História do Esporte e Comunicação: para além da imprensa e da mídia como fontes | Recorde | 2019

É com imensa satisfação que apresentamos uma seleção de trabalhos envolvidos com temáticas relacionadas à História do Esporte e da Comunicação. A proposta de organizarmos o presente dossiê surgiu de nosso envolvimento em ambas as disciplinas e da percepção de que existem imensas lacunas e possibilidades na intersecção entre elas. Não obstante, a adesão de pesquisadores nos surpreendeu, tanto pela quantidade de submissões, quanto pelo atendimento a algumas das sugestões e provocações que fizemos na chamada de trabalhos.[3] Neste sentido, foi possível organizar um dossiê com temas diversificados, fato que reforça nossa perspectiva de que existe uma via em construção nos estudos do esporte para pesquisadores de diferentes áreas que dialogam com a História do Esporte e a Comunicação.

Isto posto, convidamos os leitores a apreciarem os artigos. Primeiramente, destacamos três trabalhos que abordam o evento Jogos Olímpicos e dois sobre os Jogos Paralímpicos. Elcio Cornelsen e Izidoro Blikstein escreveram “A utilização da mídia em estratégias de marketing político no contexto da Olímpiada de Berlin” buscando identificar a construção da imagem que a imprensa alemã estabelece no momento da realização do evento utilizando um arcabouço conceitual das áreas de Marketing Político, Mídia e Análise do Discurso. Intitulado “Olimpíadas Rio 2016: A (In) Sustentabilidade do nosso Legado”, o trabalho de Roberta Ferreira Brondani e José Carlos Marques apresenta uma crítica ao suposto legado olímpico a partir de uma comparação entre o que apresenta a página “Rio 2016” no Portal do Comitê Olímpico Internacional e o conteúdo de reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo, dois anos após os jogos. O artigo “Os Jogos Olímpicos jamais foram modernos: um ensaio da antropologia simétrica ao longo da história olímpica”, de Carlos Roberto Gaspar Teixeira e Roberto Tietzmann, se utiliza da perspectiva teórica da antropologia simétrica para problematizar a questão da presença dos “não-humanos” nos Jogos Olímpicos, bem como questionar o caráter moderno desses eventos utilizando como referência conceitual a proposta de Bruno Latour em sua obra Jamais fomos modernos (1994).

No que concerne as Paralimpíadas, o artigo de Tatiane Hilgemberg apresenta o desenvolvimento histórico do evento paralímpico em diálogo com as transformações ocorridas nos jogos, no próprio esporte e nas representações da ideia de deficiência. A autora estabelece também um paralelo com estudos críticos da deficiência e apresenta dados de sua pesquisa sobre a cobertura das Paralimpíadas pelo diário O Globo. Em “Paralimpíadas Escolares (2006-2018): evidências em mídias digitais acerca do evento esportivo”, Giandra Anceski Bataglion e Janice Zarpellon Mazo abordam o tema a partir de uma perspectiva local, descrevendo detalhadamente as composições históricas para a organização das Paralímpiadas Escolares no Brasil e buscando identificar agentes importantes, bem como sua repercussão em mídias digitais.

Dois trabalhos que relacionam a Economia com temáticas histórico-comunicacionais não apenas trazem discussões importantes, mas apontam promissoras e pouco exploradas sendas de investigação. Anderson David Gomes dos Santos apresenta uma pesquisa sobre os direitos de transmissão em eventos esportivos no Brasil articulando o tema com um estudo sobre a legislação desportiva no país. Trata-se de uma abordagem inovadora no âmbito da discussão de políticas públicas e econômicas sobre esporte que faz parte de um trabalho comparativo mais amplo com outros países latino-americanos (Argentina e México).

O trabalho coletivo capitaneado por Ana Carolina Vimieiro parte de uma perspectiva histórica da economia política do futebol para analisar criticamente as transformações, contradições e conflitos na mais recente “onda” do processo de mercantilização do futebol no país. Para tanto, as autoras utilizam conceitos como neoliberalização, comodificação e hibridação e uma análise empírica de tradicionais aspectos da organização estrutural e das relações de poder na conformação do futebol brasileiro no século XXI.

Quatro trabalhos se voltam para países latino-americanos, utilizando diferentes fontes para debater aspectos relativos aos próprios países ou à relação com outras nações.

Andrés Morales apresenta aspectos de sua atual pesquisa de doutorado sobre a representação simbólica da final de 1950 no imaginário coletivo dos uruguaios. Trabalhando com o conceito de hibridação de Néstor Canclini para analisar o discurso em diversas fontes da imprensa do país, o autor aponta também a importância do rádio e os vínculos politicos presentes nos diferentes meios de comunicação. Uma reflexão sobre a hipótese de “Maracanização” da sociedade uruguaia e sua influência no próprio futebol do país complementam o artigo, que aponta novos caminhos de investigação sobre um tema paradigmático nos estudos que relacionam Copas do Mundo e identidade nacional tanto no Brasil quanto no Uruguai.

O artigo de Gastón Laborido apresenta uma contextualização histórica dos fatores que possibilitaram a introdução do futebol na cidade de Montevidéu e a entrada desse esporte nos veículos da imprensa no início do século XX. A hipótese de um processo de “criolização” do futebol uruguaio, que teria surgido a partir da formação de um estilo de jogo híbrido, marcado pela presença de imigrantes que se contrapunham à forma britânica de praticá-lo, é reforçada e analisada nos discursos dos periódicos citados.

A partir de uma perspectiva da Nova História Política, o artigo de Alvaro do Cabo aborda questões sobre a Copa do Mundo de futebol realizada na Espanha em 1982. A primeira parte do trabalho é uma contextualização da conjuntura histórica que possibilitou a realização do torneio no país europeu: a transição democrática após a longa ditadura franquista. O segundo item utiliza os periódicos argentinos Clarín e El Gráfico para analisar as expectativas em torno da participação da seleção argentina, então campeã do mundo, na Copa de 1982, em meio a um contexto político marcado pelo conflito bélico com a Inglaterra, conhecido como Guerra das Malvinas.

Leda Soares e Carlos Guilherme Vogel analisam a série de ficção Club de Cuervos, uma produção latino-americana ambientada no México. Além de uma interessante contextualização da propagação do espaço midiático ocupado pelos seriados televisivos nas últimas décadas, com uma nova dinâmica estética e moral a partir do aumento das televisões fechadas e os canais a cabo, os autores observam uma questões de gênero, preconceito e homofobia no enredo da série. Tendo como tema central o futebol, a série possibilita a discussão de representações sociais em um ambiente latino-americano masculinizado.

Os dois trabalhos que complementam este seleto dossiê versam sobre o futebol e os estudos das crônicas da imprensa. A pesquisa de Nei Jorge dos Santos Junior ressignifica a perspectiva crítica do cronista Lima Barreto sobre a prática do futebol no início do século XX. O olhar a partir de diversas fontes impressas demonstra que a crítica ao esporte se insere em um contexto de defesa e tensionamento mais amplo que enxerga o futebol como uma prática até então elitista e excludente inserida em um discurso preconceituoso sobre as classes menos favorecidas e o “ethos” suburbano. Antes de ser um inimigo do futebol, o literato suburbano seria um crítico das representações geradas pelo futebol amador e os ”sportsman”.

O trabalho de André Couto sobre os cronistas do Jornal dos Sports conjuga uma análise temática que problematiza as principais características do jornal no período estudado, destacando o direcionamento para questões clubísticas e denuncistas e desenvolvendo uma espécie de taxonomia sobre as especificidades dos articuladores. Trata-se de um modelo que pode servir aos estudos que relacionam cronistas esportivos e imprensa em função da tipologia proposta.

O dossiê se completa com uma entrevista realizada por Silvana Goellner com a jornalista Isabelly Morais, que marcou as transmissões sobre Copas do Mundo na televisão brasileira ao narrar a estreia da seleção brasileira no torneio realizado na Rússia em 2018. A conversa explora a trajetória profissional da narradora, desde o período em que cursou Comunicação Social/Jornalismo o trabalho como narradora de futebol no rádio e na televisão.

Agradecemos aos autores que submeteram trabalhos e ao precioso trabalho de avaliação realizado pelos pareceristas. Boa leitura!

Notas

3. A chamada encontra-se em https://historiadoesporte.wordpress.com/2018/09/14/revista-recorde-chamadapara-dossie-historia-do-esporte-e-comunicacao-para-alem-da-imprensa-e-da-midiacomo-fontes/ .

Rafael Fortes – Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Comunicação. E-mail: rafael.soares@unirio.br

Álvaro do Cabo – Professor da Universidade Cândido Mendes. Doutor em História. E-mail: alvarodocabo@yahoo.com.br


FORTES, Rafael; CABO, Álvaro do. Apresentação. Recorde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR].

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Fontes e Métodos na escrita da História: novas perspectivas de abordagens / Revista Maracanan / 2017

“Sem documentos, sem história”.[1] A máxima, tão conhecida por historiadores de formação – ainda que nem sempre compreendida, de fato –, tem origem no tempo em que se ansiava para a disciplina um estatuto científico. Apesar da atualidade ainda permanente desse debate sobre a história ser ou não ciência, é inquestionável a transformação pela qual passou a substância do trabalho do historiador ao longo do tempo, desde a publicação de Introdução aos Estudos Históricos (1898).

O que nunca se transformou foi a crença de que o cerne da operação historiográfica centra-se no trato direto com as fontes.[2] Mesmo os críticos mais tenazes de Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos (para nos restringirmos à tradição francesa) jamais deixaram de lado a possibilidade de se fazer história partindo de uma dada “realidade” do que foi. A fonte seria isso, essa possibilidade, ou caminho.

Evidentemente que a natureza do que se entende por fonte modificou-se na mesma medida em que a ciência histórica amadureceu. Para Marc Bloch e Lucien Febvre, ela poderia ser “qualquer coisa”, desde que colaborasse em responder às perguntas formuladas pelo historiador – a famosa concepção de história-problema. Autores igualmente importantes no campo da teoria da história qualificam fonte como “vestígio”, como o italiano Carlo Ginzburg. [3] Assim, mais do que um documento escrito, oriundo, normalmente, da burocracia estatal, como criam os metódicos, o historiador deve apelar para aquilo que restou do passado no seu presente. [4]

Mas, então, como realizar esse trabalho?

