História oral e historiografia: questões sensíveis | Angela de Castro Gomes

Angela de Castro Gomes História Oral
Angela de Castro Gomes | Foto: Bruno Leal, 2020

Há algum tempo sabemos como os discursos da memória marcaram um “giro subjetivo” (SARLO, 2012) que continua a pautar redefinições dos modos de pensar os sentidos de fazer história no mundo contemporâneo. Um de seus rastros mais evidentes é o sinal de como a lida com o passado não é objeto exclusivo da historiografia universitária. Diante de questões interligadas como o “‘boom da memória’, a emergência da ‘história pública’ e a crescente preocupação internacional com a ‘(in)justiça histórica’”, é válido destacar a observação de que para a teoria da história manter-se relevante para historiadores/as e para a sociedade em dimensões alargadas deve considerar a “diversidade de mecanismos para lidar com o passado e a forma como tais mecanismos são incorporados, interagem com, e até constituem parcialmente contextos culturais, sociais e políticos mais amplos” (BEVERNAGE, 2020, p. 11 e 15). Leia Mais

História oral e historiografia: Questões sensíveis | Angela de Castro Gomes

Em continuidade à coleção História Oral e dimensões do público,1 foi lançada, no ano de 2020, a obra História oral e historiografia: Questões sensíveis, organizado por Angela de Castro Gomes. O livro constitui um misto de experiências de pesquisas, análises de narrativas orais sobre diversas temáticas, levantamentos de produções historiográficas das últimas quatro décadas e debates pertinentes sobre as questões sensíveis que envolvem a utilização das fontes orais. O objetivo, como apontado na introdução, foi “fazer um mapeamento […] do impacto que o uso da metodologia da História Oral produziu no campo das pesquisas acadêmicas de História, no Brasil, em especial a partir dos anos de 1980” (Gomes, 2020, p. 7).

Angela de Castro Gomes tem reconhecimento no campo da historiografia oral, sendo uma das propulsoras do campo no Brasil. Iniciou, como lembra no último capítulo do livro, a utilizar a História Oral a partir da segunda metade dos anos de 1970. A autora também foi coordenadora de diversos projetos que tinham como objeto a história política do Brasil República, a história de intelectuais, a cidadania e os direitos do trabalho, a historiografia, a memória e o ensino de história. Além disso, dirigiu o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) dos anos de 1988 até 1994, onde, hoje, é professora emérita; centro este conhecido pelos acervos e pesquisas que se utilizaram da História Oral. Leia Mais

Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política – GOMES; HANSEN (RTA)

GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patricia Santos (Orgs.). Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. 488p. Resenha de: SANTOS, Márcia Regina dos. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.19, p.374-379, set./dez., 2016.

A obra Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política, organizada pelas historiadoras Angela de Castro Gomes e Patricia Santos Hansen reuniu um total de quatorze autores, os quais se dedicaram a ampliar o debate sobre as questões que tratam das práticas culturais protagonizadas por sujeitos históricos identificados como intelectuais. Angela de Castro Gomes, graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (1969), Mestra e Doutora em Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pela Sociedade Brasileira de Instrução (SBI/IUPERJ-1987), constituiu-se uma importante referência com pesquisas nos temas de história política do Brasil República, história de intelectuais, cidadania e direitos do trabalho, Justiça do Trabalho, historiografia, memória e ensino de história. É o seu quinquagésimo livro entre publicações, organizações e edições e, foi organizado em parceria com a também historiadora Patricia Santos Hansen, graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio, 1998), Mestra em História Social da Cultura pela mesma instituição (2000) e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP, 2007). O livro apresenta uma proposta de refinamento teórico, o qual visa a debater as operações culturais que foram multiplicando e diversificando as formas de disseminar conhecimentos e a mediação cultural que ocorre por diversos meios, sujeitos e escalas. Num movimento de ampliar a significação do intelectual contemporâneo, a autora denomina-os como “homens da produção de conhecimento e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social” (p. 10). Dessa forma, oferece estudos desenvolvidos na mesma direção, a qual problematiza e debate a ação de alguns homens e mulheres como mediadores culturais.

