A História Global e as fronteiras na Antiguidade | Fronteiras – Revista Catarinense de História | 2022

Detalhe da Estela de um mercenario em Patiris 2134–2040 a.C. Imagem Wikipedia
Detalhe da Estela de um mercenário em Pátiris (2134–2040 a.C.) | Imagem: Wikipédia

Entre as grandes rupturas culturais do final do século XX, a crise do eurocentrismo – entendido como a cosmovisão que situa a modernidade ocidental como modelo e destino da história universal – foi a que teve mais efeitos no campo historiográfico global. As diferentes áreas do campo reagiram de modos particulares: enquanto a História Econômica e comparada reviu a centralidade da Europa na história mundial (revisão exemplificada na corrente intelectual do ReOrient), a História Social buscou ressaltar a imbricação entre estruturas e agência dos grupos subalternos tanto nas sociedades, quanto nas memórias ocidentais. A História Cultural, por sua vez, ressaltou as tensões implicadas na construção de identidades e representações sociais tais como “civilizado” ou “colonial” (como nas abordagens pós- e decolonial), e a História Ambiental reelaborou as relações entre sociedade e ambiente para além do discurso da “conquista da natureza” ou do “lamento da degradação”.

Neste contexto, novas áreas emergiram, como a História Global, cuja missão de criticar o eurocentrismo e o internalismo metodológico orienta os mais diversos estudos, das macro comparações ao estudo das “micro globalizações”, das redes aos sistemas-mundo, dos impérios em contato aos viajantes, dos processos transnacionais aos fenômenos ambientais globais. Central no projeto da História Global é a crítica das fronteiras projetadas pelas sociedades contemporâneas sobre o passado, sob o efeito dos estados nacionais e suas comunidades imaginadas, o que desvinculou as sociedades de seus contextos concretos. A História Antiga dialogou com estas perspectivas, resultando na promoção de três abordagens significativas: a história dos grupos subalternos antigos, a história da recepção e usos da Antiguidade no mundo contemporâneo, e a história das conexões e contatos entre as várias sociedades antigas em seus contextos mais amplos. Nestas três abordagens, o problema das fronteiras é central e se desdobra em múltiplos aspectos, fronteiras sociais e espaciais, internas e externas, trazendo a necessidade de se revisitar conceitos e metodologias que tomavam este termo como dado. Assim, é preciso refletir como definir as fronteiras entre grupos sociais, como dominantes e subalternos, por exemplo, ou entre segmentos de grupos subalternos. De que maneira Antiguidade foi utilizada em contextos de fronteira no Ocidente, como a América Latina contemporânea? Em relação à História Global, fronteiras como “mundo romano”, “Egito”, “mundo grego”, “África”, estão além da projeção dos estados nacionais sobre o passado antigo, mas de que maneira podemos entender esses limites tendo em vista uma visão êmica de fronteira? Quais eram os contextos nos quais as sociedades se interagiam? Qual era a relação entre fronteiras internas e externas às sociedades? A integração a contextos maiores potencialmente eliminava as fronteiras? O objetivo deste dossiê é refletir sobre os problemas associados aos conceitos de fronteira na Antiguidade. Leia Mais

Amazônia, fronteiras e diversidades | Escritas do Tempo | 2021

Quais ventos são esses que trazem esse dossiê sobre a Amazônia na Revista Escritas do Tempo? São ventos que sopram o vigor e o frescor da produção do conhecimento histórico produzido nos programas de pós-graduação em História espalhados pela região amazônica! Sem dúvida este número da revista que apresentamos amplia um processo iniciado há algumas décadas atrás com a criação de programas de mestrado e depois de doutorado na UFPA e UFAM.

Hoje os programas de pós-graduação em História estão em inúmeras universidades públicas do outrora chamado Vale Amazônico, como é o caso da UNIFAP, da UNIFESSPA e da UFMA (que integra a região de abrangência da Amazônia Legal). O processo em questão impacta, de maneira decisiva, num conhecimento histórico sobre o passado amazônico que está a todo o momento sendo debatido e revisto, conectando experiências dos diversos centros produtores do saber histórico. Por essa razão esse dossiê celebra exatamente esse momento vivido por todos nós. Leia Mais

Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2020

A Ciência da História está interessada em compreender como as sociedades, nas mais distintas temporalidades, produziram para si e para os outros, diferentes formas de orientação e sentido no tempo, tanto para ações individuais quanto para as coletivas. Trabalhando com os indícios documentais e diversas historiografias disponíveis, o historiador consegue propor análises e reflexões que objetivam compreender, entre tantas possibilidades, os mecanismos de identificação, regulamentação social, processos conflituosos ou diplomáticos entre diferentes grupos sociais ou sociedades distintas. Em tempos de interações e conexões entre o local e o global, as ciências humanas tem se dedicado cada vez mais aos estudos das fronteiras, processos migratórios e identidades, de modo a discutir como estes fenômenos relacionam-se com a produção de orientação e sentido no tempo.

O dossiê Fronteiras, Migrações e Identidades nos mundos pré-modernos, proposto pelos professores Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB / Blumenau) e Renato Viana Boy (UFFS / Chapecó), abre espaço para questões dessa natureza, contemplando reflexões interdisciplinares que debatam as complexas relações entre fronteiras, migrações e identidades nos mundos pré-modernos. Reunimos aqui um grupo de seis artigos de pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam ao estudo de temáticas situadas cronologicamente antes do período que chamamos de Modernidade, além de uma entrevista com o professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, Otávio Luiz Vieira Pinto.

Dois artigos escolheram abordar a temática das sociedades pré-modernas enfatizando Roma Antiga. O primeiro deles, As trocas de correspondências entre Tibério César e a aristocracia senatorial durante seu afastamento para Capri (26 – 37 d.C.): uma análise dos crimes de traição nos Anais de Tácito, escrito por Rafael da Costa Campos, teve como objetivo expor a importância das trocas de correspondências como fundamental ferramenta política e administrativa do Principado. A análise ficou concentrada no período em que Tibério César se afastou de Roma e residiu na ilha de Capri (26 – 37 d.C.). O afastamento do princeps foi um marco de inflexão política em seu governo, e as trocas de correspondências apresentadas por Tácito em seus Anais expõem o seu impacto sob a aristocracia mediante a intensificação dos casos de acusações e condenações pelo crime de traição (maiestas). O segundo artigo, intitulado Uma República degradada: breve estudo da guerra de Jugurta de Caio Salústio Crispo, de Alice Maria de Souza, por sua vez, analisa a obra Guerra de Jugurta, de Caio Salústio Crispo, escrita durante o Segundo Triunvirato. Considerando os elementos exteriores ao texto em si – tais como contexto, objetivos do autor e gênero – interpreta o referido documento não somente como produto de apropriações do passado, mas, também como produtor de novas representações, servindo como veículo de transmissão e ressignificação da memória. Vemos, então, uma problemática envolvendo História e Memória. É o que faz Erick Carvalho de Mello, mas, agora, abordando a temática do celtismo e da celticidade. Sua reflexão, proposta no artigo O Mito e a cultura de memória Celtas: Uma convergência de imaginários, parte do campo da Memória Social, não da Ciência da História, mas, em um constante diálogo interdisciplinar, aborda o papel das diferentes apropriações do que se entende por “cultura celta” na formação das identidades nacionais de grupos como irlandeses, escoceses e bretões franceses. O autor procurou identificar como o mito do celtismo é construído na História recente e como a partir deste mito uma cultura de memória é formada e nos possibilita ter uma compreensão mais aprofundada sobre os conflitos históricos que esses grupos enfrentam hoje, sem deixar de dialogar com a forma como a temática tem sido tratada quando o foco são as populações prémodernas, se decidirmos denominá-las de “celtas” ou não.

O artigo Multiculturalidade e a Christiana Civilitas na Britannia de Guildas (s. VI), escrito a quatro mãos por Helena Schütz Leite e Renan Frighetto, se propõe a discutir sobre as transformações observadas no século VI na Britannia do século VI não sob o prisma da decadência e destruição do mundo romano no Ocidente europeu, visão muito presente na tradição historiográfica sobre o período. Diferente disso, os autores propõem, através do estudo da obra De Excidio Britanniae, de Gildas, perceber a pluralidade cultural que é possível observar ali, e a busca por uma identificação que aproximasse dos diferentes reinos da Britannia na Antiguidade Tardia.

Outro artigo que também lida com a questão das identidades e historiografia é A fronteira entre cristãos e muçulmanos: uma terra de ninguém?, escrito por Márcio Felipe Almeida. Entretanto, o ponto central das análises do autor está no espaço de fronteira disputado por populações cristãs e islâmicas no século XIII. Vale ressaltar que a fronteira, neste caso, não é uma linha divisória entre dois territórios, como se pode pensar à primeira vista. Diferente disso, neste artigo, Márcio Almeida discute a fronteira como sendo, ela mesma, um território pretendido pelos dois grupos em questão.

O último artigo deste dossiê é aquele que avança mais próximo do fim do período chamado de pré-moderno, intitulado A Colonização Oriental e os Processos de Reformulação Rural em Brandemburgo (séculos XII–XIV). Neste artigo, Álvaro Mendes Ferreira se dedicou a analisar o processo de transformações no espaço rural do Europa oriental, ocorridas no período assinalado, em virtude do processo de consolidação do regime senhorial. Tendo os processos na Marca de Brandemburgo como estudo de caso, o autor busca compreender como os vilórios eslavos se enquadravam neste cenário de transformações.

Por fim, apresentamos ainda uma entrevista com o professor Dr. Otávio Luiz Vieira Pinto, que tem dedicado suas pesquisas ao mundo persa e às trocas culturais entre os grupos da costa Suaíli, na África, e os grupos árabes e iranianos do Oriente Médio, entre os séculos VI e XI. Atualmente, Otávio Vieira Pinto é professor de História da África da Universidade Federal do Paraná, pesquisador do Middle Persian Studies (MPS) e do NEMED (Núcleo de Estudos Mediterrânicos), além de colaborador do projeto internacional Networks and Neighbours.

Além dos textos que compõem o dossiê, este número traz também dois artigos e duas resenhas. O artigo de Darlan Damasceno e Gilmar Arruda, intitulado Religiosidade e Natureza: imigrantes ucranianos e a transformação do meio ambiente (Paraná 1890-1915), aborda como a religiosidade dos imigrantes ucranianos atuou no processo de ressignificação e transformação do meio ambiente entre os anos 1890 e 1915, na região centro-sul do Estado do Paraná. As fontes utilizadas pelos autores, indicam que a religiosidade dos imigrantes foi fundamental no processo de (re)construção da realidade social nas colônias, e para moldar o modo de vida dos indivíduos através de esquemas de percepção inscritos em suas ações.

No texto de Cássila Cavaler Pessoa de Mello, De estrangeiro a cidadão: o processo de naturalização instaurado em 1832 e seus limites, a autora discute o processo de naturalização instaurado no Império do Brasil a partir da Lei de 23 de outubro de 1823. Aponta os motivos que estimularam os estrangeiros a buscarem o título de cidadão brasileiro e expõe os trâmites e as dificuldades enfrentadas por aqueles que optavam por se tornar cidadãos. O texto explora tanto a perspectiva estatal, quanto a dos indivíduos neste percurso.

Na seção resenha, temos dois instigantes textos. Um novo estudo sobre a vida de Marx, uma resenha de Daniel de Souza Lemos, trata da obra Karl Marx: uma biografia dialética, publicada no Brasil em 2019, de autoria de Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea e coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia do Departamento de História, na USP. O texto de Isabel Schapuis Wendling, intitulado Modelando Condutas: uma resenha da obra sobre os poderes nas escolas católicas masculinas no Brasil, resenha a obra Modelando Condutas: educação católica em escolas masculinas de Roseli Boschilia, publicada pelo museu Paranaense em 2018.

Este dossiê e os demais artigos que compõem o número 35 da Fronteiras: Revista Catarinense de História estão fundamentados na proposta de uma história plural, que dispõe de espaço às múltiplas possibilidades de análises históricas de populações, personagens e acontecimentos em tempos recuados, definidos aqui como pré-modernos até a atualidade mais recente, focos dos textos que se enquadram fora do nosso dossiê. Afinal, se a História é a Ciência dos seres humanos no tempo e quem faz História é como o ogro da lenda, que, ao farejar carne humana, vê ali sua caça, para lembrarmos uma célebre reflexão do medievalista francês March Bloch, não é possível nos contentarmos com qualquer narrativa supostamente historiográfica que deixe de contemplar estas outras dinâmicas espaço-temporais tão importantes para compreendermos nossa própria historicidade.

Desejamos uma proveitosa leitura!

Dominique Vieira Coelho dos Santos (FURB)

Renato Viana Boy (UFFS)

Organizadores do Dossiê

Samira Peruchi Moretto (UFFS) Editora


SANTOS, Dominique Vieira Coelho dos; BOY, Renato Viana; MORETTO, Samira Peruchi. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.35, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (II) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

[Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE – II) ]. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.2, 2020. Acessar dossiê [DR]

Fronteiras, sertões e território / Projeto História / 2020

O número 69 da Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História, da PUC / SP, traz a público o dossiê “Fronteiras, sertões e território”. Em linha com nosso projeto editorial, interessa-nos abrir espaço para multiplicidade teórica, temática e regional.

Esse número buscou jogar luz para a produção historiográfica acerca do Brasil de dentro, mas também de regiões afastadas dos centros de poder de outros países da América do Sul. Esse número pretende abrir espaço para os estudiosos das zonas interioranas, dos sertões profundos, das fronteiras em seus vários sentidos. Sertão, aqui, não significa apenas o semiárido nordestino, mas sobretudo o interior, variado e múltiplo, áreas culturais, históricas e geográficas cuja historicidade nem sempre tem o devido espaço na historiografia brasileira.

A ampliação dos programas de pós-graduação durante os governos Lula (2002-2010) e Dilma (2010-2016) foi notável, ampliando a produção historiográfica, inclusive em universidades localizadas no interior do país. Apesar da interrupção da expansão e, pior dos ataques a universidade, é preciso reconhecer que uma considerável produção intelectual. Mas é preciso difundir esse conhecimento, nascido, quase sempre o financiamento público.

Pensar as fronteiras, os sertões, os interiores, os territórios sempre em disputas a partir da história reconhece a inevitável interdisciplinaridade, aberto às conexões geográficas, artísticas (da pintura à literatura), geopolíticas (e cartográficas), sociológicas e simbólicas que a temática impõe, temática de nenhum modo presa a recortes temporais fechados.

Não é por outra razão, portanto, que abrimos o dossiê com o artigo Leituras da apropriação territorial europeia na sedimentação de identidades no Brasil, de Jorge Luiz Barcellos da Silva. Nele, o autor buscou identificar de que maneira as diferentes leituras das territorialidades se constituíram em ferramentas auxiliares na sedimentação de identidades no Brasil. Partindo da análise de pinturas de Ekhout e mapas com distintas representações da América portuguesa, Barcellos da Silva demonstra como essas representações do território e de seus habitantes instrumentalizaram a sistematização do processo da posse europeia em diferentes partes do mundo. No caso específico do Brasil, o autor argumenta que foram os fundamentos topológicos que enquadraram os discursos e práticas dando sentido às apropriações territoriais e ao estabelecimento de fronteiras, conferindo novos contornos ao entendimento do que seria o Brasil.

Logo em seguida apresentamos o texto de Gabriel Passetti, intitulado “La cuestión de limites”: intelectuais, diplomatas e a disputa pelas fronteiras entre Argentina e Chile (séculos XIX a XXI). A sensibilidade para temas latino-americanos é um firme compromisso da Projeto História, que não hesitou em nunhum momento em aceitar a proposta. No artigo, o autor coloca em foco as discussões acerca da linha internacional de fronteiras a partir de uma perspectiva comparada e conectada, dando protagonismo às conexões entre intelectuais, diplomatas, políticos e militares. O artigo apresenta o modo como a produção dos intelectuais sobre a questão dos limites entre Argentina e Chile foi levado à esfera pública, culminando na mobilização e construção de rivalidades e tensões internacionais que quase acabou levando os países à guerra em três ocasiões.

O terceiro artigo do dossiê, intitulado Visões sobre o humano: a fronteira-sertão do Brasil meridional (1889-1905), é assinado por Bruno Pereira de Lima Aranha. Neste trabalho, de notável qualidade, o autor se propõe a analisar os relatos das expedições brasileiras destinadas à fronteira com a Argentina entre 1889 e 1905, na atual província de Misiones (Argentina) e regiões sudoeste do Paraná e oeste de Santa Catarina, bem como o Rio Grande do Sul (Brasil). O objetivo é alargar a ideia de fronteira, tradicionalmente pensada a partir de um marco delimitador, inserindo-a em uma concepção baseada na experiência de fronteira móvel, caracterizada por uma borderland, idealizada por viajantes como um sertão a ser ocupado formalmente pelo Estado. O autor destaca as percepções acerca dss populações sertanejas desses espaços, caracterizada por diversas nuances, especialmente pela transnacionalidade do espaço, cuja demarcação, de fato, sequer havia ocorrido.

Na sequência apresentamos o artigo Reflexões sobre uma zona de fronteira no século XVII: a província do Guairá e Sertão dos Carijós, de Dora Shellard Corrêa. Neste trabalho a autora discute as relações de poder e o conhecimento que os europeus detinham sobre fronteiras dos impérios ibéricos localizadas na porção Sul do continente americano. Trata-se de um espaço indígena, localizado no atual estado do Paraná, mas que, na segunda metade do século XVI e primeiras décadas do XVII, configurava parte da província espanhola do Guairá, também conhecida como Sertão dos Carijós pelos portugueses. Seu objetivo é discutir esse movimento das fronteiras europeias na América durante o mercantilismo, destacando que a realidade do conceito de fronteira é muito mais complexa do que a que vem sendo descrita, sobretudo se levarmos em conta uma dinâmica espacial indígena à qual os portugueses e demais europeus que ocuparam a região tiveram que se adaptar.

O quinto artigo deste dossiê intitula-se A ferrovia e a ocupação do sertão paulista: a Companhia Paulista e sua linha tronco oeste, pesquisa de Cristina de Campos e Luciana Massami Inoue. As autoras analisam o papel das ferrovias na estruturação do território paulista durante o século XIX, destacando dois momentos: o primeiro, que seguia o ritmo do avanço do café pelo interior; e o segundo, quando as companhias ferroviárias passaram a antecipar as plantações. É neste segundo momento que o foco das autoras irá se concentrar, em especial no que diz respeito à linha tronco oeste da Companhia Paulista, que teriam constituído uma espécie de modelo de ocupação de sertão, de acordo com o que foi observado nas áreas por onde se constituíram as principais companhias ferroviárias paulistas.

O artigo intitulado A escola “Pluvífera” e as secas no Nordeste do Brasil: o caso do “Gargalheiras” (1877-1959), assinado por Yuri Simonini, Ângela Lúcia Ferreira e Adriano Wagner da Silva, trata da duradoura ressonância que as discussões e críticas feitas pelo Instituto Politécnico sobre as secas de 1877 no Nordeste tiveram no debate sobre a influência climática a partir da construção de grandes reservatórios. Recorrendo aos métodos e a contribuição historiográfica da História Ambiental, os autores utilizaram os relatórios governamentais a fim de detalhar as teorias surgidas no Oitocentos que acabaram por legitimar propostas e edificações de barragens levantadas no século seguinte como foi o caso de Gargalheiras, em Acari, no Rio Grande do Norte.

Em seguida publicamos O Nordeste brasileiro e o Noroeste argentino: o sertão cearense e o chaco seco santiagueño em meio às secas da década de 1930, assinado por Leda Agnes Simões de Melo. Nele a autora se dedica a uma análise comparada das coberturas jornalísticas da forte seca que atingiu o estado do Ceará, no Nordeste brasileiro, e a província de Santiago del Estero, no Noroeste argentino, durante a década de 1930. Os periódicos analisados pela autora foram o Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, e El Mundo, de Buenos Aires. Seu principal objetivo é investigar como as construções discursivas da cobertura jornalística de ambos periódicos estavam ligadas ao padrão de sociedade moderna desses territórios no decorrer dos séculos.

O oitavo artigo deste dossiê, escrito por de Juciene Batista Felix Andrade, intitula-se Os sertões em debate: fronteiras, secas e instituições. Nele a autora problematiza o tema das “secas” no Nordeste a partir de uma perspectiva historiográfica, propondo uma breve incursão nos reportórios de memória estabelecidos nos mais distintos suportes documentais. O destaque conferido pela autora à essa diversidade documental e narrativa acerca das “secas” serve para deslocar o olhar dos historiadores dos sertões de um repertório já muito empregado e consagrado, mais ligados à literatura e ao folclore, para outras temáticas, o trabalho, a economia, as técnicas, os corpos, etc. A pesquisa se vale de importante documentação, como os relatórios técnicos, plantas baixas, ofícios, telegramas, jornais, etc. A diversificação da problemática e das fontes contribuem para alargamentos e enriquecimento do que poderíamos chamar de história social dos sertões.

Em seguida apresentamos o artigo “Doutores” do Sertão: Discursos do III Congresso Médico do Brasil Central (1951), de Éder Mendes de Paula. Neste trabalho, o autor analisa os discursos proferidos durante o III Congresso do Brasil Central e V do Triângulo Mineiro, a fim de compreender as relações entre região e nação. Ao perceber a oposição de sentidos que os médicos atribuíam aos conceitos de saúde e doença nos estados do Brasil central em relação aos do litoral, o autor propõe uma reflexão acerca da construção das concepções de saúde e doença. A pesquisa também trata da própria identidade dos médicos, a partir de uma perspectiva sertaneja segundo as abordagens dos próprios participantes do evento em Goiânia no ano de 1951.

O artigo seguinte, escrito em formato ensaístico, intitula-se Memória, escrita de si e identidade nos sertões: ensaio sobre a busca por novas alteridades nas fronteiras, por Evandro Santos. Neste trabalho o autor parte da problematização acerca da dimensão social da produção do conhecimento científico para refletir acerca das possibilidades e limites da escrita da história desde os sertões. No que diz respeito à temática mais específica deste dossiê, o artigo investiga o impacto exclusivamente exterior sobre regiões fronteiriças, como os sertões, apresentando um estudo de caso do sertão do Rio Grande do Norte como resultado de uma pesquisa mais ampla sobre os sertões nordestinos.

O fechamento deste dossiê se dá com o artigo O Brasil sertanejo: a construção do espaço nacional em O sertanejo (1875) de José de Alencar, escrito por Artur Vitor de Araújo Santana e Natanael Duarte de Azevedo. Neste trabalho os autores partem da literatura de José de Alencar, em particular o romance O sertanejo. O objetivo é analisar a construção de um espaço nacional no qual o interior do Brasil é visto como uma paisagem autêntica e o vaqueiro é o principal personagem na formação social do país. Para tanto, Santana e Azevedo recorrem a uma análise mais internalista do romance, buscando caracterizar a geografia física sertaneja e relacioná-la aos debates e concepções da época sobre a nação. O estudo não deixa de abordar a recepção da obra de Alencar nos periódicos do Rio de Janeiro.

Na seção dedicada aos artigos livres, a Projeto História publica O Menino do Gouveia: a história real que inspirou o primeiro conto homoerótico brasileiro de 1914, de Valmir Costa. No artigo, o autor reconstitui o lançamento do primeiro conto homoerótico do Brasil, “O Menino do Gouveia”, lançado em 1914, pela revista erótica O Rio Nu (1898-1916). Pautada em distintos periódicos cariocas da época, a pesquisa revela que o conto é inspirado em fatos reais e que o nome Gouveia acabou por se transformar em gíria e mesmo lenda urbana no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX. O trabalho de reconstituição das condições de publicação e circulação do conto revela, dentre outros aspectos, os espaços e as opções sócios sexuais para a experiência da homossexualidade masculina na virada do século XIX para o XX.

Já o segundo artigo livre, chamado a A guinada pragmática da linguagem e “a invenção do cotidiano”, de Gerson Luís Trombetta e Fabrício Antônio Antunes Soares, nos apresenta as características gerais da “guinada pragmática da linguagem”, especialmente na filosofia de Ludwig Wittgenstein. Mais que isso, os autores também apontam como as teses centrais dessa “guinada da linguagem” influenciaram a obra de Michel de Certeau, acerca da narrativa historiográfica, postulando que a maneira como se dá o diálogo teórico entre Certeau e Wittgenstein abre perspectivas para a narrativa historiográfica que extrapolam as limitações empiristas.

A Projeto História, interessada em valorizar a produção de jovens pesquisadores, mantém há muitos anos a seção Notícias de Pesquisas, espaço que tem o objetivo de valorizar a produção de pesquisas em andamento. Este volume traz a pesquisa de mestrado de Bruna Carolina de Oliveira Rodrigues, intitulada O embaixador de Hollywood e o cinema brasileiro (1953 – 2000). Nela a autora reconstitui a trajetória de Harry Stone, um lobista dos interesses do cinema estadunidense no Brasil, durante o período em que este viveu no país.

