-1936)”. Fazendo uso da categoria espacial em sua dimensão poética, o autor discute sobre as formas de pensar e de sentir a saudade presentes no poema “Evocação do Recife”, do escritor Manuel Bandeira. Interessante destacar que esse poema foi escrito a pedido do intelectual pernambucano Gilberto Freyre, por ocasião da publicação do “Livro do Nordeste”.

A revista encerra seu sétimo volume com o artigo escrito por João Gilberto Neves Saraiva, intitulado “Relatos de viagens, mapas e noticiário de Guerra: representações do Nordeste brasileiro no The New York Times antes das instalações militares norte-americanas (1940-1941)”. O autor faz uso dos conceitos de “representação” e de “espaço” para refletir sobre as representações do Nordeste brasileiro, a partir do que fora produzido pelo jornal The New York Times, no recorte temporal imediatamente anterior ao ingresso oficial dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, nos últimos dias de 1941.

Nós da “Espacialidades” agradecemos aos articulistas por considerarem a nossa revista como o meio de divulgação para as suas produções científicas, bem como aos professores pareceristas do Conselho Consultivo, e aos colaboradores convidados por terem se dedicado e contribuído imensamente no âmbito da revisão dos artigos deste volume. Por fim, convidamos os leitores a apreciarem os textos de nossa revista.

Boa leitura e até o próximo volume!

Cordialmente,

Equipe Editorial da Revista Espacialidades.

Marcia Severina Vasques – Doutora (editora responsável), Flávia Emanuelly Lima Ribeiro Marinho, Francisca Kalidiany de Abrantes Lima, Keidy Narelly Costa Matias, Priscilla Freitas de Farias, Renan Vinícius Alves Ramalho, e Tyego Franklim da Silva.


VASQUES, Marcia Severina et al. Apresentação. Revista Espacialidades. Natal, v.7, n. 01, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental | Revista Latino-Americana de História | 2013

O conjunto de textos reunidos no Dossiê de História Ambiental da Revista Latino Americana de História – RLAH – pode ser considerado um exemplo positivo do que Michel de Certeau chamou de economia escriturística. Segundo este autor, a escrita é parte de um ciclo de apropriação, significação e exteriorização de ideias e valores; e o texto – o produto da escrita – potencializa a continuidade do ciclo e da sua influência no comportamento humano.

No âmbito da historiografia, existe uma economia escriturística que influencia nas concepções teóricas e metodológicas de uma determinada pesquisa e, interfere de diversas formas, na seleção e interpretação dos temas pesquisados. Produto específico de uma economia escriturística marcada pela valorização das questões ambientais, a História Ambiental não pode ser dissociada do contexto intelectual em que ela está sendo produzida, uma vez que este contexto, materializado na forma de artigos, dissertações e teses, potencializa o seu crescimento quantitativo e qualitativo. Leia Mais

História Ambiental / Crítica Histórica / 2011

O considerável número de artigos que recebemos para a Revista Crítica Histórica nº 4 – Dossiê História Ambiental, é possível que expresse pelo menos duas coisas: (1) a lacuna de publicações especializadas para tratar do assunto e (2) a vitalidade que a abordagem da temática sobre o Ambiente tem alcançado em anos recentes.

Os questionamentos sobre as ideias de uma Natureza inesgotável, os debates sobre o aquecimento global, as condições climáticas, as catástrofes naturais e ainda uma das questões centrais que diz respeito para onde destinar os diversos tipos de lixos, resíduos, objetos descartáveis, etc. colocam em discussão o futuro e a sobrevivência da espécie humana.

Como anunciamos na chamada pública de artigos para compor esse número da Revista Crítica Histórica nº 4 – Dossiê História Ambiental, as pesquisas sobre a História Ambiental no Brasil ainda são muito tímidas. Por outro lado, trata-se uma área onde necessariamente os estudos dialogam intensamente com outras áreas do conhecimento, o que torna as abordagens instigantes, mas também desafiadoras. E, assim, esse Dossiê tem antes de tudo como objetivo socializar estudos, reflexões e abordagens nesta área da historiografia.

Os textos selecionados e ora aqui publicados por atenderem os critérios estabelecidos pela Revista Crítica Histórica, versaram sobre uma variedade de temas relacionados à História Ambiental: fontes de energia, modernização da agricultura no Brasil, direitos dos animais, extração de madeiras, memórias indígenas e suas relações com um rio, ocupações de várzeas, lavoura do café e degradação ambiental, o que confirma as necessárias abordagens multidisciplinares e transdisciplinares nos estudos sobre o Ambiente.

