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Joãosinho da Goméia | Inês Gouveia, Andrea Mendes, Nielson Bezerra e Marlúcia Santos de Souza
Joãosinho da Goméia | Imagem: Brasil de Fato
O livro Joãosinho da Goméia é obra organizada sob o olhar de quatro pesquisadoras/es. Trata-se de uma coletânea voltada à memória, à palavra e à honra de um dos mais importantes nomes do Candomblé brasileiro: Joãosinho da Goméia. Babalorixá baiano do século XX, João Alves Torres Filho (seu nome de batismo) deixou um legado de conhecimentos afrodiaspóricos e lutas em prol do povo negro e para os saberes de uma religião que extrapola os limites impostos pelo pensamento opressor da colonialidade. Os quatro organizadores da obra – Inês Gouveia, Andrea Mendes, Nielson Bezerra e Marlúcia Santos de Souza –, especialistas nas áreas de Museologia, Patrimônio e História, se dedicam aos estudos sobre a África e suas influências no Brasil, observando como as implicações da africanidade são vistas, ressignificadas e vividas por nós brasileiros no cotidiano.
O livro é organizado em doze capítulos na forma de artigos escritos por pesquisadoras e pesquisadores que se debruçaram sobre a vida de Joãosinho da Goméia, observando a densa atmosfera cultural e religiosa negra que esta figura impôs à visibilidade do Candomblé no Brasil. Estes capítulos são divididos em duas partes. A primeira, intitulada “Memória e Representatividade”, abarca os seis primeiros capítulos e atrai o leitor para um plano imersivo na vida e na pessoa de Joãosinho da Goméia, evidenciando um homem negro envolvido com a causa cultural de seu povo e de seu tempo, conquistador dos espaços de luta e poder em prol de uma visão positiva de sua crença e suas práticas sociais e religiosas. Autoras e autores evidenciam um sacerdote que atuava nas múltiplas representatividades: homem negro, homoafetivo, artista e Babalorixá. É possível observar que qualquer tentativa de compreender Joãosinho da Goméia sem se atentar a estes marcadores será em vão, pois em todas as suas ações de vida enaltecia os valores e as lutas que a ideologia dominante cristã e heteronormativa ao seu redor repudiava, e por isso se tornara um ícone da luta e resistência subalterna de sua época. Leia Mais
No laboratório da Nação: a Câmara Municipal de Mariana, Minas Gerais, e a construção do Estado Nacional Brasileiro | Kelly Eleutério Machado Oliveira
Câmara Municipal de Mariana (MG) | Imagem: Wikimedia Commons
Publicado em 2021, No laboratório da Nação: a Câmara Municipal de Mariana, Minas Gerais, e a construção do Estado Nacional Brasileiro é fruto da dissertação de mestrado de Kelly Eleutério Machado de Oliveira defendida em 2013, na Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, a autora é pós-doutoranda em História pela Universidade de São Paulo.
Dividido em três capítulos, o livro traz nova contribuição aos estudos sobre as Câmaras Municipais. A temática foi bastante abordada pela historiografia do Brasil colonial. Autores como Júnia Furtado, Russel-Wood e Nuno Monteiro3 se debruçaram sobre o assunto. Oliveira, contudo, tem como pano de fundo o Brasil independente, especificamente no contexto onde as Câmaras sofreram reformas profundas que esvaziaram o poder que possuíam no período colonial. Com base no estudo específico da Câmara de Mariana, a autora explora o novo papel da instituição e como as dinâmicas locais interferiram no contexto geral. Nesse sentido, a obra segue a tendência historiográfica dos últimos anos, em que os estudos de caso aparecem como lócus privilegiado para compreensão das minúcias do processo de formação do Estado brasileiro. Leia Mais
Escola nova em circuito internacional: cem anos da New Education Fellowship | Rafaela Silva Rabelo
Recompor o mosaico dessas narrativas, atando aquilo que se foi produzindo como separado, envolve uma virada epistemológica, a busca de outros referenciais de análise que, abdicando de colocar em primazia os contextos nacionais, se sensibilize por uma abordagem de cariz transnacional (VIDAL, 2021, p.11-12).
