Revolucionário e gay: a vida extraordinária de Herbert Daniel – pioneiro na luta pela democracia/ diversidade e inclusão | James N. Green

James N. Green nasceu no ano de 1951 em Baltimore nos EUA e é atualmente professor de História Latino-Americana na Brown University, além de ativista de causas políticas e LGBTQ+. Green é diretor de um dos mais importantes centros de estudos sobre o Brasil no exterior, e está à frente do Projeto Opening Archives, programa que tem milhares de documentos sobre o período da ditadura militar brasileira. Green é homossexual e um dos maiores brasilianistas dos EUA, características que se refletem em suas obras.

O livro “Revolucionário e Gay: A vida extraordinária de Herbert Daniel – Pioneiro na luta pela democracia, diversidade e inclusão”, lançado no ano de 2018, é uma obra biográfica sobre Herbert Eustáquio de Carvalho, mais conhecido como Herbert Daniel (Daniel era um de seus codinomes) – um complexo personagem da esquerda revolucionária no contexto político da década de 1960, falecido em 1992. Intelectual e guerrilheiro, Daniel fez parte de diversos grupos políticos, como Colina, VAR-Palmares, e VPR. Leia Mais

Apesar de vocês: oposição à ditadura – GREEN (VH)

GREEN, James Naylon. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985. Tradução S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 582p. Resenha de: MONTENEGRO, Antonio Torres. Varia História. Belo Horizonte, v. 27, no. 45, Jan. /Jun. 2011.

O livro de James N. Green começou a ser pensado, segundo ele mesmo, quando, em 1998, durante um encontro da Lasa (Associação Americana de Estudos Latino Americanos), um historiador brasileiro criticou os brasilianistas por não terem atuado de forma significativa na resistência ao regime militar que tomou o poder, no Brasil, em 1964. Posteriormente, constatou que uma parcela de intelectuais brasileiros também tinha uma avaliação semelhante. Discordando dessa leitura, James, ao longo de dez anos, pesquisou diversos documentos para construir outra historiografia acerca da reação de uma parte de intelectuais dos EUA ao regime militar.

Duas seriam as razões básicas que James, afirma terem concorrido para produzir essa avaliação “não verdadeira” acerca da atuação de certos setores da sociedade dos EUA, especialmente intelectuais, em relação ao regime militar que dominou o Brasil de 1964 a 1984. A primeira estaria relacionada à censura, o que dificultava o conhecimento acerca das campanhas internacionais contra o regime, tanto na Europa quanto nos EUA. A segunda seria a corrente antiamericanista, que se espalhou pelo mundo acadêmico, quando análises marxistas, antiimperialistas e nacionalistas, tornaram-se dominantes nas décadas de 1950 à 1970.

James N. Green propõe romper com essa perspectiva antiimperialista que domina muitos estudos macropolíticos e macroeconômicos, acerca das relações políticas e culturais entre o Brasil e os EUA.

Por meio de uma significativa pesquisa documental, associada a mais de cem entrevistas, o autor apresenta as redes que se formaram nos EUA, congregando exilados políticos brasileiros, ativistas americanos, professores de diferentes universidades dos EUA, religiosos, políticos, jornalistas e pessoas simpáticas a causa dos direitos humanos.

O percurso narrativo é construído apresentando um acirrado embate entre forças políticas antagônicas, que inclui o movimento em defesa dos direitos humanos, a embaixada do Brasil em Washington, o Departamento de Estado, a grande imprensa dos EUA, o conselho de Igrejas. Mas não são apenas essas redes, grupos, ou órgãos e instâncias de poder que se digladiam. Dentro do próprio Estado Americano há divergências e conflitos de orientação política. O Departamento de Estado e o Congresso dos EUA, algumas vezes, entram em rota de colisão acerca da política adotada em relação ao Brasil. Também se descobre como a grande imprensa americana produz editoriais e artigos que não correspondem ao que o governo, gostaria que fosse debatido e divulgado. Em outros termos, James, lembra-nos como a generalização no campo da história se apresenta como uma grande armadilha. Sobretudo, porque simplifica e minimiza os confrontos e apaga o trabalho de resistência dos indivíduos, grupos sociais e organizações que também produzem ações com efeitos de verdade e mudanças na definição das políticas de Estado.

Nesse sentido, é revelador dos interesses e princípios conflitantes que informam a política externa, entre Brasil e EUA, o novelo de forças que se constitui logo após a promulgação e publicação do AI – 5, em 13 de dezembro de 1968. Narra o autor que o embaixador americano William Belton estabelece a linha política a ser adotada pelo Departamento de Estado, ou seja, dos EUA permanecerem discretos quanto ao pronunciamento público contra o regime militar, mas passando também a considerar a idéia de suspender ajuda ao Brasil. Talvez, informado, Delfin Neto, ministro da Fazenda, no governo do general Costa e Silva, veio a público desmentir qualquer possibilidade de congelamento da ajuda, no que foi apoiado irrestritamente pelo presidente da Câmara de Comércio norte-americana, em São Paulo, que teria declarado: “as empresas norte-americanas em São Paulo apóiam o governo brasileiro e consideram [o] AI – 5 a melhor coisa que poderia ter acontecido ao país”.1 Mesmo sob pressão da grande imprensa dos EUA, o Departamento de Estado não contrariou os interesses da Câmara de Comércio e nem desfez os prognósticos de Delfin Neto.

