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An Agrarian History of Portugal, 1000-2000: Economic Development on the European Frontier – FREIRE (LH)
FREIRE, Dulce; LAINS, Pedro (Eds). An Agrarian History of Portugal, 1000-2000: Economic Development on the European Frontier. Leiden/Boston: Brill, 2017, 347 pp. Resenha de: RIBEIRO, Ana Sofia. Ler História, v.72, p.227-231, 2018.
1 Dulce Freire e Pedro Lains, investigadores do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, coordenaram a publicação da primeira síntese da história agrária portuguesa vista a partir de uma perspectiva de longa duração. A obra cobre um vasto período cronológico, desde cerca do ano 1000 até ao ano 2000, ou mais exactamente desde os tempos da reconquista cristã da Península Ibérica e do movimento que viria a resultar na independência de Portugal face ao reino de Leão e Castela até ao século XXI. Esta monografia colectiva de 347 páginas estende-se por nove capítulos, uma introdução e um apêndice muito útil de figuras, que incluem, por exemplo, mapas ou gráficos. Além dos editores, outros nove historiadores participam nesta publicação, sendo a maioria vinculada a universidades de Lisboa. Os editores procuram neste volume participar no que chamam de “renovação da história económica europeia”, propondo a inclusão do caso português no debate sobre os diferentes padrões e ritmos do crescimento económico europeu ao longo do tempo, variáveis em que se sustenta a historiografia corrente para a explicação da divergência do desenvolvimento económico entre o centro e as periferias do continente europeu (p. 1).
2 Partindo da ideia (preestabelecida?) da existência de um atraso português crónico e do seu padrão divergente de desenvolvimento (p. 3), este livro pretende (re)interpretar as características macroeconómicas do crescimento da produtividade e do produto agrícolas portugueses na longa duração, comparando-os com um cenário internacional mais vasto e integrando-os no desenvolvimento de outros sectores de actividade da economia nacional. Para isso, cada um dos nove capítulos analisa seis variáveis: (1) evolução demográfica e urbanização; (2) regimes de exploração e propriedade da terra; (3) padrões de povoamento e fixação à terra e produto agrícola; (4) mercados interno e externo; (5) mudanças tecnológicas; e (6) políticas relacionadas com a economia rural. Os nove capítulos encontram-se distribuídos por três partes, organizadas numa abordagem cronológica tradicional: a Idade Média, a época moderna, e a contemporaneidade, respectivamente. Uma quarta parte é constituída por um capítulo de reflexão e balanço sobre os resultados da actividade agrícola portuguesa no último milénio.
3 Contudo, esta divisão torna-se aqui e ali um pouco artificial, uma vez que os ritmos de evolução agrícola não se compadecem, frequentemente, com os cortes artificiais com que nós, historiadores, recorrentemente nos orientamos. Por exemplo, o corte cronológico feito exactamente em 1500, entre os capítulos 2 e 3 parece algo forçado por dois motivos. O primeiro, prende-se com uma série de continuidades e até de alguma redundância de conteúdos quanto a algumas das características da agricultura portuguesa, sendo a distinção mais relevante a introdução, ainda que limitada, das novas culturas ultramarinas e dos novos mercados facultados pela integração nos circuitos da economia colonial, pós-1500. Em segundo lugar, o próprio capítulo 6, “Gross Agricultural Output: a quantitative, unified perspective, 1500-1850”, revela uma acentuada diminuição no produto interno agrícola durante a década de 1520 (fig. 6.1, p. 187). Na realidade, este pode ser um dos novos dados deste livro e o corte entre capítulos faria mais sentido nesta cronologia. Por outro lado, parece aqui faltar um primeiro capítulo relativo à evolução das estruturas ambientais que suportaram o desenvolvimento da agricultura portuguesa: características climáticas, possibilidades químicas dos solos, recursos orográficos e hidrográficos. Um capítulo interdisciplinar escrito por geógrafos, engenheiros agrónomos, geólogos e especialistas climáticos poderia constituir uma grande mais-valia nesta obra, revendo e actualizando o valioso trabalho de Orlando Ribeiro1 e conferindo uma nova contribuição científica que orientaria o conhecimento histórico em geral e o trabalho deste volume, em particular.