Em uma breve apresentação dos artigos que tratam do tema específico proposto para o Dossiê publicado nesse número da Revista Crítica Histórica, tem-se o primeiro texto “La evolución material y energética de los EEUU, 1980-2010” de Vitor Eduardo Schincariol, bem fundamentado com uma série de dados em gráficos e tabelas em que discute o descompasso entre o crescimento econômico norte-americano até 2010 e a produção energética, o que significa sérias preocupações futuras no que diz respeito à escassez de combustíveis fósseis a exemplo do petróleo. Sem dúvida essa é uma questão muito importante a ser acompanhada nos próximos anos, pois sabemos que afora a necessidade de investimentos em pesquisas para novas fontes de energia, também representará mudanças nas relações comerciais e econômicas entre os países do Hemisfério Norte e os do Sul com terras agricultáveis ainda disponíveis. O artigo, portanto, lembra em ficarmos atentos / as para os modelos agrícolas propostos, as lavouras a serem plantadas, a serviço de quais interesses e seus impactos socioambientais.

As discussões sobre a modernização da agricultura no Brasil é de longa data. Não por acaso nos estados existem os institutos agronômicos, universidades, cursos de pós-graduação, publicações, que investem e divulgam estudos especializados sobre os meios para uma maior produtividade e qualidade agrícola no país. Amilson Barbosa Henriques no artigo “Um ‘órgão dos agricultores brasileiros’: algumas propostas da moderna agricultura na Revista Agrícola Paulista, (1895-1907)”, analisou como nas páginas desse periódico eram publicadas as propostas da modernização agrícola em substituição as formas tradicionais de plantio e cultivo no país. As discussões sobre a diversificação, os adubos químicos ou naturais, a extensão da lavoura, o uso da mão-de-obra, as forma de ocupação da terra e os modelos agrários, bem como o ensino e os experimentos agrícolas são discutidas a partir dos conteúdos da citada Revista.

Os direitos dos animais é um tema de debates ainda incipiente no Brasil. Essa discussão ganhou força no bojo da chamada crise ecológica, com questionamentos à tradicional compreensão ocidental da plena dominação humana sobre os animais. Com o texto “Reflexões sobre a crise ambiental e o histórico emergir das sensibilidades para com os direitos dos animais nas Ciências Humanas e nas ciências da vida”, os autores José Otávio Aguiar, Francisco Henrique Duarte Filho e Rodrigo Ribeiro de Andrade nos provocam para uma instigante reflexão sobre as sensibilidades presentes nos debates históricos, sociológicos e jurídicos, as nossas sensibilidades para pensarmos no assunto, e também avaliarmos nossas práticas em torno do trato com seres de outras espécies.

A exploração florestal com o corte de madeiras em áreas indígenas no Sul da Bahia durante o Século XIX e a utilização da mão-de-obra nativa foi discutida por André de Almeida Rego no artigo “Corte de madeiras e o confinamento de populações indígenas: o caso da Bahia no Século XIX”. O autor evidenciou em seu estudo os impactos socioambientais de um modelo econômico baseado na destruição das matas, o que provocou novas relações marcadas pela redução de espaços, violências físicas, doenças, declínio demográfico e pela necessidade de reordenamento dos referenciais socioculturais indígenas em virtude dos desmatamentos.

Sabemos que as relações de grupos humanos são em muito marcadas pelos espaços que ocupam e transitam rotineiramente. No texto “O Ambiente e as memórias dos índios Xukuru sobre o Ipojuca e a Barragem Pão-de-Açúcar”, Denise Batista Lira analisou como em suas memórias os Xukuru do Ororubá, povo indígena que habita nos municípios de Pesqueira e Poção no Agreste pernambucano, expressam os estreitos vínculos estabelecidos com o Rio Ipojuca que outrora intermitente e hoje represado pela Barragem Pão-de-Açúcar, e é fonte de subsistência por meio da pesca para o consumo e a comercialização.

Constantemente os noticiários informam dos transtornos provocados pelas chuvas e grandes enchentes nas áreas urbanas de São Paulo. No artigo “História da ocupação e das intervenções na várzea do rio Tietê”, Sílvia Helena Zanirato tratou dos processos históricos de degradação do conhecido rio paulista, provocada pelas ocupações urbanas de suas várzeas. A autora demonstrou ainda em seu texto as preocupações, mas a ineficácia e os limites das ações públicas para conservação das várzeas como tentativas de adequar o rio ao desordenado crescimento urbano.

Para plantio do café no Rio de Janeiro fazendeiros destruíram consideráveis áreas da Mata Atlântica. Baseado em documentos dos séculos XVIII e XIX, Mauro Leão em “A cultura do café e a degradação ambiental na serra fluminense oitocentista” retomou o debate no Brasil no Século XIX sobre a questão da “rotina da lavoura do café”, um conjunto de práticas nos latifúndios cafeeiros que advogava a constante mudança de espaços para a lavoura do café, provocando com isso o desmatamento, o empobrecimento do solo e a degradação ambiental.