Por fim, o volume 69 da revista se encerra com duas resenhas. A primeira, da pesquisadora Thays Fregolent de Almeida, mais ligada ao dossiê, Fronteiras, sertões e território, trata da obra coletiva Rondon: inventários do Brasil (1900-1930), organizada pelas professoras Lorelai Kury e Magali Romero Sá, em 2017. Já a segunda resenha, em linha com o projeto editorial da revista, comprometido com a pluralidade, abre espaço para a história da escravidão durante o período imperial no Brasil. Em Estado imperial, ordens religiosas, senhores e escravos em um contexto de crise, William de Souza Martins debate a tese de doutorado de Sandra Rita Molina, publicada em livro pela Paco Editorial em 2016.

É parte do esforço editorial da Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História da PUC / SP criar espaços para que pesquisadores de outras universidades, de diferentes regiões do Brasil, e mesmo outros países, possam contribuir com suas pesquisas.

Esperamos que os leitores apreciem criticamente os trabalhos selecionados, e que eles possam ter recepção fértil, gerar novas pesquisas e outras inquietações.

Alberto Luiz Schneider

José Rogério Beier


SCHNEIDER, Alberto Luiz; BEIER, José Rogério. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.69, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Sociedade, Cultura, Trabalho: Diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural (PARTE I) / Vozes Pretérito & Devir / 2020

No dia 12 de fevereiro de 2020, enquanto estávamos às vésperas da publicação deste Dossiê, intitulado Sociedade Cultura e Trabalho: diálogos sobre fronteiras no Mundo Rural, completou quinze anos do assassinato da Ir. Dorothy Stang, em Anapu, na Prelazia do Xingu, no Pará, em 12 fevereiro de 2005, morta com seis tiros em uma emboscada por contrariar interesses de grupos poderosos empenhados na devastação da floresta amazônica e expulsão das populações tradicionais. Dorothy, natural de Dayton, Estado de Ohio, Estados Unidos, no dia 07 de junho de 1931, teve sua trajetória pastoral e social associada aos direitos ambientais e às causas dos trabalhadores rurais nos confins da Amazônia. Trabalhadores rurais migrantes, especialmente do Nordeste, em condições de trabalho escravo, povos tradicionais e indígenas, enfrentam um contexto de exploração e poder do latifúndio na Amazônia. Dados do IBGE (2006) apontam o Brasil como um dos países que possuem estruturas fundiárias mais concentradas no mundo, a maioria sob o controle hegemônico do agronegócio nacional. Por sua vez, os conflitos no campo e luta pela terra avançam e se perpetuam pelos confins do Brasil com aumento do número de mortes, expulsões, torturas e ameaças, compilados e divulgados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. O assassinato da Ir. Dorothy endossa o cenário de violência e assassinatos de lideranças rurais.

A concentração fundiária que impende o acesso à terra por milhares de trabalhadores rurais como o avanço da grande fronteira livre, mantém famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais aprisionadas à condições históricas de exploração na terra e vulneráveis à migração para o trabalho forçado / escravo, prática contínua transmitida a gerações sucessivas. Nesse sentido, tomamos para o debates sobre o Mundo Rural a percepção de suas fronteiras fluídas, para além da sua compreensão política uma fronteira de muitas e diferentes coisas, como enumera José de Sousa Martins: “fronteira de civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, sobretudo, fronteiras do humano” (2014, p.11).

Diante desse quadro, e atentos que a problemática entorno da terra, trabalhadores e fronteiras deve ser pensada desde diferentes ângulos, sociológicos, antropológicos, culturais, econômicos e históricos, provocamos a realização de um Colóquio com posterior produção de Dossiê homônimo, no sentido de elaborar reflexões sobre a questão, repensar os modos de vida e trabalho no Mundo Rural como também estimular o desenvolvimento de ações voltadas para esse campo. Este dossiê é resultado do esforço dos pesquisadores das áreas de História, Ciências Sociais e Pedagogia, reunidos em torno das atividades do Núcleo de Documentação e Estudos em História, Sociedade e Trabalho – NEHST da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

Os artigos selecionados para o Dossiê e Seção de Artigos Livres, foram apresentados em comunicações orais do Colóquio no qual foram reunidos pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento provenientes de diferentes IES, da região Nordeste do país. Os autores / as entrecruzam diferentes formas de lidar com a pesquisa, desvelam fronteiras fluidas entre as disciplinas e apresentam possibilidades de análise das vidas de sujeitos históricos específicos: migrantes, trabalhadores, rurais e urbanos, escravizados e indígenas em contextos e temporalidades diversos.

No artigo intitulado Entre bons patrões e trabalhadores obedientes? Terra, trabalho e resistências em Miguel Alves / Piauí. (1950-1990), Marcelo Aleff de Oliveira Vieira e Eurípedes Antônio Funes, analisam as relações sociais estabelecidas entre trabalhadores rurais e proprietários de fazendas de Miguel Alves. Teresina, município situado na região Meio Norte piauiense, cenário de múltiplas disputas e tensões no campo.

Em A seca de 1888 / 1889 e seus efeitos na província do Piauí representada no periódico A Imprensa, Marcus Pierre de Carvalho Baptista, Francisco de Assis de Sousa Nascimento e Elisabeth Mary de Carvalho Baptista, a partir de pesquisa bibliográfica e documental hemerográfica, por meio do periódico A Imprensa, evidenciam elementos impostos no contexto da seca à população da província: morte do gado, das plantações, aumento de preço de alimentos e, notadamente, a migração de pessoas de províncias próximas, acarretando outros problemas.

Helane Karoline Tavares Gomes em Etnicidade e mobilização indígena: estratégias de reivindicação e demarcação das áreas indígenas no Estado do Piauí (2000-2018), analisa as estratégias utilizadas no processo de reivindicação ao acesso à terra pelos povos indígenas do Piauí entre 2000 a 2018. O estudo sobre as mobilizações sociais indígenas associadas à construção das etnicidades e reconhecimento da história desses sujeitos inaugura uma nova página da história indígena do Estado.

Em Migrações Ceará- Piauí (1940-1970): Elucidando algumas razões para migrar à luz de narrativas orais, Lia Monielli Feitosa Costa apresenta estudo acerca dos movimentos migratórios do Ceará para o Piauí, no período de 1940-1970, tendo como veículo de ideias e aportes teóricos o testemunho oral de trabalhadores campesinos. Segundo a autora, o deslocamento de trabalhadores cearenses pode ser entendido através do estudo da formação das tendências dos fluxos migratórios, cujas redes de sociabilidade foram delineadas com lastro na década de 1930, período no qual projetos pessoais e coletivos sofreram influência a partir de experiências de migração em direção ao Piauí, que persistiram ao longo das décadas seguintes.

No artigo, A seca de 1979 através do cotidiano dos trabalhadores de Bocaína, Picos- PI (1979-1996) as autoras, Cristiana Costa da Rocha e Milena de Araújo Leite analisam a partir da documentação relacionada ao projeto de construção da Barragem de Bocaína e das narrativas orais, situações que evidenciem as relações de trabalho estabelecidas no contexto dessa obra considerando os conflitos, salários, carga horária, condições de trabalho, e os equipamentos utilizados por esses trabalhadores.

Em A Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí (1858-1860): política, burocracia e mediação de conflitos, Cássio de Sousa Borges apresenta a atuação da Repartição Especial de Terras Públicas na Província do Piauí, entre os anos de 1858 e 1860. Mobilizada sua criação pelo Decreto Imperial nº 1318 de 30 de janeiro 1854, que regulamentou a execução da Lei de Terras de 1850, a criação desta repartição pública, com sede em Teresina, foi a primeira experiência de gestão fundiária das terras do Piauí após o fim do sistema colonial de sesmarias.

Em “Era liberto e hoje privativamente é captivo”: Ação de liberdade na cidade de Teresina em 1860, Talyta Marjorie Lira Sousa Nepomuceno estuda as demandas judiciais acerca dos processos de liberdade, demonstrando a relação conflitante entre os senhores e escravizados e a interferência do Estado no processo de negociação. A autora toma como fontes para o estudo os registros das cartas de alforria nos Livros de Notas e Ofícios do Cartório de 1º Ofício de Notas da cidade de Teresina; os relatórios de Presidente de Província; e uma ação de liberdade registrada na Secretária de Segurança Pública da Província do Piauí em 1860.

Em O Vínculo com a Terra e as Diferentes Categorias de Trabalhadores Rurais Livres no Piauí Oitocentista, Ivana Campelo Cabral, dialoga sobre sociedade rural no Piauí oitocentista marcada pela presença de sujeitos diferenciados em decorrência das funções que desempenhavam e a posição jurídico-social que ocupavam. Assim, a autora apresenta e caracteriza cada uma das categorias, expondo suas semelhanças, diferenciações e as atividades desenvolvidas por cada uma destas.

No artigo intitulado Pensamento ecológico de Gilberto Freyre na obra nordeste sob o olhar da história ambiental, Daniela Fontenele Rocha e Francisco Gleison da Costa Monteiro analisam como Gilberto Freyre na obra Nordeste, publicada em 1937 pela editora José Olympio discute temáticas semelhantes à História ambiental, e suas contribuições para estruturação desse campo de saber constituído na década de 1970. Para tanto, os autores levaram em consideração a análise do contexto de produção da obra e do conhecimento que proporcionou a escrita do autor. Tais proposições os induziram a buscar indícios para mapear a formação de Freyre e as articulações travadas, com autores e correntes, no âmbito de suas influências na produção textual e a ensaiar o pensar ecológico como ponto nodal de sua composição textual.

Alcebíades Costa Filho, Francisco Rairan dos Santos Vilanova e Salania Maria Barbosa Melo, no artigo intitulado O cultivo de alimentos em áreas do leste do Maranhão: Um olhar para o município de Matões, refletem sobre a cultura de gêneros alimentícios que se instalou nos municípios do leste maranhense no século XVIII, correlacionada com a pecuária, atividade econômica considerada pela historiografia como de fundamental importância na ocupação do território.

No artigo (Re)Configurações das Imagens do Sertão no Cinema Brasileiro, José Luís de Oliveira e Silva no sentido de pensar a construção imagética do sertão no cinema brasileiro, propõe uma reflexão mais ampla sobre a relação entre o fazer historiográfico e os usos de narrativas ficcionais, não para hierarquizar ou opor uma à outra, mas como forma de perceber os modos como a ficção extrapola os aspectos da temporalidade vivida, habilitando-se a materializar, de forma imaginativa, os possíveis não realizados da história.

Em O movimento dos trabalhadores sem teto e a luta pelo direito à cidade em Recife, Igor de Meneses Silva, Jennyfer Annemberg Burlamaqui das Neve e Jully Gardemberg Burlamaqui das Neves abordam luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Recife, tendo como objetivo analisar as dificuldades encontradas e as ações estratégicas que podem ser adotadas pelo movimento na luta pelo reconhecimento do direito à moradia digna na capital de Pernambuco.

Em Reforma Trabalhista, precarização do trabalho e imperativos do capital, André Conceição de Sousa e Patrícia Soares de Andrade analisam alguns pontos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467 / 17) no que diz respeito a flexibilização do trabalho. Segundo os autores a reforma trabalhista ampliou as possibilidades de flexibilização do trabalho, seja através da terceirização, trabalho em regime parcial ou mesmo intermitente, buscando atender a interesses de instituições internacionais e nacionais, respondendo também aos imperativos da acumulação de capital.

Yasminn Escórcio Meneses da Silva e Marcelo de Sousa Neto no artigo intitulado Sob o Signo das Águas e do Esquecimento: trabalho feminino e modernização dos espaços sob olhar das lavadeiras de roupas (Teresina, década de 1970) utilizam a História Oral para compreender a atividade das lavadeiras de roupas na cidade de Teresina na década de 1970, para tanto consideram o constante aumento de mulheres nas margens dos rios na execução da tarefa, como parte dos resultados da intensa migração que se tornou frequente nos anos que sucederam o chamado período do “milagre econômico” dos governos militares, ampliando o número de pessoas sem renda e sem perspectivas nas capitais brasileiras em busca de melhoria de vida.

Na Seção Especial do Dossiê, Maurício Fernandes faz uma abordagem filosófica no artigo intitulado Tecnologia e Ruralidade: Considerações a partir da Tese da Colonização de Jürgen Habermas. O autor discute a problemática do avanço tecnológico no campo tendo como recorte norteador a teoria comunicativa de Jürgen Habermas, e dentro desta, mais precisamente, a tese da colonização. Nesse sentido, analisa o conceito de colonização utilizado por Habermas, que fornece elementos enriquecedores para uma compreensão do atual quadro de desenvolvimento do campo, bem como, uma compreensão dos problemas que envolvem os usos da tecnologia no âmbito do campo.

A edição está dividida em duas partes, além do Dossiê na seção de Artigos Livres os autores analisam fenômenos históricos, sociais, políticos e culturais da história e cultura regional, a partir de múltiplos objetos; ainda assim, aponta perspectivas que se desenrolam no tempo presente e tal é a complexidade que as envolvem que nos contentamos em ser Ciência e não fazer exercícios de natureza profética.

Antonio Alexandre Isídio Cardoso – UFMA

Cristiana Costa da Rocha – UESPI

José da Cruz Bispo de Miranda – UESPI

Robson Carlos da Silva – UESPI

Salania Maria Barbosa Melo – UESPI / UEMA

Teresina, maio de 2020


CARDOSO, Antonio Alexandre Isídio; ROCHA, Cristiana Costa da; MIRANDA, José da Cruz Bispo de; SILVA, Robson Carlos da; MELO, Salania Maria Barbosa. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.11, n.1, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras Amazônicas / Revista Brasileira de História / 2019

A Amazônia e as fronteiras da História

Em audiência ocorrida no Senado brasileiro, no mês de junho de 1976, o paisagista e expoente do naturalismo Burle Marx denunciava que a Amazônia havia sido vítima do maior incêndio da história do planeta. Os satélites da Nasa tinham então registrado uma queimada florestal de 25 mil km2 no sudeste da região. A área atingida situava-se na intersecção de várias fazendas de gado. O fato foi amplamente comentado na imprensa internacional. Aquecia-se o debate em torno das estratégias desenvolvimentistas para se superar o chamado atraso regional (Acker, 2014, p. 22-23). No último quartel do século XX, a Amazônia tornou-se um capítulo importante da contestação da noção de progresso. Nela, o rápido avanço de novas frentes de exploração capitalista (protagonizado por grandes projetos agrominerais e por agências governamentais) era representado pelas classes dirigentes brasileiras como a aceleração do tempo histórico tendo em vista a antecipação do desenvolvimento. O otimismo em relação à alavancagem dos índices de bem-estar da população regional por meio de grandes projetos entrou em crise sobretudo nos anos 1980. Ao lado da denúncia dos negativos impactos sociais causados pela expansão das frentes de exploração, ganhava força a tese de que era necessária e urgente a criação de formas de produção econômica que não destruíssem a natureza e os modos de vida tradicionais.

Enfocar as fronteiras amazônicas nos permite colocar em discussão balizas de grandes narrativas históricas. De um lado, noções como progresso e atraso têm aí se desdobrado em formação de latifúndios, degradação ambiental e trabalho escravo ou degradante, num flagrante contraste entre promessa e realização. Por outro lado, a história nacional pretensamente monocultural encontra na sua diversidade sócio-histórica uma via de deslegitimação. Como já apontara Certeau (2008, p. 89), os fenômenos de fronteira nos possibilitam colocar em xeque modelos totalizantes, pois o contato com o diferente abala a pretensão de universalidade daquilo que, na verdade, é apenas uma parte. Dentro mesmo do espaço amazônico tem ocorrido, nas últimas décadas, a institucionalização de territórios (terras indígenas e quilombolas, reservas extrativistas, unidades de conservação ambiental…) visando à preservação da natureza e dos chamados povos tradicionais. Trata-se do desdobramento de uma longa história de lutas que foram conformando fronteiras intrarregionais ainda hoje contestadas, ameaçadas e corajosamente defendidas (Wanderley, 2018). Amazônias indígena, quilombola, ribeirinha e urbana, entre outras, compõem um mosaico que nega noções generalizantes como inferno verde, espaço vazio, região-problema… Noções que mais ocultam do que elucidam.

Ao possibilitar a problematização de abordagens totalizantes a história das fronteiras faz avançar as fronteiras da História. Trata-se de um campo temático fronteiriço, de caráter interdisciplinar, pois se constrói num permanente diálogo com a Antropologia, a Sociologia e a Geografia. Desde o final do século XIX avolumou-se a massa de publicações de militares, diplomatas e geógrafos que viam no estudo dos limites um importante instrumento de fixação da imagem do Brasil-República como nação. Raja Gabaglia, Everardo Backheuser e Jorge Latour, para ficar em poucos exemplos de destaque, mediante a apropriação de postulados de teóricos como Friedrich Ratzel e Camille Vallaux, criaram influente tradição intelectual centrada no imperativo da vivificação das zonas limítrofes do território nacional. A partir de um diálogo com a obra de Frederick Turner, Leo Waibel e Pierre Monbeig inauguraram, na década de 1940, duradoura e prolífica corrente interpretativa, cuja compreensão de fronteira conduzia à noção de frente pioneira (Sprandel, 2005, p. 153-203).

Os estudos publicados no Dossiê “Fronteiras amazônicas” da Revista Brasileira de História se inscrevem num movimento de renovação das formas de se entender e abordar as experiências fronteiriças. Nos últimos anos, pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais passaram a elucidar múltiplas práticas de fronteirização, visíveis ou não, em distintas escalas e com uma infinidade de propósitos (Grimson, 2003Boccara, 2007Oliveira, 2016Benedetti, 2018). Os novos estudos nos lembram que os espaços não são desde sempre recortados, delimitados, enfim, diferenciados. O processo de constituição de fronteiras deve ser compreendido à luz de contextos e sujeitos históricos específicos. Conquistas, conflitos, negociações, alianças e outros meios têm ensejado, na Amazônia, assim como em outras partes do Brasil e do mundo, sobreposições territoriais, ou fronteiras dentro da fronteira. Além disso, os sujeitos que aí vivem estabelecem relações e constituem redes que por vezes nos obrigam a relativizar a definição de fronteira como margem e a compreender constructos geográficos policêntricos, assim como polissêmicos.

Ganham destaque nas páginas deste Dossiê os discursos sobre a fronteira. Científicos, literários, diplomáticos, cartográficos e outros, ao longo do tempo, tais discursos depositaram camadas de significados que foram se sedimentando e gerando formas de imaginação espacial. Esses regimes de representação orientaram intervenções estatais no mundo da vida e ainda hoje são usados como justificativa de ações autoritárias, colonialistas e, portanto, não abertas ao diálogo com os sujeitos que vivem na e da fronteira, sobretudo com os dominados ou subalternizados. A relação entre saber e poder é destacada nos quatro primeiros artigos. Rômulo de Paula Andrade nos apresenta uma Amazônia rasgada pela política de rodovialização da década de 1960. A floresta abre então seus arcanos, revelando novo ecossistema viral e, deste modo, ensejando o avanço da fronteira do saber acerca das doenças tropicais. Francisco Bento da Silva e Gerson Rodrigues de Albuquerque abordam a retórica colonialista estruturante do relato de Paul Walle, publicado em 1910. Os autores apontam que esse viajante francês, atento à competição comercial entre os países colonizadores europeus pelos mercados da periferia global, produziu uma narrativa que, ao mesmo tempo, hierarquiza povos e exalta o potencial econômico do bioma amazônico. O artigo de Márcia Regina Capelari Naxara aborda escritos literários do início do século XX cujas páginas desvelam lugares sombrios: florestas tropicais que escondem seus segredos e riquezas do olhar cobiçoso e curioso do ádvena. No contexto de franco avanço imperialista das potências econômicas sobre o Sul global, as narrativas de Joseph Conrad e Alberto Rangel representam como trágico o fim das incursões “civilizatórias” nos vales do Congo e do Amazonas. O texto de Carlo Maurizio Romani analisa o litígio anglo-brasileiro pela posse da área fronteiriça do Pirara (situada entre o que hoje são o estado de Roraima e a Guiana). O autor argumenta que a superioridade dos investimentos científicos ingleses foi algo decisivo no arbitramento internacional, que culminou em decisão desfavorável ao Brasil.

Os três artigos seguintes analisam as convergências, incongruências e divergências entre agentes estatais (portugueses, espanhóis e franceses), povos indígenas, negros que fugiam da escravidão e missionários que atuaram na Amazônia, durante os dois primeiros séculos de sua colonização. Abordando o processo de demarcação de limites realizado a partir do Tratado de Santo Ildefonso (1777), Adilson Junior Ishihara Brito aponta para a importância econômica e geopolítica dos rios nas disputas das Coroas de Portugal e Espanha por territórios americanos. Numa atmosfera de desconfianças, as autoridades portuguesas usaram de estratégias variadas para não perder o controle de vias fluviais, tais como: mapeamento científico, descimentos de indígenas e improvisação de povoamentos. O artigo de Rafael Ale Rocha destaca que a constituição da fronteira não se dá apenas por meio de tratados (como o de Utrecht), pois ela decorre, amiúde, da desobediência, da rebeldia e da mobilização de sujeitos, como indígenas, negros e desertores. O autor também elucida como, no Cabo Norte da primeira metade do século XVIII, os aruãs usaram a situação de fronteira em proveito próprio. As fugas, o estabelecimento de alianças e o trato do comércio são sendas por onde podemos entrever o protagonismo de povos indígenas que então viviam na região da foz do rio Amazonas. Por fim, Roberta Lobão Carvalho enfoca o desencaixe e as divergências entre as expectativas da Coroa portuguesa e os interesses de grande parte da elite do Grão-Pará nas primeiras décadas do século XVIII. A pesquisadora igualmente põe em relevo os atritos entre membros do governo local e jesuítas, ocorridos por causa da espinhosa questão do controle do trabalho indígena.

O amplo e variado espectro de questões abordadas neste Dossiê evidencia a complexidade da história das fronteiras amazônicas e o trabalho competente de historiadores, de diferentes gerações, no sentido de compreendê-la. Resta desejar a todos uma mui proveitosa leitura.

Referências

ACKER, Antoine. “O maior incêndio do planeta”: como a Volkswagen e o regime militar brasileiro acidentalmente ajudaram a formar a Amazônia em uma arena política global. Revista Brasileira de História, São Paulo: Anpuh, v. 34, n. 68, p. 1333, 2014. [ Links ]

BOCCARA, Guillaume. Poder colonial e etnicidade no Chile: territorialização e reestruturação entre os Mapuche da época colonial. Tempo, Niterói: UFF, v. 12, n. 23, p. 56-72, 2007. [ Links ]

BENEDETTI, Alejandro. Claves para pensar las fronteras desde una perspectiva geográfica. Geousp – Espaço e Tempo, São Paulo: USP / Depto. de Geografia, v. 22, n. 2, p. 309-328, 2018. [ Links ]

CERTEAU, Michel. A escrita da História. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. [ Links ]

GRIMSON, Alejandro. La nación en sus limites: contrabandistas y exilados en la frontera Argentina-Brasil. Barcelona: Gedisa, 2003. [ Links ]

OLIVEIRA, João Pacheco de. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. [ Links ]

SPRANDEL, Marcia Anita. Breve genealogia sobre os estudos de fronteiras e limites no Brasil. In: OLIVEIRA, Roberto C. de; BAINES, Stephen G. (org.). Nacionalidade e etnicidade em fronteiras. Brasília: Ed. UnB, 2005. p. 153-203. [ Links ]

WANDERLEY, Luiz Jardim de M. Repensando a noção de fronteira no contexto da reestruturação espacial da Amazônia no século XXI. Terra Livre, São Paulo: AGB, ano 31, v. 1, n. 46, p. 13-48, 2018. [ Links ]

Sidney Lobato – Universidade Federal do Amapá (Unifap), Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH), Macapá, AP, Brasil. E-mail: lobato.sidney@yahoo.com.br http: / / orcid.org / 0000-0002-2357-3667


LOBATO, Sidney. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.39, n.82, set / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras da Universidade Contemporânea: interpelando políticas e práticas em contextos emergentes | Educar em Revista | 2019

O dossiê reúne artigos decorrentes de pesquisas que abordam políticas e práticas protagonizadas por universidades do Brasil e outros países para responder às demandas contemporâneas que estão a exigir mudanças epistemológicas, pedagógicas e culturais na vida acadêmica.

A proposta potencializa o diálogo de autores que desvelam realidades da academia e as novas fronteiras da universidade contemporânea, ainda pouco compreendidas em seus limites e possibilidades. Para tal, interpelam políticas e práticas que estão a ocorrer em contextos emergentes às novas realidades da educação superior nos diferentes países e na perspectiva da universidade latino-americana. Leia Mais

Sociedades em fronteiras: abordagens e perspectivas / Fronteiras – Revista de História / 2019

As pesquisas no que tange às fronteiras têm se ampliado de forma significativa na última década, basta uma rápida pesquisa no Catálogo de teses e dissertações da Capes para comprovar isso. O que, entretanto, é a representação de apenas um repositório possível de pesquisa e que reflete, de alguma forma, as pesquisas em curso nos Programas de Pós-Graduação no Brasil.

