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Process and form in social life: Selected essays of Fredrik Barth | Fredrik Barth
Trabalhar com a micro-história tornou-se uma das principais metodologias utilizadas pelos historiadores nos dias de hoje. A análise micro constitui-se em uma via de estudo que procura captar especificidades que passam despercebidas pela análise macro. Mas, para compreendermos como se caracteriza essa forma de análise voltada para o micro, torna-se fundamental conhecermos e compreendermos um dos seus principais aportes teórico-metodológicos, que tem no antropólogo Fredrik Barth um dos seus nomes mais expoentes, especialmente se falarmos da micro-história italiana.
Nesse sentido, a resenha se baseia em uma das principais obras do autor, Process and form in social life1, uma coletânea de estudos de Barth, publicada em 1981, onde o autor faz uma análise geral sobre o método antropológico.
No trabalho em questão, Barth realiza uma crítica ao funcionalismo e ao estruturalismo. Em relação ao método funcional, chama atenção para o seu caráter a-histórico, onde as coisas já estão dadas a priori, e procura se contrapor firmemente ao funcionalismo. Ao tratar do estruturalismo, critica a sua visão macro da análise social, visão essa que considera bastante abstrata. Dessa forma, aponta os limites da análise estrutural, mas não a desconsidera.
Dentro dessa perspectiva de análise social, Barth propõe uma imersão, mas buscando sempre atentar para os processos individuais, as trajetórias e os conflitos. Daí surge sua idéia de modelos generativos. Os modelos generativos são gamas de possibilidades, e essa noção de modelo é diferente daquela, por exemplo, do modo de produção escravista. Modelo quer criar um quadro explicativo para algo, que tem várias possibilidades. Nesse sentido é que se aplica modelo, e não como modelo matemático.
Barth busca a melhor maneira, a mais científica, de se construir modelos, dá ênfase na empiria, como na ciência positiva do século XIX. Preocupado em construir sistemas, procura enfatizar sua aversão a teorias pré-construídas. De acordo com o autor, os modelos generativos dependem da realidade social que se está analisando – embora modelo e realidade não devam ser confundidos. As coisas não são dadas de imediato, e nesse sentido, percebe ligações entre as ações – uma ação vai gerar outras ações, além de padrões maiores de resultados.
A teoria de Barth se encontra embasada em Max Weber2, com sua noção de ação social e ator social, mas o primeiro propõe, de novidade, o procedimento metodológico. Barth supera Weber, visto que o último faz tipos ideais, parte da ação social para criar tipos, enquanto Barth se preocupa com o micro, quer saber como a ação social é gerada, e justamente para dar conta da ação social, surgem os modelos generativos. Segundo Weber, as ações sociais se tornam objeto da sociologia quando se repetem no tempo, e as mesmas se repetem porque traduzem uma certa ordem, via tradição ou situação de interesses. É justamente dessa situação de interesses que Barth parte no seu trabalho, retira os conceitos de Weber, mas se nega a utilizar os tipos ideais.
Na análise da obra de Barth, devemos destacar também o conceito de cultura distributiva, que se encontra presente em vários trabalhos do autor. Para ele, a cultura é distributiva porque é a interação de valores diferentes, e afirma que o sistema social se dá apenas quando há essa interação de valores. Nesse sentido, todos têm que se perceber recebendo alguma coisa, e a satisfação das partes se dá via negociação.
A cultura distributiva é o produto de valores distintos, se dá através de um processo de agregação, e os atores saem realizados, ocorrendo assim a maximização dos ganhos das partes. A agregação seria o ponto de encontro dos vários processos de interação e, nessa perspectiva, Barth critica a agregação vista como um somatório.
É perceptível, em seu trabalho, a habilidade de Barth em lidar com os níveis macro e micro, e o autor propõe uma dialética entre os dois. A questão micro x macro é falsa para ele, e apresenta uma visão particular da relação entre um e outro, não a partir de um ponto de vista subjetivo, mas percebendo que os atos humanos são formados por decisão e escolha. Para ele, é fundamental se fazer o círculo completo, ou seja, se retornar do macro ao micro, visto que, segundo o antropólogo, a sociedade se define a partir do micro.
Em Process and form in social life, Barth fala, a princípio, da geração de regularidades, da freqüência das escolhas, e procura identificar como se geram essas regularidades no processo de repetição das ações. Então, desenvolvendo essa questão, o antropólogo trata da idéia de processo generativo que, para ele, se constrói por meio de um conjunto generalizado de ações recorrentes, ou de uma série de acontecimentos interdependentes, constituindo um padrão.