O papel do Juiz Conservador das Matas, um cargo público de investidura real pouco conhecido e estudado no Brasil, nas discussões em torno da exploração de madeiras nas matas de Ilhéus, Sul da Bahia, foi analisado por Ana Paula dos Santos Lima no artigo “Baltasar da Silva Lisboa: o Juiz Conservador das Matas de Ilhéus (1797 – 1818)”. No texto, a autora evidencia a importância da atuação desse funcionário da Coroa nas relações com moradores, destacando o regimento dos cortes das madeiras matas da Comarca de Ilhéus, em meio aos interesses econômicos da atividade madeireira e o surgimento de um pensamento da necessidade de preservação das matas no Brasil.

Na seção de fluxo contínuo que compreende os demais artigos que não tratam do tema específico proposto para esse Dossiê e ainda resenhas de publicações, temos textos que discutem a demografia histórica em Minas Gerais no Século XVII, com a contribuição valiosa do professor Iraci del Nero Costa (“As populações das Minas Gerais no século XVIII: um estudo de demografia histórica”); uma discussão sobre os crimes de defloramento em Porto Alegre apresentada por Carlos Eduardo Milengrosso em “Honra e Conduta: populares e práticas amorosas em Porto Alegre (1898-1923)”; “O Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e as perspectivas de propriedade na modernidade”, em que Mayra Guapindaia trata das formas de sobrevivência das mulheres no Recolhimento de Nossa Senhora da Glória no Recife; a repressão aos movimentos sociais nos anos que antecederam a Ditadura Militar em Alagoas, com o texto “Repressão e Resistência dos Movimentos Sociais em Alagoas (1961-1964)” de Rodrigo José da Costa; as relações entre o pensamento iluminista, a Revolução Francesa e a modernidade, reflexão de Rafael Alexandre Belo em “O pensamento iluminista e o desencantamento do mundo: a modernidade e a revolução francesa como marco paradigmático”; e, por fim, os condicionamentos e os limites do conhecimento histórico apresentado na análise de Ulisses do Valle no texto “Diagnóstico de um mal estar historiográfico: os limites do conhecimento analítico-discurso”. Compõe ainda essa seção uma apresentação do livro A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória, organizado por João Pacheco de Oliveira, significativa coletânea de estudos que consolidam os povos indígenas nessa Região nas pesquisas e debates acadêmicos. A ideia desse texto não é fazer propriamente uma resenha do recém-publicado livro, pois uma resenha, diante da dimensão do conjunto de textos que compõe o livro, é uma tarefa bastante árdua e demandaria um espaço bem maior dos limites que aqui propomos. Buscamos tão somente, então, situar o livro em um debate mais amplo: as pesquisas, as reflexões e os textos gerais publicados sobre os índios no Nordeste.

Na seção Documentação & Ensaio trazemos uma Entrevista com D. Jaime Chemello, bispo emérito de Pelotas (RS) discutindo o papel da Igreja Católica na luta pela reforma agrária no Brasil. Esta foi realizada por Célia Nonata da Silva, no ano de 2006, como parte de um projeto mais amplo para pesquisa sobre os problemas agrários no país, as lutas sociais pela ocupação das terras improdutivas, seus avanços e recuos e a constituição de fontes históricas sobre esses processos. Nos Ensaios temos de Mauricio Waldman uma reflexão sobre a crise ambiental na modernidade – “Crise ambiental: ponderando a respeito de um dilema da modernidade” -, em que o autor aprofunda questões teóricas e de posicionamento epistemológico e de historicidade. Todos os textos, artigos e resenha compõem junto ao Dossiê um corpo de debates e provocações para os pesquisadores e estudantes da área de história ambiental.

Por fim, quero agradecer a todos / as aqueles atenderam a chamada de publicação e enviaram seus artigos. Agradeço também aos / as colegas parecerista que contribuíram sobremaneira com suas leituras, análises e avaliações dos textos aqui publicados ou aqueles que foram devolvidos em razão de não corresponderem aos critérios da Revista Crítica Histórica. Peço também desculpas por eventuais transtornos no recebimento dos textos e problemas de comunicação com os / as autores / as. Agradeço ainda ao Prof. Antonio Filipe Pereira Caetano (UFAL) pela pronta aceitação da nossa proposta de organizar esse Dossiê. Registro ainda um agradecimento especial a Profa. Irinéia Maria Franco dos Santos (UFAL) pela sua disponibilidade, presteza e paciência nos assuntos relativos às formas e meios de publicação desse Dossiê. Sua ajuda foi de fundamental importância para a publicação.

