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O Programa da Revolução – TROTSKY (RF)
TROTSKY, Leon. Programa de transição. In: MARX, Karl et al. O Programa da Revolução. Brasília, DF: Nova Palavra, 2008. Resenha de: GAMA, Carolina Nozella; SANTOS JÚNIOR, Cláudio de Lira. Revista FACED, Salvador, n.16, p.141-148, jul./dez. 2009.
Leon Trotsky nasceu em 1879 em Yakovka (atual Ucrânia), numa família judia. Aos 16 anos iniciou sua participação política como social democrata, contra a autocracia czarista, e dois anos depois foi preso e exilado na Sibéria. Em 1902 fugiu do exílio e em Londres conheceu Lênin. Revolucionário comunista, foi o segundo dirigente mais importante da Revolução Russa de 1917.
Ao lado de Lênin, iniciou a construção daquilo que deveria ter sido o primeiro Estado socialista no mundo. De 1918 a 1921, exerceu o cargo de Comissário do Povo para a Guerra. Em 1923 aprofunda-se a cisão entre Stálin e Trotsky, provocada pela crescente burocratização de Stálin e por sérias divergências políticas relacionadas à questão da autodeterminação da Geórgia. Com a morte de Lênin em 1924, começa, no Comitê Central do Partido Bolchevique, o processo de calúnia e difamação de Trotsky promovido por Stálin e seus dois principais aliados Kamenev e Zinoviev. Em 1925, Trotsky é proibido de falar em público, e em 1929 é banido da União Soviética, por ordem de Stálin. Vai para o exílio na Turquia onde fica até 1933.
Depois, França até 1935, e Noruega até 1937. Chega ao México em 1937. Em 1938 escreve o Programa de Transição, que é o programa de fundação da IV Internacional. A mando de Stálin, é assassinado por Ramón Mercader, em 20 de agosto de 1940 no México. Este ano completamos 70 anos de seu assassinato.
O Programa de transição, aprovado como o programa político da 4ª Internacional em 1938, foi escrito após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa (1917), e nos anos precedentes à Segunda Guerra Mundial (1945), portanto, período de crise do capitalismo que culminou com a Segunda Guerra mundial enquanto estratégia para se recuperar da crise. O texto foi organizado em vinte e um tópicos; a seguir, apresentaremos uma síntese da obra, buscando destacar as teses defendidas pelo autor ao longo da mesma.
No primeiro e segundo tópicos – As premissas objetivas da revolução socialista e O proletariado e suas direções – Trotsky (2008, p. 91-93) faz uma contextualização da situação política mundial e nacional da época demonstrando que o sistema capitalista passava por crises conjunturais que afetavam diretamente os proletários.
O crescimento do desemprego era uma das consequências dessas crises, e nem mesmo a burguesia encontrava saída para elas. O autor defende a tese de que as premissas objetivas para o socialismo não só estavam maduras como começavam a apodrecer, e que a crise social era característica da situação pré-revolucionária em que se vivia. Defende ainda que a crise histórica da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária, e que o principal obstáculo para a revolução são os aparelhos burocráticos conservadores e a política traidora das velhas organizações operárias. E que, apesar disso, as leis da história e as condições objetivas do capitalismo em decomposição são mais fortes que os aparelhos burocráticos.
Afirma que a crise da direção do proletariado – crise da civilização humana, só pode ser resolvida pela 4ª Internacional.
No terceiro tópico, que trata do Programa mínimo e programa de transição, defende um programa de transição que trata das reivindicações transitórias das massas e serve de ponte entre as reivindicações atuais (da época) e a revolução socialista. Além disso, a tarefa principal do programa é mobilizar sistematicamente as massas em direção à revolução proletária. Este programa de transição contrapunha-se ao programa mínimo defendido pela social democracia, que visa reformar o capitalismo ao invés de derrubá-lo. Uma das reivindicações transitórias é apresentada no tópico: Escala móvel de salários e escala móvel das horas de trabalho, em que Trotsky afirma que o capitalismo tem dois males econômicos fundamentais, o desemprego crescente e a carestia da vida. Em seguida, lembra que a 4ª Internacional reivindica direito ao trabalho e existência digna para todos, para isso defende uma escala móvel das horas de trabalho, segundo a qual o trabalho disponível deveria ser repartido entre todos os operários existentes, essa repartição deveria determinar a duração da semana de trabalho.
