História Ambiental / Crítica Histórica / 2011

O considerável número de artigos que recebemos para a Revista Crítica Histórica nº 4 – Dossiê História Ambiental, é possível que expresse pelo menos duas coisas: (1) a lacuna de publicações especializadas para tratar do assunto e (2) a vitalidade que a abordagem da temática sobre o Ambiente tem alcançado em anos recentes.

Os questionamentos sobre as ideias de uma Natureza inesgotável, os debates sobre o aquecimento global, as condições climáticas, as catástrofes naturais e ainda uma das questões centrais que diz respeito para onde destinar os diversos tipos de lixos, resíduos, objetos descartáveis, etc. colocam em discussão o futuro e a sobrevivência da espécie humana.

Como anunciamos na chamada pública de artigos para compor esse número da Revista Crítica Histórica nº 4 – Dossiê História Ambiental, as pesquisas sobre a História Ambiental no Brasil ainda são muito tímidas. Por outro lado, trata-se uma área onde necessariamente os estudos dialogam intensamente com outras áreas do conhecimento, o que torna as abordagens instigantes, mas também desafiadoras. E, assim, esse Dossiê tem antes de tudo como objetivo socializar estudos, reflexões e abordagens nesta área da historiografia.

Os textos selecionados e ora aqui publicados por atenderem os critérios estabelecidos pela Revista Crítica Histórica, versaram sobre uma variedade de temas relacionados à História Ambiental: fontes de energia, modernização da agricultura no Brasil, direitos dos animais, extração de madeiras, memórias indígenas e suas relações com um rio, ocupações de várzeas, lavoura do café e degradação ambiental, o que confirma as necessárias abordagens multidisciplinares e transdisciplinares nos estudos sobre o Ambiente.

Em uma breve apresentação dos artigos que tratam do tema específico proposto para o Dossiê publicado nesse número da Revista Crítica Histórica, tem-se o primeiro texto “La evolución material y energética de los EEUU, 1980-2010” de Vitor Eduardo Schincariol, bem fundamentado com uma série de dados em gráficos e tabelas em que discute o descompasso entre o crescimento econômico norte-americano até 2010 e a produção energética, o que significa sérias preocupações futuras no que diz respeito à escassez de combustíveis fósseis a exemplo do petróleo. Sem dúvida essa é uma questão muito importante a ser acompanhada nos próximos anos, pois sabemos que afora a necessidade de investimentos em pesquisas para novas fontes de energia, também representará mudanças nas relações comerciais e econômicas entre os países do Hemisfério Norte e os do Sul com terras agricultáveis ainda disponíveis. O artigo, portanto, lembra em ficarmos atentos / as para os modelos agrícolas propostos, as lavouras a serem plantadas, a serviço de quais interesses e seus impactos socioambientais.

As discussões sobre a modernização da agricultura no Brasil é de longa data. Não por acaso nos estados existem os institutos agronômicos, universidades, cursos de pós-graduação, publicações, que investem e divulgam estudos especializados sobre os meios para uma maior produtividade e qualidade agrícola no país. Amilson Barbosa Henriques no artigo “Um ‘órgão dos agricultores brasileiros’: algumas propostas da moderna agricultura na Revista Agrícola Paulista, (1895-1907)”, analisou como nas páginas desse periódico eram publicadas as propostas da modernização agrícola em substituição as formas tradicionais de plantio e cultivo no país. As discussões sobre a diversificação, os adubos químicos ou naturais, a extensão da lavoura, o uso da mão-de-obra, as forma de ocupação da terra e os modelos agrários, bem como o ensino e os experimentos agrícolas são discutidas a partir dos conteúdos da citada Revista.

Os direitos dos animais é um tema de debates ainda incipiente no Brasil. Essa discussão ganhou força no bojo da chamada crise ecológica, com questionamentos à tradicional compreensão ocidental da plena dominação humana sobre os animais. Com o texto “Reflexões sobre a crise ambiental e o histórico emergir das sensibilidades para com os direitos dos animais nas Ciências Humanas e nas ciências da vida”, os autores José Otávio Aguiar, Francisco Henrique Duarte Filho e Rodrigo Ribeiro de Andrade nos provocam para uma instigante reflexão sobre as sensibilidades presentes nos debates históricos, sociológicos e jurídicos, as nossas sensibilidades para pensarmos no assunto, e também avaliarmos nossas práticas em torno do trato com seres de outras espécies.

A exploração florestal com o corte de madeiras em áreas indígenas no Sul da Bahia durante o Século XIX e a utilização da mão-de-obra nativa foi discutida por André de Almeida Rego no artigo “Corte de madeiras e o confinamento de populações indígenas: o caso da Bahia no Século XIX”. O autor evidenciou em seu estudo os impactos socioambientais de um modelo econômico baseado na destruição das matas, o que provocou novas relações marcadas pela redução de espaços, violências físicas, doenças, declínio demográfico e pela necessidade de reordenamento dos referenciais socioculturais indígenas em virtude dos desmatamentos.

Sabemos que as relações de grupos humanos são em muito marcadas pelos espaços que ocupam e transitam rotineiramente. No texto “O Ambiente e as memórias dos índios Xukuru sobre o Ipojuca e a Barragem Pão-de-Açúcar”, Denise Batista Lira analisou como em suas memórias os Xukuru do Ororubá, povo indígena que habita nos municípios de Pesqueira e Poção no Agreste pernambucano, expressam os estreitos vínculos estabelecidos com o Rio Ipojuca que outrora intermitente e hoje represado pela Barragem Pão-de-Açúcar, e é fonte de subsistência por meio da pesca para o consumo e a comercialização.