Edson Silva – Conselho Editorial. Coordenador do Dossiê História Ambiental


SILVA, Edson. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 2, n. 4, dezembro, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental / História Unisinos / 2008

O dossiê que a Revista História apresenta neste número, abre espaço para divulgar pesquisas sobre uma dimensão da história que muito recentemente começou a ser explorada., ou seja, a de investigar e refletir sobre as interações entre as sociedades humanas e a natureza, trabalhando com variáveis ambientais em uma perspectiva histórica.

As questões que envolvem as transformações ambientais estão a exigir nossa atenção, o que significa, na esfera intelectual, a contribuição dos diferentes campos de conhecimento na sua análise e compreensão. Para além da difusão da problemática ambiental nos meios de comunicação, questões de fundo estão sendo colocadas, levando ao questionamento acerca da cultura ocidental e da lógica econômica, características do padrão de organização social construído com a modernidade. A inteligibilidade dessas questões e as respostas possíveis são aspectos em discussão, em debate. Neste sentido, uma das respostas a esses problemas aposta e reforça a racionalidade científica, tentando atribuir valores e criando critérios quantitativos para avaliação dos efeitos das ações humanas no ambiente. Nessa perspectiva, perseguem e aprofundam a intervenção do homem sobre a natureza, o que vem sendo potencializado como nunca pelo avanço tecnológico inigualável dos últimos 50 anos. Mas essa não é uma posição unânime. Para muitos pensadores, está cada vez mais claro que a racionalidade econômica que vem norteando as sociedades atuais não oferece respostas para a problemática ambiental.

Outro aspecto importante, cujo questionamento acompanha a reflexão sobre o meio ambiente refere-se à concepção de desenvolvimento. Pensar em desenvolvimento já não pode ser feito apenas em termos econômicos, ou falaciosamente sociais. Os argumentos do emprego, da arrecadação de tributos e da geração de riquezas estão sendo confrontados e fragilizados, na medida em que são levados em consideração os efeitos ambientais das medidas produtivistas. O futuro está cobrando a sua parte e a responsabilidade, o compromisso com as gerações futuras aparecem como um forte fundamento moral e ético a orientar as condutas e as decisões. O processo é recente, diríamos incipiente e, por isso, não conseguimos ainda perceber todos os seus elementos e os seus desdobramentos. Mas seu potencial é revolucionário, não por inspirar discursos e projetos. Seus efeitos são de outra ordem: modificam comportamentos e hábitos, difundem novos valores, ampliam nossa noção do que seja o coletivo, introduzem mudanças no direito da propriedade privada, e, fundamentalmente, está sendo alterada a forma como pensamos as relações entre a sociedade e a natureza. Nessa perspectiva, considero muito importante a contribuição que os historiadores podem dar pesquisando e refletindo sobre os movimentos ambientais, estudando os ambientes naturais do passado, investigando as técnicas e os conhecimentos usados na exploração do ambiente e as mudanças provocadas por essas interações, que são inspiradas e / ou orientadas por percepções, valores e significados que também precisam ser desvelados. Os artigos que integram esse dossiê são uma pequena mostra das possibilidades e caminhos utilizados nas pesquisas de História Ambiental.

Lucrecia Wagner em La lucha contra la contaminación y el saquero: de las movilizaciones em Mendonza a la unión de las reivindicaciones socioambientales em América Latina explora o embate entre o interesse econômico pela expansão da mineração na Argentina e a resistência crescente da população em assumir os riscos ambientais desse programa de desenvolvimento, que, mesmo não sendo recente, recebeu nas últimas décadas um incremento expressivo. A análise desse movimento social, seu surgimento e formas de atuação é o foco de interesse do artigo.

Em O recomeço na mata: notas para uma história ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul, Juliana Bublitz procura esclarecer e discutir elementos da relação que os imigrantes alemães estabeleceram com a natureza, recém chegados à região sul do país, nos primórdios do Brasil independente. Explora as impressões e sensibilidades desses imigrantes nos primeiros contatos, revelando o estranhamento e o medo profundo que certamente enfrentaram.

Marcos Montysuma e Tereza Almeida da Cruz em Perspectivas de gênero acerca da experiência cotidiana no Seringal Cachoeira – Acre (1964-2006) preocupam-se em analisar, por meio da história oral, as visões de gênero que perpassam as narrativas sobre a utilização e a luta em defesa dos recursos da floresta.

