História, África & Africanidades / Vozes Pretérito & Devir / 2016

O dossiê “História, África e Africanidades” está bastante convidativo à leitura, com textos escritos por pesquisadores brasileiros e um cubano. De um modo geral, estão centrados no campo da história social e refletem sobre as experiências cotidianas, condições de vida e atividades de trabalhadores negros escravizados no século XIX com expressivas reflexões sobre África e as africanidades no Brasil, nas Américas e Caribe. Textos esses, calcados nos diálogos com a historiografia mais recente, onde a história, a partir de sua aproximação com áreas como a antropologia e a sociologia, passa a compor um movimento de superação das dicotomias no campo da história do trabalho e dos trabalhadores.

Dessa forma, os sujeitos imersos nas trajetórias vida, nas relações cotidianas e práticas socioculturais, em suas mais diversas possibilidades, evidenciam as redes de sociabilidade, a partir das suas experiências, quer seja em suas instâncias individuais ou coletivas e como sujeitos históricos ativos. Em “Violência e resistência: o cotidiano da mulher escrava no Piauí Oitocentista”; a partir da leitura de processos crimes, a autora Francisca Raquel da Costa trata das denúncias de violência feitas por uma mulher negra escravizada, como também as fugas de trabalhadores negros contra o regime brutal e desumano do escravismo. Outro texto que segue essa linha é o de Iraneide Soares Silva e Célia Rocha Calvo: A Quem Pertence a Cidade? Experiências de negros / as nos espaços urbanos da cidade de São Luís / MA Oitocentista. Ao seguir os caminhos da experiência a partir das memórias deixadas por trabalhadores e trabalhadoras negras num espaço urbano do século XIX, as ações de resistência e luta pela liberdade, desvelam a cidade negra de São Luís. Ana Priscila de Sousa Sá analisa as medidas propostas por Francisco Adolfo de Varnhagen em seu Memorial Orgânico (1849 / 1850), visando a extinção do tráfico de escravos e queda de braço dos governos envolvidos e beneficiados pelo mesmo em meados do século XIX.

Contemplando a temática África e Africanidades, temos o artigo de José Francisco dos Santos, o qual aborda parte da historiografia relacionada à metodologia em História da África, em especifico a História Oral e a Tradição Oral, considerando suas contradições e possibilidades. Sobre as diversidades religiosas, temos “Agô: o campo de pesquisa em uma história oral de candomblecistas”, de Leandro Seawright Alonso e Aline Baliberdin, autores que desenvolvem, pelos itinerários da história oral, um estudo em diálogo com a antropologia a respeito do candomblé e experiências vividas por seus praticantes, valorizando sobretudo as memórias coletivas, não se limitando a identidade religiosa. Márcio Douglas de Carvalho e Silva, por sua vez, nos presenteia com o texto: “Irmandades religiosas e devoção a santos negros no Brasil escravocrata”. Nesse trabalho de pesquisa, ele verifica como se deu o processo de instrução catequética dos negros africanos e afro-brasileiros no Brasil escravocrata, os métodos utilizados pela igreja católica, assim como a importância das irmandades religiosas para o trabalho de aproximação do negro à religião cristã, com enfoque na devoção a São Benedito. Já o historiador Igor Maciel da Silva apresenta “Em nome das deusas pretas: a festa das divindades femininas no Candomblé de uma casa-de-santo em Contagem (Minas Gerais, Brasil)”, um texto também importante neste dossiê, por nos permitir substantivas reflexões sobre a festa que acontece na cidade de Contagem de Minas / MG, dedicada às divindades femininas do Candomblé de uma casa-de-santo de nação Angola.

As africanidades e as múltiplas linguagens e memórias das “Áfricas” também estão presentes neste dossiê, especialmente nos textos de Carmélio Ferreira da Silva, com: “A contribuição da cultura afrodescendente para o samba como parte da identidade musical brasileira”; Antônio Marcos dos Santos Cajé, com: “Contos afro-brasileiros de Mestre Didi: ensinando história e cultura”; Andreia Sousa da Silva com o artigo: ”Linguagem e Africanidades: a contribuição de termos linguísticos africanos na construção histórica do vocábulo brasileiro”; Cristiane Mare da Silva com: “Na encruzilhada entre história e literatura: biografias de Nelson Mandela” e Elio Ferreira com “O Bumba-Meu-Boi do Piauí: poesia afro-brasileira, cantigas, gênese, memórias e narrativas de fundação do Boi de Né Preto de Floriano Piauí”.

Esses artigos, assim como todos listados até então são de grande valia para o nosso dossiê, sobretudo por suscitar possibilidades de investigação e aprofundamento no que tange às temáticas de Áfricas e de brasilidades. Em todos, é possível deparar-se com o trajeto de homens e mulheres negras nas mais diversas condições vida: jurídicas, civil, resistindo, se fazendo presentes, marcando a história do Brasil em todas as linhas. Por fim, e não menos importantes, temos os textos do cubano, Pedro Alexander Cubas Hernandez: “A propósito da discussão sobre como aplicar a Lei no. 10.639 / 03 no Brasil: As experiências vivenciadas por um intelectual cubano (2007-2010)” que que trata de uma experiência com a aplicação da Lei Federal 10.639 / 03, na cidade de Criciúma / SC, numa análise comparativa Brasil / Cuba, bem como as possibilidades reflexivas como o imaginário social sobre a África que se aprende a partir da mídia massiva. Ou seja, a implementação dos artigos 26A e 79B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, os quais institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo da educação básica. Elcimar Simão Martinse e Elisangela André da Silva segue esta nesta linha reflexiva em pensar as relações Brasil / África com o artigo: “A UNILAB e os desafios da integração internacional: uma reflexão sobre África e Africanidades na formação de professores”.

Além das variedades e riquezas temáticas ofertadas através do dossiê temático desta edição, ainda contamos com a contribuições de Idelmar Gomes Cavalcante Júnior, com o artigo “Impertinência em cena: A fragmentação do teatro pernambucano nas décadas de 1960 e 1970”, no qual se discute as transformações políticas e socioculturais no Brasil e nordeste tendo como ponto de perspectiva a modernização do teatro pernambucano, emergente nos anos sessenta. Na seção especial temos a publicação do “Auto de manifestação popular e aclamação da República Federal Brazileira na Vila de São Raymundo Nonato”, fonte inédita divulgada pela jovem pesquisadora Nayanne Magna Ribeiro Viana. Fechando esta edição, ainda contamos com a resenha feita pelo historiador Carlos Eduardo Zlatic da obra: “Do pacto e seus rompimentos: os Castros Galegos e a condição de traidor na Guerra dos Cem Anos” de autoria da historiadora medievalista Fátima Regina Fernandes.

Assim encontra-se a sexta edição da Revista Vozes Pretérito & Devir, a qual nos traz, a partir de uma temática contemporânea e necessária para compreendermos os mundos que vivemos, ricas narrativas, com muitas histórias e memórias de homens e mulheres negras. E com isso, as possibilidades de estudos e pesquisas mais aprofundadas sobre História, África e Africanidades em suas diversidades, promovendo diálogos reflexivos com os mais variados campos do conhecimento. Mais uma vez, convidamos todos e todas à leitura!

Iraneide Soares da Silva – Professora Doutora (UESPI).


SILVA, Iraneide Soares da. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.6, n.1, 2016. Acessar publicação original [DR]

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