A New Education Fellowship (NEF), conhecida também como Ligue Internationale Pour L’Education Nouvelle, foi criada há 100 anos, em congresso realizado na cidade de Calais, na França. Baillie-Weaver foi nomeado como presidente, Beatrice Ensor assumiu como diretora organizadora, e Elizabeth Rotten e Adolphe Ferrière foram nomeados como diretores (VIDAL; RABELO, 2019). Com sede fixada em Londres, a NEF “emergiu como um movimento internacional desenhado para agregar pessoas de diferentes países em torno da renovação da educação e da escola”, reunindo “tanto educadores e profissionais ligados à educação quanto leigos” (RABELO; VIDAL, 2018, p. 03). Tendo por intuito difundir e promover discussões referentes aos diferentes aspectos da educação nova, a NEF organizou conferências bianuais, realizadas em diferentes países, assim como teve associada a publicação de três revistas: The New Era, editada por Beatrice Ensor, Pour L’Ere Nouvelle, por Adolphe Ferrière e Das Werdende Zeitatter, por Elizabeth Rotten1 (VIDAL; RABELO, 2019). Essa mobilização a favor da renovação da escola e da educação contribuiu, ou mesmo reafirmou, com o que é denominado na historiografia da educação como o Movimento da Escola Nova. Leia Mais
Escola nova em circuito internacional: cem anos da New Education Fellowship | Rafaela Silva Rabelo, Diana Gonçalves Vidal
O livro “Escola Nova em circuito internacional: cem anos da New Education Fellowship” foi uma das iniciativas de publicização dos resultados investigativos do projeto temático “Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-…)1”. Nessa publicação congregaram-se textos não somente da sua coordenadora, a professora Dra. Diana Gonçalves Vidal, como também dos seus integrantes em suas mais variadas etapas formativas, da iniciação científica ao pósdoutorado. Trata-se, portanto, de um livro cuja organização e composição ilustrou movimentos de pesquisa diversos em relação à mesma problemática. Ademais, ele se insere em uma perspectiva transnacional2 para o entendimento da história que vem ganhando, paulatinamente, tônus conceitual, metodológico e espaço em pesquisas, ainda que não se trate de uma perspectiva recente (STRUCK; FERRIS; REVEL, 2011). Leia Mais
Sujeitos e Artefatos: territórios de uma história transnacional da educação | Diana Gonçalves Vidal
Nos últimos anos, é crescente o interesse por abordagens transnacionais no campo historiográfico. Diante da frequência com que o termo tem aparecido em títulos de livros, artigos e palavras-chave, Struck, Ferris e Revel (2011) levantam a possibilidade de a história transnacional representar uma mudança metodológica significativa na historiografia, tal como aconteceu com a história social, a partir dos anos de 1950, e com a micro-história, nos anos de 1970 e 1980. Não surpreende, portanto, que venha recebendo atenção de pesquisadoras e pesquisadores do campo da História da Educação, que, pelo menos desde os anos oitenta, têm buscado o alinhamento e o diálogo com a historiografia.