Partindo do método crítico, diriam alguns. Sim, aquela forma de tratar a fonte também evidenciada em Introdução aos Estudos Históricos, não à toa considerado um manual da escola metódica, a partir da influência alemã. O historiador deve questionar o documento, contextualizá-lo, atentar para suas especificidades. Saber, em última análise, quem o produziu, por que e para quem. Havia também certa obsessão em distinguir um documento original de uma falsificação, herança dos eruditos desde o Renascimento. [5] Afinal, como um documento falso poderia trazer a verdade de que necessitava o historiador?

Ao longo do novecentos, essa postura também se alterou. No seu mais famoso trabalho, Bloch indica que mesmo a falsificação pode subsidiar o historiador. Sempre importa sua questão, aquilo que, com os olhos do presente, ele busca investigar no passado. De todo modo, a análise crítica, juntamente com a comparação, seguiu vital para o historiador profissional. “O testemunho só fala quando questionado” [6] torna-se nossa nova máxima. Tal questionamento, entretanto, segue um roteiro semelhante ao anterior: quem disse, por que, com que intenção? Se mentiu, por que o fez?

Até mesmo após os fundadores dos Annales, o método crítico não perdeu sua majestade. Qualquer historiador que se preze deve tê-lo em mente no processo de pesquisa. No entanto, assim como a concepção do que pode ser fonte, aquilo que se entende por metodologia histórica também foi alterada – ou melhor, ampliada.

Como métodos, entende-se a maneira de tratar a fonte. Mesmo com os críticos pós-modernos indagando se haveria alguma possibilidade de encontro do historiador com uma realidade prévia (ou, ao fim e ao cabo, se a própria realidade existiria, diriam eles), e, portanto, questionando esse lugar da fonte e do método, ainda hoje, grosso modo, os profissionais que fazem história centram sua análise no passado presente que é a fonte. E fazem isso tendo em vista não só a crítica histórica, mas uma série de metodologias que surgiram e vem surgindo ao longo dos anos.

Hoje existem inúmeras possibilidades sobre a forma como a fonte pode ser investigada, tratada, ou, como diria Bloch, interrogada. Análise dos discursos, história oral, história comparada, história dos conceitos, história serial e história quantitativa são apenas algumas delas. Métodos e formas que nos abrem um enorme leque de alternativas para o fazer histórico. O presente dossiê tem como propósito contar um pouco dessa história, reunindo de forma plural uma variedade de fontes e métodos utilizados pelos autores para a elaboração de seus artigos.

Em “A estranha vida dos objetos: Os alcances e limites de uma historiografia da ciência a partir dos instrumentos científicos”, Janaína Lacerda Furtado reflete acerca da cultura material como fonte e objeto para o historiador, a partir de uma análise das propostas teóricas e metodológicas surgidas nos últimos anos em torno da temática. Também Tiago Luís Gil, em seu artigo “As Listas Nominativas de habitantes como fontes para a história dos preços, 1798- 1810”, apresenta ao leitor as possibilidades de trabalho com um tipo específico de documento – as listas nominativas de habitantes – apresentando-o como fonte relevante para tratar do período colonial brasileiro, sobretudo no que diz respeito ao estudo dos preços. Já Paulo Roberto de Jesus Menezes contextualiza as “galerias ilustradas”, em “Retrato, Biografia e Conhecimento Histórico no Brasil oitocentista”. Além disso, o autor investiga como tais fontes são importantes por portar uma determinada memória a partir da conexão entre imagens e textos.

Os historiadores Francisco Gouvea de Souza, Géssica Guimarães Gaio e Thiago Lima Nicodemo propõem em seu texto “Uma lágrima sobre a cicatriz: O desmonte da Universidade pública como desafio à reflexão teórica (#UERJresiste)” uma discussão em torno do nosso ofício, enquanto pesquisadores e professores, tomando a própria historiografia como fonte de pesquisa, e o fazer histórico, por conseguinte, como objeto de estudos. Outro artigo elaborado coletivamente, “‘Entre os artistas amigos o momento bom de ternura é o aparecimento de obra nova’: O exercício da crítica literária na correspondência de Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade (1924-1928)”, de Giuseppe Roncalli Ponce León de Oliveira, Marinalva Vilar de Lima e José Machado de Nóbrega, busca privilegiar as cartas trocadas entre aqueles intelectuais na década de 1920. A partir desse caminho, observou-se o debate de ideias entre os pares, sobretudo no que dizia respeito à crítica literária, tão fundamental para a configuração do movimento modernista brasileiro.

Em “A Lei de Terras de 1850 e os Relatórios do Ministério da Agricultura entre 1873- 1889”, Pedro Parga Rodrigues seleciona os referidos relatórios como fontes centrais para a pesquisa. Ao fazê-lo, traz uma nova leitura da problemática exposta, partindo do princípio, por exemplo, de que os relatórios indicam que a aplicação da legislação não foi homogênea em todo o território nacional, indicando a necessidade do olhar específico do historiador para compreender as vicissitudes de cada província.

Robério Américo do Carmo Souza, ao finalizar os artigos que compõem a parte temática do dossiê, problematiza a narrativa oral, refletindo sobre sua própria construção como fonte. Tal elaboração é feita ativamente, vale lembrar, pelo historiador. “Narrativas orais como fontes para uma compreensão histórica da experiência vivida” faz parte, portanto, de um contexto investigativo importante para o campo da história oral – metodologia em crescente uso pelos historiadores, ainda que, de certo modo, permaneça sendo objeto constante de julgamentos por parte dos mais críticos.

Esta edição é enriquecida, ainda, com uma entrevista, uma tradução, além de notas de pesquisa, um artigo livre e um depoimento. Em uma agradável conversa, o arquivista Jaime Antunes, nos brindou com as memórias dos [muitos] anos em que esteve à frente da direção-geral do Arquivo Nacional. Antunes destacou aspectos de sua trajetória profissional, desde o seu primeiro estágio com ênfase para os esforços que possibilitaram a Lei de Arquivos, assim como sua importante atuação para garantir a aprovação da Lei de Acesso à Informação. Legislações recentes que asseguraram, não apenas aos historiadores, mas também ao público em geral, a disponibilidade dos documentos históricos, atravessando, para tanto, as polêmicas que ainda envolvem os arquivos da Ditadura Militar no Brasil. Ao longo da entrevista concedida à Revista Maracanan, Antunes relatou os tortuosos caminhos percorridos pelas leis de abertura de documentos ao público e a criação do “Centro de documentação Memórias Reveladas – Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985)”.

Em trabalho conjunto, Beatriz de Moraes Vieira e Renata Duarte nos apresentam a tradução do artigo “A escrita da história: Entre literatura, memória e justiça”, de Enzo Traverso. Um texto que nos ajuda a pensar questões metodológicas debatidas pelos historiadores nos últimos vinte anos, desde a natureza da história enquanto narrativa, até a relação entre a escrita da história e a justiça, recuperando que a história é, sobretudo, um ato de escrita.

Em um estudo sobre as redes constituídas por letrados brasileiros e portugueses no final do século XIX, Rodrigo Perez Oliveira, se debruça em seu artigo “Uma República luso-brasileira das letras: a interlocução entre Eduardo Prado, Ramalho Ortigão e Eça de Queirós no final do século XIX” sobre a correspondência entre os escritores mencionados para compreender as angústias e inquietudes desta intelectualidade luso-brasileira.

Nesta edição apresentamos três notas de pesquisa. Em “A Colônia Juliano Moreira e seus homens ‘desviantes’ (1930-1945)”, as autoras Anna Beatriz de Sá Almeida, Ana Carolina de Azevedo Guedes, Renata Lopes de Almeida Marinho e Aléxia Iduíno Duarte de Mello voltam um olhar cuidadoso para o “tratamento” da homossexualidade. Partindo de um espaço que desperta a atenção de diferentes campos de estudo, atravessam o período varguista, buscando refletir sobre o ideal de masculinidade desta conjuntura. A partir de uma contribuição estrangeira, Rodrigo Cabrera Pertusatti se debruça sobre o estudo de duas línguas da Baixa Mesopotâmia, o sumério e o acádio, em “Consideraciones en torno al contacto entre lenguas y el cambio lingüístico. Repensando el bilingüismo sumerio-acadio del tercer y segundo milenio a. C.1”. O texto de Thiago Bastos de Souza apresenta os resultados parciais de sua dissertação de mestrado. Em “Recopilación Historial / Historia de Santa Marta: notícias de uma ficção política” o autor objetiva a formulação conceitual de ficção política, enquanto uma categoria de análise sobre a crônica Recopilación Historial, escrita pelo provincial da ordem franciscana frei Pedro de Aguado para o Vice-Reino da Nueva Granada no século XVI.

Por fim, pensando a interface entre as fontes e os métodos de pesquisa, a historiadora Márcia Motta, rompe com as especificidades e limites das áreas de conhecimento. Em seu depoimento, “Um INCT em construção: Proprietas (História Social das Propriedades e Direitos de acesso)”, discorre acerca da construção de uma rede multidisciplinar de pesquisadores, norteados por um tema comum de pesquisa, a propriedade e o direito de acesso. O depoimento nos mostra, além da identidade da Rede Proprietas, e de todo o trabalho da equipe envolvida, o quanto o potencial de nossos pesquisadores é capaz de alcançar quando lhes são concedidas as condições para que isso ocorra. Diante das crises que assolam a todas as instituições de ensino, ciência e tecnologia, produção de conhecimento ou salvaguarde do patrimônio – histórico, artístico, documental, intelectual, etc. –, tais escritos nos levam a refletir acerca de diversas questões que permeiam nossa sociedade. Deste modo, a publicação do referido dossiê foi uma conquista dos professores e pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em tempos de crise, continuamos resistindo.