O processo generativo é a ação social de Weber, e se daria através do desmembramento dessa ação. A ação social pressupõe interação, e esta se encontra incluída no interior de um processo, seria um momento do mesmo. Essa interação ocorre porque os atores são sempre posicionados para agir de forma a realizar empreendimentos, e pelo fato de terem posições diferentes entre si – obrigações, direitos, recursos – e serem portadores de valores e estratégias distintas. Nesse sentido, a ação social de um ator pode cancelar ações de outros atores. Dessa forma, os resultados do processo nem sempre são os desejados pelos atores sociais e, por isso, a incerteza – conceito essencial para Barth – é inevitável.
Essa interação é, portanto, fruto de escolhas. Quando essas escolhas dão certo começam a criar um padrão – são institucionalizadas – e tendem a se repetir. As escolhas repetidas e cristalizadas constroem costumes e comportamentos padronizados, e trazem benefícios, uma vez que servem de referência para a ação social. Os costumes, no sentido dado por Barth, podem se modificar a qualquer momento, visto que é algo dinâmico, onde a incerteza paira, apesar do padrão.
Nesse sentido, o valor não é pré-condição, mas é aquilo que conduz à ação, derivado da prática, é uma escolha regular, que se repete, e vai surgir das escolhas institucionalizadas que visam um ganho qualquer. Algo só se transforma em valor quando a escolha é reiterada.
Pode se chegar ao valor seguindo as trajetórias das pessoas, visto que o mesmo é uma prática que deu certo. Já a reciprocidade pode ser entendida como a partilha de valores. Nos momentos de conflito, de mudança, os valores são mais fortes, os atores estão mais bem posicionados, e têm que, de alguma maneira, negociar.
O valor não é percebido como uma questão moral, ele tem o lado material, pressupõe ganho e perda, e em decorrência disso, o valor de um indivíduo pode variar. A partir dessa idéia, Barth trabalha com a maximização do valor, que seria o fato de se preferir algo a uma outra coisa, não implicando em uma teoria decisória. O indivíduo tenta conseguir algo que ele considera melhor que as outras opções, ou então, busca realizar os seus objetivos plenamente, da melhor forma possível. A maximização de valores define os comportamentos mais bem sucedidos, e forma os padrões de comportamento.
Dessa forma, pode-se perceber que o processo é uma questão central em Barth, e a partir dele se chega à interação, e a coisa macro, que é o valor. Assim, nota-se que o ator social tem a possibilidade de realizar escolhas, e a tradição, em Barth, se compõem através de um conjunto de escolhas bem-sucedidas, é o conjunto de práticas transformadas em valores. Já a performance, conceito também muito importante para compreender sua obra, seria o modo como se atua, a forma através da qual o ator realiza as escolhas.
Nessa perspectiva, Barth afirma que é importante seguir as trajetórias dos indivíduos, perceber suas relações sociais. Dessa forma, poderíamos notar que as suas escolhas e opções estariam pré-determinadas, os recursos e obrigações estariam pré-definidos, não existindo comportamento-padrão, mas comportamentos possíveis, uma gama de possíveis, onde a ação de um elemento depende das ações dos outros (teoria dos jogos). Para Barth, a gama de possíveis só é factível através do método comparativo, o que, segundo o antropólogo, os historiadores italianos, em geral, não fazem.
O talento pode também ser um recurso, e isso pressupõe um jogo, uma negociação, ou uma barganha, termo usado por Barth. Dessa negociação tem que surgir uma reciprocidade, pois é impossível se pensar o indivíduo de forma isolada. Este, para Barth, só é entendido pela sua relação – ação social – com outros indivíduos.
As obrigações, assim como os direitos e os recursos, são formadoras do status, conceito básico para o sociólogo Edward Shils3, e também utilizado por Fredrik Barth. De acordo com Barth, os atores sociais possuem status, porém isso não significa uma rigidez completa na forma de ação. De alguma maneira se estabelecem limites, mas, em decorrência dos recursos, não necessariamente produzem indivíduos semelhantes.
Status é a ordem social, a relação entre indivíduos, grupos, e deve ser aplicado tanto no nível micro quanto no nível macro. As pessoas têm um status conforme sua honra, e a reafirmação do status é o ponto de partida para se entender o processo generativo, do qual falamos anteriormente.
Os vários status são as bases organizacionais para as diferenças entre sistemas sociais. A ação social se dá entre pessoas com status distintos, mas pode ocorrer também entre indivíduos do mesmo status, e para cada ação social se ativa um ou outro status, pois uma pessoa tem vários, um repertório deles, constituindo-se naquilo que Antônio Manuel Hespanha chama de várias personas4. A sociedade é composta por um inventário de status. Pode-se perceber, assim, que a hierarquia é fluida, a hierarquia dos status depende da situação – daí se desenvolve o conceito de Barth de definição da situação.