Demonstrando o potencial das abordagens transnacionais para investigações que tomam como tema a educação e a escola, em suas múltiplas perspectivas e interfaces, foi recentemente publicado, em formato E-book, pela Fino Traço Editora, o livro Sujeitos e Artefatos: territórios de uma história transnacional da educação, organizado por Diana Vidal. A obra é parte da Coleção Estudos Brasileiros, do Instituto de Estudos Brasileiros, e resultado de um conjunto de pesquisas que, desenvolvidas no âmbito do projeto temático Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-…), privilegiam os movimentos, a circulação, os intercâmbios de sujeitos e objetos elucidativos de experiências e processos educacionais, ao longo dos séculos XIX e XX [1]. Leia Mais
Em defesa da liberdade. Libertos/coartados e livres de cor nos tribunais do Antigo Regime português (Mariana e Lisboa/1720-1819) | Fernanda Domingos Pinheiro
Os estudos sobre alforrias e sobre o acesso de libertos e livres de cor à Justiça, a fim de assegurar a liberdade contra investidas de herdeiros, de testamenteiros, de credores e, até mesmo, de senhores arrependidos, já é um campo consagrado na historiografia brasileira. O livro de Fernanda Pinheiro insere-se nesse campo. Porém, não se trata apenas de mais uma contribuição ao tema. Em defesa da liberdade estabelece uma nova forma de abordagem do assunto no universo da pesquisa sobre o acesso de forros, crioulos e africanos aos tribunais. Logo de início, os arranjos de liberdade, reconstruídos por Fernanda Pinheiro, por sua variedade, surpreendem a leitora e o leitor. Ela confere originalidade e força aos estudos sobre o tema e o faz por, pelo menos, três caminhos. Leia Mais
Wittgenstein e os filósofos: “semelhanças de família” / Mauro L L Condé
Acaba de vir a público o livro com o título Wittgenstein e os filósofos: “semelhanças de família”, de Mauro Lúcio Leitão Condé, professor e pesquisador em Epistemologia, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O livro é uma escolha de Mauro Condé de artigos e capítulos de livros publicados em coletâneas e periódicos brasileiros, em diferentes momentos de sua trajetória intelectual, entre os anos de 1993 e 2018. Seu propósito é corajoso e sua premissa, clara: usar o método wittgensteiniano das “semelhanças de família” (Familienänhlichkeiten) para compreender a ciência, a história, e filósofos como Fleck, Kuhn, Koyré, Nietzsche e Maquiavel.
A Apresentação explicita qual a intenção de Condé (p. 15) com o seu livro:
Sempre vi em Wittgenstein uma possibilidade de ler outros autores ou de lidar com diferentes problemas filosóficos. Assim, em certo sentido, tornei-me ‘usuário’ do pensamento de Wittgenstein, isto é, a partir do autor das Investigações Filosóficas, procurei explorar problemas filosóficos – não necessariamente os mesmos abordados por ele – ou contrapor sua filosofia à de outros pensadores com a finalidade de elucidar tais problemas. (…) O que apresento aqui é exatamente essa parte em que analisei autores e problemas explicitamente a partir da obra de Wittgenstein. Neste exercício de reunir esses textos não foi propriamente a minha intenção expor um ponto de convergência nas abordagens dos diferentes autores e problemas analisados, mas simplesmente ter a possibilidade de expor em um único trabalho estas várias ‘semelhanças de família’ – e também dessemelhanças – do pensador austríaco com esses filósofos e problemas filosóficos pouco visitados por exegetas da obra wittgensteiniana.
Também especifica um dos objetivos centrais de Condé (p. 16): o autor usa o método wittgensteiniano das “semelhanças de família” para constituir uma “teoria da ciência”, para pensar elementos de uma “teoria da história”, e para aproximar Wittgenstein de cinco importantes filósofos: Fleck, Kuhn, Koyré, Nietzsche e Maquiavel.
Na Apresentação encontramos ainda os pensadores e temas que sempre interessaram Condé ao longo de seus anos de pesquisas e como ele fez para mantê-los unidos numa obra coerente. A leitura que Condé nos convida a fazer de seus ensaios é contextual, que procura devolver os textos ao seu momento de produção, mas também interna, uma vez que persegue os conceitos inerentes ao objeto nos muitos “labirintos da linguagem”. Esse tipo de leitura nos mostra no fim o longo caminho de pesquisa que Condé percorreu para fazer aparecer o seu objeto, assim como as questões que colocou, os problemas teóricos que enfrentou, e tudo isso sem deixar de lado o rigor metodológico.