Notas

  1. LANGLOIS, Ch. V.; SEIGNOBOS, Ch. Introdução aos Estudos Históricos. São Paulo: Renascença, 1946, p. 15.
  2. CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica – 1. Um lugar social. In: A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 65-77.
  3. Ginzburg, além de entender a fonte como vestígio, indica o trabalho do historiador como algo aproximado ao de um detetive. Cf. GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-180.
  4. “A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando eles existem. Mas ela pode fazer-se, ela deve fazer-se sem documentos escritos, se os não houver. Com tudo o que o engenho do historiador pode permitir-lhe utilizar para fabricar o seu mel, à falta das flores habituais. Portanto, com palavras. Com signos. Com paisagens e telhas. Com formas de cultivo e ervas daninhas. Com eclipses da lua e cangas de bois. Com exames de pedras por geólogos e análises de espadas de metal por químicos. Numa palavra, com tudo aquilo que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”. FEBVRE, Lucien. Combates pela história. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 249.
  5. Cf. FURET, François. O nascimento da história. In: A oficina da história. Lisboa: Gradiva, p. 109-135; PAYEN, Pascal. A constituição da história como ciência no século XIX e seus modelos antigos: fim de uma ilusão ou futuro de uma herança? História da historiografia, Ouro Preto, n. 6, p. 103-122, mar. 2011.
  6. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 78.

Ana Carolina Galante Delmas – Professora com vínculo pós-doutoral ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGH-UERJ). Possui graduação, mestrado e doutorado em História pela UERJ. Suas pesquisas têm se voltado para a história do Brasil no período joanino e história do Brasil Império, privilegiando as abordagens no campo da história política, da história cultural e da história do livro e da leitura. Integra o Laboratório Redes de Poder e Relações Culturais (UERJ) e o Grupo de Pesquisa Ideias, cultura e política na formação da nacionalidade brasileira – CNPq.

Marina Monteiro Machado – Professora da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE-UERJ) e do Programa de Pós-Graduação em História da mesma instituição. Possui graduação em História pela Universidade Federal Fluminense e mestrado e doutorado em História Social pela mesma instituição. Atualmente, é coordenadora de curso da FCE-UERJ; integrante do Núcleo de História Rural; membro-fundador e vice-coordenadora do INCT Proprietas. É autora do livro Entre Fronteiras: posses e terras indígenas nos sertões (Rio de Janeiro, 1792-1824) (Horizonte / Unicentro / EdUFF, 2012).

Isadora Tavares Maleval – Professora da área de Teoria e Metodologia da História no Departamento de História de Campos da Universidade Federal Fluminense (CHT-UFF). Possui doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGH-UERJ); cumpriu estágio doutoral na Université Paris-Sorbonne e pós-doutoral no Departamento de História da UERJ. É especialista em temas relacionados à teoria da história, historiografia, história do Brasil Império e história do livro e da leitura.


DELMAS, Ana Carolina Galante; MACHADO, Marina Monteiro; MALEVAL, Isadora Tavares. Apresentação. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, n.17, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História das Américas: fontes e historiografia / História Unisinos / 2014

Este dossiê foi organizado a fim de estimular reflexões sobre história e historiografia das Américas, campo que, talvez pelas dificuldades que apresenta, não encontra no Brasil o mesmo desenvolvimento verificado em outras áreas de estudo. As dificuldades a que nos referimos podem ser observadas em vários aspectos, mas saltam à vista, sem dúvida, quando se nota a enorme amplitude circunscrita pelo conjunto denominado “Américas”. Do Canadá à Patagônia, da Nova Inglaterra a Santiago, os processos históricos e os estudos historiográficos se multiplicam a cada momento. De fato, são poucos os trabalhos que se propõem a realizar uma história colonial do continente em sua integridade. Mesmo textos clássicos como os de John H. Elliott, Empires of the Atlantic World (2006), e David Brading, Th e First America (1991), por exemplo, optaram por não abordar sistematicamente a América portuguesa.

Ademais, e aqui reside outra dificuldade, sempre há a tentação de se analisar a época moderna nas Américas por meio de perspectivas nacionalistas. Não raro encontramos pesquisas cuja área de interesse é definida por palavras-chave eloquentes, a exemplo de “História colonial do México” ou “História da Argentina colonial”, o que é compreensível. É realmente mais cômodo dizer a um leigo, ou ao colega interessado em sua pesquisa, que você estuda o “Chile colonial” do que explicar que se trata de uma análise dos súditos castelhanos na cidade de Santiago e de suas relações com os nativos da região em meados do século XVII. Porém, eficazes como recurso didático para contextualizar o objeto de estudo, tais expressões não podem obscurecer a reflexão a respeito do tempo e do refinamento necessário aos historiadores para evitar anacronismos e o viés teleológico. No limite, o recorte nacionalista pouco contribui para a elucidação de processos históricos, que podem ser mais bem compreendidos à luz de conexões que não se conformam aos marcos dos estados-nação, mas, ao contrário, colocam em tela espaços mais amplos.

Como o leitor poderá acompanhar nas páginas seguintes, alguns dos trabalhos que compõem este dossiê enfrentaram o desafio de propor reflexões para escalas de análise bastante ampliadas, pensando, inclusive, em termos de uma história atlântica ou de conexões atlânticas para compreensão da história americana. Tal é o caso dos dois artigos que abrem este número de História Unisinos. Abismos de la memoria: escritura y descubrimientos oceánicos. Una aproximación metodológica, artigo de Carlos Alberto González Sánchez, propõe ao leitor uma reflexão metodológica sobre os escritos elaborados durante os descobrimentos. Tais fontes, amplamente conhecidas pelos historiadores, permitem ao autor ir além dos “usos tangenciais” que dela se tem feito e indagar acerca da cultura escrita e de práticas culturais e intelectuais constituídas com a expansão ibérica.

O aporte metodológico do primeiro artigo é complementado pela proposta conceitual do segundo. A tradução para o português de Th ree Concepts of Atlantic History, de David Armitage, traz ao público brasileiro um texto repleto tanto de boas perguntas quanto de respostas instigantes. “Podem os historiadores ter esperanças de serem capazes de dizer qualquer coisa substancial sobre uma história que, em sua forma mais expansiva, conecta quatro continentes ao longo de cinco séculos?”. Para buscar respostas a essa e a outras questões, Armitage propõe três abordagens espacial e temporalmente diferenciadas – História Circum-Atlântica, História Trans-Atlântica e História Cis-Atlântica – que, sem ser excludentes, podem propiciar as condições para a escrita de uma história tridimensional do mundo Atlântico.

Da mesma maneira que pensar a historiografia sobre as Américas implica considerar os problemas de escala, os historiadores também devem ter em conta as diversas “camadas” interpretativas que se construíram ao longo de cinco séculos. Há que se considerar que a escrita da História das Américas assumiu formas diversas, acompanhando mudanças heurísticas e paradigmáticas advindas de debates teóricos, epistemológicos e historiográficos que sacudiram, com impactos ora moderados ora radicais, a própria ciência e suas certezas. Na formação desse maciço de interpretações, tanto a escolha das fontes como a opção por determinado aparato conceitual no momento de atribuir sentidos aos fatos são reveladores dos diferentes lugares ocupados pelos historiadores.

Talvez um exemplo notável seja o aparecimento, nos anos 1950, de uma corrente historiográfica na América Latina que, ao recontar os episódios da conquista e colonização, pretendia dar voz aos vencidos, aos indígenas. As discussões sobre o lugar dos latino-americanos na conjuntura política da época; os debates mais amplos em torno da descolonização no pós-guerra; os refinamentos da história social; as críticas às visões de mundo eurocêntricas: de um modo ou de outro, esse conjunto contribuía para a mudança de visada proposta por historiadores como Miguel León Portilla (2007) e Nathan Wachtel (1977). Pois é justamente com esse projeto historiográfico de dar à luz “o reverso da história” que dialoga o artigo de Eduardo Natalino dos Santos, As conquistas de México-Tenochtitlan e da Nova Espanha. Guerras e alianças entre castelhanos, mexicas e tlaxcaltecas.

Partindo dos pressupostos da “história dos vencidos”, apropriadas mais tarde (a partir de finais da década de 1970) pelos intérpretes da mestiçagem e do hibridismo coloniais, Eduardo N. dos Santos retoma o tema clássico da conquista do México valendo-se de outros documentos e de sentidos diferentes. Ao ampliar o rol de fontes e fundamentar sua análise em escritos nahuas, tais como o Lienzo de Tlaxcala, o Lienzo de Cuauhquechollan e o Códice Vaticano A, Santos sustenta que as guerras e alianças ocorridas entre castelhanos e cidades mesoamericanas nos anos da conquista serviram de gatilho para as ações políticas e militares posteriores, que colocaram espanhóis e indígenas lado a lado durante a expansão castelhano-nahua pela Nova Espanha. Ao defender tal argumento, o artigo recoloca o debate sobre a interpretação que considerou “vencidos” a todos os ameríndios, de modo indistinto. E ainda, de maneira igualmente importante, estimula uma reflexão sobre o equívoco de analisarmos os processos históricos iniciados em 1492 com base em uma divisão essencialista entre índios e brancos.

A exemplo dos códices acima referidos, ao longo do período colonial produziram-se registros de várias naturezas sobre as experiências vividas no Novo Mundo: o contato com os indígenas, a montagem dos mecanismos administrativos, as experiências de catequese, as revoltas e rebeliões, o cotidiano, dissensões e acordos, as guerras etc. Os autores desses relatos foram, em muitos casos, religiosos, funcionários da burocracia, indígenas educados em colégios, soldados, e toda sorte de pessoas alfabetizadas em um mundo profundamente iletrado. As crônicas, histórias, descripciones, sumários, relações, memórias etc. constituem um corpus documental privilegiado, tanto por aquilo que elas informam como pelo modo como o fazem.

Essa dupla dimensão analítica, isto é, envolvendo conteúdo e forma, é ressaltada em “Ciegos o enganados”: narrativas sobre a conquista espiritual do Norte da Nova Espanha (séculos XVII e XVIII), artigo assinado por Luiz Estevam de Oliveira Fernandes e Luis Guilherme Kalil. Nesse texto, os autores partem de relatos elaborados por missionários franciscanos e jesuítas a fi m de compreender as representações construídas pelos religiosos sobre os ameríndios das regiões ao norte do vice-reino da Nova Espanha. Ao evitar a armadilha de apontar o que é realmente indígena e o que é de fato europeu naquelas fontes, o artigo reflete sobre as estratégias retóricas e modelos narrativos empregados pelos cronistas, sublinhando dois eixos analíticos, já implícitos em seu próprio título, observados em relação a um par antitético: ação demoníaca / providência divina em contraposição a agência humana / livre-arbítrio. Com isso, os autores movem-se entre os relatos deixados pelos missionários e os lugares (sociais, institucionais, temporais) por eles ocupados, em uma dinâmica cuja compreensão pode ampliar o entendimento que temos sobre a chamada conquista espiritual do norte da Nova Espanha e acerca de algumas características dos grupos ameríndios daquela região.

