Freedom, determinism, and causality – SOBER (FU)

SOBER, E. Freedom, determinism, and causality. In: E. SOBER, Core. Question in Philosophy: A Text with Readings. 5ª ed. New Jersey: Prentice Hall, p.293-302, 2008. Disponível em: http://criticanarede.com/eti_livrearbitrio.html. Acessado em: 06/03/2009. Resenha de: CID, Rodrigo. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.11, n.3, p.348-350, set./dez., 2010.

A primeira tese de Sober é que não podemos agir livremente, a não ser que o Argumento da Causalidade ou o Argumento da Inevitabilidade tenham alguma falha. O Argumento da Causalidade é o seguinte: nossos estados mentais causam movimentos corporais; mas nossos estados mentais são causados por fatores do mundo físico. Nossa personalidade pode ser reconduzida à nossa experiência e à nossa genética. E tanto a experiência quanto a genética foram causados por itens do mundo físico. Assim, o meio ambiente e os genes são os causadores de nossas crenças e desejos. E estes, por sua vez, causam o nosso comportamento. Como, em última instância, não escolhemos nem os nossos genes e nem o meio ambiente no qual adquirimos as nossas experiências, também não escolhemos o nosso comportamento: ele é causado por fatores além do nosso controle; isso nos faz não ser livres. E o Argumento da Inevitabilidade é exposto por Sober assim: se uma ação foi praticada livremente, então deve ter sido possível ao agente agir de outra forma. Mas, dado que as causas de nossas ações são as nossas crenças e desejos, não poderíamos ter agido diferentemente de como elas nos determinam a agir.

A primeira objeção apresentada no artigo é a de que há categorias de ações não livres, como as causadas por lavagem cerebral e por força da compulsão, e que essas diferem substantivamente das ações que são consideradas livres. A resposta de Sober é dizer que não há essa diferença substantiva, e que, por exemplo, a lavagem cerebral é, assim como a educação, apenas mais um tipo de doutrinação. Logo, se a lavagem cerebral nos priva da liberdade, a educação também o fará. E, no caso da compulsão, a única diferença entre as atitudes de compulsivos e não compulsivos seria no conteúdo do que cada um quer: os compulsivos querem coisas que normalmente não queremos – como, por exemplo, lavar as mãos 50 vezes por dia. Mas isso não é motivo para falarmos que eles são menos livres que os não compulsivos.

Depois de responder a objeção acima, Sober se pergunta se pensar as nossas ações como parte de uma rede causal é inconsistente com pensar que pelo menos algumas ações são livres. Sua resposta começa com uma explicação sobre causalidade, determinismo e indeterminismo e depois mostra que esses conceitos se conectam ao problema do livre-arbítrio. Sober vê a causa de um acontecimento como o conjunto de causas que permitem que um acontecimento ocorra. E ele se pergunta se essas causas, mais que permitem, determinam um acontecimento. Se aceitamos que, ao considerarmos todos os fatores causais relevantes para a ocorrência de um certo fenômeno, só um futuro é possível, estaríamos aceitando o determinismo; e se aceitássemos que uma descrição completa desses fatores causais permite a possibilidade de ocorrência de mais de um futuro, então estaríamos aceitando o indeterminismo.

A discussão entre determinismo e indeterminismo acaba se direcionando para a discussão sobre as partículas fundamentais da realidade: se elas forem determinísticas, então tudo que for composto dessas partículas será determinístico, e se elas forem indeterminísticas, assim também o será tudo que for composto dessas partículas. Assim, se as partículas fundamentais forem determinísticas, então os genes, o meio ambiente, as crenças, os desejos e o comportamento das pessoas serão determinísticos. Se tais partículas forem indeterminísticas, então os genes, o meio ambiente, as crenças, os desejos e o comportamento das pessoas não serão determinísticos, ou seja, esses fatores não determinam o comportamento, apenas tornam a sua ocorrência mais provável. Tal probabilidade, no indeterminismo, representa um aspecto genuíno do mundo, e, assim, o acaso é visto como parte da natureza do mundo. Enquanto, no determinismo, tais possibilidades apenas representam a nossa ignorância com relação à descrição completa do mundo ou de certo fenômeno.