Marluza Marques Harres, em A paisagem em movimento: marcas do aproveitamento dos recursos hídricos (bacia hidrográfica do rio Camaquã, Rio Grande do Sul, Brasil), analisa as transformações ambientais, explorando antigas descrições a respeito de uma área alagada na região do baixo Camaquã. Faz isso, relacionando a análise socio-econômica dessa região com a gradativa alteração dos mananciais de água. A lógica que permeia a relação com essas áreas alagadas, na época analisada, é a da possibilidade e a das facilidades visualizadas para os empreendimentos econômicos.

Na seção Artigos, publicamos um conjunto de textos relacionados com a história das Américas.

O de Guilherme Felippe, intitulado Casar sim, mas não para sempre: o matrimônio cristão e a dinâmica cultural indígena nas reduções do Paraguai, analisa, através do discurso registrado na correspondência inaciana, o ocorrido na cultura guarani, a partir do momento em que os padres jesuítas iniciaram sua tentativa de substituir os costumes matrimoniais nativos pelo modelo cristão.

Maria Elisa Mäder, partindo do argumento central de que a dicotomia civilização / barbárie pode ser considerada um dos eixos centrais da representação da nação nas Américas, no século XIX, em Civilização, barbárie e as representações espaciais da nação nas Américas no século XIX, analisa como o conceito de nação foi elaborado e concretizado nos textos e ações de alguns intelectuais latino-americanos, enfatizando o papel e a importância que eles atribuíam à natureza na constituição das características particulares e nacionais de um território, de um povo e de sua história.

No último artigo, Alessander Kerber, em O nacionalismo na construção das identidades nacionais da Argentina e do Brasil dos anos 1920 e 1930 através da trajetória artística de Carlos Gardel e Carmen Miranda, analisa a participação desses cantores na construção das identidades nacionais de seus respectivos países, focalizando, especialmente, o nacionalismo representado em suas músicas e filmes.

Na seção Entrevista, a atuação de militante do Pastor Genote Gilberto Kirinus junto a movimentos sociais e políticos no Oeste do Paraná durante o período da ditadura militar no Brasil

Ao concluir, manifestamos nosso agradecimento à profa. Dra. Marluza Marques Harres pela inestimável colaboração que deu à revista, responsabilizando-se pela organização do dossiê publicado nesse volume.

A Comissão Editorial.


Comissão Editorial. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.12, n.3., setembro / dezembro, 2008. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental e Cultura da Natureza / Varia História / 2008

História ambiental e cultura da natureza. Quais relações se constituem entre tais termos? Entre história e natureza, ambiente e cultura, é possível delinear inúmeras tramas urdidas entre as sociedades humanas, o tempo histórico, a produção cultural da natureza e de suas representações, mas também as condições naturais nas quais o homem continuamente reinventa sua trajetória sobre o planeta.

Privilegiando esse campo de investigação, o volume que o leitor tem em mãos investe-se de significado duplamente especial. Em primeiro lugar, constrói-se em continuidade com dois outros organizados anteriormente. Em 2002, História e Natureza veiculou artigos estimulantes, assim como ocorreu em História Ambiental (feita) na América Latina, de 2005. História ambiental e cultura da natureza visa uma nova incursão à temática, inegavelmente decisiva na pauta historiográfica contemporânea. Em seu conjunto, tais dossiês formam um conjunto de vinte textos assinados por vinte e um autores pertencentes a diferentes instituições do Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Estados Unidos, México e Panamá. Apresentam-se como uma trilogia que merece tornar-se bibliografia obrigatória entre os pesquisadores dedicados ao tema da história ambiental na América Latina.

Em segundo lugar, esta publicação surge no interior das atividades relativas à organização do IV Simpósio da Sociedade Latino-americana e Caribenha de História Ambiental (SOLCHA), entre os dias 28 e 30 de maio de 2008, na Universidade Federal de Minas Gerais. Desde um primeiro encontro no Chile (2003), a sistematização dos esforços em Cuba (2004), a concretização da fundação da SOLCHA em Carmona (2006) e o quarto encontro desses pesquisadores a ser realizado no Brasil, a Varia História tem se oferecido como um rico canal de debate e divulgação de um conhecimento histórico sob a perspectiva ambiental. Atenta às possibilidades do diálogo entre várias disciplinas, assume um caráter pioneiro nos meios acadêmicos brasileiros, incentivando o contato e a troca de conhecimentos entre os pesquisadores de diversos países que têm freqüentado nossas páginas através de seus artigos. Os três dossiês apresentam-se, indiscutivelmente, ligados à trajetória primordial dessa sociedade científica internacional e ao desenvolvimento de um campo relativamente recente do saber histórico.