Enquanto os missionários analisados por Luiz Estevam e Luis Guilherme narravam seus sucessos e vicissitudes entre o bem e o mal na América, podiam-se observar algumas mudanças na percepção da “historiografia” europeia sobre o Novo Mundo, no século XVIII, especialmente no que se referia aos relatos coloniais, que foram alvos de fortes críticas. Escrever uma nova História da América tornou-se o eixo central da renovação cultural promovida pelos Bourbon, mas também houve mudanças na visão lançada desde a Europa do Norte, o que gerou respostas americanas. Estamos nos referindo ao que se convencionou denominar “Polêmica do Novo Mundo”. Em linhas gerais, podemos afirmar que se passou a privilegiar, como fontes primárias, os dados produzidos pela burocracia da administração das colônias, as chamadas “fontes públicas” em detrimento do conjunto de escritos elaborados por diferentes agentes.

O artigo de Alexandre Camera Varella, A queda do homem civil: os antigos mexicanos e peruanos na “History of America” de William Robertson, analisa o livro produzido em 1777 pelo historiador escocês, justamente no seio desta “querela de América”. A obra de Robertson teve forte repercussão na época em que foi escrita, tendo sido avidamente procurada pelo público leitor e disputada pelos editores que competiam por seus escritos. Sua produção deu-se em conexão com uma série de escritos que renovavam os estudos sobre a história do Novo Mundo. Desta forma, Varella conduz em seu artigo uma discussão das análises de Robertson acerca do estado de coesão social das populações indígenas do Novo Mundo, bem como de suas apreciações sobre os obstáculos enfrentados por mexicanos e peruanos para alcançarem uma vida civil em plenitude.

Ainda no que se refere a fontes do século XVIII, o dossiê traz o artigo de Márcia Eliane Souza e Mello, que se ocupa da análise de um conjunto documental bastante frequentado pelos historiadores do século XX: os processos inquisitoriais. A autora de Inquisição na Amazônia colonial: reflexões metodológicas discute questões relativas ao tratamento analítico de fontes inquisitoriais, apresentando uma experiência de pesquisa quantitativa sobre a atuação do Tribunal do Santo Ofício no Estado do Maranhão e Grão-Pará. Márcia Mello reconhece entre alguns trabalhos atuais acerca da Inquisição uma tendência em seguir os parâmetros analíticos da produção clássica sobre o tema, não contemplando, na medida desejada, os contextos e realidades coloniais, isto é, as especificidades locais dos casos analisados. Para a autora, é importante não tratar as fontes inquisitoriais como “conjuntos isolados”, mas sim, na medida do possível, cruzar dados e “criar novas visões a partir do objeto e dos problemas que o historiador formula para sua pesquisa”, postura que potencializaria o “estudo de variados temas que têm como pano de fundo as relações sociais, como a escravidão, as práticas religiosas, os intercâmbios culturais e as redes de poder, etc.”.

O artigo de Guillermo Wilde, Adaptaciones y apropiaciones en una cultura textual de frontera: impresos misionales del Paraguay Jesuítico, por sua vez nos apresenta a análise de um conjunto de impressos nas missões guaranis do Paraguai, os quais ele indica que vêm a ser apenas uma parcela do importante do universo textual missionário que se encontra disperso em bibliotecas e arquivos de diversas partes do mundo. Incitado pelos estudos que têm, nos últimos anos, aprofundado e renovado a “história dos livros”, Wilde retoma algumas interpretações e propõe fecundas linhas de investigação deste corpus. O autor indaga, assim, sobre as características dos impressos missionais, suas circunstâncias de produção, as informações que eles nos oferecem e sobre a operação que os transforma em fontes documentais para o estudo da cultura missional, entre outros aspectos.

Ao propor uma tipologia preliminar que distingue três orientações entre tais impressos, o autor avalia que ela deve ser considerada como “um ponto de partida” para o estudo dos usos sociais dos impressos missionários, o qual se relaciona com os quadros de uma história cultural mais ampla. Neste sentido, é preciso ter em conta a inserção de tais textos junto a outros suportes da memória missional (como as imagens ou a música), e a relação entre os textos (ou a escrita) e a oralidade. Mas, também, a relação entre conjuntos missionais de diferentes áreas (Peru e Paraguai, por exemplo), a qual era facilitada pela circulação de jesuítas. Finalmente, Guillermo Wilde destaca a importância de considerarmos a circulação intercontinental de impressos e a formação de bibliotecas missionais, evidenciando a riqueza do tema para romper com as anacrônicas divisões entre espaços de análise, que indicamos mais acima.

Iniciamos a apresentação deste dossiê apontando a escassez de estudos que procurem desafiar uma historiografia que convencionalmente aceitou, como categoria analítica, a divisão entre os impérios luso e hispânico, ou ainda, as fronteiras nacionais que emergiram dos processos de independência nas Américas do século XIX. Assim como o trabalho de Wilde, também o texto de Tiago Gil, Elites locais e changadores no mercado atlântico de couros (Rio Grande e Soriano, 1780-1810), desvela uma importante contribuição para pensarmos em outras possibilidades analíticas. Neste último caso, trata-se de um estudo que propõe a análise do desenvolvimento e manutenção de redes que envolviam o comércio de couros, tabaco, aguardente e escravos alinhavando pontos entre Buenos Aires, Rio de Janeiro, Lisboa e Madri. Mais ainda, afinado com as orientações recentes da história social, o artigo discute as estratégias sociais de criação dessas redes envolvendo toda uma gama de sujeitos, entre os quais estavam negociantes e as elites locais, mas também peões, escravos, marinheiros, e os chamados changadores, sobre os quais o autor se interessa particularmente.

A revista traz ainda uma entrevista com a historiadora Patrícia Seed, bastante conhecida do público brasileiro por sua obra Cerimônias de posse na conquista europeia do Novo Mundo (Seed, 2000) produzida em 1995 e publicada no Brasil em 2000. Especialista em história da cartografia e da navegação, Seed dedicou-se, em boa parte da sua carreira, ao estudo do início da era moderna e da colonização europeia do Novo Mundo, especialmente em relação às culturas ibéricas. Ao longo da entrevista, Seed discorreu, entre outras coisas, sobre seus temas de investigação e sobre as opções teórico-metodológicas que orientam suas pesquisas. Avaliou, também, a repercussão alcançada por sua obra mais conhecida às vésperas do vigésimo ano de sua publicação.

O dossiê História das Américas: fontes e historiografia oportuniza, pois, aos interessados um conjunto de trabalhos que aceitaram o desafio de produzir uma reflexão sobre as diversas maneiras de se escrever história nas Américas, os intercâmbios eruditos e os tipos de crítica documental (além do próprio estatuto do que é considerado documento). Mas, também, sobre a publicação, circulação e as formas de leitura do texto historiográfico, desde os tempos coloniais até a produção mais recente sobre o continente. Juntamente com os editores e autores do presente número da revista História Unisinos, a quem agradecemos pelas valiosas contribuições, esperamos (e desejamos) que este dossiê possa ser um aporte ao campo dos que se dedicam à história americana, e que ele estimule outras publicações de mesma natureza.

Referências

BRADING, D.A. 1991. The first America. The Spanish Monarchy, Creoles Patriots and the Liberal State, 1492-1867. Cambridge, Cambridge University Press, 761 p.

ELLIOT, J. 2006. Empires of the Atlantic World. Britain and Spain in America, 1492-1830. New Haven, Yale University Press, 560 p.

LEÓN PORTILLA, M. 2007 [1959]. Visión de los vencidos. Relatos indígenas de la conquista. México, UNAM, 312 p.

SEED, P. 2000. Cerimônias de posse na conquista europeia do Novo Mundo (1492-1640). São Paulo, Unesp, 279 p.

WACHTEL, N. 1977 [1971]. La vision des vaincus. Les indiens du Pérou devant la Conquête espagnole (1530-1570). Paris, Gallimard, 395 p.

Anderson Roberti dos Reis – Universidade Federal de Mato Grosso

Maria Cristina Bohn Martins – Universidade do Vale do Rio dos Sinos


REIS, Anderson Roberti dos; MARTINS, Maria Cristina Bohn. Apresentação. História Unisinos, São Leopoldo, v.18, n.2., maio / agosto, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História, ensino e fontes / Revista Trilhas da História / 2014

Apresentar este Dossiê é um prazer, pois traz questões fundamentais para repensarmos interfaces entre a História, o Ensino e as Fontes. Os temas abordados nos artigos, ensaio de graduação e na seção fontes evidenciam o quanto é profícuo este debate e quão necessárias são as abordagens aqui apresentadas, uma vez que contribuem para a divulgação de estudos e pesquisas, bem como favorecem a reflexão epistemológica.

Na esteira dos números anteriores, a Revista Trilhas inova por dar continuidade a um diálogo entre questões que se entrelaçam e são basilares para a produção do conhecimento histórico, já que apontam as diferentes concepções e perspectivas teórico-metodológicas em cada artigo apresentado. Neste sentido, é importante apresentar brevemente os textos que dão conta de enunciar este cenário da produção acadêmica, assim como a maturidade e a diversidade de temas.

O texto “A narrativa da fada Brasiléia como Instrumento Pedagógico nas aulas de História do Brasil nos anos 1940”, das autoras Andréa Giordianna Araujo da Silva, Lilian Bárbara Cavalcanti Cardoso e Roseane Maria de Amorim, apresenta a história do ensino de História, tendo como fonte central o livro “A fada Brasiléia”, visto como recurso para a crítica ao processo civilizador que se desejava instaurar na construção da disciplina de História no ensino primário dos anos 1940. Esta abordagem favorece a percepção da dinâmica do campo da História e do ensino de História. Povos indígenas e negros, como afirmam as autoras, praticamente desapareceram desta narrativa e nas poucas situações em que são apresentados figuram como “vítimas” ou “coitados”. Na contramão desta interpretação as autoras possibilitam olhar para outras histórias em que povos originários e negros são agentes centrais.