4 É impossível sintetizar o conteúdo de cada capítulo nestas breves linhas. Por isso, esta recensão centrar-se-á nas grandes conclusões e equilíbrios da obra. Este livro é muito mais do que uma síntese do vasto número de monografias sobre o passado agrário português. Alguns capítulos partiram de uma análise mais detalhada da historiografia referente a cada período, mas conferindo uma consistência nacional que faltava, devido ao facto de muitos destes trabalhos se focarem em realidades locais ou regionais. Esta tarefa é bem conseguida no capítulo 2, da autoria de Ana Maria Rodrigues, referente aos impactos da Peste Negra na produtividade agrícola e nos mecanismos de recuperação emergentes após a epidemia. Também Margarida Sobral Neto, no capítulo 4, faz um excelente cenário da agricultura portuguesa desde 1620, debatendo sustentadamente a existência verdadeira de uma crise da agricultura portuguesa no complexo século XVII. Outros capítulos tentam reutilizar anteriores abordagens sub-sectoriais para elaborar séries econométricas mais detalhadas sobre o produto agrícola e a produtividade, assim como sobre o papel e o impacto do sector agrário no contexto geral da economia. Isto torna-se evidentemente possível na época estatística da contemporaneidade, entre 1820 e 2000. Os capítulos 7 e 8, da autoria de Amélia Branco e Ester Gomes da Silva, Luciano Amaral e Dulce Freire, representam mais do que uma abordagem quantitativa, uma vez que explicações qualitativas são necessárias para a compreensão dos cenários apontados. Além de constituírem uma boa ferramenta de trabalho e estudo para um público académico, pela sua proximidade cronológica, estes capítulos são uma boa base de consulta para os que tomam decisões no presente.
5 Mas são dois os capítulos que mais novidades trazem para este campo de investigação histórica. O primeiro, “The Reconquista and its Legacy, 1000-1348” (capítulo 1), de António Castro Henriques, deve-se tornar um capítulo de referência na historiografia medieval portuguesa a curto prazo. Ele não só é essencial para a compreensão do desenvolvimento agrário medieval português, mas também para a percepção do quão determinantes foram as características dos diferentes ritmos da Reconquista, no território que se tornaria Portugal, para a evolução do desenvolvimento agrícola. Eles estabeleceram as distintas estruturas de direitos de propriedade, os diferentes modelos de exploração da terra, os distintos regimes de plantação e de cultura, assim como ajudaram a condicionar as estratégias de diferentes instituições que tiveram a seu cargo a tarefa de povoar e desenvolver o território. Este período marcará indelevelmente as diferenças entre o norte e o sul do país, a forte persistência do regime senhorial de exploração da terra até bastante tarde, as preferências regionais entre monocultura ou policultura, entre as distintas adaptações do sector à agricultura de mercado ou à pecuária ou ainda à agricultura de subsistência, ainda tão presente em algumas regiões do país.
6 O segundo capítulo que saliento é o de Jaime Reis, o acima mencionado capítulo 6. Pela primeira vez, retrata a evolução do produto agrícola bruto em Portugal em época pré-estatística (1500-1850). Ainda que possa haver alguma cautela sobre a modelização desta informação e da representatividade da amostra documental, este é um grande avanço para a historiografia económica moderna portuguesa. Permite destacar um instável século XVI, um mais estável mas mais estagnado século XVII, e um crescimento assinalável no século XVIII, até cerca de 1740. Depois de 1757, o produto agrícola cresce até 1772, começando a decrescer até ao final das Invasões Francesas. Os fenómenos de setecentos estão bem contextualizados no capítulo anterior, de José Vicente Serrão. A queda das remessas do ouro brasileiro, as alterações políticas entre reinados e o envolvimento de Portugal em conflitos internacionais afectaram a produtividade agrícola, assim como condicionaram o acesso aos mercados de exportação tão importantes para o crescimento da primeira metade da centúria. Acredito que a segunda parte da obra, referente ao período moderno, ganharia se esta abordagem quantitativa (cap. 6) surgisse antes dos capítulos mais qualitativos (3, 4 e 5), pois salientaria a sua complementaridade. Estes explicam detalhadamente a evolução apresentada no capítulo 6. Esta é uma experiência que gostaria de sugerir ao leitor.