El papel del derecho en el cambio material y simbólico del paisaje Colombiano1850-1930, de Germán Palacio, é uma análise situada na interface entre a história do direito, o estudo da questão fundiária na Colômbia e a construção histórica das paisagens. Explorando o processo de regulamentação e codificação da propriedade privada da terra, o autor ressalta as dimensões simbólicas do direito na transformação ambiental.

John Soluri, em Consumo de massas, biodiversidade e fitomelhoramento da banana de exportação, 1920 a 1980, apresenta um quadro dinâmico do mercado de bananas e da demanda global de estoques genéticos diversificados, em franca contradição com a homogeneização crescente dos cultivos. Seu artigo evidencia relações entre agricultura, ciência, economia de mercados, e as condições sócio-ambientais no Novo Mundo.

Em A geografia histórico-cultural da Escola de Berkeley: um precursor ao surgimento da história ambiental, Mathewson e Seemann analisam uma tradição de pensamento, inaugurada por Carl Sauer, especialmente afinada à história ambiental contemporânea. Tal corrente combate o pensamento determinista, focaliza o contexto histórico-cultural das paisagens, reinterpreta características das sociedades pré-colombianas e postula a mudança das atitudes e valores das sociedades ocidentais.

Stuart McCook, em Crônica de uma praga anunciada: epidemias agrícolas e história ambiental do café nas Américas, realiza um estudo no qual se evidenciam as possibilidades da abordagem global e transnacional de problemas ambientais. Sem desconsiderar os vários fatores envolvidos na história ambiental do café, as pragas agrícolas apresentam-se como um ponto de vista privilegiado, envolvendo análises sobre agricultura, sociedade, ciência e economia global.

Substantivismo econômico e história florestal da América portuguesa, de Diogo Cabral, traz estimulante reflexão de um jovem pesquisador brasileiro sobre os caminhos abertos pelos diálogos entre a história ambiental, a história econômica (sob uma perspectiva dos atores e das redes de solidariedade social) e uma história social em que a natureza não é apenas uma paisagem geo-bio-física mas também um campo de batalha.

Dora Shellard questiona a naturalização de paisagens fronteiriças, como se nelas não houvesse a marca da interferência cultural de várias populações, legitimando sua ocupação. A partir de relatos de expedições, Descrições de paisagens: construindo vazios humanos e territórios indígenas na capitania de São Paulo ao final do século XVIII dirige-se a um debate contemporâneo sobre a justiça social e equilíbrio ambiental em torno das unidades de conservação e terras indígenas.

Rios e governos no estado do Paraná: pontes, ‘força hidráulica’ e a era das barragens (1853-1940), de Gilmar Arruda, enfoca o processo de transformações presentes nas ações governamentais, assim como nas condições tecnológicas em torno do aproveitamento econômico dos rios. Destaca-se como estudo da construção das pontes e do surgimento da ‘era das barragens’, mesclando abordagens sob as perspectivas da geografia histórica e da história social dos rios.

Espindola e Wendling constroem sua analise na confluência entre a história e a agronomia, discutindo o avanço do capim-colonião sobre as terras antes cobertas pela floresta da região do médio rio Doce. Entre os fatores socioeconômicos e as características biológicas dessa gramínea de origem africana, Elementos biológicos na configuração do território do rio Doce aborda aspectos da interação entre as atividades humanas e o mundo natural.

Enfim, Varia Historia apresenta, orgulhosamente, seu terceiro dossiê dedicado às relações entre a história e a natureza. Ao longo de todos os artigos, o estudo da diversidade social-histórica frente ao meio natural suscita o questionamento de vários mitos aos quais nossas sociedades têm rendido pesados tributos. Nesse sentido, nossa intenção é contribuir para despertar / alimentar uma inquietude positiva e propositiva, na qual nosso pensamento nunca se contente com respostas unívocas.

Belo Horizonte, outono de 2008

Regina Horta Duarte – Organizadora. Departamento História / UFMG. E-mail:
reginahd@uai.com.br


DUARTE, Regina Horta. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.24, n.39, jan. / jun., 2008. Acessar publicação original [DR]

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História Ambiental (Feita) na América Latina / Varia História / 2005

Este dossiê traz artigos de historiadores que têm se orientado, no tratamento de seus objetos, por novos questionamentos e métodos da chamada História Ambiental. Nos últimos anos, associações e revistas norte-americanas e européias dedicaram-se à formulação de uma perspectiva histórica fundamentada na ênfase das relações entre a sociedade e a natureza. Sensível a tais tendências, a Varia História (em seu número 26 de janeiro de 2002), trouxe um primeiro dossiê sobre História e Natureza. Nele, o artigo do historiador panamenho Guillermo Castro ressaltava vários estudos já realizados sobre a história ambiental da América Latina, mas enfatizava a urgência de uma história a ser feita na América Latina, comprometida com a vida e o bem estar de nossas sociedades. A presente coletânea, cujo título alude ao referido artigo, deseja apresentar alguns trabalhos realizados por pesquisadores do Brasil, Chile, Colômbia, Cuba e México.