Os artigos que compõem a obra estão organizados em três partes. A primeira parte do livro, nomeada de Trajetórias e projetos, agrupou textos sob a perspectiva da ação de intelectuais no âmbito da tradução e edição, bem como, os percursos por eles realizados num processo de disseminação de livros e textos. O artigo de Kaomi Kodama delineia o campo de atuação do ator social, o qual compreendeu como “vulgarizador” (p. 42), a partir das traduções da obra de Louis Figuier que circularam no Brasil. A ideia de mediação estava focada em apresentar as novidades científicas para um público não especializado com objetivo de educar pela ciência. A autora Patrícia Tavares Raffaini  utilizou dois livros franceses para crianças no intuito de abordar a questão das traduções e a dimensão das escolhas editoriais. Nesse sentido, editores e tradutores atuam na construção de imaginários sociais oferecendo aos leitores as suas escolhas, projetando produções de sentidos. O artigo de Ângela de Castro Gomes apresenta a mediação entrecruzada por um projeto literário de intercâmbio luso-brasileiro infantil promovido pela autora/editora lusa Ana de Castro Osório. Por meio de obras que têm personagens viajantes que vivenciam a cultura do outro, a autora/editora investe seus esforços em projetos que poderiam ser nomeados de mediação cultural transnacional.

No âmbito educacional, evidenciando uma dimensão política na mediação cultural, a autora Gabriela Pellegrino Soares debate a atuação de professores em diferentes regiões do Vice-Reino da Nova Espanha (hoje, região do México), no sentido de que disseminaram ferramentas culturais – e também políticas – as quais contribuíram nos sentidos e práticas da participação camponesa na Revolução Mexicana, deflagrada em 1910. Diferentemente do olhar coletivo sobre uma classe de intelectuais, o autor Joaquim Pintassilgo estudou o percurso biográfico de Orbelino Geraldes Ferreira e a sua relação com o estabelecimento de uma vertente pedagógica chamada “escola ativa” (p. 148), em Portugal, durante o regime salazarista. Os dois últimos artigos dialogam no sentido de discutirem diferentes escalas de mediação, em diferentes lugares sociais. No primeiro caso, a mediação promovida na região rural, com materiais distribuídos para o letramento de populações com dificuldades de recursos e, no segundo caso, a mediação promovida a partir de cargos docentes que possibilitaram a produção de livros e a disseminação de ideias. No entanto, ambos ocorrem em situações adversas, nas quais os mediadores oscilaram entre promover a ilustração e não se expor às austeridades políticas do período.

A segunda parte da obra nomeada Lugares e mídias aborda a ação dos intelectuais mediadores por meio dos suportes de divulgação utilizados. O artigo de Ana Paula Sampaio Caldeira discutiu a atuação de Benjamin Franklin Ramiz, quando esteve à frente da Biblioteca Nacional, na concretização do projeto editorial dos Anais da Biblioteca Nacional. Num esforço de inserir a Biblioteca nas práticas internacionais de circulação e divulgação cultural, Ramiz mobilizou outros intelectuais da época para contribuir nas diversas edições dos Anais durante a sua gestão. A autora chama a atenção para a ausência de Capistrano de Abreu – funcionário da Biblioteca Nacional à época – nas edições organizadas por Ramiz, uma vez que, Capistrano de Abreu se tornaria uma referência como intelectual de sua geração. O artigo de Eliana Dutra discutiu os contextos de mediação intelectual. Nesse sentido, abordou o caráter transnacional e transcultural da mediação por meio da circulação das revistas elaboradas para disseminar entre os países o que era produzido. Foram analisadas revistas do Brasil, Argentina e França para pensar uma possível triangulação de produções literárias que, por conseguinte, divulgavam concepções identitárias. O artigo de Francisco Palomanes Martinho tratou da mediação na questão dos discursos disseminados pela revista antiliberal e antidemocrática intitulada “Ordem Nova”. Os redatores da revista, em especial Marcello Caetano apoiavam um retorno monárquico às vésperas do golpe de Estado que mergulharia Portugal num período ditatorial. Revisitando teorias e acontecimentos históricos que se reportavam aos primórdios do liberalismo, os redatores elaboravam uma mediação político-cultural, com vistas a fortalecer sua ideologia antidemocrática. Sob a perspectiva da mediação pela oralidade, o artigo de Giovane José da Silva analisa os scripts dos programas de “Metodologia da História do Brasil” do projeto “Universidade no Ar”, escritos e narrados por Jonathas Serrano. Nesse contexto, ainda que a mediação ocorresse pela oralidade transmitida pelo rádio, foi privilegiada a perenidade do suporte escrito utilizando o envio de materiais aos inscritos na formação por meio do sistema de correios, configurando assim, um aprendizado específico, mesclado por narrativas orais e escritas.