O artigo “Ensinar e aprender história de Santa Catarina: o uso da Revista Histórica Catarina em sala de aula como recurso fonte da aprendizagem histórica significativa”, de Tânia Cordova, analisa a Revista “História Catarina” como fonte para apreender a história de Santa Catarina. Entendida como um recurso ao trabalho docente, a autora ressalta a necessidade de que o ensino de História opere com novas ferramentas numa relação de ensino-aprendizagem e interação professor-aluno. Assim, a Revista é apresentada como instrumento fundamental para a escrita da História que privilegie a diversidade étnica, com ênfase na cultura indígena, africana e afrodescendente. A autora também observa a contribuição desta fonte para o estudo dos saberes local e regional e a sua relação com a macro-história.

Outro artigo a abordar o ensino de História intitula-se “Os parâmetros curriculares nacionais de História e os saberes do docente: reflexões sobre a produção do conhecimento histórico”, de autoria de Jaqueline Aparecida Martins Zarbato. Neste texto, a autora discute o significado dos PCNs e de que modo conceitos como memória, identidade e nação são tomados como elementos centrais para a construção do conhecimento histórico. Nesta perspectiva, a autora aborda a relação entre História e currículo para pensar os PCNs e o seu lugar no cotidiano escolar. Por meio de relatos de professoras evidencia a concepção destas agentes sociais na construção do ensino de História. “Velhos problemas”, a partir de “novos olhares”, vêm à tona propiciando a compreensão da dinamicidade nas diferentes concepções da disciplina História.

No texto “História & Representação: um olhar conquistador no cinema”, Pepita de Souza Afiune discute o cinema e a sua relação com o ensino de História, apontando para o quanto os filmes criam estereótipos que precisam ser problematizados pelo professor e o aluno, a fim de que esta ferramenta didática tão fundamental para a produção da história possa ser utilizada em sua plenitude, contribuindo para o senso crítico e para a humanização da relação docente e discente. Aliado à base teórica, o texto se fundamenta em pesquisas de campo realizadas com estudantes e mestres em escolas de redes privada e pública de Anápolis, Goiás.

O artigo “A Universidade Pública em Três Lagoas-MS e as titubeações do campo histórico”, de Tiago Alinor Hoissa Benfica, traz uma importante contribuição para a análise da constituição da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em seus anos iniciais. O campo da História como disciplina no sul de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, é privilegiado, possibilitando o entendimento das artimanhas do poder vigente quando da implantação da Universidade e o desejo de constituir um “projeto do estado Nacional”, a fim de integrar o estado “ao corpo da nação”. Objetivava-se ainda, com a implantação da Universidade, “trazer a cultura” para os três-lagoenses. Somando-se a esta discussão, Benfica contribui para o conhecimento de parte importante da história do curso de História em Três Lagoas.

O artigo “Evasão na licenciatura: estudo de caso”, de Camila Carvalho e de Vitor Wagner Neto de Oliveira possibilita entendermos parte significativa dos motivos que fizeram com que os acadêmicos tenham abandonado a Licenciatura em História, no curso de Três Lagoas, no período de 2009 a 2013. Por meio de questionários aplicados aos alunos evadidos, os autores observam que este é um fenômeno que não se limita ao curso de História e nem mesmo às Licenciaturas em Mato Grosso do Sul, já que são múltiplos os fatores, entre eles o descrédito do querer ser professor, somando-se à carga de atividades atribuída no curso, entre outras situações. Na construção do texto, os autores, por meio de dados quantitativos, mostram que não existe uma única resposta para a evasão, mas afirmam ser necessário problematizá-la, já que se trata de uma questão latente em todo o cenário nacional, em especial no que diz respeito às Licenciaturas.

O artigo “Algumas perspectivas do Cavaleiro Medieval na obra de Georges Duby”, de Leandro Hecko, num bom exercício de análise das fontes, dá a sua contribuição para a abordagem e escrita da História, ao apontar para o longo processo de constituição da figura do cavaleiro como herói em algumas obras de Georges Duby. Em sua discussão, o autor destaca o binômio cavaleiro / guerreiro na construção de suas personagens imersas na história medieval, mas finaliza ressaltando que o cavaleiro medieval foi uma “mescla de tudo o que representou a Idade Média”. Daí a sua importância como objeto da história e a sua contribuição para o trabalho com as fontes, no caso, com a produção historiográfica deste renomado medievalista.

Jhonatan Uilly e Paulo Fernando de Souza Campos, no artigo “Pérolas Negras: a participação de mulheres negras na Revolução Constitucionalista de 1932”, a partir de análise de jornais paulistas, enfatizam o papel das mulheres negras e suas formas de organização no cenário da guerra paulista, em especial a formação de um corpo de combatentes feminino e negro. Os autores, ao estudar a ação das mulheres negras voluntárias na Legião Negra, como enfermeiras, entre outras atividades, também evidenciam o peso do racismo no interior da elite paulista, numa tentativa de invisibilizar estas mulheres naquele momento histórico.

O texto “„O povo tem mil olhos e mil ouvidos para ver e para ouvir‟: O comício de 18 de março de 1942 em Curitiba sob a ótica da Análise do Discurso”, de Márcio José Pereira, ao ter como fonte central uma crônica publicada na Gazeta do Povo, em Curitiba-PR, utilizando-se da Análise do Discurso (AD), possibilita-nos ver o peso das palavras na referência aos alemães residentes no Brasil e às suas ações em pleno cenário da Segunda Guerra Mundial. Segundo o autor, construía-se, por meio da crônica, uma imagem negativa dos indivíduos de origem alemã e daqueles que pudessem se assemelhar aos germânicos. Desta maneira, ao defender a depredação de prédios ocorrida dias anteriores em Curitiba, à publicação da crônica, o discurso do jornalista Rodrigo de Freitas está alinhavado, conforme o autor, ao da grande política do Estado Novo e encontraria terreno fértil para proliferar, mas, ao ser desconstruído por Márcio Pereira, revela também as potencialidades da escrita da História e a inversão do arbítrio.

O artigo “Maternidade e feminismo: notas sobre uma relação plural”, de Georgiane Vásquez, apresenta a construção da figura materna e da mulher ao longo do século XX. O texto é elaborado de modo a demonstrar a dinamicidade do debate envolvendo maternidade e feminismo e a percepção de que a história das mulheres e de seus movimentos possibilita-nos fazer uma história mais plural, ao sugerir que os espaços de luta, seja na dimensão dos valores ou da conquista de direitos, são delineados por práticas e representações sociais. Ao abordar o discurso religioso e o médico sobre as mulheres o texto faz o leitor atentar para várias expressões do feminismo na sociedade, com seus limites e suas ânsias.

O Ensaio de Graduação “Em lugar de pena, taco de sinuca; em lugar de uísque, garrafa de cerveja: a contracultura na poesia marginal no Brasil no período da ditadura civil-militar por meio da obra 26 poetas hoje (1976)”, de Alexandre Vinicius Gonçalves do Nascimento, é uma análise da poesia marginal no Brasil no cenário da ditadura civilmilitar. Tendo a poesia marginal como fonte, o autor tece as formas de resistência forjadas nos anos de chumbo em meio ao movimento de contracultura. Pelo deboche, ironia e humor, conforme Nascimento, a poesia marginal questionou a ordem vigente, fundamentada na repressão e no arbítrio. Escrita em guardanapos, pedaços de papeis, em paredes, mimeografada, esta poesia ocupava as margens e ao mesmo tempo denunciava o interior. A antologia “26 poetas hoje”, de Heloisa Buarque de Holanda, publicada em 1976, é a fonte primordial para a análise, deslindando a criatividade de quem viveu e produziu marginalmente a poesia naquele momento histórico.

Na resenha sobre a obra de Thiago Moratelli, “Os trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil: experiências operárias em um sistema de trabalho de grande empreitada (São Paulo e Mato Grosso, 1905-1914)”, Caio Vinicius dos Santos adentra o mundo do desenvolvimento industrial e da expansão do “progresso” pelo interior brasileiro das primeiras décadas do século XX. No texto, nos deparamos com o contar das margens de uma sociedade comandada pelo seu centro elitizado, mas também nos confrontamos com o seu reverso, ao encontrar, nas linhas do texto, conforme Santos, a tonicidade e o desejo de dar vozes aos sujeitos marginalizados, silenciados pela história dos grandes nomes.

O livro “Cristianismos. Questões e debates metodológicos”, de André Leonard Cheviratese, resenhado por Juliana B. Cavalcanti, traz um debate acerca da memória coletiva, dos testemunhos bíblicos e da imagem iconográfica da mãe e o filho personificados nas páginas da Bíblia. A resenha apresenta uma construção importante para a análise do diálogo entre a memória e os sujeitos da história, tendo respaldo em suas coletividades, parábolas, entre vários outros exemplos.

Na seção fontes, apresentamos o texto de Daniel Rincon Caires, intitulado “Aquarelas de Joaquino Cândido Guillobel produzidas no Maranhão entre 1820 e 1822” que trata das pinturas do português Cândido Guillobel, feitas no Maranhão de 1820. Caires indica a dissertação de mestrado de Eneida Maria Mercadante Sela para um aprofundamento na biografia de Cândido Guillobel. Nas imagens apresentadas de Guillobel, as personagens são retratadas de modo a se observar cada detalhe, indo desde o ambiente, passando pelas vestimentas e chegando a estrutura corporal, ao mostrar hábitos e costumes do fim da colônia pelo olhar português. A leitura deste texto é primordial para a compreensão da importância das pinturas como fontes históricas.

Maria Celma Borges Bruno

Cezar Bio Augusto

Inverno de 2014


BORGES, Maria Celma; AUGUSTO, Bruno Cezar Bio. Apresentação. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.3, n.6, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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XIII Jornada de História Antiga – Temas, Fontes e Métodos / Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade / 2013

História Antiga no Brasil – perspectivas sobre temas, objetos e pesquisa

Mediante os estudos recentes sobre a produção brasileira, da área de História Antiga, foi possível notarmos uma ampliação deste campo histórico nas universidades públicas e privadas. Ao dialogarmos com os escritos do pesquisador Pedro Paulo A. Funari, na coleção de textos didáticos Repensando o Mundo Antigo, nº47-2005, podemos indicar que para além da formulação de textos em nosso idioma, também houve um crescimento das traduções de documentos históricos e de publicações estrangeiras, o que possibilitou o acesso para muitos estudantes.