A ampliação dos estudos sobre fronteiras pode ser identificado como resultado de três fatores, entre outros possíveis, que tenham impactado nessa temática, quais sejam: a ampliação e interiorização dos Programas de Pós-Graduação no Brasil, o que tem estimulado estudos em / sobre regiões fronteiriças de forma muito mais acentuada; as mudanças que envolvem as Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação – TDIC, que tem possibilitado o acesso a documentos escritos, o contato entre pesquisadores da área e uma aproximação maior de pessoas e comunidades a serem investigadas; e, por fim, certamente um dos mais importantes, que é o contexto da constante ebulição das disputas no espaço fronteiriço, e que tem chamado a atenção e se mantido sob os holofotes da mídia internacional por inúmeros fatores que marcam o início do século XXI. Leia Mais

Nas fronteiras da História: diálogos e alianças interdisciplinares na pesquisa histórica / Aedos / 2009

Em sua quinta edição, a Revista Aedos tem o orgulho de apresentar o dossiê “Nas fronteiras da História: diálogos e alianças interdisciplinares na pesquisa histórica”. Trata-se de três artigos, que abordam as possibilidades oferecidas ao conhecimento histórico pelos contatos com diferentes áreas, em especial, da Literatura, Antropologia e Arqueologia. Renata Dal Sasso Freitas, em seu artigo “José de Alencar e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: apontamentos sobre a concepção do romance As minas de Prata (1862-1865) e a cultura histórica brasileira nos oitocentos”, apresenta uma abordagem que analisa a relação interdisciplinar entre a História e a Literatura, na segunda metade do século XIX. Com uma proposta no mesmo sentido, o artigo “História e Antropologia: possíveis diálogos”, de Marcos Felipe Vicente, aborda as aproximações da História com as Ciências Sociais, em especial com a Antropologia, através das considerações de alguns intelectuais destes dois campos, focando a análise em suas propostas para a aproximação entre as duas disciplinas. O terceiro artigo, de Carolina Kesser Barcellos Dias, intitulado “Colonização grega e contato cultural na Magna Grécia: o testemunho dos vasos lucânicos”, aborda os registros materiais cerâmicos de uma região colonizada pelos gregos, a Lucânia. Através deste estudo apresenta traços dos movimentos de resistência da população local aos padrões helênicos que estavam sendo introduzidos. Um interessante artigo sobre as formas de re-elaboração e interpretação dos padrões culturais na produção artística, marcando também as permanências da cultura dos artistas nativos.

A seção artigos diversos conta com três colaborações. O artigo “Bizâncio, Pérsia e Ásia Central, pólos de difusão do nestorianismo” analisa o surgimento e expansão da corrente nestoriana, além da sua recepção entre diversos povos do Oriente. É destacada também a importância das trocas comerciais como meio dessa difusão. Fabrício Gomes Alves, em seu artigo “Entre a Cultura Histórica e a Cultura Historiográfica: implicações, problemas e desafios para a historiografia”, tem como foco a noção de cultura histórica, analisando a emergência da categoria, suas características e sua aplicabilidade. Por fim, o artigo de Vicente Neves da Silva Ribeiro, “Populismo radical e processo bolivariano: o conceito de populismo de Ernesto Laclau e as análises da Venezuela contemporânea” retoma a discussão acerca do conceito de populismo, pensando a sua aplicação no caso da Venezuela contemporânea. Para a próxima edição são aguardados comentários críticos sobre o artigo de Vicente Ribeiro, com o objetivo de estimular o debate acadêmico, visando uma discussão franca sobre as contribuições trazidas por este artigo.

Na seção Mesa Redonda desta edição, apresentamos o debate travado em torno do texto de Keila Auxiliadora Carvalho, doutoranda da Universidade Federal Fluminense, “Tempo de Lembrar: as memórias dos portadores de lepra sobre o isolamento compulsório”. O artigo toma como objeto a construção da memória e identidade de ex-internos do leprosário “Colônia Santa Isabel”, localizado em Minas Gerais, sendo que sua metodologia insere-se no campo de estudos da História Oral. Participaram como comentadores a Prof. Dra. Beatriz Teixeira Weber, do Departamento de História da UFSM, a Prof. Dra. Nikelen Acosta Witter, do Departamento de História da UNIFRA, e Juliane Conceição Primon Serres, doutora em História pela Unisinos. Por fim, Keila apresenta sua resposta aos apontamentos produzidos pelos especialistas convidados.

Na seção resenhas, apresentamos as sínteses construídas por Rodrigo Bragio Bonaldo, Gabriel Requia Gabbardo e Fábio Bastos Rufino. Bonaldo apresenta um trabalho inédito em português de Hans Ulrich Gumbrecht, “Production of Presence: what meaning cannot convey”, no qual o pesquisador alemão explora a historicidade das formas de produção de sentido. Gabbardo apresenta a obra “The Fall of Rome and the end of civilization”, na qual Bryan Ward-Perkins traz novas contribuições para a discussão sobre a Antiguidade Tardia e o fim do Império Romano através de suas pesquisas arqueológicas. Rufino, resenhando o livro organizado por Maria Teresa Toríbio Lemos, “América Latina: identidades em construção – das sociedades tradicionais à globalização”, justifica a pertinência da obra, na medida em que excursa sobre os seus principais temas e ressalta a conjunção de seu carácter controvertido com um tratamento heterodoxo, aberto a novas contribuições.

Finalizando nossa edição, apresentamos a entrevista com o historiador alemão radicado nos EUA, professor da Stanford Universit, Hans Ulrich Gumbrecht. Em uma conversa agradável, iniciada com temas esportivos, Juliano Antoniolli e Vitor Batalhone conversaram com Gumbrecht sobre questões acerca das ideias de verdade e de referência, e sobre as possibilidades de se aprender com a história.

Por fim, nos alegra sobremaneira continuar o excelente trabalho iniciado pelos colegas da gestão anterior, que souberam, através de muito trabalho, comprometimento e diálogo, construir uma revista séria e comprometida. Através desta edição, damos continuidade ao trabalho iniciado, consolidando esta revista como um espaço de diálogo e de divulgação do conhecimento histórico.

Boa Leitura a todos!

Conselho Editorial

Gestão 2009-2010


Conselho Editorial. Editorial. Aedos, Porto Alegre, v.2, n.5, julho-dezembro, 2009. Acessar publicação original [DR]

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Migrações, fronteiras e espaços / Contraponto / 2019

O presente dossiê da revista Contraponto tem uma temática prenhe de gerúndios. Ao longo desta edição será possível localizar a fluidez do tempo de migrantes, as porosidades e deslocamentos de fronteiras e mutantes delimitações espaciais, tudo isso em sintonia com aspectos históricos e seus agentes. A máxima, tudo que é sólido desmancha no ar, cunhada por Karl Marx no século XIX, e discutida por Marshall Berman nos estertores do XX, continua fazendo sentido nos caminhos da modernidade e de suas frenéticas metamorfoses.

O frisson de um tempo acelerado que desconserta gerações está na ordem do dia em nossa era tecnológica. Os feitos burgueses do século XIX hoje parecem brincadeira de criança. As conexões entre sociedades vêm ganhando cada vez mais um caráter global, com suas distancias / fronteiras abolidas diante do tempo real das comunicações, da internet, dos meios de transporte cada vez mais velozes. O tempo histórico vem se tornando dramaticamente global e conectado. As conquistas desse início de século soam como tramas futuristas, que Felippo Tommaso Marinetti talvez tenha sonhado em seu manifesto de 1909, prenhe de uma sociedade em progresso permanente, sem distancias e / ou diferenças. Mas, ao que tudo indica, os futuristas estavam equivocados. Na contramão da esperança “moderna” do capitalismo, facilmente encontrada em propagandas de bancos e redes de tv, o mundo vive tempos cada vez menos igualitários, onde preconceitos e diferenças se exacerbam. As grandes redes sociais e aparatos tecnológicos tem fornecido eco para ideias autoritárias e violentas.

Em sintonia com o atribulado tempo presente, esta edição da Revista Contraponto trará estudos que discutem problemáticas migratórias, fronteiriças e espaciais, privilegiando seus jogos de escala, na perspectiva metodológica clássica de Jacques Revel. O dossiê será aberto com o artigo “Mulheres e migração internacional: vivências de agricultoras familiares de Itapuranga-GO”, de Flávia Sousa Oliveira, que nos oferece um estudo sobre a conformação de fluxos migratório a partir de uma pequena cidade do interior de Goiás (cerca de 24 mil habitantes), para países como Estados Unidos, França, Portugal, Japão e Inglaterra. A temática das movimentações de trabalhadores contemporâneos e suas conexões internacionais também estará presente no artigo “Ser daqui e allá – Comunidade transnacional e Redes de migrantes paraguaios em São Paulo”, de Vanessa Kely Domingues, que apresenta uma discussão sobre as possibilidade de recomposição de laços comunitários e culturais na sociedade de destino dos migrantes na grande metrópole. Seguindo linha semelhante, figurará o artigo “Para além das fronteiras físicas: apontamentos acerca da imigração haitiana para o Oeste do Paraná”, de Joselene Ieda dos Santos Lopes de Carvalho, que trará como temática a dramática saga de migrantes haitianos pelo Brasil, especialmente daqueles que se dirigiram para o oeste do Paraná, investigados através de técnicas de História Oral, cujas referências fornecem pistas sobre seus caminhos, agencias e escolhas.

Dando continuidade ao dossiê, será apresentado o artigo “Fuga do Inferno Vermelho: imigração de ‘Russos da China’ para o Rio de Janeiro (1949-1960)”, de Gabriel Dias Cavalcante Mauro, que trata da interessante trajetória de migrantes russos oriundos da China, que se deslocaram até a cidade do Rio de Janeiro. O estudo também faz uso de técnicas de História Oral, dando voz à três imigrantes que contam detalhes de suas trajetórias e “estranhamentos” culturais. O artigo seguinte tratará também da densidade de deslocamentos internacionais, presentes no estudo intitulado “Um imigrante chamado Koutakusei”, de Franco Lindemberg Paiva dos Santos, que apresenta referências de uma trajetória migratória relacionada ao panorama geral da vinda de trabalhadores japoneses ao Brasil, descrevendo uma agencia individual (de Koutakusei) sem perder de vista a dimensão macro do processo em tela. Ainda tratando da temática da migração japonesa, segue o artigo “Os meandros da imigração japonesa para a América Latina: das políticas abolicionistas ao “ideal de branqueamento” na gênese dos discursos identitários nacionais no final do séc. XIX”, de Diego Avelino de Moraes Carvalho, que amplia o debate, relacionando-o com demandas das políticas de Estado no Brasil, analisando referencias da formação da identidade nacional e seus interesses no final dos oitocentos, extensível ao período pós-abolição.

Em sequência será exposto o artigo “‘Quando eu vim do sertão…’: Luiz Gonzaga e o baião – o fazer-se de dois migrantes”, texto de Ruberval José da Silva, onde mostra a trajetória migrante do cantor e compositor Luiz Gonzaga, trajetória essa justificada pelo autor como sendo de importante contribuição na formação da carreira do cantor nordestino. Felipe Soares, no texto “‘Histórias de beira de estrada’ – memória e história da ditadura na Amazônia da década de 1970”, aprensenta o processo de colonização da Amazônia no período dos governos militares como uma estratégia de controle dos conflitos ocorridos na região. “Migração, exílio e fronteiras: a narrativa de Ruffato em Flores Artificiais”, texto, resultado da pesquisa e produção de Icaro Carvalho, apresenta a busca pela compreensão do movimento de migração como um fator de pertecimento, ou de exclusão, a partir da obra Flores Artificiais, de Ruffato. Patricia Roque Teixeira das Chagas Rosa, é autora do texto “Deslocamento e reconstrução identitária no romance Quarenta dias”, que discute descolocamento a reconstrução indentitária a partir da análise do romance Quarenta dias (2017) da escritora Maria Valéria Rezende. Selma Antonia Pszdzimirki Viechnieski apresenta o texto intitulado: “As fronteiras identitárias no primeiro centenário da colônia amola faca (Virmond)”, uma colônia de poloneses fundada em 1921, espaço que expõe características da cultura polonesa, como o catolicismo. O texto discute a cultura como móvel, em transformação, estudando a identidade étnica, e o multiculturalismo.

Teresina-PI, dezembro de 2019.

Dr. Antônio Alexandre Izídio Cardoso

Me. Márcio Douglas de Carvalho e Silva

Me. Bruno de Souza Silva

Organizadores


CARDOSO, Antônio Alexandre Izídio; SILVA, Márcio Douglas de Carvalho e; SILVA, Bruno de Souza. Apresentação. Contraponto, Teresina, v. 8, n. 2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras, trabalho e etnicidade / Canoa do Tempo / 2019

A revista Canoa do Tempo traz a público o dossiê Fronteiras, Trabalho e Etnicidade, com artigos que denotam a complexidade da discussão sobre a ideia de fronteira. Para além do entendimento sumário da categoria, usualmente articulada como linha divisória, há o indicativo do peso dos mundos do trabalho no estabelecimento de suas problemáticas. A Amazônia aparece como espacialidade privilegiada para a articulação de estudos desta natureza, ambientados entre o imaginário da opulência e as agruras de formas coercitivas da lida cotidiana. Ao longo do tempo, a floresta foi atravessada por diversos tipos de deslocamentos de fronteiras, cujos desdobramentos socioeconômicos e demográficos deixaram marcas indeléveis no tecido social de suas cidades, aldeias e rios.

Não por acaso, a floresta por tempos pensada no terreno do fantástico perdeu força discursiva sob a sombra do colonialismo interno, quase sempre jungido a interesses capitalistas internacionais. O ethos das mulheres guerreiras que (re)batizou o vale ao gosto do imaginário europeu, teve seus sentidos transformados com as sucessivas devassas e esquadrinhamentos do espaço em busca de riquezas. As fronteiras do paraíso terreal tiveram de ser redimensionadas, restando apenas o invólucro da mensagem edênica, que traduziu a Amazônia como terreno inabitado, disponível e à margem da História.

O artigo que abre a dossiê, assinado por Maria Clara Carneiro Sampaio, aponta referências sobre interesses estrangeiros na reciclagem das referidas imagens paradisíacas voltadas ao território amazônico nos oitocentos. A autora analisa os escritos do militar norteamericano Matthew Fontaine Maury, que redigiu um folheto largamente publicado em periódicos, pregando a viabilidade do deslocamento dos empreendimentos escravistas do Sul dos Estados Unidos em direção ao Brasil. Nesse contexto, a floresta era enxergada como fronteira para o avanço e sobrevivência da escravidão nas Américas, área que supostamente possuía clima e natureza “adequadas” para a população negra oriunda das grandes lavouras algodoeiras que marcavam as paisagens sulistas de Maury nos idos dos anos 1850. O projeto reabilitava a visão paradisíaca colonial, classificando a Amazônia como área prenhe de possibilidades, rica, mas mal aproveitada economicamente. O éden intocado ganhava novas camadas de sentido, visto como paraíso do trabalho compulsório e da escravidão.

O cerne da relação entre ideários edênicos, deslocamento de fronteiras e escravidão, continua no texto de Jéssyka Samya Ladislau Pereira Costa, que apresenta notas de pesquisa sobre a presença negra e indígena nos mundos do trabalho dos rios Purus e Madeira entre 1850 e 1889. O artigo aponta reflexões sobre a historicidade dos Altos Rios à época da sedimentação da Província do Amazonas, marcada por suas paisagens ameríndias, natureza opulenta e diversas zonas de contato. O cruzamento entre populações indígenas e negras é problematizado pela autora, que discute o alcance da sociedade escravocrata e as agencias das populações que enfrentavam interesses senhoriais na floresta. Os rios Purus e Madeira aparecem como recortes espaciais principais, destacados como importantes cursos fluviais na interiorização dos interesses econômicos da província, à época capitaneados pelo extrativismo da borracha.

O tema da escravidão também aparece no artigo de Paulo Roberto Staudt Moreira, que articula reflexões sobre os significados da liberdade e da escravidão na fronteira meridional do Império brasileiro no século XIX. Através de fontes judiciárias, o autor põe em causa a polissemia do conceito de fronteira, incluindo os limites e aproximações entre experiências da liberdade e do cativeiro. O recorte espacial do texto de Moreira enfatiza a Vila de Canguçu, localizada na província de São Pedro do Rio Grande do Sul nas proximidades de nações platinas circunvizinhas. O autor conduz os leitores em terreno atravessado por conflitos que marcaram a época Imperial no Sul do Brasil, área estratégica e de significativa importância econômica conectada aos fluxos da pecuária e agricultura.

Dando continuidade ao debate sobre as polissemias da categoria fronteira, apresentar-se-á o artigo de Fernando Roque Fernandes, que discute territorialidades coloniais do “delta amazônico” no século XVII. O autor problematiza a circulação de agentes coloniais na região da foz do Amazonas, evidenciando o papel desses personagens na conformação de fronteiras e disputas que caracterizaram territorialidades seiscentistas. Conectado ao contexto em tela, Fernandes dispõe aos leitores e leitoras um interessante panorama conceitual sobre as ideias de lugar, espaço e território, considerando suas complexas implicações étnicas e identitárias. O artigo destaca ainda a densidade geopolítica da época, ligada ao estabelecimento do Estado do Maranhão e as movimentações do aparato colonial para o controle do território amazônico.

A tônica dos deslocamentos associada com questões transfronteiriças aparece também no artigo assinado por Eduardo Gomes da Silva Filho e Júlia Maria Corrêa, que destacam outras facetas do debate, explorando a densidade de fluxos migratórios contemporâneos. Os autores colocam em causa a mobilidade humana e os mundos do trabalho entremeados entre as cidades de Bonfim, no estado de Roraima, e Lethem, na República Cooperativista da Guiana. Com base em dados e outras fontes obtidas em trabalho de campo, Silva Filho e Corrêa discorrem sobre questões relacionadas as atividades laborais, redes de comércio e serviços que vem conectando as duas cidades. A discussão sobre o panorama relacional entre Lethem e Bonfim pode servir de janela comparativa para outras realidades urbanas e transfronteiriças na Amazônia.

Após as reflexões sobre Brasil e Guiana, o dossiê encaminhará a debate para outras rugosidades da ideia de fronteira. Será apresentado um interessante artigo sobre um relato de viagem de autoria de George Kennan, que publicou em 1870 a obra Tent life in Siberia. Fechando a presente edição da Canoa do Tempo, convidamos à leitura do texto de Nykollas Gabryel Oroczko Nunes, que aborda a expedição telegráfica narrada por Kennan, ocorrida no nordeste da Rússia e carregada com os usuais recursos narrativos ligados à valorização de ideários da masculinidade, aventura e do enfrentamento da natureza selvagem. O artigo destaca as tensões discursivas da obra, estabelecidas entre desafios de alteridade, visualizados nos intercursos das ideias de civilização e barbárie numa área considerada distante e inóspita.

A diversidade de abordagens e aparatos teóricos aqui propostos demonstram a as possibilidades dos temas que abalizam o dossiê. Em tempos monocromáticos, refletir sobre a complexidade do conceito de fronteira vai na contramão de pensamentos que simplificam a realidade. Com isso, objetivamos fomentar ainda mais discussões que levem em conta o caráter movediço e múltiplo das experiências humanas no espaço e no tempo.

Boa leitura!

Antônio Alexandre Isidio Cardoso – Professor Doutor (UFMA).

Eurípedes Antônio Funes – Professor Doutor (UFC).

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A história das mulheres e suas fronteiras / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2018

As produções teóricas relativas à História das Mulheres e os estudos de gênero, encontra-se ligada ao movimento de renovação da própria história que, distanciando-se da história tradicional de cunho positivista que se impôs no século XIX, se voltava a preocupar por traçar um caminho interessado muito mais pelos coletivos que pelos individuais, pela evolução da sociedade que pelas instituições, pelos costumes que pelos acontecimentos, pelas coletividades excluídas do que pelos grandes personagens. As mulheres nunca estiveram ausentes da história, embora a historiografia oficial as tenha esquecido. No decorrer da história há uma relação entre gênero e poder que precisa ser estudada, revelada, reescrita, pois a história tradicional, moderna, colonial-patriarcal e universalizante criou o mito do sexo frágil, da impotência feminina e da sua dependência existencial do masculino.

A historiografia moderna, colonial e hetero-patriarcal transformou-se em relato que esqueceu as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, inenarrável, elas estivessem fora do tempo, fora do acontecimento. Mas elas não estão sozinhas neste silêncio-profundo. Elas estão acompanhadas de todos aqueles que foram marginalizados pela história como os negros, os índios, os velhos, os homossexuais, as crianças, etc. Portanto, escrever a história das mulheres é libertar a história. Libertar a história das amarras das metanarrativas modernas, colonial e falocêntricas presentes não apenas nos livros didáticos, mas nas práticas docentes de que ministra o currículo de história em sala de aula.

Se historicamente o feminino é entendido como subalterno e analisado fora da história, porque sua presença não é registrada, libertar a história é falar de homens e mulheres numa relação igualitária. Falar de mulheres não é somente relatar os fatos em que esteve presente, mas reconhecer o processo histórico de exclusão de sujeitos. Desconstruir a história da história feminina para reconstruí-la em bases mais reais e igualitárias, é um dos desafios permanentes hoje da história.

Pensar e refletir sobre a História das Mulheres e os estudos de gênero nos leva a inventar-se, descobrir-se, tornar-se. Deslizar-se por entre as possibilidades que este devir-mulher na história pode proporcionar, através de linhas flexíveis, invisíveis e maleáveis, buscar a desterritorialização; como um cigano que não possui moradia fixa, sua ânsia é conhecer lugares, pessoas, possibilidades, um nômade em constante movimento, que se desdenha não mais nas estradas ou trilhas, mas busca para si os lugares não trilhados na invenção de novos caminhos, de novas existências.

Tal existência está ligada a um processo de pura luta com as palavras, com as fontes, com os discursos, com os corpos, com o poder. É nessa luta à luz do dia com a palavra e com o não dito que tentamos construir a / as história / as das mulheres. Essa luta é uma empreitada difícil e perigosa, principalmente no Brasil atual, onde falar sobre a as questões de gênero tornou-se uma prática marginal, mal-dita, mal-vista. Ao escrever sobre a vida de mulheres brasileiras, não se escreve com palavras e, sim, com fluxos, devires, intensidades, silêncios e re-existencias.

Pensar a História das mulheres nos instiga a uma atitude crítica, de suspeita em relação aos instrumentos linguísticos e conceituais que utilizamos em nosso trabalho como historiadores(as). A ideia é que, dessa forma, sejamos visitantes do passado com um olhar mais sereno, menos violento, porém, mais críticos e menos proclives a reproduzir os sistemas ideológicos que sustentaram – e ainda continuam sustentando – as desigualdades de gênero, que violentam e dizimam milhares de mulheres no Brasil afora.

Esse dossiê que temos em mãos revela que história colonial, hetero-patriarcal e universalista necessita urgentemente de um trabalho arqueológico / genealógico para podermos entender seu poder normativo e enunciativo, para assim desconstruí-lo. A história das mulheres através de seus fluxos, devires e intensidades é marcada pela potência do ser e do fazer. Pensar o impensado é o maior desafio de quem quer fazer a história das mulheres. Como nos diz Gilles Deleuze, (2005) “viajar para a ilha deserta e, com seus signos malditos da escrita, roubar a paz dos idiotas que vivem na terra”.

Abraçar a história das mulheres e os estudos de gênero é mostrar os ecos de uma história silenciosa e em particular as formas em que elas são objeto de discriminação por sua própria condição humana como mulher. Ao falarmos sobre a História das Mulheres levamos nosso pensamento para fora das margens costumeiras da linguagem historiográfica, fora do espaço epistêmico da história patriarcal colonial, produzindo assim uma escrita lateral, intersticial, ex-cêntrica, que provoca o surgimento de texto, con-texto e sujeitos novos.

É nesse pensar nômade — um pensar associado ao movimento fugidio, que escorrega, desvia e desliza – que esse número da revista História em Reflexão nos convida, à vulnerabilidade de largar o corpo e o pensamento, de deixar o pensamento alargar-se, transpondo inúmeras fronteiras, para que se possa pensar e criar de modo diferente em relação à forma como se pensa a história.

Boa leitura.

Losandro Antonio Tedeschi – Doutor UFGD – BRASIL

Angeles Castãno Madronal – Doutora U. Sevilla – Espanha ORG.


TEDESCHI, Losandro Antonio; MADROÑAL, Ángeles Castaño. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 12, n. 23, jan. / jun., 2018. Acessar publicação original [DR]

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Região e Fronteiras / História – Debates e Tendências / 2018

A noção de fronteira apresenta um conteúdo polissêmico, pois seu significado varia de acordo com o campo em que este conteúdo é produzido e em consequência das mais diferentes linhas teórico-metodológicas adotadas pelos estudiosos. Para os historiadores, normalmente as fronteiras são entendidas no seu sentido tradicional de fronteiras políticas, bem como no sentido de locus do encontro de culturas diferentes.

No atual cenário socioeconômico decorrente da globalização, as fronteiras revelam um mundo poroso e complexo, marcado por relações que se alimentam de um conjunto de fatores para além do econômico-financeiro. Multiplicam-se fluxos de população; as regiões tornam-se mais móveis; e as fronteiras, mais deslizantes, mais multiculturais e interligadas, evidenciando as diferenças raciais, culturais, religiosas, econômicas e históricas. Leia Mais

Fronteiras, Culturas e Deslocamentos Populacionais / Aedos / 2018

“O objeto da história é, por natureza, o homem.