Ressaltamos ainda que esse dossiê é publicado no momento em que há uma promissora movimentação de profissionais de vários países em torno da fundação de uma instituição latino-americana de História Ambiental, a partir de grandes esforços coletivos que deram ensejo a um primeiro encontro realizado em Santiago do Chile, em julho de 2003, e a um recente Simpósio em Havana, em outubro de 2004, na qual se lançaram as bases da Sociedad Latinoamericana y Caribeña de Historia Ambiental (SOLCHA). Dentre os historiadores envolvidos, poderíamos citar vários autores participaram no dossiê anterior, História e Natureza (26), e neste que ora apresentamos ao leitor.

Nesse início de milênio, em que a história constitui-se ininterruptamente como uma atividade social de transformação e crítica, a História Ambiental passa a enfrentar indagações sobre seus métodos e seus pressupostos. Frente a esses desafios, se retomarmos a clássica assertiva de Nietzsche sobre a “utilidade dos estudos históricos” – segundo a qual a história servir á à vida ou não terá valor – diríamos que o vigor e a promessa dessa nova perspectiva é o fato de que ela poderá (ainda que não necessariamente, é claro) servir prioritariamente à vida e, mais que à sua mera conservação, ela poderá constituir-se em prol da afirmação de sua abundância.

O estimulante artigo de Enrique Leff oferece uma profícua reflexão metodológica e epistemológica sobre a história ambiental. Na discussão de suas vertentes, apresenta pertinentes questionamentos às análises constituídas como uma mera crônica da destruição, ou ao simplismo presente na atribuição de um caráter ambiental a tudo. Por outro lado, enfatiza o caráter precioso da ontologia antiessencialista possível na perspectiva histórica ambiental, além da positividade presente em seus enfoques prospectivos, fonte de transformação social em direção à sustentabilidade.

Maurício Folchi estuda os efeitos ambientais do processamento de minerais metálicos, exercitando um diálogo interdisciplinar que inclui a história ambiental, a história da técnica e da ciência, a química e a geologia. A análise de tais efeitos busca sua fundamentação na historicidade das relações entre as sociedades e o meio natural. O artigo assume especial interesse para os leitores brasileiros, haja vista a importância das atividades mineradoras em nossa sociedade, em diferentes lugares e variados períodos.

José Augusto Pádua investiga as conexões históricas entre a heran- ça romântica de fins do século XVIII ao XIX e o ecologismo contemporâneo. Apresenta uma visão panorâmica de tradições intelectuais francesas, alemãs, inglesas e americanas, argumentando a necessidade de reconhecer o hibridismo presente na mistura de influências românticas e iluministas. Ao fim, explora obras de alguns autores brasileiros, nas quais identifica uma crítica limitada da civilização, convidando o leitor à continuidade de pesquisas sobre essa temática.

O artigo de Stefania Gallini distingue-se pela elegância da narrativa, a densidade teórica e a propriedade com que a autora envereda-se em diálogos com a geografia, a geologia, a climatologia e a agronomia. Numa visão original e instigante sobre a cafeicultura na Guatemala, apresentanos o quadro complexo de uma perspectiva ambiental histórica em que se mesclam aspectos materiais e culturais. Um dos exemplos do vigor de sua argumentação pode ser localizado na discussão sobre os vulc ões e o que, naquela sociedade, eles representam de ameaça, força sagrada, continuum temporal e fator de fertilidade do solo.

Reinaldo Funes constrói sua análise sobre o avanço das plantações de açúcar no território cubano, na interface entre a perspectiva da história ambiental e da história econômica. Discute as transformações das paisagens, as mudanças das técnicas empregadas e das políticas do Estado em relação aos recursos florestais e sua exploração por particulares. Aborda alguns aspectos da fauna e flora da região e da diminuição da biodiversidade conseqüente do predomínio do projeto econômico agro-exportador.

José L. Franco e José Drummond analisam a trajetória do botânico José Alberto Sampaio (1881-1946), cientista do Museu Nacional. Privilegiando três de suas obras, escritas ente 1926 e 1935, discutem suas posturas pioneiras acerca da proteção à natureza, as relações entre nacionalismo e conservação naqueles anos, a preocupação com a pedagogia do homem brasileiro. Apontam ainda as complexas relações de Sampaio com a comunidade científica e intelectual de seu tempo.