Em nossas concepções, a referida ampliação ocorreu devido a elementos como: o uso da internet para pesquisas de livros, artigos, e podemos acrescentar o próprio acesso as documentações conservadas no exterior. Também chamamos atenção para o aumento da massa crítica interessada em Antiguidade, que seria oriunda de espaços como a indústria cinematográfica e os periódicos infanto-juvenis (quadrinhos) com temáticas relacionadas com o mundo antigo.

Apesar do grande desenvolvimento da História Antiga, em terras brasileiras, nós ainda enfrentamos alguns entraves nas produções científicas. Assim salientamos que em muitos casos, assumimos uma posição mais de consumidores da produção estrangeira, do que produtores de publicações na área. Contudo, as pesquisas nacionais existentes têm nos mostrado um trabalho de total qualidade e que está atenta a reflexões teóricas e metodológicas aplicadas ao documento, a partir de suas problemáticas. Segundo Fábio Faversani, em Entrevista para o Jornal Philía nº32 – 2009, há uma necessidade no Brasil de que os profissionais de História Antiga comecem a valorizar as produções nacionais e também se leiam. O historiador citado assinala que a utilização da historiografia brasileira, nos cursos de graduação, não se iguala ao quantitativo de livros que são elaborados, pelos especialistas nacionais. Faversani nos convoca a superarmos tais obstáculos, a fim de fomentarmos os debates de forma enriquecedora, inserindo os nossos estudos na prática de ensino e pesquisa.

A partir de tais reflexões mencionadas surgiu a oportunidade de estabelecermos uma parceria entre o Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas da UFRJ, o NEA / UERJ e o POIEMA / UFPel para a elaboração de um evento sobre ensino e pesquisa em História Antiga. Ratificamos em nosso escrito, que o trabalho coletivo entre os centros de pesquisa é uma iniciativa fundamental para o desenvolvimento acadêmico no Brasil. Assim a XIII Jornada de História Antiga – Temas, Fontes e Métodos da UFPel foi desenvolvida, em um clima de comprometimento e fraternidade entre os integrantes, no período de 21 a 23 de janeiro de 2013.

A publicação, neste volume da NEARCO / 2013.2, apresenta os textos resultantes de comunicações realizadas durante a jornada, assim coroa com êxito os objetivos que levaram a selar nossa cooperação nesta edição da jornada, sendo, certamente, a primeira de várias outras experiências de cooperação acadêmica a serem desenvolvidas entre estes grupos.

No dossiê podemos verificar artigos como o de Alessandra Serra Viegas, com o texto O amor de Aquiles: de quem é o coração do herói mais belo da Ilíada de Homero? Pátroclo ou Briseis? A autora convida a todos os leitores para revisitarmos a Ilíada de Homero, a fim de refletirmos sobre os diversos níveis que integravam as relações interpessoais no período Arcaico da Hélade e analisarmos os processos sócioculturais helênicos como o da Philía. Outro texto que podemos ressaltar é o de Carolyn Souza Fonseca da Silva, que chama atenção para uma temática tão cara as sociedades ocidentais, que é a democracia, através do artigo Sólon na democracia e na cidadania de Atenas no século VI a.C.. Silva objetiva analisar a figura de Sólon e os pressupostos democráticos da sociedade grega, em especial a pólis ateniense, que atuava sob a alcunha do princípio da isonomia – termo precursor da democracia e que representava a igualdade perante a lei.

Ainda nos estudos helênicos podemos contar com a contribuição de Alair F. Duarte, em Uma análise sobre os cultos religiosos e a projeção do poder marítimo ateniense através do porto do Pireu no século V a.C.. O autor destaca a área portuária do Pireu na pólis dos atenienses, como um lugar cosmopolita no V séc. a.C. Na região havia culto para divindades locais e estrangeiras, assim como a circulação de navios e pessoas de diversas etnias mantendo uma intensa interação sociocultural. Agregamos ao nosso dossiê os estudos desenvolvidos por Jussemar W. Gonçalves e Matheus Barros da Silva, em a Tragédia Grega e o Político. Os pesquisadores apontam que o Teatro Grego no decorrer do V século a.C., retratou em cena questões que diziam respeito à pólis.

Como o século V a.C. foi um momento histórico de grandes transformações na Hélade, podemos lançar olhares sobre outras regiões. O artigo de Luis Filipe Bantim de Assumpção intitulado O discurso de Xenofonte e o processo de formação na Esparta Clássica contribui para os estudos atuais sobre a historicização da sociedade espartana. Sendo assim, Assumpção analisa o discurso de Xenofonte acerca do processo de formação espartano, por meio das críticas e comparações que o mesmo estabelece com a sociedade ateniense do V século a.C.. Ao passarmos para os estudos do século IV a.C. podemos somar as pesquisas elaboradas por Fabio Vergara Cerqueira e Eduarda Peters, com o texto Mulheres em Atenas, no século IV a.C. O testemunho do Contra Neera, de Demóstenes. O presente texto discorre sobre a vida de algumas prostitutas e concubinas que se tornaram famosas pelos bens e prestígio que conquistaram em Atenas, e objetiva, através de relatos da época, demonstrar como era a vida de então, especialmente da mulher do período e de seu papel na sociedade.

O dossiê também conta com a colaboração de Otávio Zalewisk, com o artigo Literatura helenística com roupagem judaica: o caso da Carta de Aristeas a Filocrates. O artigo nos apresenta os processos de interações culturais entre gregos e judeus no período que ficou conhecido como helenístico. Marcello de Albuquerque Maranhão, em Recuperando historiadores fragmentários: o problema da recuperação da História da Sicília grega em Timeu demonstra aos historiadores possibilidades de análise sobre documentos históricos fragmentários, como no caso dos escritos de Timeu.

Agregamos ao grupo de textos que visa problematizar o campo teórico aplicado aos estudos helênicos, o artigo A sociologia do conhecimento como suporte metodológico para uma análise da tessitura sociopolítica de Sociedades Antigas de Luis Fernando Telles D`Ajello. A partir das propostas de Berger e Luckmann, D’ Ajello trata desta área do conhecimento como um plano metodológico para a compreensão da construção social da realidade. Outra análise importante que integra nosso dossiê foi sobre a guerra, no artigo elaborado por Fabio Vergara e Ricardo B. da Silva, A guerra na política grega, formas de combate e constituições políticas na Grécia Antiga. Os autores salientam que a guerra é e foi um importante definidor cultural, e, nesse aspecto, veremos no texto como as constituições políticas das principais póleis gregas foram influenciadas pelo caráter guerreiro de suas sociedades.

O evento contou com contribuições no campo dos estudos romanos, como os que foram elaborados por Deivid Valério Gaia e Diego Rosa em Análise da fonte Commentarii de Bello Gallico, de Julio Cesar. Neste artigo foi abordada uma visão sócio-política sobre o processo de expansão romana pela região da Gália transalpina, além das expedições pela costa sul da atual Inglaterra e através das margens germânicas do rio Reno entre os anos 58 a.C e 51 a.C. com base em uma interpretação da obra “Commentarii De Bello Gallico” (Em português, “Comentários sobre a Guerra Gálica”), escrita pelo próprio César durante esta campanha. Ainda sobre os estudos envolvendo a figura do cidadão romano, Júlio César, podemos ressaltar a participação no dossiê de Kassia Amariz Pires, Adriana Mocelim de Souza Lima e Etiane Caloy Bovkalovski com o artigo A Vida de Júlio César sob a visão de Plutarco e Suetônio (século I d.C.). O artigo apresenta uma comparação dos escritos de Plutarco e Suetônio sobre a vida de Júlio César. As autoras analisaram através de fontes, os discursos dos pensadores clássicos e apresentaram estudos atuais sobre a composição de seus livros.

Marcos Antonio Collares nos brinda com uma preciosa reflexão teórica aplicada aos estudos romanos, com o texto História Antiga e documentação textual: considerações sobre temas e contextos-formas. No referido artigo, Collares tece algumas considerações sobre a constituição de temas e no trato com os mais diversos documentos textuais legados da Antiguidade. Quanto ao Império Romano no século IV d.C. coube aos pesquisadores Deivid Gaia e Gustavo S. Ribeiro, produzir o texto intitulado os Aspectos econômicos na obra “A Vida de Santa Melânia”: o impacto das doações. O objetivo do artigo foi o de analisar o contexto histórico, onde Santa Melânia, a Jovem, viveu. Procurando compreender a situação complexa em que se encontrava a sociedade romana no século IV d.C., os autores apontaram suas primeiras impressões sobre os impactos econômicos causados pelas volumosas doações feitas por Melânia durante suas viagens pelo Mediterrâneo. Como fonte, os mesmos recorreram à biografia de Santa Melânia, a Jovem, escrita por um homem chamado Gerontius durante o século V d. C.

Encerramos o dossiê através do artigo História e Egiptomania de uma pirâmide em Caxias do Sul (1984-2006) de Wellington Rafael Balem e Cristine Fortes Lia. O trabalho analisa traços culturais da antiguidade egípcia re-significados em um edifício piramidal de Caxias do Sul, RS, ao longo de seus usos. Trata-se de uma réplica, reduzida em escala, da pirâmide de Quéops, que sediou o Centro de Pesquisas Metafísicas (1984-1996) e a Rosacruz, AMORC (1997-2006). A temática aborda-se à luz da egiptomania.

Além do dossiê ainda expomos em nossa edição, a contribuição de três artigos na sessão de temas livres. Desta forma apresentamos o texto de Fábio Feltrin de Souza intitulado de O paradoxo do tempo nas Histórias de Heródoto. Souza propõe uma aproximação com a filosofia e a sofística dos séculos V e IV, investigando o que considerou como “desvio operado no pensamento grego” e a emergência de uma experiência do tempo, em que chronos e aion, dessacralizados, passaram a conviver de maneira paradoxal. Outra participação que devemos destacar neste volume é a de Andréia Tamanini, com o artigo Livia para os íntimos: imagem e estratégia sobre camafeus. A autora frisa que a análise dos camafeus busca observar as transformações que as representações de Livia sofreram desde a vitória sobre Marco Antônio e Cleópatra, e a subsequente instituição do principado, até a morte da imperatriz. Desta forma Tamanini aponta para uma crescente “divinização” da imagem de Livia, que foi subsumida numa tipologia iconográfica que vai do que chamaremos da mater mundi à imperatrix aeterna.

