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Escritas de si nas Américas | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2018
Um amplo movimento historiográfico, empreendido a partir dos anos oitenta do século XX, incorporou fontes antes consideradas “acessórias” e/ou “informativas”, concedendo-lhes novo status. Se há bem pouco tempo o indivíduo era apreendido como um elemento frágil e incerto de um “todo” que o sobrepujava, com a readaptação das lentes de análise, a historiografia se dispôs a um arrojado projeto: inquirir-se sobre a concepção de verdade histórica, aproximando-se das perspectivas criadoras e inventivas, emergentes do mundo privado, íntimo e particular. Essas últimas três palavras desvelam o encontro com as práticas cotidianas em escala micro. Igualmente, desvelam a invisibilidade e o anonimato impingidos àqueles que não integravam o rol de lideranças e/ou heróis porque não eram identificados como portadores da capacidade de significar sua experiência no tempo. Seguindo essa argumentação, o sentido de cada uma das palavras mencionadas se amplia, instaurando-se a diferença entre elas. O íntimo e o particular integram o ambiente privado. Entretanto, não se reduzem a ele nem exprimem a convergência de práticas nesse espaço. Por um lado, o particular é íntimo, a depender da interlocução que se produz entre os sujeitos na cena histórica; por outro, o particular pode ser mobilizado por mitos e rituais públicos, sem prejuízo ao segredo íntimo, que permanece resguardado no privado. Por esses cruzamentos, as dicotomias e dissensões entre indivíduo e sociedade desaparecem, dando lugar a uma investigação que privilegia a troca de experiências – no micro, reconhece-se o macro; no indivíduo, exprimem-se as práticas socioculturais. Leia Mais
História e Fotografia: interdisciplinaridade, arquivo e memória / História Revista / 2016
O tema inicial deste dossiê apontava para uma reflexão sobre a articulação entre História e Fotografia, arquivo e memória, tomando esse entrelaçamento nas suas vertentes diversas e do ponto de vista de uma interdisciplinaridade profícua. A intenção era dar ênfase aos interesses da historiografia e da Cultura Visual, dos estudos sobre a Imagem e, até, uma iconografia, ligada à representação da história e da(s) temporalidade(s) que a atravessa(m). Finalizado o trabalho de leitura e organização dos textos recebidos, concluímos que nossa expectativa foi superada pelas reflexões que seguem, pois nelas se enxerga o vigor da interdisciplinaridade e o rigor das análises teórico‐metodológicas.
Podemos, assim, considerar três eixos fundamentais neste dossiê. Um primeiro prende‐se às questões da teoria da história e da historiografia e tem o seu início numa inédita colaboração do prestigiado filósofo Gérard Bensussan. Com o texto Rosenzweig, Schelling et l’histoire: quelques aperçus, veio mostrar‐nos o enraizamento da teoria da história contemporânea, que conhece em Rosenzweig, Ernst Bloch e Walter Benjamin os mais ferozes críticos da concepção hegeliana da história e de todos os positivismos subsequentes. Ainda nessa linha de reflexão, incluimos o texto de Maria João Cantinho, Aby Warburg e Walter Benjamin: a legibilidade da memória, que, ao partir da relação entre o conceito de memória e imagem (incluindo esta noção a representação fotográfica), examina, nos dois mencionados autores, a forma como a história e o passado podem ser interpelados mais figurativamente e menos como narrativa clássica e tradicional. Tais perspectivas abrem o caminho a uma nova visão, tanto da história como da própria história da arte, pondo a tônica numa imprescindível interdisciplinaridade que contamina toda a historiografia contemporânea.
Um outro eixo, ligado às possibilidades que a técnica e a reprodução imprimiram à fixação do passado, começou a impor‐se cada vez mais na fotografia contemporânea, lançando as bases teóricas para uma reflexão imprescindível: a ideia do arquivo fotográfico tornado indispensável à história. Nessa linha, sobretudo ao nível da fundamentação teórica, que antecede as reflexões de Barthes sobre a importância da fotografia como registro e potencialidade da construção do arquivo, temos o texto do filósofo Márcio Seligmann‐Silva, A fotografia na obra de Walter Benjamin: dialéctica congelada e a “segunda técnica”. Duas abordagens interessam a este texto: 1) o papel da fotografia como possibilidade técnica de reprodução, que permite a fixação do testemunho histórico; 2) o modo como a fotografia – expressão máxima de uma época em que a técnica desmonta todo o valor cultual e ritualístico da arte – alavancou, ela própria, a possibilidade (rizomática) de um novo olhar para a história, contribuindo para a construção da historiografia assentada no conceito de “imagem dialéctica”. Acompanha esse exame teórico‐metodológico o texto de Cristina Susigan, Desastres da Guerra, que aponta para as interrogações em torno da representação pela imagem (da pintura, da gravura e da fotografia), pela história e pelo passado. Parte a autora da análise de Aby Warburg e de Susan Sontag e da forma como a catástrofe e os desastres da história são registrados cada vez com maior precisão e rigor, permitindo a criação do arquivo e do testemunho histórico. Se as relações entre a história e a fotografia sempre foram visíveis e inegáveis a partir da década de 1930, graças à importância crescente da fotografia documental, o registro, entretanto, começou muito antes, com a fotografia trazendo uma capacidade de fixação do passado que se acentuou, eficazmente, nos nossos dias. Esse convívio entre ambas, história e fotografia, nem sempre foi fácil, pois os teóricos da fotografia recusavam a ideia de que a fotografia pudesse ser um mero instrumento de utilização para a história, o que poria em causa a sua autonomia. Certo é que essa relação era imperiosa, e tanto uma como a outra beneficiavam‐se dela, no sentido em que a contextualização histórica dava à fotografia uma nova consistência, convocando‐a à construção da história.
