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Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX – GALVÃO; LOPES (RBH)
GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; LOPES, Eliane Marta Teixeira (Org.). Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. 146p. Resenha de: LEON, Adriana Duarte. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.32, n.64, dez. 2012
O livro Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX, organizado por Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes, foi lançado recentemente e reúne cinco textos de pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação da UFMG, produzidos especialmente para compor a reflexão apresentada na obra. Os capítulos são diferentes abordagens sobre o mesmo objeto, o Boletim Vida Escolar, que circulou na cidade de Lavras (MG) entre maio de 1907 e novembro de 1908.
Os estudos sobre impressos educacionais são recorrentes no campo da História da Educação, pois possibilitam emergir detalhes das tensões presentes no debate educacional. A imprensa educacional foi produzida de forma mais intensa a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo como material de formação para os professores, considerando a quantidade limitada de compêndios para essa função. No século XX a imprensa educacional amplia sua abordagem e observa-se a criação de impressos vinculados a diferentes instituições.
O Boletim Vida Escolar se encaixa nessa lógica, pois era uma publicação do Grupo Escolar de Lavras, inaugurado no dia 13 de maio de 1907. Seu diretor, Firmino Costa, era também o editor do Boletim. O impresso compunha-se de quatro páginas e tinha periodicidade quinzenal, e foram publicados ao todo 34 números. Os textos apresentados no impresso eram didáticos ou pedagógicos, e alguns tinham caráter informativo. Observa-se que o impresso circulou em diversos locais do município e do estado, o que indica ampla divulgação das ideias ali publicadas.
A fim de precisar quem eram os leitores visados pelo editor do Boletim Vida Escolar, Ana Maria de Oliveira Galvão e Mônica Yumi Jinzenji realizaram a análise do impresso sob três ângulos: estudaram as matérias direcionadas para um leitor específico, o conteúdo das temáticas abordadas e, por último, as estratégias discursivas utilizadas pelo editor.
Como estratégia metodológica as autoras categorizam o conteúdo do Boletim de acordo com as três abordagens destacadas, para posteriormente estabelecerem uma interpretação dessa categorização. Sob inspiração de Umberto Eco buscaram identificar os leitores presentes no impresso e concluíram que esse público era masculino e inserido no mundo da escrita, o que transparece, respectivamente, na identificação de formas de tratamento (caríssimos, prezados, conterrâneos e amigos) e no vocabulário utilizado.
Sobre os temas mais tratados no impresso observa-se que o próprio Grupo Escolar recebe o maior destaque, assim como seu diretor. Na construção discursiva, ou nas estratégias discursivas adotadas pelo impresso, percebem-se a valorização de Firmino Costa e o destaque às atividades por ele desenvolvidas em prol do Grupo. Firmino Costa busca convencer o leitor de que está colaborando para o êxito da reforma da instrução no estado, e que os grupos escolares são uma opção moderna e de acordo com o período.
Tratando das construções discursivas presentes no Boletim e buscando identificar o que constitui o bem viver no Grupo Escolar de Lavras, Eliane Marta Teixeira Lopes e Andrea Moreno indicam que parece emergir a valorização da educação na cidade. Acompanhando as preocupações da época, Firmino Costa anuncia o bom trato da saúde e o estímulo a bons hábitos de higiene como característica positiva da escola. Tal ênfase poderia estar relacionada à preocupação da escola em promover uma imagem moderna e atual, e diversos artigos tratam desse tema no Boletim Vida Escolar. Pode-se inferir que a divulgação dessa característica no veículo do Grupo Escolar segue o pensamento higienista da época.
Além disso, o Grupo Escolar anuncia nos seus princípios e métodos uma comparação entre a velha e a nova educação, e chama a atenção para algumas qualidades dessa nova escola: deve ser polida, justa, carinhosa, animada, atraente e prática. Pela análise de tais afirmações pode-se inferir que o Grupo Escolar integra a modernidade urbana como instituição educacional adequada à urbanização do país.
No final do século XIX e no início do século XX o urbano assume características de civilidade acentuada, em oposição ao rural que predominava anteriormente. Cynthia Greive Veiga aponta profundas mudanças nas formas de tratamento entre alunos e professores, pois os castigos e as imposições se tornam menos aceitos na lógica da civilidade. A necessidade de produção de uma matriz urbana de comportamento social está atrelada ao crescimento das cidades. A autora afirma que a escola sempre foi parte da história das cidades, e que o crescimento destas torna necessário reorganizar a vida social.