Na terceira e última parte da obra, nomeada Leituras e ressonâncias, o conjunto de textos tem como foco as apropriações, releituras e aproximações feitas acerca de obras, autores e veículos de comunicação em relação às conjunturas vigentes em tempos e espaços demarcados. O artigo de Mara Cristina de Matos Rodrigues problematiza a noção de intelectual mediador a partir da articulação entre criação e mediação intelectual na trajetória de Érico Veríssimo. A autora discute os múltiplos tempos e lugares experienciados pelo autor, os quais lhe conferiram atuação tanto na mediação de conhecimentos históricos para um público infantil escolar, no diálogo cultural transnacional a partir de sua estada nos EUA, quanto na criação de uma literatura com “uma sofisticada arquitetura temporal” (p. 347) como a obra de sua maturidade O tempo e o vento. A autora elucida o trânsito possível inscrito na condição de intelectual e infere sobre a ampliação do entendimento de mediação. O artigo de Luciano Mendes de Faria Filho aborda a problemática da elaboração dos prefácios para obras já escritas e como as redes de sociabilidades podem interferir na produção de sentidos. O projeto em questão se refere à publicação das obras completas de Rui Barbosa. A sociabilidade do responsável pelo projeto editorial – Gustavo Capanema – mobilizou intelectuais que corroborassem com a política da publicação, incidindo sobre a forma como a obra foi prefaciada e os direcionamentos da leitura. Esse tipo de mediação intelectual tem, inclusive, argumentos para descaracterizar o próprio conteúdo da obra, uma vez que, os prefácios funcionam como protocolos de leitura. Nessa mesma clave, o artigo de Patricia Santos Hansen aborda a edição da obra A defesa nacional em comemoração ao centenário de seu autor, Olavo Bilac. A autora debate a problemática da apropriação dos escritos numa perspectiva de atender demandas políticas posteriores à publicação em, pelo menos, meio século. Da mesma forma, é possível perceber uma subversão narrativa na mediação entre diferentes culturas políticas.

Os dois últimos artigos são convergentes na questão da identificação de sujeitos históricos como intelectuais. O artigo de Giselle Martins Venâncio destaca as tensões da “fundação de uma prática historiográfica dita moderna” (p. 437) por meio da análise da mediação intelectual elaborada no âmbito das publicações de coleções e revistas científicas que se mobilizaram em notabilizar uma historiografia nacional. Nesse sentido, a autora aponta a emergência de nomes e grupos que estabilizaram como referenciais ao passo que outros, permaneceram invisibilizados. Por fim, a historiadora Libânia Nacif Xavier propõe em seu artigo a construção de “interfaces entre a história da educação e a história social e política dos intelectuais” (p. 464). Num diálogo acerca dos conceitos de redes de sociabilidade, trajetórias intelectuais e geração, a autora problematiza o lugar dos sujeitos classificados como intelectuais e a sua atuação na mediação. Num esforço teórico de ampliar o entendimento do conceito de intelectuais mediadores como categoria de análise nas pesquisas, a autora infere sobre a necessidade de construir uma sensibilidade para que o historiador, ao munir-se de fontes, conceitos e pesquisas, priorize as escolhas que melhor contribuam para os seus objetivos. E, nesse sentido, compreender e visibilizar os homens e mulheres que atuaram na produção e disseminação cultural do país e do mundo.

Márcia Regina dos Santos – Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil. E-mail: marcia0705@gmail.com

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A Justiça do Trabalho e sua história – GOMES; SILVA (RBH)

GOMES, Ângela de Castro; SILVA, Fernando Teixeira da (Org.). A Justiça do Trabalho e sua história. Campinas: Ed. Unicamp, 2013. 528p. Resenha de: LIMONCIC, Flávio. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.34, n.68, jul./dez. 2014.

Nos últimos 70 anos, as vidas de milhões de mulheres e homens Brasil afora se cruzaram nas varas da Justiça do Trabalho. Nos próximos anos, outras tantas o farão. A Justiça do Trabalho é uma instituição central não apenas do aparato estatal que regula as relações de trabalho no Brasil, mas do próprio mundo do trabalho brasileiro. Por isso, causa estranheza o fato de que ela tenha sido tão pouco visitada pela historiografia e pela sociologia do trabalho no Brasil. A Justiça do Trabalho e sua história, volume organizado por Ângela de Castro Gomes e Fernando Teixeira da Silva, constitui importante contribuição para a superação de tal lacuna. E o faz segundo a melhor tradição historiográfica, com base em exaustiva pesquisa de fontes produzidas por esse ramo do Poder Judiciário ao longo de décadas e em diferentes cidades e regiões do Brasil, envolvendo tanto trabalhadores individuais quanto categorias profissionais.

O livro é estruturado em cinco partes, além de uma apresentação na qual os organizadores realizam um apanhado histórico da trajetória do tribunal. A começar pelos organizadores, os autores têm longa trajetória acadêmica ou profissional e larga produção na área de estudos do trabalho.