Digamos melhor: os homens. Mais que o singular,

favorável à abstração, o plural, que é o modo

gramatical da relatividade”.

Marc Bloch (2001, p. 54)

Marc Bloch, na epigrafe acima, discorre sobre o objeto da história pautado a partir da presença dos homens no tempo, ou seja, a pesquisa histórica eles são próprios sujeitos sociais. Decerto, “o tempo da história, ao contrário, é o próprio plasma em que se engastam os fenômenos e como lugar de sua inteligibilidade” (BLOCH, 2001, p. 55). Nesse sentido, os fenômenos são acionados através da própria realidade concreta.

No livro Apologia a História, Bloch enfatiza que “a história não é uma relojoaria ou uma marcenaria. É um esforço para conhecer melhor: por conseguinte, uma coisa em movimento” (BLOCH, 2001, p. 46). Nesse esforço de compreensão, hodiernamente, faz-se necessário estabelecer novos diálogos e / ou conexões a fim de ter em mãos novos modelos explicativos.

Seguindo essa linha de pensamento, Certeau (2011, p. 47) frisou que “toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural”. O lugar social, portanto, é para o pesquisador campo fértil e é ao mesmo tempo espaço de luta em torno do que será pesquisado. O autor advoga que para isso, “tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira […] na realidade, ela consiste em produzir tais documentos”.

Nesse caso, os estudos sobre os deslocamentos populacionais, na contemporaneidade, têm se mostrado um campo profícuo nas Ciências Humanas e Sociais. Estudos que trazem a tona novas abordagens e novas perspectivas teórico-metodológicas, tais como: fronteiras, migração (internacional e nacional), refugiados, inserção sociocultural dos migrantes no lugar de destino, relações e tensões societárias (familiares, gênero, xenofobia, empregabilidade, educação, saúde), bem como a atuação do Estado e entidades não governamentais frente a este complexo e multifacetado fenômeno presente no contexto das migrações.

Vale destacar que, os Estados-nações são criações globais, relativamente recentes (HOBSBAWN, 1990), os quais há discrepâncias entre os “nacionais” e os “estrangeiros”. Discrepâncias que são criadas culturalmente e sedimentadas nas leis, com seleção da entrada destes nas fronteiras. A migração de pessoas ultrapassando fronteiras nacionais desses Estados é fenômeno global e multifacetado. Por conseguinte, pensam-se as migrações internacionais, por exemplo, a partir do fluxo de pessoas no globo já que essa condição é regida e limitada por legislações locais dos países soberanos.

No século XVIII o filósofo iluminista Kant propôs, na obra “A Paz Perpétua” uma sociedade universal de paz, com respeito unívoco pelos direitos humanos em um mundo com hospitalidade universal e sem exércitos, pois estes fazem “implicar um uso dos homens como simples máquinas e instrumentos na mão de outrem (do Estado)” (2008, p. 6). Entretanto, não há um direito global de migrar. Entretanto, o artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que “todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar” (ONU, 2009), mas não há força vinculante dessa norma internacional nos países, sendo norma meramente programática (ACCIOLY, SILVA, CASELLA, 2012, p. 497; PORTELA, 2010, p. 647).

Posto isso, o dossiê Fronteiras, Culturas e Deslocamentos Populacionais, trazido nesse número, conta com seis artigos, os quais trazem como panorama a questão do deslocamento populacional como fio conduto sobre o fenômeno migratório (inter)nacional.

O primeiro artigo é “Identidades, transnacionalidade e violência: o caso dos brasileiros no Japão”. Nele o fenômeno da imigração brasileira para o Japão é apresentado como um tipo de expulsão que é característica do capitalismo neoliberal. Destaca-se que o ponto de partida do artigo é discussão de dois acontecimentos – o discurso do deputado federal Jair Bolsonaro proferido em abril de 2017, onde o político ataca minorias étnicas e apresenta brasileiros de origem japonesa como “uma minoria exemplar”; e o assassinato da enfermeira japonesa Rika Okada, ocorrido no Japão, março de 2014, no qual a nipo-brasileira Kate Yuri Oishi foi apontada como culpada após entregar-se para as autoridades. Nesse caso, o segundo acontecimento, apesar de extremo, não representa uma exceção no sentido de que os brasileiros de origem japonesa, por vezes vistos como “exemplares” no Brasil, encontram-se em geral bastante marginalizados no contexto social japonês.

Já o segundo, “A História em espiral: compreendendo a receptividade brasileira à imigração haitiana a partir de suas determinações”, discute o mito que descreve o Brasil como um país acolhedor e receptivo à imigração, para tal, toma-se como campo analítico a imigração haitiana, no qual a autora busca demonstrar que essa ideia de pais acolhedor omite questões como os preconceitos e a xenofobia que dificultam a inserção do migrante no lugar de destino.

O terceiro texto, “Migração Venezuelana ao Brasil: discurso político e xenofobia no contexto atual” apresenta o estado de Roraima como principal rota para de entrada dos migrantes venezuelanos. A partir dessa realidade as autoras analisam as narrativas que permeia a Ação Civil Originária 3121, na qual o governo de Roraima solicita que o Supremo Tribunal Federal (STF) determine que a União assuma efetivamente o controle policial e sanitário na entrada do Brasil, inclusive com o fechamento temporário da fronteira. Além disso, procuram demonstrar como o recurso a essa retórica discriminatória atende a interesses políticos e de grupos específicos, agravando ainda mais a vulnerabilidade dos migrantes e dificultando sobremaneira sua integração.

O texto “Do imigrante ao nacional regenerado: a busca pelo trabalhador perfeito” traz o contexto imigratório para a cidade de São Paulo, no último quartel do século XIX, sendo que a maior parte desses migrantes vieram da Europa. Essa realidade, na concepção do autor, alimentou a mentalidade da elite brasileira em relação ao um novo regime de trabalho já que os imigrantes iriam contribuir com a economia paulista. Consequentemente, os imigrantes carregavam consigo a tarefa de “regenerar” a população brasileira, sobretudo a de ascendência africana, vista como uma população degenerada e inferior. Desta feita, o autor problematiza a importância da ação da escola no início do século XX a fim de regenerar o indivíduo.

Em “Da partida à saudade: as representações de migrantes do Nordeste na obra de Luiz Gonzaga”, é discutido o fenômeno da migração de trabalhadores nordestinos, entre as décadas de 1950 a 1970, para as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro através da obra musical do compositor e intérprete Luiz Gonzaga. Nesse caso a música é utilizada pelo autor para discutir a diversidade dos tipos de migrantes representados na obra do “Rei do Baião”.

Já o último artigo a compor o dossiê “Arranchar-se do outro lado do Atlântico: açorianos na freguesia de Taquari (sul da América portuguesa, 1750-1800)” demonstra os aspectos da migração de casais açorianos para o que hoje definido como Rio Grande do Sul a partir da freguesia de Taquari. Para isso, a autora investiga as condições de acesso à terra, bem como sua ocupação deste a chegada até as últimas décadas do século XVIII.

Francisco Marcos Mendes Nogueira – Doutorando em História pela UFRGS. Mestre em Sociedade e Fronteiras pela UFRR. Historiador (B / L) pela UFRR.

Alan Robson Alexandrino Ramos – Doutorando em Ciências Ambientais pela UFRR. Mestre em Sociedade e Fronteiras pela UFRR. Especialista em Segurança Pública e Cidadania pela UFRR. Bacharel em Direito pela UFC e em Filosofia pela Universidade Sul de Santa Catarina. Delegado de Polícia Federal lotado em Roraima.


NOGUEIRA, Francisco Marcos Mendes; RAMOS, Alan Robson Alexandrino. Apresentação. Aedos, Porto Alegre, v. 10, n. 22, Ago, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras, integração e paradiplomacia | Monções – Revista de Relações Internacionais | 2017

As relações internacionais são permeáveis a mudanças. Consequentemente, a análise do comportamento dos atores internacionais não pode ficar resumida a uma única visão de mundo ou de um único modelo proposto.

Acompanhando as mudanças globais ocorridas nas últimas décadas, novos atores se beneficiam das ações cooperativas internacionais, dos novos ambientes decisórios e de políticas públicas nacionais que buscam a inserção e a indução nestes novos espaços. Desta maneira, as entidades subnacionais têm-se qualificado cada vez mais para participar das oportunidades ofertadas neste cenário, a descentralização das ações e a ampliação o rol de atores desta relação. Leia Mais

Fronteiras e Migrações / História e Diversidade / 2017

O Dossiê Fronteiras e Migrações reúne abordagens a partir de resultados de pesquisas que discutem essas temáticas, em especial, a relação entre concepções sobre fronteira e o fenômeno das migrações. A migração como fenômeno humano é um debate recorrente na História, sobretudo, se considerarmos os deslocamentos como estratégias de sobrevivência, de realizações e aspirações diversas e outras perspectivas de vida. Essas discussões se tornam emergentes quando dirigimos nossa atenção para situações pontuadas por crises financeiras, em maior ou menor grau, estado de guerra com várias conotações político-ideológicas ou étnicas, catástrofes e perseguições de diferentes naturezas e todas as formas de refúgios e exílios. Com a mesma densidade a temática “fronteiras” tem um formato caleidoscópico e, portanto, permite discussões abrangentes que, do ponto de vista epistemológico, abarca todos os campos do conhecimento em várias temporalidades.

As discussões e concepções sobre fronteira estão dispostas em um campo polissêmico de situações que abrange conceitos, vivências e experiências dos que habitam e dos que estudam os diversos espaços fronteiriços em várias dimensões. Tomando por base a escrita do historiador Arno Alvarez Kern (2016, p. 11) “o conceito de fronteira é utilizado a partir de uma escolha deliberada e racional, buscando respostas para os questionários científicos que estabelecemos sobre as situações limites, nos territórios onde sociedades e culturas diferentes se encontram e se confrontam”. Das vivências dos territórios (trans) fronteiriços ressaltam o caldo de culturas, as formas de sobrevivência, o pertencimento ao lugar e a constituição de múltiplas identidades.

Como acontecimento demarcador da existência humana e, em especial na atualidade, os fluxos migratórios são complexos e alguns deles se assemelham à calamidades demarcadas por dramas familiares, condições econômico-sociais adversas alocadas nos desdobramentos de uma economia global pontuada por uma distribuição desigual de rendimentos e de riquezas. Esse quadro produz cada vez mais restrições de acesso aos bens indispensáveis às vivências humanas como, por exemplo, a falta de oportunidades de trabalho ou mesmo o subemprego e a sub-vivência. Os conflitos armados, a depuração étnica, a violação de direitos universais, perseguições e a ineficiência de governos e / ou a falta de políticas públicas capazes de acolher as populações mais vulneráveis também são razões para que contingentes populacionais se desloquem de um lugar para outro e para outros mais.

Nessa perspectiva, o mencionado dossiê apresenta seis textos. Em “Imigrantes e migradores: a fronteira em movimento” a historiadora Márcia Solange Volkmer analisa a densidade populacional na fronteira Brasil / Argentina a partir de correntes migratórias oriundas das províncias da Confederação Argentina e da Europa, além dos imigrantes brasileiros. As formas em que se estabelecem as relações transfronteiriças no espaço platino também são tratadas pela autora. Com o texto “Deslocamentos de ontem e de hoje na fronteira Brasil-Guiana: quem são os novos personagens (e as causas) da história atual?”, a antropóloga Mariana Cunha Pereira discute os deslocamentos contínuos e temporários que instituem vivências na fronteira do Brasil com a Guiana, tendo como fundamento os processos de colonização dos espaços fronteiriços desde o século XIX. O trabalho explora os sentidos das relações interétnicas situando-os nos panoramas socioeconômico e cultural para dar visibilidade às complexas questões de nacionalidade de ambos os lados da fronteira.

Em seguida, com o texto “Movilidad pendular transfronteriza de trabajadoras paraguayas entre Ciudad del Este (Paraguay) y Foz do Iguaçu (Brasil)”, os autores Arnaldo González Aguilera e Pedro M. Staevie recorrem às fontes orais para abordar a costumeira travessia dos territórios fronteiriços entre Brasil e Paraguai – Ponte da Amizade –, privilegiando as atividades laborais femininas e as estratégias de sobrevivência familiar. No quarto texto intitulado “Deslocamentos humanos: brasileiros e bolivianos no painel da globalização e da imigração transfronteiriça” a historiadora Maria do Socorro S. Araújo traz uma discussão sobre os arranjos econômicos globais, ou seja, o processo de globalização e as contradições / desigualdades derivadas do mesmo, incluindo a divisão internacional do trabalho. Nesse contexto, a autora situa e aborda os deslocamentos humanos na fronteira oeste Brasil-Bolívia destacando o fluxo de bolivianos que buscam a sobrevivência em territórios brasileiros. Da mesma forma, o texto apresenta a imigração do tipo pendular que habitualmente acontece no mesmo espaço transfronteiriço, onde brasileiros e bolivianos constroem um cotidiano para além das nacionalidades.

O texto do professor e historiador Carlos Edinei de Oliveira destaca os processos de colonização recente em Mato Grosso, na segunda metade do século XX, nos municípios de Tangará da Serra, Campo Novo dos Parecis e Sapezal, territórios tradicionalmente ocupado por diferentes povos indígenas. Esses espaços são ocupados por populações oriundas de diferentes lugares do Brasil, provenientes dos fluxos migratórios que compuseram a nova fronteira agrícola do centro oeste. O autor rastreia o movimento de colonização que iniciou na Era Vargas, passando pela política desenvolvimentista do governo Kubitschek e se efetivando durante e pós-ditadura civilmilitar brasileira. Como fontes documentais, as abordagens se remetem às mensagens dos governadores de Mato Grosso, às propagandas imobiliárias publicadas em jornais e revistas e panfletos de prefeituras municipais.

Nessa perspectiva de discussões, por último, apresentamos o texto intitulado “Reflexões acerca da História de Sinop / MT: imigração e fronteira agrícola”, do professor e historiador Edison Antonio de Souza. Nesse trabalho, o autor faz uma leitura sobre a constituição da cidade enquanto espaço urbano decorrente da expansão da fronteira agrícola no Estado, durante a década de 1970, viabilizada como projeto originário de colonização. As abordagens versam sobre as condições políticas e econômicas com as quais as “cidades novas” se estabelecem no estado de Mato Grosso, destacando a relação direta com a economia do agronegócio.

Além do Dossiê, este número apresenta seis Textos Extras de autores de diferentes regiões e instituições brasileiras, contemplando estudos e debates acerca de questões como: revolução francesa, surdez e ensino de história, leprosários na Era Vargas, relatos orais de pracinhas e ensino de história, escravismo no sul do Brasil e pena de morte no Brasil Imperial.

O primeiro texto de autoria de Bruno Mesquita Falcetti com o título “A revolução francesa: panorama histórico e os efeitos que moldaram a sociedade contemporânea”, apresenta uma análise a respeito das consequências da Revolução Francesa para a sociedade contemporânea, tendo como referência de análise as seguintes questões: processo histórico de construção; aspectos sociais, relações de poder e estrutura dos Estados europeus na década de 1780; narrativa histórica; fatores que levam Napoleão Bonaparte a tornar-se o principal ator no pós-revolução e nas guerras e nova república, assim como os efeitos e influências da revolução francesa no ambiente internacional do século XIX.

O segundo texto, de autoria de Ernesto Padovani Netto, aborda uma questão crucial e pouco discutida na área da História. Com o título “À margem da historiografia e sem acesso às aulas de História: cultura e identidade surda na luta pelas conquistas de direitos”, o artigo apresenta um debate sobre a comunidade surda como um grupo de sujeitos históricos, vinculados por uma noção de identidade, mas não inclusos na historiografia e “excluídos” das aulas de história, em virtude da condição de surdos.

Já o terceiro artigo, de autoria de Ivan Ducatti e Terezinha Martins dos Santos Souza, apresenta um estudo acerca do tratamento dispensado aos leprosos no Brasil de Vargas. Com o título “A prisão em nome da saúde: o isolamento compulsório em leprosários no Brasil de Vargas”, os autores analisam o isolamento compulsório de portadores de hanseníase no Brasil a partir da década de 1930, destacando-a como um período marcado por fortes questões totalitárias, como o nazifascismo, influenciando o pensamento brasileiro e legitimando ações governamentais.

O quarto artigo“O relato vivo como evidência para a aprendizagem de história, a partir de experiências com Pracinhas”, de Jucilmara Luiza Loos Vieira, apresenta o resultado de um estudo desenvolvido com alunos do terceiro ano do ensino médio, sobre os pracinhas na segunda guerra mundial. Por meio de relatos orais de pracinhas, o estudo evidenciou a importância dos relatos para a formação da consciência histórica na relação entre passado, presente e futuro.

Por sua vez, o quinto artigo intitulado “O negro na sociedade escravista do Alegrete oitocentista: trajetórias e lutas pela liberdade”, de autoria de Márcio Jesus Ferreira Sônego, apresenta um estudo sobre as relações estabelecidas entre senhores e escravos em Alegrete no século XIX, com o objetivo de compreender as lutas empreendidas pelos escravizados em busca da liberdade. Por último, o sexto artigo de autoria de Oseas Batista Figueira Junior, com o título “Crime e castigo: pena de morte e a manutenção da ordem no Império Brasileiro (1830-1876)”, apresenta um estudo sobre como a elite imperial atuou para enfrentar e conter as agitações populares que ocorreram no Brasil do séc. XIX, examinando as formas de controle social criadas e a eficácia de tais instrumentos de controle.

Desejamos à todos bons momentos de leitura e aprendizado!

Cáceres / MT, dezembro de 2017

Maria do Socorro de Sousa Araújo (UNEMAT)

Osvaldo Mariotto Cerezer (Editor)


ARAÚJO, Maria do Socorro de Sousa; CEREZER, Osvaldo Mariotto. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.9, n.1, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras em perspectivas / História e Diversidade / 2016

O dossier Fronteiras em perspetivas é o resultado da reunião de vários pesquisadores que se dedicam ao estudo de sua(s) fronteira(s). São apresentados aqui diferentes possibilidades interpretativas acerca de como os diversos grupos sociais (indígenas, portugueses e espanhóis) estabelecidos ao longo das fronteiras norte, oeste e sul se encontraram e se confrontaram durante o período colonial. Neste sentido, reunimos aqui quatroze trabalhos que nos possibilitam compreender como este encontro / desencontro pode criar, resignificar e reelaborar as diversas espacialidades ao longo fronteira luso-espanhola.

Apesar de ser pouco comum nos dicionários de termos históricos, o conceito de fronteira, segundo o historiador e arqueólogo Arno Alvarez Kern em seu artigo Fronteira / fronteiras: conceito polissêmico, realidades complexas, tem sido primordial para pesquisas históricas sobre os grupos sociais situados nos limites extremos de territórios contíguos. Segundo o autor, a utilização deste conceito nos permite ilustrar as trocas culturais, as mútuas influências linguísticas e o lento amadurecimento de sínteses que terminam gerando novas identidades nestes espaços fronteiriços. Já a historiadora Sílvia Helena Zanirato em seu artigo Fronteiras: definições conceituais e possibilidades investigativas, além de apontar algumas possibilidades interpretativas para o conceito de fronteira, salienta ainda, a necessidade de se realizar pesquisas na perspectiva interdisciplinar e do tempo presente na fronteira Brasil Bolívia. Para a historiadora, tal ação tornaria a região de Cáceres e a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), lugares extremamente profícuos para os estudos acerca desse campo de conhecimento.

Ao investigar as dinâmicas étnicas utilizadas pelos indígenas Cristãos e Infiéis nos espaços de fronteira, Chiquitania e Pantanal: conflitos, reciprocidade e mobilidade social (século XVIII), a historiadora Ariane Aparecida Carvalho de Arruda, buscar compreender os fenômenos de interação e intercâmbios pacíficos e bélicos entre os distintos agentes sociais, a partir das ações e respostas dos indígenas diante das relações assimétricas com os europeus, ao longo do século XVIII. Essas vinculações entre os espaços, segundo a autora, proporcionaram a mobilidade entre os atores sociais, que utilizavam não somente o confronto e a resistência, mas a negociação e a reciprocidade para atuarem na expansão europeia.

Na pesquisa Uma fronteira letrada: As reações escritas dos guaranis ao tratado de limites (1752-1761), o historiador Eduardo S. Neumann salienta que, ao analisar os episódios do conflito deflagrado nas reduções orientais, em meados do século XVIII, – a partir do impacto das práticas da escrita na organização social das reduções – é possivel compreender o modo como os guaranis missioneiros pautaram suas ações e atitudes em uma fronteira letrada. Segundo o autor, a comunicação in scriptis mantinha as principais lideranças informadas a respeito dos acontecimentos recentes, e ao mesmo tempo, cumpria a função de veicular uma versão indígena diante dos rumores que circulavam na região implicada no Tratado de Madri.

Em “Diré también alguna cosa de las que no he visto, a fin de que se sepa las que han existido”: as populações indígenas em “Viajes por la America Meridional”, de Felix de Azara (1809), as historiadoras Eliane Cristina Deckmann Fleck e Elisa Fauth da Motta examinaram as descrições e avaliações que o engenheiro militar espanhol, Felix de Azara, fez sobre certas práticas indígenas, inserindo-as em seu contexto de produção – fortemente marcado pelo pensamento ilustrado e pela reorientação da política imperial espanhola –, e analisando-as à luz da produção historiográfica e antropológica sobre as populações indígenas da América platina

No artigo Um certo capitão-mor: Poder local e redes familiares na expansão da fronteira Sul da América portuguesa (1721-1735), o historiador Fábio Kühn percorre alguns aspectos da trajetória do polêmico capitão-mor de Laguna, Francisco de Brito Peixoto. Segundo autor, esta análise possíbilitou dimensionar a importância das redes familiares, fundamentais nas estratégias sucessórias empregadas por esse membro da elite paulista que migrou para o Sul, ajudando a expandir as fronteiras do Império português na América meridional durante a primeira metade do século XVIII.

Discutindo a ação política empreendida pela Companhia de Jesus, mas especificamente pelos jesuítas, para converter índios “selvagens” em “autênticos homens” e depois em cristãos, temos a pesquisa A Companhia de Jesus nas fronteiras da América Espanhola da historiadora Ione Aparecida Martins Castilho Pereira. Segundo a autora, só a redução faria com que estes indígenas deixassem a vida pagã e levassem uma “vida política e humana”, facilitando assim, a catequização e a defesa das missões das incursões, internas e externas, praticadas tanto por espanhóis encomendeiros como portugueses. Afinal, reduzir as diversas etnias indígenas a um novo espaço urbano significou para estes jesuítas intervir profundamente no modo de ser dos indígenas, criando assim, estruturas urbanas que pudessem manter o indígena consciente da presença divina na missão e, ao mesmo tempo, que contribuísse para o sustento e manutenção de toda a população indígena reduzida neste espaço.

Analisando o conceito de civilização que deveria ser aplicado aos índios da América portuguesa e às práticas sociais indígenas, temos a pesquisa da historiadora Loiva Canova intitulada Índios e Civilização na Capitania de Mato Grosso sob a perspectiva do Directório. Segundo a autora, o Directório além representar o resultado da política Iluminista destinada aos índios, cujas resoluções eram inicialmente dada aos índios do Grão-Pará e Maranhão, foi capaz de interferir na vida de muitos índigenas que viviam nas terras da capitania de Mato Grosso. Na pesquisa Tierra adentro: fronteira e contato interétnico na pampa de Buenos Aires (século XVIII), a historiadora Maria Cristina Bohn Martins busca compreender, a partir de um conjunto de missões erigidas na pampa argentina em meados do XVIII, o quanto a fronteira austral e suas populações foram um desafio e um “ponto limite” para as práticas coloniais em franca expansão neste século.

Já a pesquisa da antropóloga Mercedes Avellaneda sobre La esclavitud indígena em los siglos XVI, XVII y XVIII en relación a la región del Paraguay y de Chiquitos en el Oriente Boliviano, procura demonstrar como o processo de escravidão indígena nestas regiões se desenvolveu por mais de dois séculos. E para compreender o impacto que estas transformações causaram na configurtação espacial dos grupos indígenas, a autora realiza uma reflexão do avanço e retrocesso das frentes de conquista, tanto espanhola quanto portuguesa, afim de dimensionar sua verdadeira importância nos processos de formação da fronteira.

Otávio Ribeiro Chaves apresenta o artigo O Secretíssimo Plano de Comércio e de Segurança organizado pela Monarquia portuguesa em 1770. Afirma o autor, com base no estudo das secretíssimas instruções enviadas em 1772 para os governadores das capitanias do Grão-Pará, São José do Rio Negro e de Mato Grosso, que, foi possível perceber os interreses geopolíticos portugueses para as regiões que faziam fronteiras com os domínios espanhóis na América do Sul. Um dos principais pontos de sua narrativa direciona-se a organização e execução do contrabando com os antigos territórios missioneiros jesuíticos de Orinoco, Quito e Peru. Busca-se perceber esta prática principalmente num espaço compreendido pela capitania de Mato Grosso e as antigas missões jesuíticas de Mojos e Chiquitos no período de 1770-1777. Não deixando, porém, de estabelecer a leitura dos acontecimentos que ocorriam em outras capitanias fronteiriças com os domínios hispânicos. De um extremo do território da América portuguesa, na fronteira oeste, deslocamos a nossa leitura para a Colônia do Sacramento, situado no extremo sul da América do Sul.