Antes que o leitor siga a desbravar os vários artigos, lembraríamos a reflexão de Arturo Escobar acerca do sonho do desenvolvimentismo que tanto entusiasmou o chamado “terceiro mundo”, e rapidamente mostrouse como verdadeiro pesadelo, com o saldo da produção de maior pobreza, aumento da exploração e opressão e destruição do meio natural. Sem resvalar para uma visão ingênua de uma América Latina depositária de tradições, esse autor acena, entretanto, com o caráter promissor de algumas formas e práticas culturais que não se apresentam como um desenvolvimentismo alternativo, mas como alternativas ao desenvolvimentismo. Nesse sentido, resta-nos o desafio de sermos capazes da “invenção social de novas narrativas, novas formas de pensar e de fazer”.[1] Certamente, esse é também o desafio colocado por uma história ambiental a ser feita por nós.

Belo Horizonte, Verão de 2004 / 2005

Nota

1. Escobar, Arturo. Encountering Development. the making and unmaking of the Third World. New Jersey: Princeton University Press, 1995, p. 20. [ Links ]

Regina Horta Duarte – Organizadora. Departamento História / UFMG. E-mail:
reginahd@uai.com.br


DUARTE, Regina Horta. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.21, n.33, 2005. Acessar publicação original [DR]

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 História ambiental / Esboços / 2005

O presente número da revista Esboços é composto por artigos dos alunos da pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e pelo dossiê: História Ambiental. O conceito de Environmental History é uma produção dos Estados Unidos na década de 1970, quando um grupo de historiadores, entre outros cientistas, instigados pelos problemas ambientais contemporâneos, procurou produzir uma história em que o ambiente configurasse uma presença e um agente na história. Estudiosos do tema podem argumentar que o movimento francês dos Annales possui uma tradição já antiga de estudos que buscam entender a inter-relação do homem com a natureza ou ainda que mesmo no Brasil há autores que consideram o ambiente como presença e agente na história, a exemplo de Nordeste de Gilberto Freyre. Mas é inegável que as ciências sociais demoram em responder aos problemas ambientais por que passamos. Nos últimos 20 ou 30 anos, sociólogos e antropólogos voltaram os instrumentos de suas matrizes disciplinares para buscar compreender e contribuir nas soluções para os problemas sócio-ambientais atuais. A história talvez seja a disciplina mais em descompasso nesse caminho.

Se a cada geração cumpre escrever “sua história”, posto que parte dos problemas gerados pela sua época para fazer perguntas ao passado, é evidente o quanto nós historiadores estivemos surdos à problemática ambiental. Somos portadores de uma tradição antropocentrista que se faz necessário superar para instrumentar nosso olhar sobre o passado, diante do qual o ser humano não é tudo. Naturalmente, esse novo olhar pode nos auxiliar a traçar um novo futuro.

Neste dossiê, não pensamos História Ambiental como um modelo, um rótulo pronto, mas sim como um vaso a ser preenchido. Não apenas porque devemos considerar as especificidades sócio-ambientais do Brasil ou as idiossincrasias da tradição historiográfica brasileira, ao invés de importar modelos, mas porque a própria história é composta de diferentes paradigmas. Por isso reunimos análises com diferentes eixos teórico-metodológicos, nos instigantes estudos de Enrique Leff, José Maurício Mangueira Viana e Rosa Cristina Monteiro, Paulo Henrique Martinez, Gustavo Cimadevilla, também presentes nos trabalhos empíricos de Donald Worster (tradução) e Melissa Nicolini (tradução). Nem todos são historiadores. O que dá unidade ao conjunto é, talvez, uma concordância: a disciplina história deve dar respostas aos problemas ambientais contemporâneos e isso modifica a forma de olharmos as sociedades, mesmo antigas e remotas. Este fato chama a atenção para outro desafio que a história ambiental traz ao historiador: a interdisciplinaridade e/ou transdisciplinaridade. Afinal, as questões ambientais invariavelmente nos levam para as fronteiras das disciplinas, entre o social, o simbólico e o natural e apontam insuficiência das abordagens disciplinares.

Desta forma, dar uma resposta à questão ambiental leva os historiadores a repensar sua própria matriz disciplinar. Para ir além da dicotomia homem versus natureza e da fragmentação disciplinar.

Esperamos que o conjunto de investigações aqui reunido contribua para ampliar tal debate no Brasil. Deste modo a Revista Esboços estará cumprindo a sua intenção em delinear novas histórias. Como afirma E. P. Thompson, apesar de não ser inverídico, o conhecimento histórico é, pela sua natureza, seletivo, incompleto e provisório.

Ana Brancher

Ely Bergo de Carvalho

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