Geografia histórica do Brasil – MORAES (EH)

MORAES, Antônio Carlos Robert. Geografia histórica do Brasil: cinco ensaios, uma proposta e uma crítica. São Paulo: Annablume, 2009. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Entre o global e o local: por uma nova geografia dos “espaços nacionais”. Estudos Históricos, v.23 n.46 Rio de Janeiro July/Dec. 2010.

A densidade geográfica de nossa formação e de nossa atualidade impõe um forte conteúdo de particularidades nacionais a serem levantadas e interpretadas pelos geógrafos, cuja explicação adequada aparece como condição para se propor um projeto viável de nação para o Brasil. Explicitar posicionamentos metodológicos, adestrar o instrumental analítico com que se opera, clarificar os conceitos e teorias utilizadas, são fundamentos prévios ao propósito de gerar uma geografia que oriente a instalação da modernidade que queremos para o país. Para tanto temos que abandonar o ideal de buscar de imediato uma utopia celeste (o céu na Terra) e superar a desesperança do inferno presente. É o que anima o caminho na trilha do purgatório… (MORAES, 2009, p. 150).

Com o impacto dos processos de conexão das economias nacionais – chamados convencionalmente de “globalização”, por terem difusão simultânea, entre diferentes lugares, em função da revolução dos meios e técnicas de comunicação em massa na segunda metade do século XX –, os estudos geográficos acabaram por se centralizar ora no “global”, ora no “local”. Para Antônio Carlos Robert Moraes, a consequência disso para a pesquisa e para o conhecimento geográfico é que a questão “nacional” ficou em segundo plano. Uma vez que se dá atenção aos “processos globais”, ou às suas “consequências locais”, outras escalas de análise, como o “espaço nacional”, são deixadas de lado, ou são, no mínimo, pouco estudadas. Pensar uma geografia histórica para o Brasil requer, portanto, que nos voltemos para as questões nacionais, de modo a inquiri-las tanto no passado quanto no presente.

Nessa perspectiva, o subtítulo deste novo livro de Moraes é mais significativo do que o título, porque demarca sua proposta, desenvolvida ao longo de cinco ensaios (para se pesquisar a questão nacional no país), concluindo com a exposição de uma crítica, até certo ponto severa, à centralização dos estudos geográficos no global ou no local, sem dar a atenção devida a outras escalas de análise. Para o autor, tal opção constitui uma despolitização do trabalho, da função e da pesquisa do geógrafo, ao mesmo tempo em que impõe uma miscelânea de opções teóricas e metodológicas, selecionadas mais em função de modas e ondas, do que pela sua maior ou menor operacionalidade na análise de determinados temas, fontes e objetos.

De início, parte da constatação de que discutir “a história da geografia no Brasil, nos marcos metodológicos dos estudos pós-coloniais, revela-se um exercício bastante interessante, em virtude da particularidade da formação do país e da construção da idéia de nacionalidade nesse processo” (p. 11). Ao fazer essa escolha, ele deixa de lado os pressupostos dos estudos dos séculos XIX e XX, nos quais historiar a formação da nação, de seu território e de seu Estado, dependia de uma inevitável homogeneização do espaço, de sua cultura, de seus grupos étnicos, de sua língua, história e tradições.

Por essa razão, Moraes considera Edward Said “um autor fundamental para guiar tal equacionamento”, visto que estabelece “uma relação direta entre as ciências ocidentais e a administração colonial”. Afinal, foi “o contato hierarquizado com sociedades bastante diversas, dotadas de características díspares, que permitiu ao pensamento europeu elaborar teorias gerais da história e desenvolver abordagens totalizantes acerca da vida social, cunhando conceitos que por meio de um aparato planetário de socialização e ensino tornaram-se de fato universais” (p. 15). Desse modo, durante muito tempo deu-se atenção aos processos de formação do Estado-nação, tendo em vista apenas o papel desempenhado pelos colonizadores (europeus), não sendo averiguada a contribuição dos colonizados (povos nativos). Tendo por base a obra de Said, Moraes vê justamente nesta tensão entre colonizadores e colonizados, entre metrópoles e colônias, o início da formação de um novo território, de uma nova nação e de um novo espaço de sociabilidade, que formariam, a partir do século XIX, os novos Estados-nacionais da América Latina.