Realizando um estudo crítico sobre a construção do espaço urbano e a conquista territorial de Capitania de Mato Grosso através da comparação entre as cidades de Vila Bela da Santíssima Trindade (1752) e Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá (1727), temos a pesquisa do historiador Romyr Conde Garcia intitulada Espaço do povo e espaço do rei na terra da conquista: Vila bela, Cuiabá e os seus distintos espaços. Encerrando este dossie, temos a pesquisa da historiadora e arqueóloga Tatiana de Lima Pedrosa Santos intitulada Entre rios: Fronteiras, populações e cultura material no norte. Em sua produção, a autora buscou construir um enfoque teórico para se pensar a fronteira amazônica numa perspectiva que leve em consideração seu passado, identificando assim, as contribuições e os limites do conceito de fronteira.

Além do dossiê, este número publica cinco artigos extras. O primeiro artigo intitulado Quilombos: uma estratégia de resistencia e enfrentamento dos escravos africanos diate da dominação européia, de Janaina de Fátima Zdebskyi, aborda o Quilombo como estratégia de resistência dos escravos e escravas no Brasil, relacionando a temática com a sala de aula e a situação das comunidades quilombolas na atualidade.

O segundo texto, de autoria de Luciana de Freitas Gonçalves, denominado Religiões de matrizes africanas nas Histórias em Quadrinhos: uma ferramenta pedagógica no ensino de História da África e cultura afro-brasileira, apresenta um debate acerca da utilização das histórias em quadrinhos no ensino de História, com foco na análise de produções com histórias que visam mostrar a África do ponto de vista dos africanos e afrodescendentes, analisando as diferentes representações, propondo-as como instrumentos de reflexão durante as aulas de História.

O terceirto artigo Homens de ferro, mulheres de pedra: fugas e formações de quilombos na fronteira entre as coroas portuguesa e espanhola (século XVIII-1809), Bruno Pinheiro Rodrigues realiza um estudo sobre as fugas perpetradas por cativos no oeste da América portuguesa e a formação de quilombos, entre o século XVIII ao ano de 1809, utilizando-se de documentação produzida na América portuguesa e espanhola sobre fugas, travessias de fronteiras, estratégias quilombolas e tentativa de levante urbano.

O quarto texto, O Artigo 26A e seus desdobramentos no currículo da Educação Básica de Mato Grosso, de autoria de João Bosco da Silva, apresenta um estudo sobre os impactos do Artigo 26A da Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional, fruto das lutas dos movimentos sociais negros pela reparação das formas equivocadas de demonstrar a participação negra na formação da cultura nacional, no dia a dia escolar no Estado de Mato Grosso.

O último artigo, de Maureci Moreira de Almeida e Paulo Alberto dos Santos Vieira, denominado Narrativas sobre o negro na telenovela brasileira: entre o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento, apresenta uma análise sobre concepções racistas relacionando-as com o debate acerca de como as telenovelas brasileiras fazem operar e difundir o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento.

Ao final desta obra, queremos agradecer a todos os autores pelas ótimas contribuições. Desejamos boas leituras!

Cáceres, julho de 2016.

Ione Aparecida Martins Castilho Pereira

Arno Alvarez Kern (PUCRS)

Otávio Ribeiro Chaves (UNEMAT)

Osvaldo Mariotto Cerezer (Editor


PEREIRA, Ione Aparecida Martins Castilho; KERN, Arno Alvarez; CHAVES, Otávio Ribeiro; CEREZER, Osvaldo Mariotto. Apresentação. História e Diversidade. Cáceres, v.8, n.1, 2016. Acessar publicação original [DR]

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“Identidades e fronteiras no Mediterrâneo antigo e medieval” / Tempos históricos / 2016

Compreender o universo mediterrânico como um ambiente de intensas e múltiplas trocas ao longo dos tempos torna-se um elemento fundamental para a construção de uma perspectiva histórica plural e dinâmica, especialmente quando analisamos o processo de formação e desenvolvimento das sociedades do Ocidente europeu. Diversos estudos no atual cenário acadêmico, nos mais variados temas, têm colocado em debate as diferentes formas de relação entre as culturas, ora de aproximação, ora de afastamento, sempre considerando nas análises os fluxos que acompanham os ritmos e circunstâncias particulares de cada contexto. No que diz respeito às áreas de História Antiga, Antiguidade Tardia e Medieval, o trabalho com dois conceitos têm especialmente contribuído para importantes discussões nesse ambiente: identidade e fronteira. Conceitos estreitamente relacionados, a identidade, construção individual ou coletiva de representação fundamentada em diversos elementos (a exemplo dos culturais, políticos, religiosos), envolve também a delimitação de fronteiras, restritas ou flexíveis, do ponto de vista territorial.

O dossiê que apresentamos aqui, “Identidades e Fronteiras no Mediterrâneo Antigo e Medieval”, vem no sentido de promover espaço para trabalhos com essa orientação de investigação, demonstrando a importância dos estudos acadêmicos brasileiros na discussão. Na abertura contamos com o artigo de Thiago Stadler, “Plínio, o Velho: leitor dos latinos”. Trabalhando com a questão da identidade erudita, buscando as principais características do conceito, Stadler analisa a obra ‘História Natural’, de Plínio, o Velho, autor romano do século I d.C. Seguindo as leituras de Varrão, Sêneca, Tito Lívio e Cícero, Plínio teria estabelecido, caracteriza Stadler, as mais diversas orientações e necessidades em relação ao homem erudito, dentre as quais destacamos: o domínio da gramática e de conhecimentos precisos e relevantes, o exercício da política, e a preocupação em relação aos seus atos.

Logo na sequência temos o artigo escrito por Alex Aparecido da Costa, “A integração imperial romana sob Trajano na concepção de Plínio, o Jovem”. Analisando o ‘Panegírico de Trajano’, composição de Plínio, o Jovem, importante personagem político do século I e inícios do II d.C., Costa sinaliza uma proposta de construção de um modelo ideal, virtuoso, de governante romano. Modelo que é projetado em Trajano, considerado o grande responsável pela grandeza e integração do Império Romano.

Em seu trabalho “De Eostre a Easter: ressignificação de um culto pagão na Inglaterra medieval?”, Nathany Andrea W. Belmaia analisa a possível ressignificação de um culto pagão, Eostre, pela Páscoa cristã, problematizando a afirmação de Beda, o Venerável, em ‘De Tempora Ratione’, do século VIII. Desenvolvendo um estudo de rastreamento etimológico e considerando as trocas culturais existentes, Belmaia sinaliza a iniciativa à época, desencadeada pelo Papa Gregório I, de incentivo à apropriação dos templos pagãos e de reelaboração das festividades religiosas locais. A identidade cristã surge, portanto, em construção.

Em seu trabalho “Ocidente e Oriente na Idade Média: o modelo sapiencial de justiça do rei Afonso X de Castela (séc. XIII)”, Elaine Cristina Senko analisa ‘Las Siete Partidas’, documento síntese do pensamento normativo e das estratégias políticas de Afonso X, monarca de Leão e Castela, no século XIII. Ao observar o constante resgate à memória do rei Salomão durante a obra, visto como exemplo de governante sábio e justo, idealizado em suas características, Senko considera a importância das tradições culturais e políticas do Oriente agindo e interferindo no Ocidente, dinamizando o contexto intelectual ibérico.

Na sequência, Renata Cristina de Sousa Nascimento apresenta o texto “A Cristianização do espaço: o protagonismo da Vera Cruz em Marmelar”. Considerando o relevante valor espiritual, mas especialmente observando os seus possíveis usos políticos, Nascimento analisa a importância da relíquia cristã “Cruz do Marmelar”, um fragmento do Santo Lenho, dentro das particularidades do contexto português do século XIV. A autora avalia a relação da relíquia com o movimento demográfico e de expansão das fronteiras na região, considerando principalmente o contexto da vitória cristã na Batalha do Salado, em 1340.

Fechando o dossiê, Fátima Regina Fernandes apresenta “Relações de poder na fronteira portuguesa no contexto das guerras luso-castelhanas (1367-83)”. Contempla neste estudo o tema das fronteiras e identidades no contexto das guerras luso-castelhanas, ocorridas na segunda metade do século XIV, observando com especial atenção o governo do rei Fernando I, de Portugal. Tendo por alicerce metodológico a prosopografia e utilizando-se das Chancelarias régias e das Crônicas régias de Fernão Lopes como fontes, Fernandes denota em sua pesquisa a complexidade das relações sociais e políticas envolvendo a ocupação e a defesa das terras fronteiriças, com destaque especial ao conceito de naturalidade no desenvolvimento da análise.

Aos autores que contribuíram para a composição do presente dossiê, aos membros do Núcleo de Estudos Mediterrânicos da Universidade Federal do Paraná, ao editor da Revista Tempos Históricos, Moisés Antiqueira, recebam o nosso profundo agradecimento.

Com votos de boa leitura!

Renan Frighetto – Professor associado da Universidade Federal do Paraná, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História da UFPR e professor colaborador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui graduação em História pela Universidade Gama Filho (1984), mestrado em História Antiga e Medieval pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990) e doutorado em História Antiga pela Universidad de Salamanca (1996). Bolsista em Produtividade e Pesquisa ID do CNPq.

André Luiz Leme – Professor Adjunto A – História Antiga e Medieval – no Colegiado de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Editor da Revista Diálogos Mediterrânicos. Possui Graduação (2008), Mestrado (2011) e Doutorado (2015) em História pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa Estudos em História Intelectual (CNPq / UNIOESTE). Membro docente do Núcleo de Estudos Mediterrânicos (CNPq / UFPR).


FRIGHETTO, Renan; LEME, André Luiz. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.20, n.2, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Territórios e Fronteiras do Ensino de História – II / Fronteiras – Revista de História / 2016

Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica. Paulo Freire Para Paulo Freire, em nome de uma a educação como forma de libertação. A Fronteiras – Revista de História tem o satisfação de apresentar a segunda parte do dossiê sobre Territórios e Fronteiras no Ensino de História. O presente dossiê é um chamado a reflexão sobre os territórios do ensino de História na contemporaneidade, agregando estudiosos de diferentes regiões do país e instituições de ensino.

A ideia do dossiê parte da articulação entre os conceitos de territórios e fronteiras e das diversas interfaces que a área de ensino de história tem desenvolvido como campo de pesquisa e análise, seja na história do ensino de história, na análise de livros didáticos, na reflexão sobre os currículos, na relação entre ensino de história, historiografia e teoria da história, no estudo da cultura escolar e sua incidência sobre o ensino de história, no aprofundamento do debate acerca da aprendizagem histórica. Leia Mais

História, Fronteiras e Identidades / Monções / 2016

A Revista Monções apresenta, neste número, o dossiê História, fronteiras e identidade. A proposta do conjunto de textos que trazemos aos/as leitores/as parte de uma perspectiva conceitual abrangente no que se refere as experiências de grupos e pessoas em espaços e/ou situações fronteiriças. Em outras palavras, compreende-se fronteira enquanto um termo polissêmico, embora tenha forte ligação com as noções de território, territorialidade e formação da nação, o conceito também abarcar uma enorme gama de possibilidades interpretativas, sobretudo quando se relacionada com culturas, identidades e sociabilidades. Assim, aborda-se a Fronteira como conceito e metáfora, compreendendo-a como algo sempre móvel e que propicia reflexões sobre diferentes percepções de mundo.

O artigo que abre o dossiê é Fronteiras (inter) disciplinares: o ensino de história no contexto das Universidades Novas, de Francismary Alves da Silva. Em sua análise, a autora traça um panorama acerca da constituição das ciências enquanto disciplinas. Ao tratar da especificamente da história, escreve que, no século XIX, “(…) a história se profissionalizou, adotou um método próprio, específico, afastou-se das especulações filosóficas, da estética literária, dos desígnios religiosos, tornou-se uma ciência.” Em outras palavras, os saberes, entre eles a história, constituíram paradigmas teórico-metodológicos próprios.

A análise avança no sentido de apontar, já no século XX, o movimento em prol da interdisciplinaridade, que, mais recentemente, chegou à Universidade brasileira, tanto no que concerne à produção acadêmica, enquanto como conceito; como também aplicado a constituição de licenciaturas e bacharelados interdisciplinares. Sob esta conjuntura, o texto aponta e problematiza questões inerentes à esta nova realidade, particularmente no diz respeito à formação em história. Desse modo, ao tomar a fronteira entre a formação disciplinar e interdisciplinar como objeto de análise, a autora coloca perguntas pertinentes, tais como: os profissionais formados em história (…) poderão atuar com a complexidade e domínio o pensamento histórico requer? O texto traz outros questionamentos igualmente importantes sobre o tema, que valem a pena para entender o cenário atual, vivenciado no interior de algumas Universidades.

Na sequência, o artigo Francisco Adolfo de Varnhagen (1816- 1878): a escrita na “’fronteira” entre história, memória e narrativa no brasil oitocentista, escrito por Marcela Irian Machado Marinho e Renilson Rosa Ribeiro apresenta outra das múltiplas formas que a conceituação de fronteira pode apresentar. O texto analisa a obra de Varnhagen buscando desvendar os compromissos da escrita do Visconde de Porto Seguro com o ideal de nação presente no Segundo Reinado. Caracterizado como “um historiador que se situa na fronteira entre a erudição com a história, a memória e a narrativa”, o artigo revela nuances da tessitura da escrita de Varnhagen, no contexto da criação e consolidação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, e permite ao leitor compreender alguns dos elementos constitutivos da identidade histórica do Brasil, forjada naquele espaço de sociabilidades e de fomento do saber, sob a pena daquele que foi considerado um de seus mais importantes escritores.

No artigo intitulado A diferença entre “nós” e os “outros”: fronteiras e territórios na história do município de Nova Porteirinha/MG, Regina Célia Lima Caleiro e Rhaenny Maísa Freitas abordam a forma como as noções de fronteira e território estão presentes na constituição do município de Nova Porteirinha, Minas Gerais. Além da fronteira física, o texto percorre questões relacionadas à fronteira cultural e identitária, discutindo como o “nós”, relativo à sociedade nova porteirinhense, se forja em distinção ao “outro”, correspondente ao município de Janaúba, que está próximo geograficamente, e Porteirinha, cidade a qual estava vinculada originalmente.

Ao adotar a História Oral como pressuposto metodológico para analisar as entrevistas concedidas pelos moradores do local, as autoras conseguem captar, de forma sensível, a construção identitária do local, formada no bojo do processo de (re)territorialização decorrente da construção da Barragem Bico da Pedra, no Rio Gorutuba e na implantação de um projeto de irrigação destinado a tornar Nova Porterinha espaço de produção de gênero alimentícios de alta qualidade.

Luciano Pereira da Silva e Rogério Othon Teixeira Alves apresentam uma instigante análise sobre a Estrada de Ferro Montes Claros: o projeto de modernidade que não se efetivou. No texto, os autores observam que, a despeito de das características políticas e sociais e de sua condição geográfica de cidade interiorana, Monte Claros não escapou ao desejo de modernização que marcou a sociedade brasileira na passagem do século XIX para o XX. A concretização de tal desejo, segundo eles, se traduziu no projeto de construção da Estada de Ferro Montes Claros que, quando concluída, poderia “tirar a cidade de certo isolamento e atraso”. Por meio da análise de obras memorialísticas e publicações em jornais da época, os autores percorrem todo o processo de planejamento da ferrovia, do início de sua construção e apontam possibilidades interpretativas para sua interrupção. A analisa denota noções, intenções e valores presentes não só em Montes Claros, mas na sociedade brasileira como um todo, no sentido de observar como a inserção no sistema capitalista, simbolizada pela construção de uma ferrovia, alimentava o imaginário em torno de uma certa ideia de desenvolvimento, progresso e civilização caras àquele período.

O artigo de Carlos Alexandre Barros Trubiliano e Kamoni São Paulo, intitulado Apontamentos sobre dinâmicas de fronteiras e a ocupação recente de Rondônia (1970 -1990), se debruça sobre a noção de fronteira geográfica e analisa o processo de ocupação recente de Rondônia. Tomando como referência a obra de Frederick Jackson Turner que estuda o avanço para Oeste nos Estados Unidos, bem como as noções de frente de expansão e frente pioneira, formuladas por José de Souza Martins, o estudo aponta questões relacionadas ao processo de expansão capitalista em direção ao Norte do Brasil, a partir de década de 1970, em particular para a realidade experienciada em Rondônia. O texto destaca o volume de migrantes atraídos para a região e as consequências da política fundiária desenvolvida pelos governos militares que gerou, entre outras, um número significativo de conflito agrários na região.

Rondônia é novamente tema de análise no texto de Eliane Teodoro Gomes e Gilmara Yoshihara Franco, denominado A conquista da última fronteira: a imprensa periódica e as narrativas sobre a ocupação de Rondônia (1960-1980). Nele, as autoras tomam a imprensa periódica, notadamente a revista Veja e o jornal Tribuna Popular, para analisar os sentidos da chegada dos migrantes no território rondoniense, bem como se apresentavam o ideário e os anseios de progresso e desenvolvimento que caracterizavam a Ditadura Civil- Militar e os sonhos daqueles que deixaram seus lugares de origem, em outras regiões do Brasil, e apostaram na conquista de um pedaço de terra no novo Oeste brasileiro.

Percorrendo outros caminhos que o conceito de fronteira permite estabelecer, o trabalho de Márcia Pereira da Silva, intitulado Os “males da mente”: o tratamento das doenças mentais entre o espiritismo e a psiquiatria na primeira metade do século XX no Brasil, mergulha universo dos discursos da medicina convencional e espírita acerca da loucura buscando compreender “as experiências na fronteira entre o que recomendava a psiquiatria e o que defendia os preceitos espíritas”, para o tratamento daquilo que denomina de “males da mente”. Ao analisar fontes e referências bibliográficas que abordam o tema, o texto permite ao leitor observar que, para além da fronteira estabelecida por tratamentos pautados em eletrochoques, lobotomia e isolamento, desenvolveu-se, por intermédio do Espiritismo, outras formas compreender, diagnosticar, enfrentar e tratar aquilo que a medicina ocidental chama de loucura.

Por fim, o artigo de Rita de Cássia Biason, Ética pública e o bom governo: uma tênue fronteira, toma obras clássicas de Platão, Aristóteles, Maquiavel e Hobbes para analisar suas respectivas concepções acerca da formação de bons governos e seu funcionamento a partir de uma ética própria ao Estado. A intenção da autora centra-se sobre o tema da ética na esfera pública. Por intermédio de seu estudo é possível observar como a ética, enquanto conceito, tem concepções distintas no tempo e no espaço e como alguns filósofos a interpretam, com vista a determinar aquilo que entendem como “bom governo” e atuação adequada dos homens que ocupam cargos públicos.

Esperamos que todos e todas apreciem a leitura.

Gilmara Yoshihara Franco

Márcia Pereira da Silva


FRANCO, Gilmara Yoshihara; SILVA, Márcia Pereira da. Apresentação. Monções. Coxim, v.3, n.5, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Territórios e Fronteiras do Ensino de História – I / Fronteiras – Revista de História / 2015

A Fronteiras – Revista de História tem o prazer de apresentar a primeira parte do dossiê sobre Territórios e Fronteiras do Ensino de História. O presente dossiê é um convite a reflexão sobre os territórios do ensino de História no mundo contemporâneo, agregando estudiosos de diferentes parte do país e instituições de ensino.

Currículos, formação de professores, livros didáticos, patrimônio cultural, direitos humanos, diversidade étnico-racial são temas que marcam as reflexões acerca dos lugares do ensino da história entre diferentes territorialidades e limites (sempre em expansão e híbridos).

Em razão da diversidade que constitui o campo e das demandas recebidas para a publicação, a partir da chamada pública lançada em meados de 2015, a temática será contemplada no próximo número da revista, o que evidencia a relevância do tema do Ensino de História para a formação e prática dos historiadores e professores. Leia Mais

Olhares sobre o Medievo: fronteiras e problemas / Faces da História / 2015

 

O Dossiê dedicado aos estudos vinculados a Idade Média parece-nos que veio em boa hora, no sentido de firmar posição deste recorte espaço-temporal tanto no que se refere à relevância sobre os debates da medievalidade no campo da historiografia, como por valorizar a importância de se “fazer” e “ensinar” História Medieval no Brasil.

As assertivas acima apresentavam menor importância no cenário do país no momento em que o dossiê foi proposto, há quase um ano atrás. É certo que a história é encantadoramente dinâmica e está incondicionalmente ligada ao tempo presente. Assim sendo, nosso dossiê coloca-se em circulação hoje, em plena discussão sobre as alterações relacionadas ao ensino de história propostas em um projeto ligado ao Ministério da Educação (MEC), no qual se cria uma Base Nacional Curricular em que a Antiguidade e o Medievo são convidadas a se afastar das nossas salas de aula.

Desta maneira, postulamos que este dossiê se configura, não apenas como uma simples coletânea de textos, mas também como um grito de alerta quanto à importância da reflexão histórica sobre esse período. O roteiro de leituras que os artigos aqui publicados fornecem ao leitor, mostra a dinâmica destes estudos no que se refere a sua relação com problemas da sociedade contemporânea e o quanto esse exercício de alteridade pode contribuir para nossa formação social, cultural e política, posicionandose, portanto, de lado oposto a esta possível ingerência Estatal.

Partindo desta premissa, acreditamos que o dossiê “Olhares sobre o Medievo: fronteiras e problemas” tem por escopo apresentar ao leitor um amplo painel da História Medieval. Deste modo, a variedade de temáticas apresentadas pelos diferentes autores, possibilitam aos estudantes, pesquisadores, professores e demais leitores interessados, uma reflexão crítica, não apenas do processo histórico em questão ou de suas infinitas possibilidades de abordagem, mas também sobre a relevância de se manter tal campo da História no currículo escolar.

O artigo que abre o dossiê “O rei e a lei”, de autoria de Olga Pisnitchenko, faz uma análise acerca das relações entre realeza e direito medieval na Baixa Idade Média Ibérica. A partir de algumas reflexões em torno das obras jurídicas de Alfonso X, a autora realiza uma análise sobre a representação real a partir de três obras legislativas de Alfonso X: Fuero Real, Especulo e Siete Partidas. Em tais fontes podemos ver que o rei, apesar de ser apresentado tanto como o juiz e o legislador supremo, ao ser idealizado como persona publica, deve atuar sempre colocando em primeiro plano o bem do reino, e não sua vontade pessoal.

O segundo texto, de autoria de Rodrigo Prates de Andrade, intitulado “Repensar as muitas Idades Médias: os Estudos Medievais e a Historiografia Nacional”, voltase para a “eterna” questão do porque se estudar Idade Média no Brasil. O objetivo deste texto é problematizar um discurso corrente nas esferas acadêmicas nacionais e internacionais que atribui a Idade Média uma fase embrionária ou intermediária do processo histórico.

O terceiro artigo, “Aqui jaz Arthur: literatura arturiana no medievo e seu reflorescimento na Idade Contemporânea”, de Caio Fernando Flores Coelho, propõe analisar obras literárias chaves que criaram múltiplas versões da lenda arturiana durante a Idade Média, bem como, a retomada deste mote na Idade Contemporânea induzida, no século XIX, pelo Romantismo.

O quarto trabalho, de Vinicius Cesar Dreger de Araujo, que tem como título “Limites saxonicarum – Fronteiras militares na Inglaterra Anglo-saxônica e na Saxônia continental, séculos IX e X”, disserta sobre o conceito de fronteira como categoria para análise da Idade Média. O autor procura debater, dentro de uma perspectiva comparativa, as fronteiras militares estabelecidas entre os Anglo-saxões e Escandinavos na Inglaterra e as constituídas pelos Saxônios e Bávaros, contrapunha-se a Eslavos e Magiares entre os séculos IX e X.

O quinto texto, “Definindo Alteridade: um estudo sobre as noções de Raça e Etnia nas Siete Partidas e na Primera Crónica General de España de Afonso X”, de Carolina Ferreira de Figueiredo, propõe problematizar as noções sobre raça e etnia no período medieval. Para tal, a autora elegeu duas fontes documentais produzidas no tempo do governo de Afonso X, uma de cunho jurídico, a Siete Partidas, e outra de estilo cronístico, a Primera Crónica Generalde España. A escolha desses documentos e deste monarca se justifica pela intensa (e nem sempre pacífica) convivência entre cristãos, mouros e judeus no período estudado.

Como sexta produção do dossiê, temos o artigo “Entre a arte e a ciência: as visões sobre a cartografia medieval”, de Thiago José Borges. Neste trabalho, o autor disserta sobre as percepções e proposições que, em díspares contextos historiográficos, permearam o entendimento, a descrição e a sistematização dos testemunhos legados pela produção cartográfica medieval.