A primeira parte, com textos de Clarice Gontarski Speranza e Rinaldo José Varussa, trata da conciliação entre patrões e empregados em torno das condições de vida e trabalho. Speranza desenvolve suas reflexões a partir das relações entre mineiros de carvão e seus patrões no Rio Grande do Sul, entre 1946 e 1954, ao passo que Varussa o faz a partir dos trabalhadores de frigoríficos do Oeste do Paraná nas décadas de 1990 e 2000. A segunda parte discute a Justiça do Trabalho na arbitragem dos conflitos entre patrões e empregados. O texto de Antonio Luigi Negro e Edinaldo Antonio Oliveira Souza desenvolve uma reflexão sobre a Justiça do Trabalho na Bahia entre 1943 e 1948, ao passo que Benito Bisso Schmidt realiza sua análise a partir da ação de uma trabalhadora da indústria de sapatos em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, entre 1958 e 1961. Fernando Teixeira da Silva e Larissa Rosa Corrêa discutem a questão do poder normativo da Justiça do Trabalho na terceira parte, o primeiro em São Paulo às vésperas do golpe de 1964, a segunda tendo como tema a política salarial nos primeiros anos da ditadura civil-militar (1964-1968). A atuação da Justiça do Trabalho no mundo rural brasileiro é o tema da quarta parte. Antonio Torres Montenegro reflete sobre a ação de tal Justiça na ditadura civil-militar, ao passo que Frank Luce trata do estatuto do trabalhador rural na região do cacau. Por fim, na quinta e última parte se discute a Justiça do Trabalho diante das formas de contratação do trabalho oriundas de processos de flexibilização e precarização das relações de trabalho. Vinícius de Rezende concentra suas reflexões na indústria do calçado de Franca entre 1940 e 1980, Magda Barros Biavaschi reflete sobre a terceirização a partir de processos judiciais, e Ângela de Castro Gomes discute a Justiça do Trabalho diante do trabalho análogo à escravidão.

Muito embora historiadores que atuam em diversas universidades brasileiras componham a maioria dos trabalhos referidos – como, aliás, seria de se esperar em um livro que traz a História em seu nome –, Frank Luce é advogado trabalhista e professor de estudos do trabalho na York University, Toronto, e Magda Barros Biavaschi é desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul. A reflexões de ambos evidenciam a importância não só do diálogo com outras disciplinas – no caso da Justiça do Trabalho, o diálogo com a área de direito parece de evidente importância –, como, também, da incorporação de ângulos novos ao tema, como os estudos sobre o mundo rural.

Na Apresentação, os organizadores introduzem, ainda, uma questão fundamental, dessa vez relativa às fontes.

Ainda que a compreensão do que constitui fonte histórica tenha mudado desde que a disciplina histórica se constituiu como campo do saber, fontes continuam sendo imprescindíveis para o trabalho do historiador, e este volume anda de par em par com a literatura histórica e sociológica que, nas últimas décadas, tem utilizado fontes judiciais. No entanto, advertem os organizadores do volume, a documentação produzida pela Justiça do Trabalho tem sido sistematicamente eliminada graças à Lei 7627, de 10 de novembro de 1987 (coincidentemente, o 50º aniversário do Estado Novo). Somente no ano de 2005, quase 540 mil processos foram eliminados no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, localizado em São Paulo.

A Lei 7627 é apenas uma das ameaças às fontes judiciais brasileiras. Outras provêm de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e de Resoluções do Conselho Nacional de Justiça, às quais vem somar-se a rápida e constante inovação tecnológica que torna obsoletos e, portanto, potencialmente inacessíveis, diversos suportes imateriais, como arquivos eletrônicos. Nesse sentido, o presente livro constitui, também, um alerta para o tipo de reflexão que pode ser perdido caso as fontes judiciais brasileiras em geral, e as da Justiça do Trabalho em particular, sejam efetivamente descartadas.

Suscitar questões, mais do que chegar a conclusões, parece ser a medida de um bom trabalho. E este o faz, ao sugerir ao menos duas, que são tratadas de passagem na “Apresentação”. Da longa manus do Estado de inspiração fascista a elemento do que Ângela de Castro Gomes chama, em outro trabalho, de pacto trabalhista, seria de grande interesse que a Justiça do Trabalho fosse pensada de forma mais sistemática na arquitetura institucional do corporativismo brasileiro. Seria de igual interesse, também, que o papel do Estado na mediação do conflito entre patrões e empregados fosse estudado num enfoque internacional comparativo. De fato, no contexto dos anos 1930 e 1940, vários países criaram agências estatais para a regulação de diferentes mercados, inclusive o de trabalho.