Sobre os sindicatos na época de transição o autor diz que, na luta pelas reivindicações transitórias, os operários tinham necessidade de organizações de massas, fundamentalmente, de sindicatos, um dos meios para a revolução proletária. Não pequenos sindicatos revolucionários segmentados, mas sindicatos de massa unificados, afirmando que o autoisolamento fora dos sindicatos de massa equivalia à traição da revolução. Trotsky discorre sobre a necessidade de criação de organizações temporárias (comitês) que congregassem toda a massa em luta. Defende a edificação de partidos revolucionários em cada país como tarefa central da época de transição. Acerca dos comitês de fábrica, segue dizendo que a principal importância desses comitês consiste em abrir um período pré-revolucionário entre o período burguês e o regime proletário.
Outro aspecto tratado na obra é a questão do ‘segredo comercial’ e o controle sobre a indústria. Segundo o autor, o segredo comercial era um complô do capital monopolista contra a sociedade e sua abolição seria o primeiro passo em direção ao controle da indústria.
O controle da indústria pelos operários deveria desmascarar as trapaças dos bancos; revelar as rendas, os gastos e o desperdício de trabalho humano resultante da anarquia capitalista que visa, única e exclusivamente, o lucro. Trotsky defende a tese de que para vencer a resistência dos exploradores era necessária a pressão do proletariado através dos comitês de fábrica.
O texto aborda ainda a questão da expropriação de certos grupos capitalistas, como alguns ramos da indústria, assim como também a expropriação dos bancos privados e a estatização do sistema de crédito, à medida que o imperialismo significa o domínio do capital financeiro e que este domínio se dá através dos bancos.
Defende, a fim de realizar um único sistema de investimento e crédito para atender aos interesses do povo, a fusão de todos os bancos num Banco Único do Estado, ressaltando, porém, que a estatização dos bancos só produziria resultados favoráveis se o poder do próprio Estado passasse às mãos dos trabalhadores.
Nos tópicos seguintes: Os piquetes de greve, os destacamentos de combate, a milícia operária, o armamento do proletariado e a aliança dos operários e camponeses, o autor aponta estratégias de ação e combate que devem ser adotadas pelo proletariado, como as greves com ocupação de fábricas, os piquetes, a criação de destacamentos operários de autodefesa e de uma milícia operária.
Além disso, defende a união entre operários e camponeses, cabendo aos trabalhadores da indústria levar a luta de classes para o campo. Competindo à 4ª Internacional a elaboração de programas de reivindicações transitórias para os camponeses (pequenos proprietários) e para a pequena burguesia urbana. Trotsky defende ainda um programa de nacionalização da terra e de coletivização da agricultura que exclua radicalmente a ideia de expropriação dos pequenos camponeses.
Faz parte do Programa de transição e da luta revolucionária a luta contra o imperialismo e contra a guerra que é uma gigantesca empresa comercial. Com isto, o desarmamento da burguesia, a expropriação das empresas armamentistas que trabalham para a guerra em prol de um exército do povo. Assim como também a reivindicação do direito de voto aos 18 anos para homens e mulheres, para a mobilização da juventude e a união dos proletários de todos os países. Estas teses estão expostas no tópico A luta contra o imperialismo e contra a guerra. No tópico seguinte, O governo operário e camponês, o autor recoloca a necessidade de uma aliança entre o proletariado e os camponeses para a constituição de um governo operário e camponês, defende esta união como base para o poder soviético, e como a primeira etapa para a ditadura do proletariado. Defende, como a tarefa central da 4ª Internacional, libertar o proletariado da velha direção conservadora que estava (está) em contradição com a situação catastrófica do capitalismo em declínio, e constituía-se num obstáculo ao progresso histórico.
Aponta também como tarefa da 4ª Internacional, a destruição das ilusões reformistas e pacifistas e o reforço da união da vanguarda com as massas, preparando a tomada revolucionária do poder.
Segundo Trotsky, o aprofundamento da crise social aumentaria não somente o sofrimento das massas, mas também sua impaciência, sua firmeza e seu espírito de ofensiva. E, ao tratar dos sovietes, o autor afirma que esta organização dos trabalhadores é necessária, pois congregam as diversas reivindicações dos explorados e que sua palavra de ordem é o coroamento do programa de reivindicações transitórias. Que num período de transição os sovietes tornam-se rivais e adversários das autoridades locais e do próprio governo central. Esta dualidade de poder seria o ponto culminante do período de transição, momento em que o regime burguês e o regime proletário opõem-se, irreconciliavelmente, um ao outro.