7 O volume termina com o capítulo 9, “Agriculture and Economic Development on the European Frontier 1000-2000”, da autoria de Pedro Lains, que se afigura muito além de uma súmula das conclusões anteriores. Depois de observar as grandes fases de crescimento da agricultura portuguesa, conclui que, na realidade, esta teve um crescimento lento, mas contínuo, ao longo do segundo milénio. As grandes inovações neste sector, ainda que chegando normalmente atrasadas e entrando com menos intensidade de que em outros países europeus, foram introduzidas, ainda que sem nenhum movimento disruptivo. Lains argumenta que esta evolução “bem sucedida” da agricultura portuguesa foi sobretudo impulsionada pela conjuntura interna de cada período (condicionantes ambientais, demográficas, de capacidade de investimento), embora reconheça que a “globalização e o crescimento das relações económicas internacionais” foram também relevantes na performance da agricultura nacional (p. 307).
8 Está já provado como o império não teve um impacto muito relevante na economia portuguesa,2 e é já conhecimento consolidado como o ouro foi crucial para o desenvolvimento da agricultura de mercado no século XVIII, em Portugal, mas acredito que as contingências históricas internacionais foram determinantes para o aumento das exportações agrícolas portuguesas, modificando mercados, procura e oferta. Falta ainda avaliar o peso das exportações no consumo total de produtos agrícolas portugueses, que estudos recentes já indiciam.3 O autor compara ainda a realidade portuguesa com a de outros espaços europeus, contestando as teorias da “divergência” ou da “pequena divergência”4 entre os ritmos de desenvolvimento agrícolas do norte e do sul da Europa, nomeadamente desde o século XVI. Comparando as taxas de crescimento do produto agrícola, o capítulo prova que Portugal seguiu as mesmas tendências da maioria dos países europeus, e que os casos da Holanda e da Inglaterra são excepcionais. Esta nova abordagem necessita ainda de um maior debate nacional e internacional entre historiadores económicos e também entre os especialistas em história rural. Esta recensão procura difundir estes resultados e promover tal discussão. Por exemplo, são os dados dos diferentes países compatíveis para serem comparados, nomeadamente no que toca ao período pré-estatístico?
9 Ainda que os diferentes autores da obra venham de diferentes escolas historiográficas – uns com formação puramente de história e outros de formação em economia –, e que tenham escolhido abordagens mais ou menos inovadoras, este volume apresenta uma forte consistência e coesão. Por um lado, todos os autores tentaram respeitar uma grelha de inquérito comum composta pelas seis variáveis acima descritas; por outro lado, os autores remeteram frequentemente para outros capítulos da obra, fazendo notar um esforço colectivo e um cuidado de contínuo conhecimento do trabalho simultâneo dos colegas. O livro foi pensado e preparado como um todo e não como uma soma de contribuições individuais, um processo difícil de implementar neste tipo de publicação. A obra é um excelente manual para o estudo do desenvolvimento da agricultura portuguesa para um público académico, não só nacional, mas também internacional. Uma vez que foi publicada em inglês, permite uma futura abordagem comparativa, em que o cenário português pode ser considerado. Ainda que tenha sido orientado para participar nos actuais debates sobre o fenómeno da divergência económica liderada pelo mundo ocidental,5 o livro acrescenta valor à historiografia portuguesa sobre a temática. Partindo de uma síntese, propõe novas interrogações e abordagens, assim como coloca a agricultura portuguesa em perspectiva face a outros espaços europeus, entrando em contradição com a ideia prevalente de um desenvolvimento agrário baseado na tradição e num atraso crónico.
Notas
1 Orlando Ribeiro, Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico: estudo geográfico. Lisboa: Letra Livre, (…)
2 Leonor Freire Costa, Nuno Palma, Jaime Reis, “The great escape? The contribution of the empire to (…)
3 Cristina Moreira, Jari Eloranta, “Importance of «weak» states during conflicts: Portuguese trade (…)
4 Robert Allen, “Economic structure and agricultural productivity in Europe, 1300-1800”. European R (…)5 Kenneth Pomeranz, The Great Divergence. China, Europe, and the Making of the Modern World Economy (…)
Ana Sofia Ribeiro – Universidade de Évora, Portugal. E-mail: asvribeiro@uevora.pt