Constantemente os noticiários informam dos transtornos provocados pelas chuvas e grandes enchentes nas áreas urbanas de São Paulo. No artigo “História da ocupação e das intervenções na várzea do rio Tietê”, Sílvia Helena Zanirato tratou dos processos históricos de degradação do conhecido rio paulista, provocada pelas ocupações urbanas de suas várzeas. A autora demonstrou ainda em seu texto as preocupações, mas a ineficácia e os limites das ações públicas para conservação das várzeas como tentativas de adequar o rio ao desordenado crescimento urbano.

Para plantio do café no Rio de Janeiro fazendeiros destruíram consideráveis áreas da Mata Atlântica. Baseado em documentos dos séculos XVIII e XIX, Mauro Leão em “A cultura do café e a degradação ambiental na serra fluminense oitocentista” retomou o debate no Brasil no Século XIX sobre a questão da “rotina da lavoura do café”, um conjunto de práticas nos latifúndios cafeeiros que advogava a constante mudança de espaços para a lavoura do café, provocando com isso o desmatamento, o empobrecimento do solo e a degradação ambiental.

O papel do Juiz Conservador das Matas, um cargo público de investidura real pouco conhecido e estudado no Brasil, nas discussões em torno da exploração de madeiras nas matas de Ilhéus, Sul da Bahia, foi analisado por Ana Paula dos Santos Lima no artigo “Baltasar da Silva Lisboa: o Juiz Conservador das Matas de Ilhéus (1797 – 1818)”. No texto, a autora evidencia a importância da atuação desse funcionário da Coroa nas relações com moradores, destacando o regimento dos cortes das madeiras matas da Comarca de Ilhéus, em meio aos interesses econômicos da atividade madeireira e o surgimento de um pensamento da necessidade de preservação das matas no Brasil.

Na seção de fluxo contínuo que compreende os demais artigos que não tratam do tema específico proposto para esse Dossiê e ainda resenhas de publicações, temos textos que discutem a demografia histórica em Minas Gerais no Século XVII, com a contribuição valiosa do professor Iraci del Nero Costa (“As populações das Minas Gerais no século XVIII: um estudo de demografia histórica”); uma discussão sobre os crimes de defloramento em Porto Alegre apresentada por Carlos Eduardo Milengrosso em “Honra e Conduta: populares e práticas amorosas em Porto Alegre (1898-1923)”; “O Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e as perspectivas de propriedade na modernidade”, em que Mayra Guapindaia trata das formas de sobrevivência das mulheres no Recolhimento de Nossa Senhora da Glória no Recife; a repressão aos movimentos sociais nos anos que antecederam a Ditadura Militar em Alagoas, com o texto “Repressão e Resistência dos Movimentos Sociais em Alagoas (1961-1964)” de Rodrigo José da Costa; as relações entre o pensamento iluminista, a Revolução Francesa e a modernidade, reflexão de Rafael Alexandre Belo em “O pensamento iluminista e o desencantamento do mundo: a modernidade e a revolução francesa como marco paradigmático”; e, por fim, os condicionamentos e os limites do conhecimento histórico apresentado na análise de Ulisses do Valle no texto “Diagnóstico de um mal estar historiográfico: os limites do conhecimento analítico-discurso”. Compõe ainda essa seção uma apresentação do livro A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória, organizado por João Pacheco de Oliveira, significativa coletânea de estudos que consolidam os povos indígenas nessa Região nas pesquisas e debates acadêmicos. A ideia desse texto não é fazer propriamente uma resenha do recém-publicado livro, pois uma resenha, diante da dimensão do conjunto de textos que compõe o livro, é uma tarefa bastante árdua e demandaria um espaço bem maior dos limites que aqui propomos. Buscamos tão somente, então, situar o livro em um debate mais amplo: as pesquisas, as reflexões e os textos gerais publicados sobre os índios no Nordeste.

Na seção Documentação & Ensaio trazemos uma Entrevista com D. Jaime Chemello, bispo emérito de Pelotas (RS) discutindo o papel da Igreja Católica na luta pela reforma agrária no Brasil. Esta foi realizada por Célia Nonata da Silva, no ano de 2006, como parte de um projeto mais amplo para pesquisa sobre os problemas agrários no país, as lutas sociais pela ocupação das terras improdutivas, seus avanços e recuos e a constituição de fontes históricas sobre esses processos. Nos Ensaios temos de Mauricio Waldman uma reflexão sobre a crise ambiental na modernidade – “Crise ambiental: ponderando a respeito de um dilema da modernidade” -, em que o autor aprofunda questões teóricas e de posicionamento epistemológico e de historicidade. Todos os textos, artigos e resenha compõem junto ao Dossiê um corpo de debates e provocações para os pesquisadores e estudantes da área de história ambiental.

Por fim, quero agradecer a todos / as aqueles atenderam a chamada de publicação e enviaram seus artigos. Agradeço também aos / as colegas parecerista que contribuíram sobremaneira com suas leituras, análises e avaliações dos textos aqui publicados ou aqueles que foram devolvidos em razão de não corresponderem aos critérios da Revista Crítica Histórica. Peço também desculpas por eventuais transtornos no recebimento dos textos e problemas de comunicação com os / as autores / as. Agradeço ainda ao Prof. Antonio Filipe Pereira Caetano (UFAL) pela pronta aceitação da nossa proposta de organizar esse Dossiê. Registro ainda um agradecimento especial a Profa. Irinéia Maria Franco dos Santos (UFAL) pela sua disponibilidade, presteza e paciência nos assuntos relativos às formas e meios de publicação desse Dossiê. Sua ajuda foi de fundamental importância para a publicação.

Edson Silva – Conselho Editorial. Coordenador do Dossiê História Ambiental


SILVA, Edson. Apresentação. Crítica Histórica, Maceió, v. 2, n. 4, dezembro, 2011. Acessar publicação original [DR]

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