Finalizando nosso dossiê, apresentamos a entrevista com um dos mais importantes medievalistas brasileiros, o professor Hilário Franco Junior, que enriquece o debate em torno da produção científica sobre a relação entre medievo e a contemporaneidade, ao abordar por meio de um diálogo profícuo, temas ligados ao ofício de historiador, assim como questões voltadas diretamente ao panorama político e cultural brasileiro.

Ligia Cristina Carvalho

Pâmela Torres Michelette

Raquel de Fátima Parmegiani

João Paulo Charrone


CARVALHO, Ligia Cristina; MICHELETTE, Pâmela Torres; PARMEGIANI, Raquel de Fátima; CHARRONE, João Paulo. Apresentação. Faces da História, Assis, v.2, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Territórios e Fronteiras do Ensino de História (I) / Fronteiras: Revista de História / 2015

A Fronteiras: Revista de História tem o prazer de apresentar a primeira parte do dossiê sobre Territórios e Fronteiras do Ensino de História. O presente dossiê é um convite a reflexão sobre os territórios do ensino de História no mundo contemporâneo, agregando estudiosos de diferentes parte do país e instituições de ensino.

Currículos, formação de professores, livros didáticos, patrimônio cultural, direitos humanos, diversidade étnico-racial são temas que marcam as reflexões acerca dos lugares do ensino da história entre diferentes territorialidades e limites (sempre em expansão e híbridos). Leia Mais

População em áreas de fronteira / Territórios & Fronteiras / 2015

Este dossiê temático intitulado “População em áreas de fronteira” procurou reunir, em um único produto, no caso uma edição da revista Territórios & Fronteiras, artigos de estudiosos de renome da área de estudos de população de diversas instituições.

Os artigos foram divididos em quatro seções: 1) Processos de formação e ocupação de fronteiras; 2) Migração populacional em áreas de fronteira; 3) Inserção social e cultural dos migrantes; e 4) Estratégias de sobrevivência na fronteira amazônica. A primeira parte deste produto contém artigos que tratam dos processos de formação e ocupação de áreas de fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, Rondônia e na Amazônia como um todo.

O primeiro artigo, de Jadson Porto e Yurgel Caldas, aborda a construção da fronteira franco-brasileira, entre a Guiana Francesa e o Amapá, através da atuação francesa e da atuação brasileira na formação da fronteira amapaense, e a inserção desta fronteira na rede global. Chama atenção também para o papel da fronteira como território estratégico e também como um grande negócio, fornecedor de commodities além de integrante de uma rede ambiental a atuante na integração com o Platô das Guianas.

No segundo artigo, de Alisson Barbieri, são estudadas estratégias de planejamento regional para a ocupação da Amazônia a partir da utilização de três perspectivas teóricas tradicionais em mobilidade populacional (funcionalista, estruturalista e transicional) e a dificuldade destas perspectivas em explicar este processo de ocupação. O texto traz a relação entre mobilidade populacional e planejamento regional para a ocupação e desenvolvimento da fronteira amazônica, assim como aponta a necessidade de uma redefinição conceitual de urbano e rural para o planejamento regional.

Já o terceiro artigo, de Marília e Geraldo Cotinguiba, faz uma ponte entre a primeira e a segunda parte deste dossiê, uma vez que traz um panorama histórico da formação do estado de Rondônia como uma região de fronteira, situando o incremento populacional no âmbito das migrações internas em diferentes momentos, o papel das hidrelétricas, e também analisando a dinâmica e as fases do processo migratório dos haitianos em Porto Velho após o ano de 2010.

A segunda parte deste dossiê traz artigos que tratam de processos migratórios em áreas de fronteira, relacionando atividades de garimpo e remessas financeiras na fronteira Brasil-Guiana, a evolução da população urbana e rural no Oeste do Paraná e a relação entre migração e gênero no caso das migrantes bolivianas em Corumbá.

O artigo de Hisakhana Corbin e Luis Aragón explana sobre os processos migratórios na Guiana, em especial na cidade-fronteira de Lethem com a cidade brasileira de Bonfim (RR), e a importância das redes sociais e familiares nesta mobilidade de população. O texto aborda o problema da fragilidade da economia guianense, baseada na produção mineral e em remessas de guianenses residentes no exterior. Uma vez que mais da metade da população da Guiana se encontra fora de seu país de nascimento, as remessas financeiras para suas famílias chegam a perto de 10% do PIB da Guiana e são consideradas estratégias de redução de pobreza. Neste contexto, é mencionada também a questão da fuga de cérebros (brain drain) do país, causando problemas como a escassez de profissionais mais qualificados, como professores, por exemplo.

O próximo artigo, de Ricardo Rippel, abordou a relação entre dinâmica demográfica e localização da população rural e urbana do Oeste do Paraná, a última área de fronteira a ser ocupada no Paraná, frente à migração e à qualificação dos responsáveis pela família. Envolve questões como a modernização da agricultura e sua relação com os movimentos migratórios, medidas de localização da população e sugere que a concentração populacional não sofreu modificações significativas no período adotado.

Já o terceiro artigo desta parte, de Roberta Peres, analisa a questão das mulheres na fronteira, por meio da migração de bolivianas para Corumbá (MS). Inicialmente faz uma discussão do papel da fronteira para a elaboração de um aporte teórico que sustente e explique este fluxo migratório, depois trata da migração feminina e as relações de gênero, apontando uma rede social essencialmente feminina naquele local, com o dinamismo econômico fortalecendo atividades mais femininas, e termina abordando as trajetórias migratórias e o ciclo de vida destas mulheres. Chama também a atenção para modificações das relações de poder e os papéis de gênero desempenhados pelas mulheres bolivianas em Corumbá através de salários maiores, autonomia e poder de decisão em suas famílias.

A inserção dos migrantes internacionais, seja esta social ou mesmo cultural, é retratada na terceira parte deste produto, por meio do exemplo dos haitianos na Amazônia ou das festas com danças de forró ou reggae frequentadas pela população que se move na fronteira entre o Brasil e a Guiana.

O artigo de Sidney Silva analisa os haitianos nas fronteiras amazônicas, em especial em Manaus, tentando captar as formas de inserção social e cultural destes migrantes no local de destino, e explicitando a falta de políticas públicas inclusivas para eles. Utiliza fontes de dados primários (surveys) ou pesquisas de campo para traçar um perfil dos haitianos, incluindo também meios de entrada no Brasil e relação com os brasileiros. Destaca que inicialmente os migrantes eram constituídos basicamente por homens, jovens, entrando via terrestre e agora é possível observar mudanças no perfil migratório, aumentando a proporção de crianças, mulheres e adultos com mais de 50 anos, ou seja, características de migração na forma de reunificação familiar, e chegando inclusive por via aérea.

O tema da inserção cultural é descrito mais a fundo no artigo de Antonio Meneses, Francilene Rodrigues e Ana Vale, que descreve duas festas: o forró em Bonfim (RR) e o reggae em Lethem (Guiana), chamando a atenção para pontos de encontro, de contato e de trocas culturais que ocorrem nestas festas. São abordados os processos de diferenciação e de identificação de participantes e estratégias de sociabilidade, inclusive através de símbolos que podem marcar identidades e diferenças sociais e de classe, como marcas de cerveja e tipos de prato para degustar. Estas festas possibilitam as trocas culturais, a criação de relações sociais e o fortalecimento dos laços de solidariedade que se refletem nesse espaço transfronteiriço. Exemplo disso é o que os autores chamam de “casamentos transnacionais”, formados muitas vezes nestas festas, em que os membros precisam falar outros idiomas, compartilhar culturas diferentes e viver em dois lugares ou mais.

Por fim, a última parte do dossiê contém artigos que abordam as estratégias de sobrevivência da população na fronteira amazônica, das perspectivas rurais e urbanas e do ciclo de vida, a partir de estudos de caso.

As estratégias de sobrevivência da população na fronteira amazônica são estudadas no artigo de Thais Lombardi, Gilvan Guedes e Alisson Barbieri para a área urbana, utilizando dados de Altamira (PA), e para a área rural, com dados de Machadinho d’Oeste (RO). Nestas regiões houve forte influência de projetos de colonização nas décadas de 1970 e 1980. Após uma discussão sobre o conceito de estratégias de sobrevivência, seus pressupostos e limitações, os autores utilizam modelos de classe latente para analisar as relações entre os indicadores destas estratégias, distribuídos nos capitais natural, físico, social, humano e financeiro, mostrando as características regionais destas áreas de fronteira, e a progressiva urbanização de estratégias de sobrevivência das áreas rurais, assemelhando-se às das áreas urbanas.

Por fim, o último artigo, de Gilvan Guedes, Alisson Barbieri, Reinaldo Santos e Mariângela Antigo, aborda mais a fundo a evolução das estratégias de sobrevivência em termos do desenvolvimento da fronteira agrícola de Machadinho d’Oeste (RO) analisando duas gerações de domicílios a partir da natureza longitudinal dos dados, observando os domicílios ao longo do tempo. Foram investigadas as dimensões de estratégias de sobrevivência, mobilidade e fatores de ciclo de vida. Além dos modelos de classe latente, utilizados no artigo anterior, também utilizaram a modelagem “grade of membership” que utiliza técnicas fuzzy de análise para estimar o grau de pertencimento individual a cada classe latente, e assim identificar um modelo com a menor quantidade de classes que descrevem os dados. Os resultados mostram cinco perfis de estratégias de sobrevivência para as duas gerações de domicílios.

Assim, este dossiê trata de temas extremamente atuais, alguns inclusive de difícil captação por meio das fontes mais utilizadas pelos estudiosos de população, como os censos demográficos, como no caso da recente migração de haitianos ao Brasil pós-2010 e festas culturais; e trata também de localidades de estudo com bem poucos estudos publicados, como a fronteira do Brasil com as Guianas (francesa e inglesa) e outras regiões de fronteiras amazônicas.

Os processos migratórios abordados envolvem migração interna, migração internacional, assim como mobilidade populacional, ou circulação de pessoas em localidades transfronteiriças, podendo ser de grande relevância para a correta formulação de políticas públicas específicas para estes grupos populacionais.

Boa leitura!

Alberto Augusto Eichman Jakob – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: alberto@nepo.unicamp.br

Dimitri Fazito – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: dfazito@gmail.com


JAKOB, Alberto Augusto Eichman; FAZITO, Dimitri. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.8, n.2, jul / dez, 2015. Acessar publicação original [DR]

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Amazônia: fronteiras, espaços e imaginários | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2014

A Revista Eletrônica da ANPHLAC, com o Dossiê intitulado Amazônia: fronteiras, espaços e imaginários, brinda seus leitores e demais pesquisadores em História da América com uma coletânea de textos sobre a vasta região amazônica, propondo uma discussão sobre temas específicos sobre esta rica, polêmica e cobiçada região.

Eis aqui uma oportunidade ímpar de os historiadores que fazem de seu ofício um pesquisar constante sobre as temáticas americanas, aprofundarem seus horizontes de pesquisa e, ao mesmo tempo, refletirem sobre as especificidades regionais da hiléia, tão vasta e desafiadora, não só dos aventureiros, mas, também, dos cientistas que nela se embrenham na tão almejada busca do conhecimento, sempre com o olhar voltado às possibilidades de entendimento dos fenômenos históricos que estão à espera de um olhar inquieto. Leia Mais

Sertão: espaço de fronteiras, convergências e mundo divergente / Outros Tempos / 2013

A Revista de História Outros Tempos, em seu número 15, volume 14 continua sua reformulação iniciada no número anterior. Canal de diálogo permanente de pesquisadores, esta edição trás artigos de quase todas as regiões do país, além de um do Canadá e outro do Caribe.

Com a diversidade que lhe é peculiar, a Outros Tempos publica artigo de Márcia Medeiros e Tânia Zimmermann que nos mostram a representação da figura feminina em uma análise do Conto do Homem do Mar, da obra Os Contos da Cantuária de Geoffrey Chaucer. Já Roberval Santiago e Mariléia dos Santos Cruz nos conduzem ao universo da Escola. O primeiro autor desvela as tramas da (con)vivência no pátio escolar, e Mariléia dos Santos investiga a expansão escolar em Imperatriz, o segundo município maranhense mais importante, enquanto Roberto Borges nos mostra a importância da manihot esculenta crantz ou, simplesmente, a farinha de mandioca, presente na dieta de milhões de brasileiros, e expõe a implicância de João Daniel contra o plantio da maniva e a intransigente defesa do cultivo de trigo na Amazônia.

A sequência dos artigos que compõem o dossiê deste número dedica-se ao estudo do sertão. Verbete intrinsecamente ligado à nossa história, ao cancioneiro popular, às artes cênicas, consolidado na literatura, este termo esteve presente no imaginário de viajantes e catequéticos. Sertão, sempre em oposição ao litoral, à ordem, à civilização, em outras palavras, ao que estar por ser ocupado e dominado pelos saberes. Conceito presente em documentos oficiais relativos à América portuguesa pelo menos desde 1534, a exemplo da Carta de doação da Capitania de Pernambuco.

Este Dossiê é aberto por Albertina Vicentini com artigo O sertão em Inocência de Taunay que, em 1872 apresentava o sertão como uma categoria do pensamento social brasileiro. Rafael Chambouleyron escreve sobre a polissemia dos termos sertão e sertanejo na Amazônia colonial. Marcos Clemente se utiliza da expressão euclidiana “Terra Ignota” para falar das representações elaboradas sobre o cangaço e o sertão na primeira metade do XX. Gustavo Alonso chega ao sertão por meio da sonoridade, analisando a distinção entre música caipira e música sertaneja. Elaine Pereira Rocha biografa a “sertaneja Leolinda Daltro”, como a denominou Dunschee Abranches (1959). Leolinda catequizou índios pelo sertão de Goiás e os hospedou quando estes iam ao Rio de Janeiro. Tal acolhida lhe causou desafetos como Lima Barreto que se inspirou na professora para criar a personagem Florinda. Fátima Oliveira e Marcelo de Melo viajam pelo sertão a partir do olhar de um viajante, Auguste de Saint Hilaire. Analisando um sertão não cartografado e do que há para além dessa ideia geográfica Robson William Potier mostra a construção do sertão segundo os cordéis de João Martins de Athaíde, poeta e editor. Encerrando o dossiê, Nielson Bezerra analisa um sertão próximo ao Rio de Janeiro, na passagem do Império para a República, a partir de um corpus documental da Casa de Detenção. Apresentamos ainda nossa entrevista com o professor doutor da Universidade do Vale do Rio Doce, Haruf Salmen Espíndola, autor da obra Sertão do Rio Doce, publicada pela edusc / univale. Daniel Rincon Caires resenha o livro O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro (c.1822- c.1853), escrito por João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus Joaquim Maciel de Carvalho, em 2010.

Por fim, a capa desta edição é uma homenagem a todos (as) que fazem o Curso e a Pós Graduação de História. Após treze anos recebemos a tão sonhada sede.

A todos boa leitura!

Alan Kardec Gomes Pachêco Filho.

Helidacy Maria Muniz Corrêa.


PACHÊCO FILHO, Alan Kardec G.; CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 10, n. 15, 2013. Acessar publicação original [DR]

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O Atlântico equatorial: sociabilidade e poder nas fronteiras da América portuguesa / Revista de História / 2013

Atlântico Equatorial: Sociabilidade – Poder nas fronteiras da América portuguesa / Revista de História / 2013, Atlântico Equatorial (d), Sociabilidade (d), Poder (d), América Portuguesa (d), Fronteiras (d)

A Amazônia portuguesa compreende uma área singular no conjunto das possessões ultramarinas lusitanas. Área de colonização tardia, cuja ocupação teve início cerca de um século após a conquista do litoral americano, ela conheceu relações sociais e políticas que demandam modelos explicativos próprios.

A sociedade colonial emergente nesta área da América portuguesa foi profundamente demarcada pelas relações mantidas com os povos indígenas ali estabelecidos. Povos diversos, que fique bem entendido, com demandas e agendas distintas, não raro discordantes. Da mesma forma, as relações econômicas emergidas naquela região guardam uma relativa singularidade, se comparadas às outras áreas do império. As atividades extrativistas cedo assumiram a condição de atividade estruturante em larga parcela do território. Elas não reinaram, no entanto, exclusivas. A criação de gado, a monocultura da cana, a agricultura de alimentos (especialmente da mandioca) e as atividades de beneficiamento (da mandioca, da pesca, do extrativismo) conviveram com a produção de canoas e de um sem número de artefatos necessários ao dia-a-dia da colônia.

Outra dimensão relevante deveu-se ao fato de que o governo que se estabeleceu na Amazônia portuguesa não apenas foi distinto, do ponto de vista administrativo, do governo do Estado do Brasil como dele permaneceu separado por cerca de duzentos anos, conformando assim dinâmicas de gestão diferenciadas que, de modo usual, não se subordinavam àquelas aplicadas ao Estado do Brasil.

Entender as particularidades da Amazônia portuguesa significa problematizar a plasticidade da política imperial e, mais importante, o quanto ela foi pautada pelo movimento inverso ao da conquista. A experiência amazônica permite a avaliação do quanto as questões apresentadas pelas colônias foram determinantes para o dimensionamento da política imperial. Só a análise circunstanciada dos diversos processos vividos na região pode fazer emergir a singularidade daquela parte do mundo colonial e a potencialidade que ela guarda para a formulação de novas perspectivas de análise sobre a política imperial e sobre os limites de modelos explicativos que a assumem como determinada pelas necessidades da metrópole e não como resultado de uma negociação política.

Desde 1621, a Amazônia portuguesa constituiu um imenso território, reunindo conformações que acabaram por se mostrar distintas e diversas. As capitanias do Maranhão e do Grão-Pará compreendiam áreas tão vastas que ultrapassavam os limites do que hoje conforma a região norte. Densamente povoadas por povos indígenas, tais capitanias foram objeto de uma política indigenista singular e longeva que defendeu a incorporação daqueles povos à sociedade colonial. Da mesma forma, sua condição de área periférica do império viu emergir relações singulares, tão mais à revelia do controle administrativo do império quanto mais distante dos polos de irradiação do poder na colônia: Belém e São Luís.

O dossiê O Atlântico equatorial: sociabilidade e poder nas fronteiras da América portuguesa problematiza as especificidades da colônia portuguesa naquela parte do império. A política indigenista implementada, a complexidade das políticas indígenas, a diversidade das trajetórias históricas de seus diferentes atores sociais, as relações havidas com os povos indígenas, as estruturas econômicas emergidas nos diferentes pontos da região, os conflitos políticos, entre outras instâncias da vida colonial, constituem as temáticas a serem debatidas. Por meio delas, o passado colonial amazônico pode ser percebido em sua singularidade e pode dimensionar a plasticidade da política imperial portuguesa, especialmente diante da diversidade e dos problemas apresentados por uma região cuja conformação geográfica e social demandava políticas próprias. E, ainda hoje, sua inteira compreensão se constitui em um dos grandes desafios deste país.

Antes de apresentar os artigos, consideramos ser necessário situá-los diante da produção historiográfica relativa a esta parte do Império português. Apesar de constantemente relacionada à natureza, o que constitui a Amazônia como espaço são (e foram) as pessoas que lhe atribuíram (e atribuem) significado. Apesar de óbvia, a assertiva é necessária a fim de dirimir eventuais surpresas diante do volume de referências acionadas pelos diversos autores. Desde o século XVII, intelectuais de origem e orientação variada se ocupam da compreensão da experiência colonial. A seguir, ensaiamos uma periodização.

Não se trata, evidentemente, de mera compulsão do ofício. O ensaio de periodização sugerido tem por objetivo situar os textos do dossiê, indicando o momento de sua produção, tendo a historiografia acerca da Amazônia portuguesa em perspectiva. Encaminhamos, então, um exercício de compreensão da historiografia voltada para a análise do Atlântico equatorial, suas singularidades e os nexos que os vinculam ao império. Acompanhe-nos.

A produção historiográfica relativa à Amazônia portuguesa pode ser situada em cinco momentos. O primeiro deles define o roteiro inicial das narrativas subsequentes. Nele, consubstanciou-se uma narrativa épica da conquista. Seus autores foram homens vinculados à estrutura administrativa do império, profundamente comprometidos com o processo de consolidação do domínio luso nessa parte do território americano conquistado da Espanha durante a União Ibérica. Bernardo Pereira de Berredo e Alexandre Rodrigues Ferreira foram os seus arquitetos.

O primeiro, governador do Estado do Maranhão, elaborou uma das primeiras narrativas sobre a conquista e a colonização da região. Seus Anais históricos do Estado do Maranhão abarcam tanto a chegada dos primeiros conquistadores quanto o estabelecimento das colônias e os conflitos envolvendo reinóis, americanos e indígenas.3 O segundo, naturalista, protagonista da mais importante expedição científica durante a colonização portuguesa, construiu narrativas complementares às formuladas por Berredo. Alexandre Rodrigues Ferreira preocupou-se em expor a origem das vilas e lugares, em descrever os fortes, em ressaltar as relações mantidas com os povos indígenas.4 Ambos produziram uma história factual e narrativa, voltada para o engrandecimento e o destaque da ação portuguesa, envolvidos que estavam com a luta pela garantia do domínio português sobre o território conquistado à Espanha.5

O segundo momento pode ser relacionado às obras de três autores: Antonio Raiol, Manoel Barata e Teodoro Braga. Elas conformam o que, para muitos, constitui a historiografia clássica paraense. Enquanto os autores dos séculos anteriores pensaram a colonização como uma experiência de conquista, cujas disputas remetiam à Europa, estes homens do século dezenove se voltavam para o passado colonial buscando as origens da sociedade paraense e amazônica.

Essa pretensão não significou uma ruptura com o passado português. Não houve, nesse sentido, qualquer tentativa de consagração de heróis locais em oposição aos eleitos pela historiografia anterior. Os portugueses permaneceram como os protagonistas dos episódios escolhidos como demarcadores da trajetória histórica da região. Francisco Caldeira Castelo Branco, Pedro Teixeira, Antonio Vieira, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, João Pereira Caldas, entre outros representantes da administração colonial, perduraram como os agentes históricos por excelência da história contada. Não obstante, uma inflexão pode ser percebida.

Menos do que o elogio à ação portuguesa foi a busca pelas raízes da sociedade paraense o que moveu esses intelectuais. Guardadas as especificidades e consideradas as pretensões de cada um, todos estavam envolvidos com o desvendamento das singularidades paraenses e das suas potencialidades. Os títulos de suas obras são muito sugestivos nesse sentido: História colonial do Pará, Ephemérides paraenses e História do Pará. 6 Essa, desde onde percebemos neste ponto de nossas reflexões, é a inflexão promovida por esse momento: a eleição da região como protagonista importante da narrativa construída.

O terceiro momento é protagonizado por Arthur Cezar Ferreira Reis. Seguidor de Gilberto Freyre, este intelectual amazonense arvorou-se da gigantesca tarefa de integrar a região nos quadros da historiografia nacional. Sua produção é demarcada por duas matrizes: em primeiro lugar, o estabelecimento de nexos entre a história nacional e a trajetória histórica amazônica; em segundo lugar, a valorização do Estado como o principal promotor das inflexões políticas, sociais e econômicas havidas na região.

A noção de plasticidade é uma constante na obra de Arthur Reis. Enquanto Gilberto Freyre a atribuía aos portugueses, o historiador da Amazônia a estendia aos demais agentes que participaram da formação da sociedade amazônica. A região que emerge da obra de Arthur Reis é diversa como o Brasil e compartilha das mesmas matrizes africanas, europeias e indígenas. Não é, porém, neste único sentido que sua obra se integra à historiografia tida como nacional. Ela buscou articular-se aos estudos que buscaram perceber o sentido da colonização.7

Arthur Cezar Ferreira Reis produziu por cerca de cinquenta anos, de modo que o quarto momento da historiografia colonial acerca da América portuguesa não lhe é subsequente, mas concomitante. É nele, todavia, que se percebe a maior inflexão na produção historiográfica de que tratamos. Até aqui, a experiência colonial portuguesa na região é percebida como uma narrativa sequencial, em relação à qual se atribui um único sentido, demarcado pelos primeiros cronistas, ao tempo da colônia. Significativo, nesse sentido, é o fato de os estudos referidos até aqui basearem-se, fundamentalmente, em um conjunto restrito de fontes de natureza oficial – marcadamente, cronistas e representantes da Coroa.

A produção subsequente introduz uma nova dimensão nas análises sobre a experiência colonial: o recurso a séries documentais, de natureza diversa, analisadas por meio de modelos conceituais que ensejavam a crítica às teses precedentes. Autores como Manuel Nunes Dias, Antonio Carreira, Ciro Flamarion Cardoso, Vicente Sales, Dauril Alden, Robin Leslie Andersen, David Sweet e John Hemming estabeleceram novas periodizações e inauguraram novos campos de pesquisa.8

Finalmente, o quinto momento. Estudos construídos desde a década de 1980 que, influenciados por essa última onda de trabalhos, aprofundaram a pesquisa documental e buscaram compreender outras nuances da vida colonial amazônica. Autores como Ângela Domingues, Antonio Porro, Auxiliomar Ugarte, Barbara Sommer, Décio Guzmán, Francisco Jorge dos Santos, José Alves de Souza Júnior, Maria Regina Celestino de Almeida e Nádia Farage9 ampliaram enormemente o escopo documental das análises. Documentos provenientes dos arquivos da região, assim como aqueles disponibilizados pela digitalização de arquivos portugueses permitiram o vislumbre de dimensões insuspeitas da vida amazônica.