Considerando a necessidade de regrar a vida urbana e implementar/internalizar os códigos de postura, a “escola estatal pública se desenvolve como fator de alteração da própria rotina das cidades”. Esse é o caso do Grupo Escolar de Lavras, um dos primeiros grupos de Minas a proporem diversas mudanças, até mesmo nas relações entre alunos e professores. No Boletim Vida Escolar Firmino Costa estimula as manifestações de carinho e delicadeza como formas de relacionamento no ambiente escolar. Há uma demarcação das diferenças geracionais, especialmente entre adulto e criança, com destaque para o papel relevante da mãe como responsável pelo cuidado da criança. Enfim, são diversos movimentos que indicam um novo trato do indivíduo e uma atenção à constituição de suas sensibilidades. O Boletim advoga a construção desse novo indivíduo sociável, de acordo com os tempos de civilidade.
É interessante que o repertório pedagógico de Firmino Costa foi construído com base nas ideias circulantes em um espaço de ambiência cultural, mas não se tratava de uma apropriação passiva, era um processo de apropriação e reelaboração, como bem destacam Juliana Cesário Hamdan e Luciano Mendes Faria Filho.
Por intermédio do Boletim, Firmino consegue propiciar visibilidade e circulação às ideias por ele defendidas, dentre as quais destacam-se a defesa do regime republicano, do ensino mútuo e do ensino profissional e a valorização da criança e das relações estabelecidas no interior do Grupo Escolar, enfim, diversas questões que se relacionavam com o período e anunciavam o seu repertório pedagógico.
No primeiro relatório que enviou às autoridades mineiras como diretor, Firmino relata que inaugurou o grupo em 13 de maio e logo publicou o primeiro número do Boletim. Ressalta que no impresso deveriam ser tratados assuntos relativos à instrução e à história do município. Dentre os temas educativos, o ensino profissional é o que mais povoa os textos de Firmino Costa no Boletim. A ideia predominante era de que a educação deveria aproximar o sujeito do trabalho, e que por meio do ensino profissional o governo poderia resolver o problema da educação do povo.
A ideia de que a escola deveria educar para o trabalho começou, lentamente, a ganhar espaço no século XIX, via escolarização dos ofícios manuais, dos Liceus de Artes e Ofícios, das escolas particulares e das instituições filantrópicas. Carla Simone Chamon, Irlen Antônio Gonçalves e Bernardo Jefferson de Oliveira analisam as proposições para o ensino profissional presentes no Boletim Vida Escolar. O processo de escolarização do trabalho ocorre concomitantemente às transformações das relações de trabalho em curso em Minas Gerais e em vários outros estados do país. Com o processo de industrialização, na virada do século XIX para o XX, ocorre um movimento de criação de escolas profissionais que visava alcançar os trabalhadores livres.
O ensino profissional foi incluído na reforma da instrução pública nacional em 1906, e um ano após já se percebem nas páginas do Boletim Vida Escolar estratégias discursivas que buscam convencer os leitores sobre a importância do trabalho e da escola. Nesse caso, preparar para o trabalho podia ser uma estratégia de convencer as famílias a manterem os filhos na escola, pois os índices de evasão eram consideravelmente altos no período.
Nas falas de Firmino Costa transcritas para o Boletim o ensino profissional na escola primária se relaciona à ideia da formação de um sujeito útil a si e à sociedade. Embora se perceba certo destaque no ensino técnico para as classes populares, há também notas que buscam desconstruir essa ideia: “nunca é demais saber um ofício”, afirmava Firmino Costa.
O Boletim Vida Escolar é uma possibilidade de investigação sobre diversos aspectos do processo de implementação e operacionalização dos grupos escolares em Lavras e em Minas Gerais. E ler o livro recém-lançado que analisa essa publicação é visitar, por meio do impresso, parte importante da história da escolarização no Brasil, considerando que a criação dos grupos escolares, no início do século XX, marca a ampliação e a complexificação da estrutura da escola pública brasileira..
Adriana Duarte Leon – Doutoranda, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha. 31270-901 Belo Horizonte – MG – Brasil. E-mail: adriana.adrileon@gmail.com.
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