O programa de transição elucida também qual deveria ser o programa de ação e as reivindicações transitórias dos países coloniais e dos países fascistas. No tópico Os países atrasados e o programa das reivindicações transitórias, Trotsky aponta como sendo os problemas centrais e, portanto, a tarefa dos países coloniais ou semicoloniais, a revolução agrária e a independência nacional. Menciona exemplos de países que se encontravam nesta situação na época, como a China e a Índia, por exemplo. Fala sobre a traição da esquerda à revolução proletária citando a 2ª Internacional e a Internacional Comunista. Em seguida, defende a tese de que a direção geral do desenvolvimento revolucionário pode ser determinada pela fórmula da revolução permanente, assim como se deram as três revoluções russas (1905, fevereiro de 1917 e outubro de 1917).
Ao partir para o tópico Programa de reivindicações transitórias nos países fascistas, Trotsky explicita a situação da Alemanha e da Itália com os governos de Hitler e Mussoline. Adverte novamente sobre a traição da esquerda, que na Alemanha, por exemplo, o proletariado não foi derrotado pelo inimigo em combate, mas pela covardia, abjeção e traição da esquerda; e que por este motivo, a vitória de Hitler foi a derrota do movimento revolucionário. Fala da impotência da 2ª e 3ª Internacionais que não provocaram um movimento de organização das massas. Aponta a necessidade de um novo programa revolucionário, pois a luta continuava, e a vanguarda do proletariado precisava encontrar apoio e uma nova bandeira de luta que não estivesse maculada. Nessa conjuntura, defendia a necessidade de um trabalho preparatório, sobretudo de propaganda, para a união e organização das massas para a derrubada de Mussolini e Hitler; e que isso se daria sob a direção da 4ª Internacional.
A União soviética e as tarefas da época de transição – neste tópico o autor discute a revolução ocorrida na Rússia em outubro de 1917, suas implicações na União Soviética (URSS) e as tarefas do programa de transição. Explica como a burocratização do Estado operário stalinista encorajou a acumulação privada e os privilégios traindo e agindo contra a classe operária, criando um Estado operário degenerado. Expõe que a principal tarefa na URSS, apesar de tudo, é a derrubada da burocracia sob a bandeira da luta contra a desigualdade social e a opressão política para recuperar o caráter democrático e classista dos sovietes. Complementa que a 4ª Internacional declara guerra às burocracias da 2ª e da 3ª Internacionais, da mesma forma ao reformismo sem reformas, ao pacifismo sem paz, ao anarquismo a serviço da burguesia, aos revolucionários que temem a revolução.
O texto trata também da questão do oportunismo e do revisionismo, afirma que os reformistas são incapazes de aprender com as trágicas lições da História; toma-se como exemplo a socialdemocracia francesa que com a política do partido de Leon Blum tomou como exemplo a catástrofe política da social-democracia alemã e caiu na burocracia burguesa que é incapaz de realizar uma política revolucionária. Segue-se reiterando que, por sua vez, a 4ª Internacional se mantém no terreno do marxismo, única doutrina revolucionária que permite compreender a realidade, descobrir as causas das derrotas e preparar conscientemente a vitória. Ao tratar do sectarismo, lembra que os sectários simplificam a realidade, e que para os mesmos preparar-se para a revolução significa convencerem-se a si mesmos das vantagens do socialismo; e mais, estes se recusam a lutar pelas reivindicações parciais ou transitórias.
Estas questões são trabalhadas nos tópicos: Contra o oportunismo e o revisionismo sem princípios, e Contra o sectarismo.
Nos penúltimo tópico do Programa intitulado Lugar à juventude! Lugar às mulheres trabalhadoras!, o autor chama atenção para a necessidade de renovação do movimento e da atenção que deve ser dada à juventude. Afirma que somente o fresco entusiasmo e o espírito ofensivo da juventude podem assegurar os primeiros sucessos na luta. Trata das organizações oportunistas que concentram sua atenção nas camadas superiores da classe operária e ignoram as mulheres trabalhadoras e a juventude. Ainda neste tópico, Trotsky coloca que na 4ª Internacional não há lugar para o carreirismo, “câncer das velhas internacionais”, mas lugar somente para os que quiserem viver para o movimento e não viver dele.