Sober, quanto à relação entre determinismo e indeterminismo com a liberdade, nos diz que, se o determinismo nos tolhe a liberdade, o indeterminismo também o faz. Pois inserir o acaso como algo relevante na formação de pensamentos e desejos não nos tornará mais livres; afinal, o acaso também está fora de nosso controle. E o mesmo ocorreria para as nossas crenças e desejos: adicionar o acaso a eles não fará com que o nosso comportamento seja mais livre. O ponto principal da discussão, diz Sober, é o fato de coisas fora do nosso controle causarem o nosso comportamento, e não se somos ou não sistemas determinísticos.

De qualquer forma, para falarmos de sistemas indeterminísticos, teríamos que asserir que é possível haver causalidade num tal sistema. O exemplo que Sober nos dá de causalidade num sistema indeterminístico é assim: há uma roda de roleta, a qual supomos que é um sistema indeterminístico – rodar a roleta não determinará onde a bola irá cair – e que está conectada a uma pistola, de modo que, se sair zero na roleta, a pistola disparará e matará o gato que estava preso em frente à pistola. Suponhamos também que a roleta foi girada e saiu zero. Neste caso, fazer a roleta girar causou a morte do gato; no entanto, “fazer a roleta girar” é um sistema indeterminístico. Logo, é possível haver causalidade num sistema indeterminístico. Dessa forma, a causalidade não requereria o determinismo; ela seria um fato do mundo, mesmo que o determinismo fosse falso. Com isso, Sober quer mostrar que, embora não seja impossível haver um sistema indeterminístico com causalidade, isso não nos daria liberdade, tal como ser um sistema determinístico não daria. O ponto principal, como já foi dito, é a relação entre a liberdade e o fato dos comportamentos serem causados por coisas fora de nosso controle, e não a questão sobre se somos ou não sistemas indeterminísticos.

Sober termina seu artigo falando um pouco da distinção entre determinismo e fatalismo: o primeiro assere que as pessoas têm destinos que não podem ser modificados, independentemente do que elas façam no presente; e o segundo nos diz que é o presente que determina o futuro, ou seja, ele diz que dado o conjunto de crenças e desejos de um agente, seu comportamento será determinado por eles, mas, ao mesmo tempo, permite que, se o conjunto de desejos e crenças fosse diferente, o comportamento seja diferente. O fatalismo nega que nossos desejos e crenças sejam relevantes para o nosso comportamento e que o nosso comportamento seja relevante para o que ocorre. Aceitar que podemos influenciar o que ocorre, diz-nos Sober, é negar o fatalismo, e não o determinismo.

O problema da tese de Sober é que (i) não é tão clara a diferença entre determinismo e fatalismo, se aceitamos o naturalismo, e que (ii) seus argumentos não provam que seja possível haver causalidade num sistema indeterminístico. Penso que (i), pois se um determinismo completo da realidade for verdadeiro ou se o fatalismo for verdadeiro, então desde o início de todas as coisas – ou desde sempre – o destino de cada objeto já estava traçado. E sobre (ii), penso que não é possível supor que a roleta do exemplo de Sober seja um sistema indeterminístico sem cair num regresso ao infinito ou em petição de princípio. Pois, se queremos provar que há causalidade num sistema indeterminístico, não podemos de início pressupor que um sistema determinístico, tal como uma roleta, seria um sistema indeterminístico, pois é a possibilidade de existência de um sistema indeterminístico que deve ser provada antes de falarmos de causalidade num tal sistema. E sobre o regresso, a pressuposição de que precisamos de uma roleta para indeterminar a situação mostra que, para pensarmos que a própria roleta é indeterminística, devemos pensar que há outra coisa a tornando indeterminística – coisa que nos faria ter de pressupor a existência de outra roleta. Mas, para fazer dessa última roleta um sistema indeterminístico, precisaríamos ainda de outra roleta, e assim por diante.

Entretanto, concordo com Sober que o ponto principal na discussão sobre a liberdade é a causalidade, e não a luta entre determinismo e indeterminismo, pois ambos – se um sistema indeterminístico for possível – nos removem igualmente a liberdade. O que me parece que devemos debater – e que também parece a Sober – é se é verdade que “se causas fora de nosso controle determinam nossas ações, então não somos livres” e “se é possível que as escolhas estejam fora dos processos causais”, ou seja, se o argumento da causalidade é inválido.

Rodrigo Cid – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica Largo de S. Francisco de Paula. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: rodrigorlcid@ufrj.br

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