Barth chama a atenção também para a possibilidade de que os códigos de comunicação podem não ser compreendidos, em decorrência da utilização de um status errado. Existem ainda status com grande abrangência, quando um indivíduo encontra-se no ponto nodal entre várias redes: seria o que Barth chama de estrela, o ponto de encontro de diversas redes sociais.
O argumento que envolve a questão da importância do ponto nodal, discutido nesse livro, é mais bem desenvolvido no trabalho Scale and social organization5, quando o antropólogo afirma que cada ator pode ser considerado como o centro de uma estrela de primeira grandeza de relacionamentos, o ator social é a estrela de uma rede. Ao se perseguir a trajetória de alguém, está se seguindo uma determinada rede, pois todos os indivíduos estão conectados em várias redes, um indivíduo leva em conta o outro. Dessa forma, torna-se possível ver no ator social algo que já se percebe na sociedade como um todo.
Assim, a forma agregada de organização social pode ser prevista através da escolha na ação e do campo de possíveis para cada interação, fatores esses que se encontram padronizados em todas as sociedades, e que indicam restrições nas estruturas dos atores sociais, nos seus repertórios. Nesse sentido, se concebe o conceito de multiplex, ou de relações do tipo multiplex, que conformam o agregado social.
Apesar da essencialidade desse ponto de análise, Barth destaca alguns problemas que podem surgir para se perceber essas redes, como a questão da falta de documentação para se demonstrar o que ocorre, pois é preciso ter informação suficiente para checar a hipótese.
Tratando especificamente das redes, o autor destaca três características principais. A primeira delas seria que as redes são muito estáveis; a segunda diz respeito àquilo que chama de relações multiplex – que já vimos anteriormente –, que surgem como característica principal nas sociedades complexas; e a terceira nos faz perceber a densidade das redes, que não podem ser observadas de forma unilateral.
Barth nota que a organização social se projeta no ator social e, em relação à sociedade ocidental, destaca que o ator tem um grande número de repertórios (de competências ou status), e a diversidade dos repertórios e dos diferentes atores sociais aumenta a complexidade das redes e induz a operação com escalas.
Para que o conceito de escala possa ser melhor utilizado nas análises e para retratar os processos da organização social, Barth afirma que o primeiro passo é conceituar escala como uma característica do contexto de interação social, visto que, dessa forma, somos forçados a procurar as interconexões dos acontecimentos nos subsistemas naturais. A questão da escala é percebida como o ponto de partida, que é o mesmo para todos, mas que se modifica dependendo do “ecossistema” do ator social. Os atores são escolhidos a partir da informação que se tem sobre eles e das perguntas que se quer fazer.
A escala refere-se a números de algo que pode ser contado, de tamanho no sentido tanto do número de membros, como de extensão espacial. Ela é uma propriedade de qualquer sistema, e o espaço social de uma pessoa pode ser caracterizado como escala. A partir da idéia de que todos os sistemas podem ser percebidos em termos de escala, é possível a realização de análise e comparação, além do que, dessa forma, nos é fornecida uma chave para se compreender a dinâmica das organizações sociais complexas.
Todos os sistemas sociais de grande escala estão projetados e são originados no nível micro, na estrutura dos atores sociais, sendo que a sociedade não é vista como um sistema de grande escala. Tanto para Barth quanto para Weber, a ordem social surge do micro, da ação social e, de acordo com o primeiro, a questão micro e macro é um pouco diferente de escala, visto que, segundo ele, o micro é o espaço onde se realiza o macro, a sociedade; já a escala é percebida como uma propriedade do contexto.
Trabalhando com a questão de poder e escolha, Barth rebate uma crítica feita a ele, por estudiosos do assunto, de que minimizaria a idéia de poder. Nesse sentido, afirma que poder são as forças e as fraquezas concretas dos atores sociais, e percebe a formação do nicho, que seria a ligação de um ator com os demais, e representaria o que seria, para nós, o nível macro.
Ao tratar da escolha, destaca que a mesma não é sinônimo de liberdade, porque o indivíduo tem constrangimentos a agir, os deveres o impulsionam para a ação. E, quando não se tem condições ideais de pensar algo, a pessoa opta por aquilo que conhece, para minimizar as perdas – seria então o costume, como já vimos anteriormente. Com essa análise, Barth combate mais uma vez o funcionalismo, pois percebe que a ação dos indivíduos não é sempre racional, visando algo.