Finaliza o Programa de transição com o tópico Sob a bandeira da 4ª Internacional, no qual esclarece que a 4ª Internacional surgiu das maiores derrotas do proletariado na História, e que a causa dessas derrotas foi a degenerescência e a traição da velha direção da esquerda. O autor afirma que a tarefa da 4ª Internacional é acabar com a dominação capitalista; sua finalidade é o socialismo, e seu método é a revolução proletária. Explica ainda que sem democracia interna não há educação revolucionária e sem disciplina não existe ação revolucionária. Defende a tese do centralismo democrático, que consiste em completa liberdade na discussão e total unidade na ação, como a base do regime interno da 4ª Internacional.
Conclui o texto reafirmando que a crise da civilização humana é a crise da direção do proletariado, e chama os operários e as operárias de todos os países para se organizarem sob a bandeira da 4ª Internacional.
Passadas, aproximadamente, sete décadas da elaboração do Programa de transição, destacamos que esta obra é tragicamente atual. Afinal, o que vivemos senão o evidente apodrecimento do modo de produção capitalista? Trotsky em 1938 defendeu a tese de que a crise que a humanidade enfrentava era a crise do proletariado, ou seja, a crise revolucionária. Marx, em 1846, na Ideologia Alemã, nos assinalava sobre a necessidade da superação histórica do sistema capitalista, através da apropriação dos meios de produção pela classe trabalhadora. Hoje, é sabido que já possuímos condições materiais para superação deste modo de produção, e de que sua superação é necessária para enfrentarmos a barbárie e a alienação humanas.
Assim sendo, a explicação que Trotsky nos dá acerca da crise do capital faz-se sim atual, pois se a classe trabalhadora – única classe verdadeiramente revolucionária – não conseguiu se organizar, tomar consciência de classe, ir para o embate, para a tomada do poder e concretizar a revolução, é na organização e conscientização da classe que a crise se coloca.
Com relação aos países atrasados – o que conhecemos hoje como subdesenvolvidos – o Brasil encaixa-se nesta classificação, Trotsky estabelece um programa das reivindicações transitórias para os mesmos. Aponta a revolução agrária e a independência nacional como os problemas centrais e a principal tarefa dos “países coloniais ou semicoloniais”. Também neste ponto podemos notar a atualidade da elaboração realizada pelo autor. Sabemos que a questão agrária e latifundiária no Brasil é um sério problema, que, felizmente, a classe trabalhadora enfrenta e combate, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Nosso país possui uma das maiores concentrações de terra do mundo.
A terra se concentra nas mãos de pouquíssimos proprietários que sustentam o agronegócio e o desenvolvimento do capital no campo. Portanto, mais do que nunca, as questões teóricas e programáticas apresentadas por Trotsky precisam ser retomadas. Atualizadas naquilo que, porventura, tenham envelhecido.
A classe trabalhadora continua necessitando de uma direção revolucionária, de um programa de ações para se balizar. Hoje o capital enfrenta uma crise estrutural, a exemplo do Brasil, a classe trabalhadora deposita suas ilusões numa esquerda que não atende às suas reivindicações, aliando-se à burguesia. Mas, não é possível abandonar a classe, faz-se necessário auxiliá-la, através das suas próprias reivindicações, a romper suas ilusões no terreno próprio das ilusões. Como nos apontou Trotsky, é tarefa das organizações revolucionárias a destruição das ilusões reformistas e pacifistas da classe, além do reforço da união da vanguarda com as massas, preparando a tomada revolucionária do poder. Compreendemos, no entanto, que o revolucionário isolado e desarticulado não é capaz de realizar grandes ações em prol da revolução. Pelo contrário, homens revolucionários como Marx, Engels, Lênin, Trotsky nos mostram que a organização coletiva junto da classe é necessária, para a discussão democrática das premissas teóricas e programáticas, mas sem prescindir da unidade total na ação.
Carolina Nozella Gama – Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: carolina_nozel@yahoo.com.br
Cláudio de Lira Santos Júnior – Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: claudio_lira@hotmail.com