Seguindo esse itinerário de pesquisa é possível, para o autor, destrinchar melhor a geopolítica da instalação dos portugueses no Brasil, pormenorizando as diferentes formas de tomada do espaço, de organização do território habitado e de disputas e negociações entre os colonizadores e os povos nativos. “Isso porque a colonização é – em essência – um processo de expansão territorial, constituindo uma modalidade particular de relação sociedade-espaço, marcada pela conquista, domínio e exploração de novas terras” (p. 59). Cabe assinalar, porém,

[…] que é a subordinação a um domínio político externo e a inserção subordinada nos circuitos imperiais que qualificam tais espaços como “coloniais”. As regiões coloniais são, antes de tudo, partes de um império. Mas, são também partes de territórios coloniais diferenciados (p. 63).

[…] Nesse sentido, a geografia joga um importante papel na interpretação da particularidade histórica dos países latino-americanos (p. 59).

Essa particularidade é adensada ao se averiguar os processos de independência destes diferentes espaços, até virem a ser tornar Estados nacionais. Nessa perspectiva, o autor entende a “Geografia Histórica como caminho de reconstituição (em várias escalas) do processo de formação dos atuais territórios, postura que – inapelavelmente – repõe uma ótica de história nacional (mesmo no âmbito de uma perspectiva crítica)” (p. 61). Por esse motivo, seja dando destaque à organização da territorialidade estatal, seja demonstrando a importância do sertão e de suas peculiaridades, seja ainda primando pela análise da formação dos diferentes espaços habitados (e não-habitados) no país, a geografia histórica tem um importante papel a cumprir, ao pesquisar e expor esses diferentes roteiros. Para Moraes,

No tocante à produção simbólica do espaço, as décadas de 1930 e 1940 conheceram uma grande revisão teórica do pensamento sobre o país, tendo sido publicadas nesse período as principais obras que iriam marcar as interpretações do país até a atualidade […]. Cabe salientar também no universo cultural, a fundação das primeiras instituições universitárias brasileiras no ano de 1934, com a instalação de cursos de geografia [e história] nas universidades de São Paulo e do Distrito Federal (Rio de Janeiro), os quais tinham no reconhecimento empírico do país e de sua dinâmica territorial o objetivo maior de pesquisa do campo disciplinar (p. 127).

Essa modalidade de investigação se desenvolveria nas décadas seguintes, com o aumento do número de profissionais, pesquisas e instituições. Desse modo, a inversão de propósitos, no campo dos estudos geográficos, ao priorizarem o global e o local, a partir dos anos 1990, não deixa de ser também um processo de despolitização nas pesquisas e do pesquisador, ao se desconsiderar a importância da questão nacional.

Assim, dando continuidade aos seus livros Bases da formação territorial no Brasil (2000) e Território e história no Brasil (2002), o autor demonstra a importância da questão nacional, num momento em que se avolumam os estudos sobre o espaço global e as dimensões do local, repondo na agenda de pesquisas a necessidade de se entender outras escalas de análise. A esse problema estariam ligadas as escolhas teóricas e metodológicas, as predisposições políticas e a ação social do pesquisador. Embora as dimensões dos espaços nacionais tenham sido suplantadas pelos processos de globalização, que homogeneizariam territórios, economias e culturas, não estaria apenas no estudo dos espaços locais a demonstração de uma rede de tensões e de contradições no interior desse processo. E essa rede demarcaria as singularidades territoriais, econômicas e culturais, porque é justamente quando se dá atenção a todas as escalas de análise que elas aflorariam de forma mais nítida.

Diogo da Silva Roiz – Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, campus de Amambaí, e doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil (diogosr@yahoo.com.br).