Assinala James, que a imprensa dos EUA, que até então raramente tinha publicado alguma crítica ao regime militar, após o AI – 5 passa a nomear o regime político do Brasil de ditatorial e a fazer denúncias de abuso de poder. No entanto, é em razão de um editorial do The New York Times, em dezembro de 1968, criticando o AI 5 – e que causou indignação aos militares brasileiros – que o professor Robert Levine na época jovem professor assistente na Universidade Estadual de Nova York em Stony Brook enviou uma carta a esse jornal, tecendo críticas ao referido editorial, mas em um sentido oposto. Para Levine, o editorial estava equivocado ao afirmar, que os militares tinham boas razões para derrubar o governo constitucional de João Goulart. Levine inaugura – segundo o autor – a série de artigos e pronunciamentos públicos de intelectuais norte-americanos contra o regime militar.2

Porém, gostaria de chamar a atenção para passagens que me parecem carregadas de muitos significados. Em certo momento – como documenta o autor – é possível acompanhar o esforço do regime civil-militar brasileiro de tentar influir no discurso da imprensa nos EUA e na Europa, quando são publicadas matérias relativas a torturas e prisões arbitrárias. A tentativa do regime, de criar um órgão exclusivamente para cuidar da imagem do Brasil no exterior, é uma informação importante para refletir acerca do esforço dos governos em produzirem seus discursos de verdade e poder. Por outro lado, quando o Washington Post publicou um editorial condenando as práticas de tortura e afirmando o quanto este fato era grave para a imagem dos EUA – pois estaria sendo associado a um governo opressor – , imediatamente, há forte reação do governo brasileiro. O ministro das relações exteriores do Brasil convida tarde da noite o embaixador americano para uma conversa. Reclama que houve por parte da imprensa dos EUA um “ataque ofensivo, perverso e insultuoso contra o governo brasileiro”.3 Essa reação também estava relacionada ao fato de que, neste editorial, o presidente Médici é nomeado de “general bronco”. E o embaixador, Mario Gibson Barboza, inicia um trabalho sistemático junto a alguns jornais dos EUA para tentar alterar as matérias críticas ao governo: “No entanto, após seis meses de intensa interação com importantes jornais do país, chegara à conclusão de que as posições ideológicas do Post, do Times e do Christian Science Monitor os levava a tratar do Brasil de maneira hostil, apesar de sua “ação incansável para esclarecer [os relatos enganosos de] pessoas influentes nesses jornais, sem resultado”. Barboza informou ao ministro das Relações Exteriores: “Minha avaliação é que não se trata de um problema de esclarecimento e persistência, e sim de uma posição ideológica estabelecida e, portanto, muito difícil de demover”.4

O ministro, ao afirmar que os jornais defendiam uma posição ideológica e não apenas conjuntural, remete ao problema do imperialismo. Ou seja, os EUA têm uma agenda política, econômica, cultural, social que expressa seus projetos de dominação e interage com os demais países a partir dessa agenda. Como documenta James, essa agenda sofre variações e pressões diversas. A repressão e a tortura seriam inadmissíveis para diversos segmentos da sociedade norte-americana, no entanto, para outros segmentos não, como o livro documenta. Mas, penso que não se pode avaliar essa história política fora dos quadros complexos das relações desiguais entre as nações, em que aqueles que têm mais riqueza e poder instituem e agenciam o discurso do justo e do verdadeiro. Ou seja, deve-se analisar historicamente este quadro ou jogo de interferências de poder entre nações na perspectiva de uma política imperialista. Essa análise histórica não é contemplada por James Green ao estudar as formas de manifestação política contra o regime militar do Brasil a partir de 1964 nos EUA, o que enriqueceria sua obra.

Noam Chomsky, em entrevista recente na China, afirmou:

O ano de 2010 é chamado “O Ano do Irã”. O Irã é descrito como uma ameaça para a política externa dos EUA e para a ordem mundial. Os EUA impuseram sanções severas e unilaterais, mas a China não lhe seguiu o exemplo… Poucos dias antes de deixar a China, o Departamento de Estado dos EUA advertiu a China de uma maneira muito interessante. Disse que a China tem de assumir as responsabilidades internacionais, ou seja, seguir as ordens dos EUA. São estas as responsabilidades internacionais da China. Isto é o imperialismo típico: os outros países têm de agir de acordo com os nossos desejos. Se não, são irresponsáveis. Essa é a lógica típica do imperialismo.5

Em síntese, o livro de James traz importante pesquisa sobre as lutas, os confrontos, as alianças, os boicotes no cotidiano da política dos EUA, na relação com o regime civil-militar que se instala em 1964, particularmente após o AI 5. Revela uma trama complexa, em que os exilados brasileiros nos EUA, os brasilianistas, as organizações religiosas, os políticos dos EUA comprometidos com a agenda dos direitos humanos, atuaram de forma importante e significativa para desnaturalizarem as práticas autoritárias de governabilidade do regime militar que os EUA ajudaram a montar.

1 GREEN, James Naylon. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964 -1985. Tradução S. Duarte. São Paulo: Companhia das Letras. 2009, p.145.
2 GREEN, James Naylon. Apesar de vocês, p.149.
3 GREEN, James Naylon. Apesar de vocês, p.228.
4 GREEN, James Naylon. Apesar de vocês, p.297-298.
5 Noam Chomsky interviewed by Southern Metropolitan Daily, August 22, 2010.

Antonio Torres Montenegro – Professor Titular Programa de Pós-Graduação em História/ Centro de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Pernambuco. Campus Recife Avenida Acadêmico Hélio Ramos S/N 10º andar CFCH. Cidade Universitária -Recife- PE- Brasil. CEP:50670-901 montenegroantonio084@gmail.com.

 

S