Um último vetor engloba os textos de Miguel Vieira e de João Oliveira Duarte, apontando para uma interdisciplinaridade que se encontra aqui contemplada, pois remete‐ nos para as questões da literatura e da Teoria da Literatura, da hermenêutica e da interpretação da obra de reconhecidos escritores portugueses como Sophia de Mello Breyner Andresen e Rui Nunes, repectivamente. Se Miguel Vieira, no seu texto sobre a poeta Sophia, procura resgatar a importância da obra e da biografia da autora, esse não é o mais importante aspecto do texto, todavia. O modo como a literatura e a poesia incorporam uma tradição da epopeia e da narrativa tradicionais, rememorando a mitologia clássica e assinalando o passado, é convocado na sua máxima expressão na poética de Sophia, que estabelece um diálogo vivo com a poesia, a tragédia e a epopeia gregas. Já o texto de João Oliveira Duarte cuida de outra questão mais contemporânea, que é a do luto e da melancolia na experiência moderna e o modo como essa experiência se inscreve na literatura. Por fim, alcançamos o último texto do dossiê, Imagens e estereótipos na construção de uma visão do Brasil nos anos de 1950, de Marlise Regina Meyrer. Nele, encontramos a associação entre a memória afetiva e a identidade, explicitando como a fixação do passado se inscreve, também, em um processo de procura identitária.
Organizamos o dossiê e apresentamos seus temas por meio do que compreendemos como “vetores” ou “eixos”. Isso porque essa foi a opção teórico‐ metodológica que nos capacitou a dar conta do modo pelo qual os autores circulam entre a história, a fotografia e a imagem, contribuindo para uma reflexão pertinente entre as várias disciplinas que aqui dialogam. A escrita que ruma ao passado é comparável a um trabalho arqueológico. Escava, busca o detalhe e, então, ilumina o passado para dele obter um encontro com a explicação e o sentido.
Fabiana de Souza Fredrigo – Professora Doutora (UFG)
Maria João Cantinho – Professora Doutora (Iade, Portugal)
Organizadoras
FREDRIGO, Fabiana de Souza; CANTINHO, Maria João. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, n. 2, maio / ago., 2016. Acessar publicação original [DR]
20 anos da ANPHLAC | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2013
Temos a grata satisfação de apresentar este Dossiê Especial da Revista Eletrônica da ANPHLAC, comemorativo dos 20 anos de existência da Associação. O Dossiê destina-se ao público em geral e especialmente a dois grupos de leitores, não excludentes entre si: de um lado, os professores que atuam nos diversos níveis de ensino e trabalham com História das Américas, e de outro, os interessados no desenvolvimento da História da América Latina no âmbito acadêmico, brasileiro e internacional.
A ideia de realização de um número que visasse refletir sobre as duas décadas de vida da instituição foi sugerida cerca de um ano atrás pelo Prof. Cleverson Rodrigues da Silva (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS). Ela foi recebida pelo Conselho Editorial ao mesmo tempo com euforia e receio. A origem da ANPHLAC está ligada a um esforço coletivo, de professores e historiadores que, vivenciando em suas práticas profissionais uma série de circunstâncias difíceis (como falta de bibliografia especializada e o pouco reconhecimento da área, para ficar só em algumas), associaram-se e promoveram estratégias de colaboração, diálogo e ajuda mútua. Daí o entusiasmo com que acolhemos esta tarefa que guarda, sim, ainda que não exclusivamente, a dimensão comemorativa. Na outra ponta, a preocupação derivava diretamente de um compromisso ético assumido com nosso ofício, qual seja, o de mantermos o pensamento crítico, o que, sabemos, é elemento raramente usual nos eventos celebrativos. Queríamos evitar o simples enaltecimento da efeméride e a mera reiteração dos acontecimentos positivos. Leia Mais