No que tange as práticas mágicas no Império Romano, o NEARCO apresenta o artigo de Luis Augusto Schmidt Totti em A magia em um texto técnico agronômico da Antiguidade Romana: o Opus Agriculturæ, de Paládio. No artigo o autor apresenta algumas receitas expostas por Paládio, denominadas de remedia, para a proteção da propriedade rural e da horta contra pragas e fenômenos climáticos, como o granizo e os nevoeiros.

Em suma os editores deste volume ratificam a necessidade do trabalho em conjunto para o desenvolvimento do campo histórico no Brasil. O ato de caminhar em conjunto em nossa área de estudo, nos propiciará ir mais longe do que se ficarmos isolados. Uma boa leitura a todos

Carlos Eduardo da Costa Campos – Docente e o coordenador da área de Estudos Romanos do Curso de Especialização em História Antiga e Medieval da UERJ. O mesmo integra o corpo de docentes do Curso de Especialização em Educação, Patrimônio e Cidadania – CEPEC / SP. Campos é membro do Núcleo de Estudos da Antiguidade, coordenando a área de atividades de extensão e publicações. Campos também atua como pesquisador do membro do grupo Arq. Histórica / UNICAMP e Atrium / UFRJ.

Deivid Valério Gaia – Professor de História Antiga na Universidade Federal de Pelotas e doutorando em História Econômica e Social pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales – Paris, sob a orientação de Jean-Michel Carrié (dir. E.H.E.S.S.), Jean Andreau (E.H.E.S.S) e de Norberto Guarinello (USP) em cotutela com a Universidade de São Paulo.

Fábio Vergara Cerqueira – Professor Associado do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas, atuando nas disciplinas de História Antiga. Na mesma universidade, integra o Programa de Pós-Graduação em História e o Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural. Atua ainda como membro do Polo Interdisciplinar de Estudos do Mundo Antigo, do Laboratório de Estudos da Cerâmica Antiga, do Laboratório de Antropologia e Arqueologia, do Museu Etnográfico da Colônia Maciel. Editor da publicação “Cadernos do LEPAARQ. Textos em Antropologia, Arqueologia e Patrimônio”. Bolsista Produtividade CNPq.

Maria Regina Candido – Professora associada da área de História Antiga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A mesma integra o Programa de Pós-Graduação da UERJ e o Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UERJ. Candido atua como coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade, o Curso de Especialização em História Antiga e Medieval da UERJ e o Curso de Especialização em Educação, Patrimônio e Cidadania – CEPEC / SP.


CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa; GAIA, Deivid Valério; CERQUEIRA, Fábio Vergara; CANDIDO, Maria Regina. Editorial. Nearco – Revista Eletrônica de Antiguidade, Rio de Janeiro, v.6, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Fontes para a História da Ciência / Circumscribere / 2012

O presente volume da nossa revista, Circumscribere, é duplamente especial. Em primeiro lugar, devido à publicação do texto completo das apresentações realizadas, nas III Conferências Allen Debus, por dois dos mais prestigiosos pesquisadores internacionais no âmbito da história da química. As inumeráveis contribuições do Prof. Debus à história da ciência e sua profunda influência na fundação do CESIMA são evocadas por Ana M. Alfonso- MGoldfarb, em sua apresentação à secção correspondente.

Nessa sua terceira edição, as Conferências Allen Debus contaram com a participação do Prof. Hasok Chang, do Departamento de História e Filosofia da Ciência da Universidade de Cambridge, e do Prof. Paulo A. Porto, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. A apresentação do Prof. Chang, A Água: O Longo Caminho entre o Elemento Aristotélico e H2O, focou na estrutura de um dos mais básicos componentes da vida, a água, como suporte de uma problematização mais ampla, referida à relação entre a realidade e o nosso conhecimento dela. O texto conclui chamando a atenção para o fato de que muitos séculos de luta foram necessários para que aprendêssemos a aceitar, e pudéssemos nos beneficiar, do espírito de pluralismo em âmbitos tão diversos como a política, a cultura, a língua, a arte, a ecologia e a culinária, tendo chegado a hora de aceita-lo, também, na ciência.

Por sua vez, o Prof. Porto apresentou os resultados do trabalho desenvolvido em colaboração com Hélio E. B. Viana junto ao Grupo de Pesquisa em História da Ciência e Ensino de Química (GHQ), IQMUSP, sobre o desenvolvimento de novas substâncias pela indústria química nas primeiras décadas do século XX. O Desenvolvimento de Novas Substâncias na Primeira Metade do Século XX: O Caso de Thomas Midgley Jr se utiliza desse estudo de caso particular para ilustrar o desenvolvimento de estratégias de pesquisa passando da tentativa e erro para o uso da tabela periódica dos elementos como guia, assim como para sugerir reflexões acerca das diferentes dimensões de risco intrinsecamente associadas à atividade química.

Em segundo lugar, temos o imenso prazer de publicar neste volume o dossiê Fontes para a História da Ciência, que tem um conteúdo e uma história singulares. Esse dossiê foi inicialmente idealizado, faz quase dez anos, como um volume individual do Selo Simão Mathias, precisamente dedicado ao delicado assunto das fontes para estudos em história da ciência. Graças ao trabalho dedicado e minucioso da Profa. Maria Helena Roxo Beltran, assistida por uma equipe coordenada pelo então estudante de doutorado e atual professor do Programa de Educação Matemática da PUCMSP, Prof. Fumikazu Saito, foram compilados, traduzidos, editados e revisados textos produzidos por grandes personalidades no campo da história da ciência, incluindo: Patricia Aceves, Universidade Autónoma Metropolitana – Unidade Xochimilco, e Ana M. D. Huerta Jaramillo, Benemérita Universidade de Puebla, México; Patrice Bret e Georges Métailié, do Centre Alexandre Koyré, Centre Nationale de la Recherche Scientifique, França; e Antonio González Bueno e Benito del Castillo García, Universidade Complutense de Madri, Espanha

No ínterim, e em função da explosão do acesso à Internet ocorrida na década de 2000, os idealizadores consideraram que um dossiê da relevância do presente serviria melhor seus propósitos se fosse difundido na “aldeia global” através de um veículo de excelência, mas eletrônico e de acesso aberto. Muito nos honra, aos membros do Corpo Editorial de Circumscribere, a escolha da mesma para a publicação deste que, esperamos, seja apenas o primeiro de uma série de dossiês de qualidade destinados aos estudiosos da história da ciência. Deve ser, todavia, mencionado o nosso agradecimento às Profas. Ana M. Alfonso-MGoldfarb, Márcia H.M. Ferraz e Patricia Aceves, por terem coordenado a edição do dossiê no seu atua formato.

Diante das mais de cem páginas de profundos estudos sobre as fontes para estudos em história da ciência que, certamente, cativarão a atenção os leitores, não há palavras que tornem meritório qualquer indeferimento. Assim, só resta desejar aos leitores de Circumscribere uma boa leitura!

Silvia Waisse


WAISSE, Silvia. Editorial. Circumscribere, São Paulo, v.12, 2012. Acessar publicação original [DR]

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O ofício do historiador: fontes e lugares da memória / Historiae / 2011

Prosseguindo uma trilha demarcada deste o final dos anos setenta, com a antiga Revista do Departamento de Biblioteconomia e História, com este número a Historiae – Revista de História da Universidade Federal do Rio Grande chega ao seu segundo ano de existência em sua nova fase, dedicada exclusivamente às abordagens de natureza histórica.

Buscando sempre aperfeiçoar-se, a Historiae, a partir desta edição, lançará alguns dossiês, sobre temáticas específicas relevantes à produção histórico-historiográfica. Nesse sentido, esta primeira coletânea traz ao público leitor a questão do ofício do historiador, com ênfase às fontes e aos lugares de memória. Tal enfoque cristaliza uma das grandes preocupações da ciência histórica, com discussões em torno do métier do historiador, suas áreas de atuação, os “domínios” do conhecimento histórico, os objetos de pesquisa e os pontos de intersecção entre história e memória.

Nessa linha, no âmbito do dossiê são abordados temas como o fazer histórico e a historiografia e as fontes históricas advindas das interfaces e conexões com a fotografia, os diários pessoais, o teatro, os manuscritos, a história oral e a memória. Apesar desse segmento mais específico, a Historiae mantém a sua tradição de também publicar artigos com diversificados assuntos, como o ensino da história, a história econômica a partir da análise da imprensa e as relações entre política, retórica e biografia.

Segue assim esta publicação dedicada à ciência histórica editada pela Universidade Federal do Rio Grande em seu intento de divulgar, através de significativo intercâmbio, a produção científica, acadêmica e cultural em torno do mais amplo prisma do saber histórico.

Francisco das Neves Alves – Presidente do Corpo Editorial


ALVES, Francisco das Neves. Apresentação. Historiae, Rio Grande- RS, v. 2, n. 1, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Leituras e Tratamentos de Fontes na História / Revista Eletrônica História em Reflexão / 2009

“Leituras e Tratamentos de Fontes na História” é o dossiê desta V Edição da Revista Eletrônica História em Reflexão. A idéia desta temática é inegavelmente oriunda das conhecidas insônias daqueles que se aventuram a escrever a História. Para estes as fontes são seu mais rentável e, é claro, seu mais problemático combustível. Assim, abrir a discussão sobre as fontes historiográficas – como já esperávamos – rendeu um alto número de artigos das mais diversas abordagens. Tivemos uma movimentação intensa em nossa caixa de e-mails com trabalhos provindos de quase todos os Estados brasileiros.

No lançamento da idéia deste dossiê, os editores estiveram reunidos para a montagem da capa desta edição. Criamos várias imagens com materiais do Centro de Documentação Regional da UFGD na tentativa de enquadrar visualmente aquilo que o historiador convive na sua labuta criativa diária. O resultado aqui exposto é tão satisfatório quanto contestatório e cumpre com nosso objetivo inicial. Se para o historiador tudo pode tornar-se fonte ou objeto, até mesmo nossa capa pode ser alvo de reflexões mais elaboradas.

Satisfeitos com as últimas edições da REHR, reafirmamos o compromisso deste ser um espaço de divulgação do conhecimento científico bastante democrático, que abre as portas e oferece as mesmas condições de publicação para autores de todos os níveis de graduação e pós-graduação. Salientamos ainda que o sucesso da REHR deve-se muito ao apoio inestimável de todos os envolvidos nas diferentes etapas da publicação e a divulgação feita por aqueles que têm contato com os artigos e resenhas de excelente qualidade que vêm sendo publicados.