Ao sugerir tais questões, assim como ao reunir reflexões de tal qualidade, A Justiça do trabalho e sua história constitui contribuição fundamental não só para a compreensão da atuação da Justiça do Trabalho, como também para um melhor entendimento de como esta se enraizou nos corações e mentes de gerações de trabalhadores brasileiros.

Flávio Limoncic – Departamento de História, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). E-mail: limoncic@gmail.com.

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Minas e os fundamentos do Brasil moderno | Ângela de Castro Gomes

Minas e os fundamentos do Brasil moderno é uma obra capitaneada pela Fundação Israel Pinheiro e integra o projeto “Os caminhos do Brasil moderno”, um conjunto de ações promovidas pela própria entidade, que inclui também a edificação do Espaço Israel Pinheiro, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, além da criação do Museu Casa de João Pinheiro, na cidade de Caeté (MG). Ou seja, este livro deve ser compreendido como uma obra integrada a uma série de iniciativas que procuram preservar uma dada memória do desenvolvimentismo no Brasil, tendo como foco central a contribuição de João Pinheiro e, mais tarde, de seu filho Israel Pinheiro na política brasileira.

Em síntese, os artigos procuram sustentar a concepção de que a gênese do projeto desenvolvimentista já estava configurada desde o início da República na figura do próprio João Pinheiro, presidente do Estado de Minas Gerais, e que tal ideário teria sido conduzido por seus filhos, parentes e políticos de um círculo de influências que incluiu, entre outros, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Para defender essa hipótese explicativa, o livro conta com um prefácio, uma apresentação, um texto de abertura e 10 capítulos divididos em três partes bem distintas – e bastante desiguais. Leia Mais

Escrita de si/ escrita da História | Ângela de Castro Gomes

Organizada por Ângela de Castro Gomes, chega-nos uma significativa contribuição ao debate teórico-metodológico referente à “escrita de si”. Embora sempre tenham sido usados como fontes pelos historiadores, o conjunto de fontes documentais composto por diários, correspondências, biografias e autobiografias, apenas recentemente passaram a ser considerados fontes privilegiadas de análise e objetos da pesquisa histórica. Resultado das transformações na prática historiográfica vindas da consolidação da chamada História Cultural, segundo a organizadora também social e política, que estabeleceu novos recortes e temáticas, bem como objetos, metodologias e fontes ao trabalho do historiador.

Visto que ainda são poucos os estudos voltados a uma reflexão sistemática sobre esse tipo de texto na área da história, a coletânea composta por dezesseis artigos não se apresenta como uma obra definitiva. Mas sim, como uma amostra expressiva das diversas possibilidades e limites do trabalho historiográfico que se utiliza desse conjunto de documentos seja como fonte, seja como objeto de pesquisa. “Exercícios de análise” demarcados pelo debate das relações ente história e memória, pela questão da temporalidade e pelo enfretamento da questão da dimensão subjetiva dessa documentação, onde se estabelecem procedimentos metodológicos de críticas as fontes históricas que descartam “a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu” ou, a “verdade dos fatos”. Leia Mais

Capanema: o ministro e seu ministério | Angela de Castro Gomes

Entre as personagens políticas do primeiro governo Getúlio Vargas, e mais especificamente do Estado Novo, o ministro da Educação e Saúde entre 1934 e 1945, Gustavo Capanema, é uma figura central na definição ideológica e nas políticas públicas implementadas. Seu ministério tinha, entre outras atribuições, a de formular um projeto cívico-pedagógico para engendrar um “novo homem brasileiro”. A reforma do Estado, da sociedade e do homem eram projetos que deveriam caminhar juntos. Educação, saúde e cultura eram pilares para a execução deste ideário. As interpretações mais difundidas sobre as idéias e ações de Capanema têm se apoiado em imagens cuja força, enquanto ícones de uma época, sobrepõem-se às tentativas de uma análise mais apurada. Dois podem ser os fatores determinantes destas interpretações.

Em primeiro lugar, Capanema foi político e intelectual dos mais complexos e de difícil apreensão, mesmo no contexto do ideário conservador. Ele mantinha uma teia de relações pessoais e de colaboradores, que incluía intelectuais de esquerda em pleno Estado Novo. Desta colaboração resultou a obra maior, segundo o ministro, que foi o edifício sede do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, considerado um emblema da arquitetura modernista no país. A convivência entre a ditadura e o modernismo tem permanecido sob uma áurea quase enigmática. Leia Mais