Os artigos que compõem o dossiê participam desse último momento. A experiência colonial não é percebida mais como um bloco único e homogêneo. Isto decorre, em larga medida, da diversidade da documentação pesquisada e dos procedimentos de investigação adotados – correspondências, devassas e atestações, por exemplo, não são percebidos mais como expressões de um real a ser alcançado, mas como apropriações das experiências vividas.

Rafael Chambouleyron e Vanice Melo analisam a expansão agropecuária nas capitanias do Maranhão e do Piauí. A análise proposta relaciona a conquista de novas áreas coloniais a uma conjuntura complexa, na qual se articulam as relações intraelites e delas com a Coroa, as relações havidas com os povos indígenas e eventuais surtos epidêmicos. Márcia Mello analisa a formação da pequena nobreza na Amazônia portuguesa, apontando as redes nas quais os agentes sociais se inserem e adquirem sentido. Simei Torres perquire o degredo como uma estratégia política do Estado português, com vistas à manutenção dos domínios ultramarinos. Na Amazônia portuguesa, os degredados foram incorporados às iniciativas de ocupação, controle e exploração do território colonial. Almir Diniz de Carvalho Júnior considera a inserção dos povos indígenas na sociedade colonial por meio da categoria “índios cristãos”. Karl Arenz participa do dossiê apresentando a transcrição e tradução de um documento de autoria do padre luxemburguês João Felipe Bettendorff, superior da Missão do Maranhão. A carta situa as dificuldades da missão na Amazônia portuguesa e expõe as tensões que a Companhia de Jesus vivia em sua atuação no Império português. Seu artigo investiga as formas pelas quais os povos indígenas incorporados às unidades coloniais integraram-se às dinâmicas daquele novo universo sem deixar, no entanto, de impor limites às pretensões dos conquistadores. Mauro Cezar Coelho e Rafael Rogério Nascimento analisam o veredicto dos representantes da Coroa acerca da ação dos diretores das povoações do Diretório dos Índios. Conforme argumentam os autores, o que aqueles representantes percebem como desvios morais expressa, de outro modo, a emergência de poderes alheios aos interesses metropolitanos. Heather Roller perscruta a inserção de indígenas nas expedições de coleta das drogas do sertão. Seu artigo argumenta que o protagonismo indígena se manifestava na escolha por atividades garantidoras de certa autonomia, evidenciando a sua condição de agente histórico pleno, mesmo no interior da sociedade colonial. Juciene Ricarte Apolinário demonstra que as relações havidas entre a Coroa portuguesa e os povos indígenas não obedeceram aos princípios e projeções formulados. O interesse metropolitano em transformá-los em agentes defensores das fronteiras portuguesas não se concretizou sem negociações.

Ao analisarem as relações de poder e as sociabilidades recorrentes na fronteira equatorial da América portuguesa, os artigos aqui reunidos acusam algumas das singularidades da experiência colonial naquela porção equatorial do império. O primeiro aspecto a ser ressaltado é a distinção que aquela parte do território conquistado guarda em relação ao Estado do Brasil. A preponderância das atividades extrativas, a importância incontestável dos povos indígenas (tanto no que se refere à reprodução da matriz econômica, quanto no que tange à defesa do território) e a profunda maleabilidade da estrutura de poder (a qual, de um lado, demarcava vínculos com a Coroa e, de outro, balizava as relações internas, próprias da vida amazônica) vislumbram dinâmicas sociais singulares, próprias não apenas das regiões de fronteira, mas específicas da experiência equatorial amazônica.

Notas

  1. BERREDO, Bernardo Pereira de. Anais históricos do Estado do Maranhão. 2ª edição. Florença: Typographia Barbera, 1905.
  2. FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica ao Rio Negro. 2ª edição. Organizada, atualizada, anotada e ampliada por Francisco Jorge dos Santos, Auxiliomar Silva Ugarte e Mateus Coimbra de Oliveira. Manaus: Edua / Editora do Inpa / Fapeam, 2007.
  3. Um terceiro autor compõe esse primeiro momento da produção historiográfica. Trata-se de Antonio Ladislau Monteiro Baena. Ainda que tenha vivido e escrito em meados do século XIX, no contexto das lutas pela Independência (as quais se arrastam, na Amazônia portuguesa, até o final da primeira metade do século XIX), a narrativa histórica de António Baena é profundamente devedora das duas obras citadas. Em relação à experiência portuguesa, Baena segue os autores que lhe antecederam, consolidando, portanto, a perspectiva inaugurada por Bernardo Pereira de Berredo e Alexandre Rodrigues Ferreira. BAENA, Antonio Ladislau Monteiro. Compêndio das eras da província do Pará. Belém: Universidade Federal do Pará, 1969.
  4. BARATA, Manoel. Formação histórica do Pará. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973; BRAGA, Theodoro. Apostillas de historia do Pará. Belém: Imprensa Oficial do Estado, 1915; RAIOL, Domingos Antônio. Um capítulo de história colonial do Pará. Revista de Estudos Paraenses. Belém: Tip. do Diário Oficial. 1894.
  5. REIS, Arthur Cezar Ferreira. A formação espiritual da Amazônia. São Paulo: SPVEA, 1964; Idem. A Amazônia que os portugueses revelaram. Belém: Secretaria de Estado da Cultura, 1994; Idem. A Amazônia e a cobiça internacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
  6. DIAS, Manuel Nunes. Fomento e mercantilismo: a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, 2 v. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970; CARREIRA, António. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão: o comércio monopolista Portugal-África-Brasil na segunda metade do século XVIII. São Paulo: Editora Nacional, 1988; CARDOSO, Ciro Flamarion S. Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas: Guiana Francesa e Pará, 1750-1817. Rio de Janeiro: Graal, 1984; SALES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. Belém: IAP, 2005 (Programa Raízes); ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região amazônica, no fim do período colonial: um ensaio de história econômica comparada. Belém: UFPA / Naea, 1974; ANDERSON, Leslie Robinson. Following Curupira: colonization and migration in Pará, 1758 to 1930 as a study in settlement of the humid Tropics. Doctorate dissertation of Philosophy in History, University of California, Davis, 1976; SWEET, David G. A rich realm of nature destroyed: the middle Amazon valley, 1640-1750. PhD thesis, Madison, University of Wisconsin, 1974; HEMMING, John. Amazon frontier: the defeat of the Brazilian Indians. Londres: MacMillan, 1987.
  7. DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000; PORRO, Antonio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Rio de Janeiro: Vozes, 1995; UGARTE, Auxiliomar Silva. Sertões de bárbaros: o mundo natural e as sociedades indígenas da Amazônia na visão dos cronistas ibéricos (séculos XVI-XVII). Manaus: Editora Valer, 2009; SOMMER, Barbara A. Negotiated settlements: native Amazonians and Portuguese policy in Pará, Brazil, 1758-1798. Doctorate dissertation of Philosophy, History, University of New Mexico, Albuquerque, 2000; GUZMÁN, Décio. História de brancos: memória e historiografia dos índios Manao do Rio Negro (sécs. XVIII-XX). Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998; SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999; SOUZA JÚNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerra e negócios no Grão-Pará dos Setecentos – um estudo sobre a Companhia de Jesus e a política pombalina. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os vassalos d’el rey nos confins da Amazônia: a colonização da Amazônia ocidental, 1750-1798. Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990; FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Anpocs, 1991.

Patrícia Melo Sampaio – Possui mestrado (1994) e doutorado em História (2001) pela Universidade Federal Fluminense e pós-doutorado pela Unicamp (2013). Desde 1986 é professora do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas. Atua nas áreas de história indígena e do indigenismo, história colonial / imperial (Brasil e Amazônia) e história da escravidão africana na Amazônia. É líder do grupo de pesquisa História Indígena e da Escravidão Africana na Amazônia (Hindia) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Política, Instituições e Práticas Sociais – Polis. Participa do mestrado de História (PPGH / Ufam) e do mestrado / doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA / Ufam) (Fonte: Plataforma Lattes / CNPq).

Mauro Cezar Coelho – Possui graduação e bacharelado em História pela Universidade Federal Fluminense (1994), graduação e licenciatura em História pela Universidade Federal Fluminense (1994), mestrado em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (2006). Atualmente é coordenador de curso de licenciatura em História / PARFOR da Universidade Federal do Pará e professor adjunto na mesma universidade. Tem experiência na área de História, com ênfase em História colonial e ensino de História, atuando principalmente nos seguintes temas: Amazônia colonial, história indígena e do indigenismo, história da ciência, história da educação e ensino de história (Fonte: Plataforma Lattes / CNPq).


COELHO, Mauro Cezar; SAMPAIO, Patrícia Melo. Apresentação. Revista de História, São Paulo, n. 168, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Com planisférios, atlas, cartografia com paisagens e manuscritos produzidos na Europa em tempos modernos nascia uma nova forma de representar espaços políticos com temáticas voltadas para as ocupações humanas e seus territórios, integrando populações e fronteiras. Na busca por imagens para explicar as partes que formam o globo terrestre, foi possível dar ideia sobre uma unidade envolvendo continentes, ilhas, oceanos, pessoas e culturas distintas. Rotas e caminhos marítimos ligaram sociedades de Norte a Sul e de Leste a Oeste com participação de múltiplos canais de informação. A rota marítima para as Índias encontrada por Vasco da Gama, em 1497, foi possível graças ao esforço de muitos conhecimentos, incluindo o do navegador e piloto muçulmano Ahmed ibn Majib, com quem ele saiu de Malindi, na costa oriental da África para chegar a Calicut (Thrower, 2002: 73). Ao contrário, portanto, da ideia de uma cartográfica moderna como resultado de estudos e ações de apenas homens europeus, ela resulta de conhecimentos de diferentes povos e culturas que passaram a ser registradas por conquistadores, corsários e cientistas dos tempos de Colombo e Cabral. Uma cartografia da soma de conhecimentos resultantes de relações antigas e modernas, constituídas por formas de ocupar e representar espaços e ações humanas incluindo formas de diferentes partes do mundo.

As descrições narrativas de conquistadores, pilotos e escrivães, entre outros, partiram de observações sobre a natureza e seus habitantes e passaram a fazer parte das mudanças ocorridas no mundo moderno europeu envolvendo os espaços alcançados com navegações pelos oceanos. A carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o “descobrimento do Brasil” é um exemplo sobre uma das primeiras narrativas enviadas ao rei Dom Manuel, em Portugal, para dar conhecimento sobre os feitos da expedição liderada por Pedro Álvares Cabral. Sendo o rei o leitor principal a quem se destina a carta escrita em 1500, Caminha constrói texto informativo sobre a viagem, os nativos, os animais e a flora que encontra, descrevendo o que vislumbra com poucas dúvidas. O eixo central escolhido pela Revista Clio para os dois volumes de 2012, com dossiê Fronteiras e Sociedade, permitiu a reunião e seleção de artigos e resenhas para divulgar alguns dos mais recentes trabalhos de pesquisadores no campo da história social e política que reportam diferentes períodos da história. Trata-se de artigos de pesquisadores com exercício de análise sobre espaços e territórios com suas fronteiras e paisagens que se utilizam de diferentes áreas do conhecimento como o da história, o da antropologia e o da geografia.

Seguindo as diretrizes de M. Santos e J. B. Harley, entre as quais um território representa espaços e sistemas de objetos que podem ser lidos como textos, o segundo volume do dossiê Fronteiras e Sociedade se inicia com seis artigos dedicados a diversas realidades espaciais e temporalidades: Stephanie Caroline Boechat Correia se debruça sobre a África centro-ocidental no séc. XVII, em “Nas fronteiras da cristandade: as missões como baluartes dos impérios europeus na África centro-ocidental”; Christine Rufino Dabat investiga a atuação do engenheiro francês Henrique Milet em “A produção de açúcar nas fronteiras da modernidade: o percurso de Henrique Augusto Milet (Pernambuco, século XIX)”; algumas facetas dos conflitos entre indígenas e a sociedade colonial / nacional em áreas de fronteira do Nordeste brasileiro podem ser encontradas em “Nas fronteiras da sociedade envolvente: políticas indigenistas na província da Bahia nos anos de 1820 e 1860 – comarcas do sul e extremo oeste”, de André de Almeida Rego, e em “Do litoral aos sertões de Ararobá de Pernambuco: fronteiras, poder local e sociedade na América portuguesa (1762-1822)”, de Alexandre Bittencourt Leite Marques; Jonas Moreira Vargas, por sua vez, investiga “Os charqueadores de Pelotas, o comércio de carne-seca e as suas propriedades na fronteira com o Uruguai (século XIX)”; e Patrícia Genovez, Vagner Valadare e Thiago Santos se debruçam sobre “Entre as fronteiras do poder, do cotidiano e da narrativa: a experiência da realocação da ‘nova’ Itueta”.

Na secção dedicada aos artigos livres temos cinco estudos que tratam de várias questões relacionadas à história da África – “Moçambique e o fim do tráfico atlântico no século XIX”, de Diego Zonta – e do Brasil: “Coerção e controle: a educação superior no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1988)”, de Jaime Valim Mansan; “A Gênese da Editoração Protestante no Brasil: o circuito de difusão das publicações (1830-1920)”, de Micheline Reinaux de Vasconcelos; “Memórias trajadas: roupas e sentimentos no diário íntimo de uma prostituta”, de Ivana Guilherme Simili; e “A Zona da Mata Pernambucana e a Serra Gaúcha: apontamentos sobre a estrutura fundiária em meados do XIX”, de Cristiano Luís Christillino.

Este número da Clio conta ainda com duas resenhas: Tissiano da Silveira resenha a obra “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822 – c.1853)”; já a obra coletiva “Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô”, é resenhada por Edson Silva.

A organizadora externa seus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram para a consecução deste volume.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.2, jul / dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Os artigos recolhidos neste volume são resultado do trabalho de organização e edição de professores da gestão 2012 e 2013 da Pós-Graduação em História, em continuação aos esforços dedicados por editores, conselheiros e pareceristas ad hoc em edições anteriores, desde 1973. A seleção feita para este volume, cujo dossiê intitula-se Fronteiras e Sociedade, apresenta textos de historiadores nacionais e internacionais organizados em duas secções de artigos e ainda uma secção de resenhas.

A opção de organizar um dossiê com tal temática obedeceu a uma dupla preocupação. De um lado, abrir-se para um debate que permitisse transitar pela história e as áreas disciplinares que lhe são afins com mais abertura e profundidade. De outro, possibilitar que estudos historiográficos possam refletir acerca da formação das diversas fronteiras que nos cercam: na sociedade, na política, na cultura, na economia.

Na secção Artigos do Dossiê os temas referem-se à história da América Latina e à história do Brasil. Com reflexões sobre a escravidão no Caribe, Sidney W. Mintz apresenta o artigo “A escravidão e a ascenção de campesinatos” e Izaskun Álvares Cuartero, o artigo “De españoles, yucatecos e indios: La venta de mayas a Cuba y la construcción imaginada de una nación”. Sobre populações em fronteiras na America do Sul, o dossiê apresenta quatro artigos: o de Maria Cristina Bohn Martins “As Missões de Pampas e Serranos: Uma experiência de fronteira na Pampa argentina”; o artigo de José Luis Ruiz-Peinado Alonso, “Entre aguas e fronteras de la Amazônia”; o artigo de Elizabeth Zamora Cardozo, intitulado “Mundos de Frontera: La frontera norte de México y La frontera Colombo-venezuelana. Una Mirada”; e o artigo “Navegação e Limites: Peculiaridades de uma província fronteiriça”, de Ana Claudia Martins dos Santos.

Compõem ainda o dossiê, um artigo que aborda questões relativas aos sertões nordestinos, de Maria Ferreira, “Conexões e Fronteiras de uma Rede de Sociabilidades: Sertão de Pernambuco – 1840-1880”; e outro sobre parte da história dos anos 30, “As várias fronteiras de um líder: Juarez Távora, o Norte e a construção do herói no imediato pós-30”, de Raimundo Hélio Lopes.

Na secção dedicada aos artigos livres apresentam-se cinco estudos, que tratam de várias questões relacionadas à história do Brasil: “A Arte das Corporações de ofícios: As irmandades e o trabalho no Rio de Janeiro colonial”, de Mônica Martins; “Autonomia e Separatismo” de Maria Beatriz Nizza da Silva; “Quando brigam as comadres sabem-se as verdades. Elite provincial e as origens do Partido Parlamentar de 1853”, de Suzana Cavani Rosas; “Os protocolos das modernizações urbanas na história recente da cidade do Recife”, de Luís Manuel Domingues do Nascimento; “Uma cidade (in)civilizada: elite, povo comum e viver urbano em Campo Grande (décadas de 1960-70)”, de Nataniél Dal Moro; e “História e educação: o processo civilizador em Norbert Elias”, de Severino Vicente da Silva e Claudefranklin Monteiro Santo.

Este número traz ainda três resenhas: “La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática”, por Diego Omar da Silveira e Isabel Cristina Leite, “‘Foi assim que conheci meu avô…’: Autobiografia da criança que nascerá para ser carpinteiro”, por Ivaneide Barbosa Ulisses e, finalmente, “O Mundo em 2050: Como a Demografia, a Demanda de Recursos Naturais, a Globalização, a Mudança Climática e a Tecnologia Moldarão o Futuro”, por Ana Maria Barros.

Agradecemos a todos os colaboradores que contribuíram com este volume, especialmente à Professora Christine Rufino Dabat e aos estudantes José Marcelo Ferreira Marques Filho e Raíssa Orestes Carneiro, que juntos traduziram o texto do Professor Sidney W. Mintz.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.1, jan / jun, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (I) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Os artigos recolhidos neste volume são resultado do trabalho de organização e edição de professores da gestão 2012 e 2013 da Pós-Graduação em História, em continuação aos esforços dedicados por editores, conselheiros e pareceristas ad hoc em edições anteriores, desde 1973. A seleção feita para este volume, cujo dossiê intitula-se Fronteiras e Sociedade, apresenta textos de historiadores nacionais e internacionais organizados em duas secções de artigos e ainda uma secção de resenhas.

A opção de organizar um dossiê com tal temática obedeceu a uma dupla preocupação. De um lado, abrir-se para um debate que permitisse transitar pela história e as áreas disciplinares que lhe são afins com mais abertura e profundidade. De outro, possibilitar que estudos historiográficos possam refletir acerca da formação das diversas fronteiras que nos cercam: na sociedade, na política, na cultura, na economia.

Na secção Artigos do Dossiê os temas referem-se à história da América Latina e à história do Brasil. Com reflexões sobre a escravidão no Caribe, Sidney W. Mintz apresenta o artigo “A escravidão e a ascenção de campesinatos” e Izaskun Álvares Cuartero, o artigo “De españoles, yucatecos e indios: La venta de mayas a Cuba y la construcción imaginada de una nación”. Sobre populações em fronteiras na America do Sul, o dossiê apresenta quatro artigos: o de Maria Cristina Bohn Martins “As Missões de Pampas e Serranos: Uma experiência de fronteira na Pampa argentina”; o artigo de José Luis Ruiz-Peinado Alonso, “Entre aguas e fronteras de la Amazônia”; o artigo de Elizabeth Zamora Cardozo, intitulado “Mundos de Frontera: La frontera norte de México y La frontera Colombo-venezuelana. Una Mirada”; e o artigo “Navegação e Limites: Peculiaridades de uma província fronteiriça”, de Ana Claudia Martins dos Santos.

Compõem ainda o dossiê, um artigo que aborda questões relativas aos sertões nordestinos, de Maria Ferreira, “Conexões e Fronteiras de uma Rede de Sociabilidades: Sertão de Pernambuco – 1840-1880”; e outro sobre parte da história dos anos 30, “As várias fronteiras de um líder: Juarez Távora, o Norte e a construção do herói no imediato pós-30”, de Raimundo Hélio Lopes.

Na secção dedicada aos artigos livres apresentam-se cinco estudos, que tratam de várias questões relacionadas à história do Brasil: “A Arte das Corporações de ofícios: As irmandades e o trabalho no Rio de Janeiro colonial”, de Mônica Martins; “Autonomia e Separatismo” de Maria Beatriz Nizza da Silva; “Quando brigam as comadres sabem-se as verdades. Elite provincial e as origens do Partido Parlamentar de 1853”, de Suzana Cavani Rosas; “Os protocolos das modernizações urbanas na história recente da cidade do Recife”, de Luís Manuel Domingues do Nascimento; “Uma cidade (in)civilizada: elite, povo comum e viver urbano em Campo Grande (décadas de 1960-70)”, de Nataniél Dal Moro; e “História e educação: o processo civilizador em Norbert Elias”, de Severino Vicente da Silva e Claudefranklin Monteiro Santo.

Este número traz ainda três resenhas: “La cambiante memoria de la dictadura: discursos públicos, movimientos sociales y legitimidad democrática”, por Diego Omar da Silveira e Isabel Cristina Leite, “‘Foi assim que conheci meu avô…’: Autobiografia da criança que nascerá para ser carpinteiro”, por Ivaneide Barbosa Ulisses e, finalmente, “O Mundo em 2050: Como a Demografia, a Demanda de Recursos Naturais, a Globalização, a Mudança Climática e a Tecnologia Moldarão o Futuro”, por Ana Maria Barros.

Agradecemos a todos os colaboradores que contribuíram com este volume, especialmente à Professora Christine Rufino Dabat e aos estudantes José Marcelo Ferreira Marques Filho e Raíssa Orestes Carneiro, que juntos traduziram o texto do Professor Sidney W. Mintz.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.1, jan / jun, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Fronteiras e Sociedade (II) / Clio – Revista de Pesquisa Histórica / 2012

Com planisférios, atlas, cartografia com paisagens e manuscritos produzidos na Europa em tempos modernos nascia uma nova forma de representar espaços políticos com temáticas voltadas para as ocupações humanas e seus territórios, integrando populações e fronteiras. Na busca por imagens para explicar as partes que formam o globo terrestre, foi possível dar ideia sobre uma unidade envolvendo continentes, ilhas, oceanos, pessoas e culturas distintas. Rotas e caminhos marítimos ligaram sociedades de Norte a Sul e de Leste a Oeste com participação de múltiplos canais de informação. A rota marítima para as Índias encontrada por Vasco da Gama, em 1497, foi possível graças ao esforço de muitos conhecimentos, incluindo o do navegador e piloto muçulmano Ahmed ibn Majib, com quem ele saiu de Malindi, na costa oriental da África para chegar a Calicut (Thrower, 2002: 73). Ao contrário, portanto, da ideia de uma cartográfica moderna como resultado de estudos e ações de apenas homens europeus, ela resulta de conhecimentos de diferentes povos e culturas que passaram a ser registradas por conquistadores, corsários e cientistas dos tempos de Colombo e Cabral. Uma cartografia da soma de conhecimentos resultantes de relações antigas e modernas, constituídas por formas de ocupar e representar espaços e ações humanas incluindo formas de diferentes partes do mundo.

As descrições narrativas de conquistadores, pilotos e escrivães, entre outros, partiram de observações sobre a natureza e seus habitantes e passaram a fazer parte das mudanças ocorridas no mundo moderno europeu envolvendo os espaços alcançados com navegações pelos oceanos. A carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o “descobrimento do Brasil” é um exemplo sobre uma das primeiras narrativas enviadas ao rei Dom Manuel, em Portugal, para dar conhecimento sobre os feitos da expedição liderada por Pedro Álvares Cabral. Sendo o rei o leitor principal a quem se destina a carta escrita em 1500, Caminha constrói texto informativo sobre a viagem, os nativos, os animais e a flora que encontra, descrevendo o que vislumbra com poucas dúvidas. O eixo central escolhido pela Revista Clio para os dois volumes de 2012, com dossiê Fronteiras e Sociedade, permitiu a reunião e seleção de artigos e resenhas para divulgar alguns dos mais recentes trabalhos de pesquisadores no campo da história social e política que reportam diferentes períodos da história. Trata-se de artigos de pesquisadores com exercício de análise sobre espaços e territórios com suas fronteiras e paisagens que se utilizam de diferentes áreas do conhecimento como o da história, o da antropologia e o da geografia.

Seguindo as diretrizes de M. Santos e J. B. Harley, entre as quais um território representa espaços e sistemas de objetos que podem ser lidos como textos, o segundo volume do dossiê Fronteiras e Sociedade se inicia com seis artigos dedicados a diversas realidades espaciais e temporalidades: Stephanie Caroline Boechat Correia se debruça sobre a África centro-ocidental no séc. XVII, em “Nas fronteiras da cristandade: as missões como baluartes dos impérios europeus na África centro-ocidental”; Christine Rufino Dabat investiga a atuação do engenheiro francês Henrique Milet em “A produção de açúcar nas fronteiras da modernidade: o percurso de Henrique Augusto Milet (Pernambuco, século XIX)”; algumas facetas dos conflitos entre indígenas e a sociedade colonial / nacional em áreas de fronteira do Nordeste brasileiro podem ser encontradas em “Nas fronteiras da sociedade envolvente: políticas indigenistas na província da Bahia nos anos de 1820 e 1860 – comarcas do sul e extremo oeste”, de André de Almeida Rego, e em “Do litoral aos sertões de Ararobá de Pernambuco: fronteiras, poder local e sociedade na América portuguesa (1762-1822)”, de Alexandre Bittencourt Leite Marques; Jonas Moreira Vargas, por sua vez, investiga “Os charqueadores de Pelotas, o comércio de carne-seca e as suas propriedades na fronteira com o Uruguai (século XIX)”; e Patrícia Genovez, Vagner Valadare e Thiago Santos se debruçam sobre “Entre as fronteiras do poder, do cotidiano e da narrativa: a experiência da realocação da ‘nova’ Itueta”.