Barth, na coletânea Process and form in social life, ao tratar da mudança social, destaca também a necessidade de se especificar a natureza da continuidade, ao perceber as mudanças dentro da continuidade. Nota ainda que todas as questões trabalhadas na obra, e tratadas anteriormente, estão em contínuo movimento, que acaba por causar uma mudança maior, com as estratégias se modificando para se conseguir os mesmos valores.
Diante de todo esse aporte teórico-metodológico, introduzido por Barth, o estudioso Paul-André Rosental, em trabalho sobre a micro-história, destaca a importância dos estudos do antropólogo, percebendo que a obra de Fredrik Barth “forneceu muitos dos componentes teóricos mais importantes da micro-história social italiana”6.
Para Rosental, a micro-história tenta quebrar o comportamento modal a partir de Barth, e dessa forma, através do micro, dar conta do macro. O estudo realizado, nesse sentido, não é micro-analítico no sentido do pequeno caso, mas da multiplicidade das relações sociais. Rosental afirma que o fato de se apresentar primeiro na pesquisa situações gerais não entra em contradição com a micro-história, visto que o geral pode ser redefinido a partir do micro.
O autor nos mostra que Barth escolhe as situações a serem analisadas, e esse procedimento é aplicado particularmente nos conflitos, porque essa seria uma situação limite, onde ficariam claros os recursos e as obrigações. E, os recursos e obrigações não são os mesmos para um escravo e um senhor, por exemplo, o que tornaria explícita a idéia de sistema não-integrado e a questão da incerteza. Nesse sentido, podemos perceber a idéia de cultura distributiva, conceito muito caro a Barth, como vimos anteriormente.
Além desses conceitos, Rosental apresenta vários outros, presentes no trabalho de Barth, que influenciam a micro-história. Entre eles, podemos destacar a noção de excepcional normal. Essa noção nos faz perceber que as pessoas não estão agindo no vazio, que o sujeito compartilha valores, ele não vive enclausurado. Através da trajetória de alguém podem se perceber os seus recursos, as obrigações e os valores: assim se daria o excepcional normal.
A partir das idéias apresentadas por Rosental, podemos notar que foi o antropólogo Fredrik Barth quem desenvolveu a metodologia de se trabalhar a experiência de uma pessoa enquanto processo. Sem essa metodologia, a micro-história não poderia ser feita. E, para se saber a experiência das pessoas, é necessário ter fontes; por isso, a micro-história é um método que tem limites concretos muito precisos.
Contudo, para além da micro-história, os conceitos e categorias indicados por Barth podem ser aplicados em outros campos de estudo das ciências sociais e humanas, inclusive em outras formas de análise histórica. Conhecer o arcabouço teórico-metodológico apresentado por Barth torna-se útil para percebermos uma interessante metodologia a ser utilizada em nossas pesquisas, a fim de que possamos compreender melhor a totalidade do nosso objeto de estudo, percebendo, entre outras características, as trajetórias dos sujeitos, as redes que os envolvem e que compõem a sociedade analisada.
Notas
1. BARTH, Fredrik. Process and form in social life: Selected essays of Fredrik Barth, v. 1. London, Routlegde & Kegan Paul, 1981.
2. Para compreender as idéias centrais do sociólogo, ver: WEBER, Max. “Classe, estamento e partido”. In _______. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1982; WEBER, Max. “Conceitos sociológicos fundamentais”. In _______. Economia e Sociedade. Brasília, Editora da UNB, 1991.
3. SHILS, Edward. Centro e Periferia. Lisboa, Difel, 1992.
4. HESPANHA, Antônio Manuel. “El imaginário de la sociedad y del poder”. In: _______. Cultura Jurídica Europea. Madri, Editorial Tecnos, 1998.
5. BARTH, Fredrik (ed.). Scale and social organization. Oslo, Universitesforlaget, 1978, p. 166.
6. ROSENTAL, Paul-André. “Construir o ‘macro’ pelo ‘micro’: Fredrik Barth e a microstoria”. In REVEL, Jacques (org.). Jogos de escalas. Rio de Janeiro, FGV, 1998, p. 153
Mônica da Silva Ribeiro – Doutoranda do PPGH-UFF.
BARTH, Fredrik. Process and form in social life: Selected essays of Fredrik Barth. v. 1. London: Routlegde & Kegan Paul, 1981. Resenha de: RIBEIRO, Mônica da Silva. Estudos sobre Fredrik Barth. Canoa do Tempo. Manaus, V. 2, n. 1, jan./dez, 2008. Acessar publicação original [DR]