Cumpriu-se aqui o objetivo de instigar o pesquisador ao mergulho no científico e de proporcionar um diálogo rentável entre eles. Sem mais delongas vamos dar licença ao leitor para que conheça os artigos que compõem mais uma Revista Eletrônica História em Reflexão.

No artigo “VOCÊ QUER VOLTAR À OCA?”: armadilhas, artimanhas e questões da pesquisa histórica sobre os povos indígenas, Francisco Cancela procurou evidenciar, através da utilização de fontes coloniais sobre os índios, o papel histórico dos povos indígenas na formação da sociedade brasileira. Para tanto, a proposta do autor foi manifestar os empecilhos da utilização deste tipo de fontes históricas, levando em consideração as reflexões teóricas e metodológicas presentes na pesquisa histórica sobre os povos indígenas no Brasil.

Leonardo Brandão, no instigante HISTÓRIA E ESPORTE: leituras do corpo no filme “Dogtown and z-boys”, propôs trabalhar com uma categoria de fontes que se baseia na análise de imagens, especificamente do vídeo-documentário Dogtown and Z-Boys. Busca refletir sobre questões ligadas à corporeidade e corpo comunicativo do surf para o skate, e como tais manifestações esportivas estão sendo inseridas na história contemporânea.

O autor de OS IMPRESSOS INSTITUCIONAIS COMO FONTE DE ESTUDO DO PENTECOSTALISMO: uma análise a partir do livro História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, André Dioney Fonseca, analisou a importância dos impressos institucionais publicados pelas igrejas pentecostais – livros de história escritos por memorialistas, manuais de doutrinas, diários de líderes, biografias, entre outros – para as pesquisas em História. Desse modo, buscou, apresentar as contribuições desse tipo de impresso para os pesquisadores interessado em historiar o movimento pentecostal no Brasil, bem como quais são os principais cuidados ao se trabalhar com este tipo de fonte. Assim, tomou como exemplo o livro História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, publicado em 2004 pela editora Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD), a fim de apresentar alguns exemplos dos limites e das possibilidades de análises, partindo do exemplo das resoluções convencionais sobre os usos e costumes da Igreja Assembléia de Deus.

ENSINO DE CHUMBO: memórias, temores e silêncios na FAFIG (1970-1973), de Ernando Brito Gonçalves Junior, explorou os aspectos históricos da formação da primeira turma de licenciatura em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava, no período compreendido pelos “Anos de Chumbo” da Ditadura Militar no Brasil. Valendo-se da utilização de fontes orais, o autor buscou reconstruir a memória dos entrevistados tendo como base as abordagens teóricas da história política, focando na observação de que, mesmo distante de grande centros urbanos, no contexto da realidade observada – a de uma cidade interiorana paranaense – era possível sentir a influência da repressão ideológica do período em questão.

O artigo de Vanda Fortuna Serafim e Solange Ramos de Andrade, intitulado PENSAR O INTELECTUAL E AS FONTES DE PESQUISA EM NINA RODRIGUES PARA O ESTUDO DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES, versou sobre o pensamento de Raimundo Nina Rodrigues nas seguintes obras: O animismo fetichista dos negros bahianos (1900) e Os Africanos no Brasil (1932), tendo como enfoque a análise do discurso sobre as manifestações religiosas de tradição africana, em especial, a atuação de Nina Rodrigues enquanto intelectual de atuação médica do século XIX, que se dispôs a estudar as práticas religiosas afro-brasileiras.

Eduardo Rizzatti Salomão, autor do artigo O EXÉRCITO ENCANTADO DE SÃO SEBASTIÃO: as evidências da reelaboração da crença sebastianista na Guerra do Contestado (1912-1916), buscou analisar, através de um processo de reeelaboração dos símbolos e significados da religiosidade, as evidências do mito do “Exército de São Sebastião” presentes na Guerra do Contestado (1912-1916) com o mito sebastianista: a crença do retorno do rei D. Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, em 1578. As análises versaram sobre o objetivo pretendido de restaurar a monarquia, e como entrou em cena no comando de um Exército encantado o mártir católico (São Sebastião) no lugar do rei Encoberto (D. Sebastião).

Na seqüência, apresentamos o artigo UMA ANÁLISE DA HISTORIOGRAFIA QUE ABORDA A VIDA DE PATRÍCIO: J. B. Bury (1905); R. P. C. Hanson (1968, 1978); E. A. Thompson (1986), de Dominique Viera Coelho dos Santos. O artigo orientou-se em uma perspectiva de análise do universo historiográfico sobre a vida de São Patrício. A abordagem focou-se em alguns problemas encontrados em obras sobre o assunto, principalmente no que concerne às mudanças de posicionamento que ocorreram durante o século XX sobre a vida e obra de São Patrício.

O artigo de Rodolfo Fiorucci, MEMÓRIA, ESFERA PÚBLICA E GLOBALIZAÇÃO: algumas considerações, visou discutir a questão da memória na sociedade global, trazendo a tona discussões sobre o papel das novas mídias e verticalização do território em escala mundial na desestruturação das formas tradicionais de conservação e transmissão de memória intragrupos. O autor ainda procurou discutir a formação do atual cenário globalizado a partir da problemática da esfera pública.

Arilson Silva de Oliveira em A ÍNDIA MUITO ALÉM DO INCENSO: um olhar sobre as origens, preceitos e práticas do vaishnavismo, discutiu em seu trabalho elementos do contexto sócio-histórico do vaishnavismo, suas principais fontes e idéias teológicas, além das práticas, divindades, origem, enfim, toda tradição literária contida nos textos védicos ancestrais e na parte integrante do que hoje se conhece como hinduísmo, dentro da tradição indiana. O autor também debateu como esta tradição religiosa está voltada para um deus multifacetado, com raízes na ortodoxia brahmânica, onde os brahmanas (mestres), a exemplo de Caitanya, considerado uma encarnação direta de deus, são os agentes sociais responsáveis por dirigir a sociedade para o além-mundo.

Encerrando o dossiê, passamos para o artigo IMPRESSÕES SOBRE O “JUDEU ERRANTE”: representações do cólera no jornal cratense O Araripe (1855 – 1864), de Jucieldo Ferreira Alexandre. O autor utilizou como fontes as reportagens do jornal O Araripe (Crato-CE), para, utilizando como embasamento os estudos sobre História das Doenças, analisar as práticas e representações que se relacionaram com a epidemia do cólera, que ameaçava invadir a cidade em 1855, fato ocorrido em 1855 e 1862.

Prosseguimos com a relação de artigos livres desta publicação. O artigo de Daniel de Pinho Barreiros, intitulado A CRISE DO WELFARE STATE: intelectuais e novos projetos (década de 1970), teve o objetivo de analisar de modo comparativo as idéias sociais de intelectuais ligados na crítica do Welfare State e ao capitalismo em crescimento vertiginoso. Propôs também, ainda no debate político norte-americano, a discussão de um importante tema: o surgimento do conceito de sustentabilidade.

Bruno Torquato Silva Ferreira, no artigo NOTAS ACERCA DA VIDA ARREGIMENTADA DOS PRAÇAS NOS CORPOS DO EXÉRCITO NO ANTIGO MATO GROSSO (1909-1916), fez uma discussão sobre a situação do serviço militar no estado de Mato Grosso nos anos anteriores à Lei do Sorteio Militar, lei que instituiu o serviço militar obrigatório no início do século XX. Baseia-se em registros do cotidiano dos praças em diferentes guarnições do Estado, além da memória de militares e esporádicas informações em periódicos da região. Além disso, teceu algumas considerações sobre o relacionamento entre as camadas da hierarquia militar: a base e seus comandantes, os oficiais.

O artigo seguinte, chamado CONSELHO TÉCNICO: a proposta apresentada pela bancada paulista na Constituinte de 1933-4, de Alvaro Augusto de Borba Barreto trabalha a proposta de Conselho Técnico, apresentada na Constituinte de 1933 / 1934 pela “Chapa Única por São Paulo Unido”. A proposta defendia órgãos tripartites, compostos por representantes do Estado, do patronato e dos empregados, tendo como dever a análise dos projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional. O autor discutiu ainda outros elementos da proposta, como o de ser um espaço privilegiado de influência para os interesses da FIESP e o de oferecer uma alternativa à representação das associações profissionais no parlamento, garantindo o direito de voz e voto, modelo refutado pela bancada paulista.

Encerrando, trazemos o artigo O MOVIMENTO OPERÁRIO E SINDICAL EM PASSO FUNDO (RS) – 1920-1964, de Alessandro Batistella, que discutiu o movimento operário e sindical na cidade de Passo Fundo (RS) entre 1920 e 1964, dando ênfase aos trabalhadores urbanos e suas organizações. Para tanto, o autor enfocou as características do processo nacional e o regional, principalmente no que concernem aspectos políticos, mas, também, levou em consideração as principais correntes político-ideológicas presentes nos sindicatos locais, as greves e principais movimentos populares do período no local. Além disso, o artigo expôs acerca da relação entre acontecimentos sócio-políticos nacionais e sua repercussão no movimento operário e sindical de Passo Fundo (RS).

Apresentamos também nesta edição da REHR a Entrevista concedida pelo deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), no momento presidente do Parlamento do Mercosul, cargo que ocupou até fevereiro de 2009. Na entrevista, que se coloca como uma fonte primária, o deputado Dr. Rosinha abordou questões acerca do Mercosul, como a participação do Brasil, avanços e entraves, além da questão da proporcionalidade no Parlamento, que vêm acalorando as discussões.

Fechando a edição, contamos com as seguintes resenhas: Reconstrução do Passado – Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica, de Rusen Jörn, obra resenhada por Rogério Chaves da Silva; Fabrício Sant’Anna de Andrade nos apresentou a resenha de Ciro Flamarion Cardoso: Um historiador fala de teoria e metodologia; e, por fim, a resenha do livro As cidades no tempo, de Margarida Maria Carvalho, Maria Aparecida de S. Lopes e Suzani Silveira Lemos França (orgs), feita por Maria Aparecida de Oliveira Silva. Estimamos leituras proveitosas e instigantes!

Abraços!

Camila Cremonese

Daniele Reiter

(Editoras).


CREMONESE, Camila; REITER, Daniele. Apresentação. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.3, n.5, jan. / jun., 2009. Acessar publicação original [DR]

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