Na secção dedicada aos artigos livres temos cinco estudos que tratam de várias questões relacionadas à história da África – “Moçambique e o fim do tráfico atlântico no século XIX”, de Diego Zonta – e do Brasil: “Coerção e controle: a educação superior no Brasil durante a ditadura civil-militar (1964-1988)”, de Jaime Valim Mansan; “A Gênese da Editoração Protestante no Brasil: o circuito de difusão das publicações (1830-1920)”, de Micheline Reinaux de Vasconcelos; “Memórias trajadas: roupas e sentimentos no diário íntimo de uma prostituta”, de Ivana Guilherme Simili; e “A Zona da Mata Pernambucana e a Serra Gaúcha: apontamentos sobre a estrutura fundiária em meados do XIX”, de Cristiano Luís Christillino.

Este número da Clio conta ainda com duas resenhas: Tissiano da Silveira resenha a obra “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro (c.1822 – c.1853)”; já a obra coletiva “Cultura, identidade e território no Nordeste indígena: os Fulni-ô”, é resenhada por Edson Silva.

A organizadora externa seus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram para a consecução deste volume.

Bartira Ferraz Barbosa


BARBOSA, Bartira Ferraz. Apresentação. CLIO – Revista de pesquisa histórica, Recife, v.30, n.2, jul / dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Questões indígenas contemporâneas: História e Antropologia em fronteiras / História Unisinos / 2011

Os textos reunidos no dossiê Questões indígenas contemporâneas: História e Antropologia em fronteiras resultam das pesquisas de sete historiadores de diferentes pontos do país que tem procurado estudar a História Indígena da perspectiva do presente, em fronteiras disciplinares, tarefa ao mesmo tempo difícil e fascinante. Assim, os temas abordados refletem os diálogos travados por cada um deles com outras áreas do conhecimento, tais como a Psicologia, o Direito, a Educação e, notadamente, a Antropologia. O que aproxima os textos é a tentativa de compreensão, por parte dos autores, de uma trama histórica complexa e que durante muito tempo foi negligenciada pela historiografia tradicional. Já vai longe, portanto, o tempo em que para os índios não haveria história, mas apenas etnografia, como anunciara Varnhagen, no século XIX.

Anna Maria Ribeiro Fernandes Moreira da Costa apresenta a simbologia que envolve o espaço fluvial dos grupos indígenas Nambiquara do Cerrado, localizados a Oeste do Estado de Mato Grosso. O espaço Nambiquara é, dessa forma, apreendido em suas representações, imagens e concepções, sendo construído em função de seus sistemas de pensamento e de suas necessidades.

Por sua vez, Carlos Alberto dos Santos Dutra instiga o leitor a rever a história da ocupação do território sul-mato-grossense, lançando um olhar sobre os conceitos de poder e violência e buscando revelar que muitas terras indígenas demonstram ter sido bem mais que simples áreas de migração de grupos autóctones isolados. Os conceitos de nação, identidade, território / territorialização / desterritorialização, dominação, poder e cultura são analisados pelo autor a partir da história dos Ofayé.

Giovani José da Silva apresenta informações a respeito da construção da Estrada de Ferro Brasil-Bolívia, bem como dos impactos que esta construção provocou sobre a vida das populações indígenas, especialmente sobre os Chiquitano (e os estigmas a estes impingidos). No caso dos Kamba, descendentes dos Chiquitano, esse impacto se traduziu na saída de uma determinada parcela das proximidades de Roboré, Tapera e San Jose de Chiquitos e de sua entrada no Brasil, em meados do século passado. A construção da ferrocarril (1939-1954) provocou o engajamento de grande número de indígenas bolivianos, muitos dos quais penetraram em território brasileiro de forma clandestina aos olhos oficiais.

Já Rosely Aparecida Stephanes Pacheco mostra que uma análise mais ampla dos desafios que os povos indígenas têm enfrentado em relação a seus direitos territoriais na América Latina, passa por um desvelar histórico sobre a forma como a questão territorial foi tratada nestes países, tanto administrativa quanto juridicamente. Para o estudo do tema, cujo foco são as lutas e reivindicações dos Guarani (Kaiowá e Ñandeva), a autora buscou referenciais teóricos em diversas áreas do conhecimento: a História, a Antropologia e o Direito.

Edson Hely Silva percebe, por meio dos relatos orais dos índios Xukuru do Ororubá, de Pernambuco, acontecimentos que expressaram o cotidiano, os espaços e os momentos de sociabilidade vivenciados na Serra do Ororubá, além do significado de Cimbres como um espaço de referência da memória mítico-religiosa para a afirmação da identidade daquele grupo indígena.

Léia Teixeira Lacerda apresenta reflexões realizadas desde o final da década de 1990, no campo da Educação e da Saúde Preventiva das DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e da Aids com professores indígenas que habitam e atuam em escolas no Pantanal Sul-mato-grossense. A autora realiza uma breve análise pedagógica, psicológica e histórica dos Programas de Prevenção das DST e da Aids desenvolvidos com professores indígenas daquela região.

Finalmente, Vanderléia Paes Leite Mussi discute como os Terena no contexto urbano de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, constroem sua etnicidade, nos “entre lugares” das relações fronteiriças, mantendo os laços de continuidade com seus antepassados, isto é, com sua tradição. A partir dessa abordagem, a autora mostra como esse grupo indígena foi construindo diferentes estratégias de inserção e negociação no entorno da sociedade não indígena para garantir a sua sobrevivência, tendo como principal impulsionador o trabalho.

Em comum, os historiadores participantes do dossiê utilizaram fontes orais em suas pesquisas, mas sem a pretensão de “dar voz” a quem quer que seja, muito menos aos indígenas. Antes, cada um deles procurou “dar ouvidos” às narrativas contadas pelos Nambiquara, Chiquitano, Guarani, Terena, Ofayé, Xukuru do Ororubá, Kadiwéu e Kinikinau. Convidam-se, então, os leitores a também “ouvirem” essas vozes, ainda não inscritas nos cânones oficias, porém repletas de significados e simbologias. Boa leitura!

Giovani José da Silva – Organizador


SILVA, Giovani José da. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.15, n.2., maio / agosto, 2011. Acessar publicação original [DR]

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História, Literatura e Fronteiras / Revista Mosaico / 2010

O presente número da Revista Mosaico, do Programa de Mestrado em História, Cultura e Poder da PUC Goiás, tem como tema-chave História, Literatura e Fronteiras, tema sugestivo e atual, que releva as relações que a História e a Literatura vêm travando desde os anos 60 do século XX, especialmente no tratamento da Literatura como fonte da História e das sensibilidades. O número assinala com muita competência essa perspectiva, principalmente na dominante da formação dos estados nacionais da América Latina, dado que pelo menos três artigos assinalam essa dimensão: o de Cléria Botelho da Costa, professora do Programa de Pós-Graduação em História da UnB, que aborda alguns aspectos da obra poética de Castro Alves dedicada aos escravos e à escravidão no Brasil do século XIX, a qual, segundo a autora, rompeu os cânones do imaginário da determinação biológica da cultura pertencente à elite imperial, ao cantar o negro escravo dentro de um projeto de formação de um estado nacional de homogeinização que o ignorava. Para ela, Castro Alves exerceu, na construção da identidade nacional, uma forma de se contrapor ao projeto colonialista, muito embora suas marcas românticas e nacionalistas; o de Horst Nitschack, coordenador do Centro de Estudios Culturais Latinoamericanos (Cecla) da Universidad del Chile, que discute a contribuição, durante o processo de formação dos Estado-Nações europeus, das literaturas emergentes nacionais à criação de um espaço público, indispensável para a integração de distintos atores e comunidades culturais dentro de suas fronteiras e para o diálogo com outros estados-nações, muito embora também a consolidação da instituição ‘literatura nacional’, literatura aqui como processo de semantização, tenha chegado a ser um instrumento de exclusão desde dentro e de separação desde fora; e, no mesmo sentido, o artigo de Horacio Miguel Hérnan Zapata, da Universidad Nacional de Rosário, Santa Fé, Argentina, que questiona a construção do estado-nação argentino desde a revolução de mayo de 1810, cuja pauta negou e lesionou a visibilidade do indígena dentro de um projeto nacional também de homogeinização, que buscava erguer um “país racial e culturalmente superior”. Descreve como a desaparição do indígena ficou clara e explícita dentro das políticas estatais que vigoraram entre o centenário e o bicentenário dessa que foi a revolução mais importante do estado argentino.

Na sequência dessa trilogia dedicada ao tema da formação de estados nacionais do Brasil e Latino-América, temos o artigo de Gercinair Silvério Gandara, pós-doutoranda do PND / Capes UFG, que discute dois temas que são caros ao brasileiro e, em especial, ao povo goiano: o sertão e a fronteira. O artigo aponta que, no Brasil, a fronteira aparece como o limite do humano. À primeira vista, é o lugar do encontro dos que, por diferentes razões, são diferentes entre si, como os proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres de outro. No seu modo de ver, no entanto, é o lugar do encontro de relações sociais, mentalidades, ou melhor, de relações diferentes. Daí estender seus argumentos à cidade de Uruaçu, Goiás, como cidade-fronteira, baseada especialmente no pensamento de José se Souza Martins sobre o tema.

Sobre Goiás, temos ainda o autor Bernardo Élis, cuja obra O Tronco, de 1956, é discutida por Albertina Vicentini, professora do Mestrado em História da PUC Goiás e bolsista-pesquisadora do Cnpq, que analisa a obra do ponto de vista da sua realização enquanto romance histórico tradicional, evidenciando nele as marcas da convenção realista exigida por G. Luckács e discutida, na literatura, por Roman Jakobson e Phillipe Hamon.

Outros autores analisados são o gaúcho Cyro Martins, na sua Trilogia do Gaúcho a pé, ou seja, o gaúcho marginalizado pela urbanização e mecanização do campo, que Carlos Roberto Rangel, professor do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, RS, juntamente com as bolsistas PIBIC Simone Becker Ferreira e Fabiula dos Santos Martins analisam, demonstrando o realismo social do autor que denuncia a penúria do homem rural e as transformações das cidades interioranas do RS, o choque entre o tradicional e o moderno; e Alcindo Guanabara, cujas crônicas são avaliadas por Marina Haizenreder Ertzogue, professora da UFTocantins e pesquisadora do Cnpq, sob a perspectiva da melancolia e da angústia, do pessimismo de Schopenhauer, comparando-o ao Edgar Allan Poe contista do “Homem das Multidões”.

Há ainda o artigo de Claudio Carlan, professor da Universidade Federal de Alfenas-MG, sobre a moeda como documento, que pode informar sobre os mais variados aspectos de uma sociedade, tanto o político e estatal, como o jurídico, religioso, mitológico ou estético. As moedas como as medalhas são estudadas pela numismática e, no caso romano, esses símbolos monetários teriam tido, segundo o autor, também um papel de passar uma mensagem aos governados, uma espécie de propaganda política / imperial. A cunhagem monetária associada ao retrato e à propaganda configurava esses dois aspectos intimamente ligados. De outro lado, as moedas ainda são instrumentos importantes para estabelecer a datação de documentos e eventos que chegaram até nós sem seu contexto original, como são de grande valia na nossa compreensão das imagens que contêm. Ou seja, a numismática conserva um fragmento da história do homem que, segundo Frère, se coloca hoje como uma disciplina científica através da qual podem ser estudados muitos aspectos de uma determinada sociedade. É uma ciência que tira da aridez do seu estudo grandes subsídios históricos.

Esperamos que este número corresponda às expectativas de nossos leitores vez que trabalha a releitura da História oficial sob a perspectiva da exclusão e da marginalidade de atores sociais ativos, como o indígena ou o negro, e que correram por fora por conta de projetos elitizados e de construção política hegemônica de cada Estado-nação avaliado. E também porque chama alguns literatos e objetos concretos como as moedas como testemunhos de uma História que pode ser lida tanto a partir das convenções quanto das sensibilidades.

Albertina Vicentini

Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante

Editoras


VICENTINI, Albertina; CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa. Editorial. Revista Mosaico. Goiânia, v.3, n.2, jul. / dez., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Territorialidades, fronteiras e identidades na Amazônia legal / Escritas / 2010

Discutir a penetração, a colonização e o estabelecimento de fronteiras no Brasil é extremamente complexo, mas esta é a proposta desse Volume 2. A revista Escritas vai consolidando uma posição inovadora: trazer ao público uma coletânea heterogênea e representativa das pesquisas que estão sendo produzidas em todo pais sobre temas instigantes. Apesar da heterogeneidade há pontos de convergência e unicidade. Convergência não somente na temática no caso de Dossiê, mas também nas preocupações com os grupos sociais que penetraram lentamente nos recônditos mais distantes do Brasil.

Confluem em ritmos temporais que vão do século XVIII ao XX, nas preocupações do Estado em ocupar e governar o território continental do nosso país. Também manifesta unidade ao discutir as condições de vivência e sobrevivência das populações de fronteira, com a qualidade de vida desses povos fronteiriços, ainda na preocupação do Estado em constituir uma nacionalidade, uma cidadania brasileira. Essas discussões são indissociáveis – colonização, migração, disputadas interétnicas, confrontos político-partidários, identidade, nacionalidade e fronteiras. Elas fazem parte da construção da sociedade do Estado brasileiro desde o período colonial.

Há outras convergências. As fontes utilizadas pelos autores para a composição da Revista são variadas, mais há algumas que são comuns: jornais, entrevistas, atas das câmaras municipais, documentos escritos e orais, documentos formais e informais.

O Dossiê traz estudos fascinantes como o texto de João Bosco da Silva, Cotidiano de Ameríndios em Região de Fronteira no Final do Setecentos. O de André Luís dos Santos Freitas São José do Rio Negro e as Relações de Poder na Constituição do Império do Brasil – a Subtração de uma província analisa a complexa integração de São Jose do Rio Negro, na região amazônica, ao território brasileiro no período Imperial. O de Edson Machado Brito Clevelândia do Norte estuda a formação de um aldeamento indígena no Oiapoque, nos limites com a Guiana Francesa. Idelma Santiago da Silva em Migração como o mito fundador e outras metáforas: narrativas da colonização do sudeste do Pará, discute a migração e ocupação do sudeste do Pará. Seu enfoque concentra-se nas narrativas da colonização maranhense na região, discutindo a (re)invenção de territórios e as lutas sobre a representação de regionalização para compreender a “etinização de migrantes maranhenses”.

A Seção Livre traz ao conhecimento do leitor a discussão sobre a formação indentitária, indissociável, da colonização, penetração e fixação no território brasileiro, reflete sobre a organização político-partidária no Brasil que guardam vínculos com a dominação do território. Merece destaque na discussão sobre a formação da identidade nacional o texto de Loque Arcanjo Junior As Representações da Nacionalidade Musical nas Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos, que funde história, música e literatura para compreender o ethos brasileiro. O texto estimulante de Priscila Dorella Obstáculos à Constituição de uma de uma Identidade Latino-americana no Brasil, em Sílvio Júlio de Albuquerque Lima discute o pensamento de Sílvio Júlio de Albuquerque Lima, com relação à integração dos países hispano-americanos.

Não é possível ficar indiferente ao texto de André Fertig Valentes vingadores da honra nacional que discute a atuação das guardas nacionais no Rio Grande do Sul oitocentistas durante a fase de consolidação do Estado brasileiro entre 1820 e 1840. No texto A Politica Tributária de Caio Prado Jr. na Constituinte Paulista Renata Bastos mostra uma faceta de atuação do Deputado constituinte Caio Prado Jr. na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em 1947.

A análise historiográfica de Charles Sidarta Domingos no artigo A história da historia do fim do governo João Goulart, demonstra a importância de Goulart na formação do PTB. No texto de Arilson dos Santos Gomes Os partidos políticos e o Congresso Nacional Negro de Porto Alegre sinaliza que os partidos na época de Goulart se preocupavam intensamente com a ocupação da terra bem como sua distribuição social entre os membros da sociedade – brancos, negros e indígenas – em busca de uma sociedade justa e igualitária. Como se percebe a Seção Livre da Revista Escritas está repleta de estudos motivadores para o conhecimento da realidade econômica, político e social do Brasil. Fecha a Seção Livre as considerações de Luís Eduardo Bovolato sobre o saneamento básico e saúde na atualidade.

Compõe ainda esse Volume 2 a resenha crítica de Dagmar Manieri sobre a recente publicação do pesquisador Marcos E. de Araújo Clemente do Colegiado de História de Araguaína. Manieri oferece uma análise complexa e heterogênea da obra Lampiões acesos: o cangaço na memoria coletiva.

Creio que a Revista está recheada de questões, problemas, fontes e temas importantes para a compreensão dos Brasis com suas múltiplas fronteiras, territórios e identidades. Vale a pena ler a Revista Escritas desse ano. Boa leitura.

O Editor

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Fronteiras na História / Varia História / 1992

É fato inconteste que a pesquisa histórica contemporânea tem se efetuado num quadro de renovação da problemática histórica.

A expansão ilimitada da história para fora dos seus domínios tradicionais, não só tem revelado a amplitude das suas interrelações com as outras ciências humanas como revelado um fecundo diálogo conceitual.

No passo dessa “renovação” abriu-se um estimulante espaço de controvérsia pois, afinal, a fisionomia da produção histórica caleidoscopicamente se alterou. Dada a pluralidade dos enfoques, dos referenciais teóricos, e dos constantes e novos contatos de inter- face com outras áreas do conhecimento, Impõe-se a necessidade de um exercício critico-reflexivo voltado para as Interrogações dos historiadores.

Nesse processo, ainda em aberto, de discussão e mudança dos procedimentos históricos, a História está posta em questão através de Indagações que dizem respeito ao campo de trabalho dos historiadores, aos fundamentos epistemológicos da disciplina histórica, à singularidade do oficio do historiador e às novas possibilidades analíticas e heurísticas que se descortinam.

Este número especial da Revista do Departamento de História, é constituído por artigos apresentados no seminário “Fronteiras na História”, por nós organizado enquanto um espaço, multidisciplinar e plural, aberto para o debate sobre as perspectivas atuais do labor historiográfico.

Não estão incluídos neste número os textos das conferências de Maria Rita Kehl, História e Psicanálise e os de Renato Janine Ribeiro e Laura de Mello e Souza, acerca, respectivamente, de História e Política e História e Mentalidades.

No caso de Maria Rita Kehl isto se deveu ao fato do seu texto já estar previamente comprometido com outra publicação. Quanto aos de Renato Janine e Laura M e Souza, Infelizmente, não foi possível viabilizar sua edição por razões alheias à vontade dos coordenadores.

Alguns autores preferiram manter os seus textos na forma como foram apresentados nas conferências.

Muito embora o seminário tenha se realizado em maio de 1991, só agora nos foi possível fazer chegar o presente número às mãos dos nossos leitores, entre outros motivos, pela paralisação das atividades universitárias por mais uma longa greve ocorrida ao longo daquele ano.

A discussão sobre as fronteiras na história tem no texto de Alcir Lenharo, História e Radiofonia, que aqui se publica, uma grande contribuição. Primeiramente, porque ao discutir o próprio significado do titulo do Seminário na Introdução, o autor percorre um etinerárlo importante para a compreensão do conteúdo da produção h1stonográfica atual e de suas tendências no Brasil. Num segundo momento, Lenharo se dedica à reflexão sobre a cultura de massas no Brasil dos anos 50, o que vem sendo objeto de suas pesquisas nos últimos anos.

Ao se perguntar sobre o estatuto historiográfico de um tema como a radiofonia, cuja especificidade se destaca na programação do Seminário, segundo observação do próprio autor, o expositor demonstra exemplarmente a pertinência da preocupação do historiador de hoje com temas até ontem desprezados pela cultura tradicional. Dizemos até ontem porque o texto do Prof. Alcir Lanhara não deixará dúvidas sobre a propriedade da cultura de massa como matéria prima da história.

A história nas histórias de Machado de Assis foi o tema trabalhado por Sydney Chaloub na sua conferência História e Literatura. “Infiltrando-se” no texto de Machado, já que o autor nos reaviva a memória de Helena em sua exposição, Chaloub demonstra com grande eficiência a possibilidade de se trabalhar o texto literário como documento histórico.

A grande novidade da abordagem do autor reside, a nosso ver, na perspectiva com que ele lida com a literatura: não como um produto acabado de seu tempo, mas como algo que admite, ou mesmo requer, leituras ou interpretações renovadas.

O que estimula a análise de Chaloub é sobretudo o que ele apreende das entrelinhas do texto machadiano. Dai sua constatação de que Machado tem como foco de seu romance “a lógica de dominação que era hegemônica e organizava as relações sociais no Antigo Regime”, mesmo que sua “esperteza” faça parecer que no palco da Corte a escravidão tenha papel secundário.

A visão crítica do autor sobre os trabalhos de Schwarz e Gledson, dois autores que se dedicam à análise da obra de Machado, evidencia, como se verá, a especificidade do olhar do historiador sobre o objeto literário.

Foot Hardman, com sensibilidade, nos aponta as possibilidades do uso da fotografia como fonte frágil, fragmentária e que mesmo revelando pouco e escondendo muito, ou quase tudo, é capaz de sugerir “gestos expressivos, vozes inteligíveis, paisagens e fisionomias revolvidas (…) experiências dignas de serem reescritas e transmitidas.”

Com as fotos do fotógrafo Dana Merril sobre a construção da estrada de ferro Madeira-Mamará, ele torna visível um momento da construção de uma certa história nacional, que não prescindiu das imagens fotográficas não só enquanto um registro, de autoridade, dos acontecimentos históricos da época, mas enquanto registro em si mesmo da sintonia brasileira com a modernidade.

Foot nos fala das afinidades entre a História e Imagem, a prosa narrativa, o objeto e a figura, das ilusões da fotografia e, ao mesmo tempo, da sua capacidade de se deslocar de seu lugar e de seu tempo e de restaurar espaço, temporalidades, guardando, restaurando e evocando memórias.

As fotos de Dana Merril ficaram, ele nos diz, como um fio narrativo capaz de quebrar o Silêncio em torno do drama da Madeira-Mamoré.

E é sobre “narrativa” e contra o silêncio dos historiadores acerca da sua relação com a história que Ricardo Benzaquem escreve seu artigo.

Enfrentando a discussão, sobre História-Narrativa, a partir do pressuposto do que esta não cancela “as formas mais tradicionais de se trabalhar a história”, Benzaquem situa-se nesse debate ressaltando que a preocupação trazida pela questão da narrativa deve reverter em enriquecimento da reflexão sobre os tipos de história praticada.

Nesse sentido, o caminho escolhido para a sua reflexão foi percorrido, com sagacidade e erudição, tomando como norte principal o desenvolvimento do método crítico pelos historiadores da Escola Histórica Alemã.

Ao longo do seu percurso se esclarece a relação Intrínseca entre história e narrativa e como o recurso a essa última consolidou a concepção moderna de História que, por sua vez, se firmou contra a literatura. É, portanto, para a fronteira entre a história e a literatura que o tema da narrativa, tal como abordado por Benzaquem, vai nos conduzir.

Entre caminhos e fronteiras, finalizando o volume, o texto de José Sérgio l e1te Lopes reconstrói o itinerário histórico da relação entre História e Antropologia. Dos desencontros entre ambas, onde se destacam a recusa da História tradicional e do evolucionismo pela moderna antropologia, aos encontros e convergências a partir dos anos 60, através da valorização da história cultural e sua ênfase renovada nos anos 80 nas tradições, nas mentalidades, no simbólico, na arqueologia da vida material e na cultura popular entre outras, um profícuo diálogo teórico-conceitual se sedimentou.

Na história dessa aproximação entre História e Antropologia, José Sérgio destaca, com pertinência, por um lado o papel do grupo dos Annales e dos historiadores da sua última geração e, por outro, os de Evans Pritchard e Geertz no campo da antropologia e os de Pierre Bordieu e Norbert Elias, no da sociologia.

Da sua experiência como “antropólogo de fronteira”, dedicado a estudos já considerados clássicos, sobre trabalho e vida de “grupos de operários”, José Sérgio nos mostra como numa tradição antropológica faz história social e, ao fazê-lo refaz, na prática, a trajetória dos encontros possíveis entre História e Antropologia.

Eliana Regina de Freitas Dutra

Thaís Veloso Cougo Pimentel


DUTRA, Eliana Regina de Freitas; PIMENTEL, Thaís Veloso Cougo. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.8, n.11, jul., 1992. Acessar publicação original [DR]

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