No Capítulo I, intitulado “Wittgenstein e a gramática da ciência”, Condé aborda a possível constituição de um novo “modelo de racionalidade científica” com o método das “semelhanças de família” explicitado pela filosofia da linguagem-epistemológica-social do segundo Wittgenstein. Ao reconduzir a racionalidade científica moderna à noção de gramática das Investigações Filosóficas, que encontra na dimensão filosófica da linguagem as formas de se desenvolver para além dos limites da gramática normativa de uma língua em especial, Condé (p. 27) propõe uma abordagem original da ciência contemporânea, baseada no que ele chama de “gramática da ciência” ou “conjunto das regras, das práticas e dos resultados científicos” e nas relações entre os conceitos wittgensteinianos de “uso”, “jogos de linguagem”, “semelhanças de família” e “regras”.
No Capítulo II, intitulado “A gramática da história: Wittgenstein, a pragmática da linguagem e o conhecimento histórico”, Condé (p. 34) faz uma interpretação da questão da temporalidade nas Investigações Filosóficas, com base no próprio método wittgensteiniano das “semelhanças de família”, e sugere uma nova teoria da história no segundo Wittgenstein, cujo núcleo é o que ele conceitua como “‘gramática do tempo’ ou dos processos históricos, isto é, ‘gramática da história’”. Além disso, o conceito de “gramática da história” de Condé (p. 41) também pode servir para compreender a ciência da história, seu modus operandi, suas múltiplas interações sociais e culturais, portanto, “as possiblidades gramaticais do fenômeno histórico”.
No Capítulo III, intitulado “Ciência e linguagem: Ludwik Fleck e Ludwig Wittgenstein”, Condé estabelece aproximações entre a epistemologia de Fleck e a filosofia da linguagem do segundo Wittgenstein, frisando os elementos motivadores das uniões entre os dois pensadores em que toda a discussão do capítulo se baseia: aqueles do estilo de pensamento e da gramática. Condé (p. 53) analisa as convergências da dimensão filosófica da linguagem de Wittgenstein com a teoria da ciência de Fleck por meio do método wittgensteiniano das “semelhanças de família”: com ele, as uniões entre os dois pensadores são demonstradas e contrastadas com a “epistemologia do neopositivismo até então vigente”. É essa chave metodológica que Condé (p. 54) usa para tratar as correspondências entre os estilos de pensamento científicos em Fleck e a gramática da ciência em Wittgenstein, e também para delinear a concepção de realidade pertinente a ambos os pensadores, uma realidade que certamente não possui um “fundamento metafísico”, mas sim está “ancorada nas diferentes ‘situações’ com as quais nos deparamos”.
No Capítulo IV, intitulado “Léxico versus gramática na ciência: a virada linguística de Kuhn e o segundo Wittgenstein”, Condé mantém aberto o caminho para um estudo das similaridades entre o conceito de léxico de Kuhn e a noção de gramática do segundo Wittgenstein. Condé (p. 86) diz que “a virada linguística de Kuhn tenta resolver antigos problemas apresentados em sua teoria da ciência anterior, estabelecida em A Estrutura das Revoluções Científicas”. Diz também que, com a inflexão linguística de Kuhn, “o conceito de revolução científica deve agora ser visto não como uma ruptura radical, mas como uma mudança de linguagem” (p. 86). Segundo Condé (p. 86), essa mudança de linguagem é tanto conceitual como da realidade, é ela que possibilita o conceito de léxico, o qual serve para solucionar os problemas da incomensurabilidade da ciência e do mundo, isto é, “as dificuldades de linguagem de diferentes grupos ou entre teorias científicas do presente e do passado”. Condé desenvolve e prolonga essa perspectiva na primeira metade da discussão e concentra-se em mostrar as similaridades entre o conceito kuhniano de léxico e a noção wittgensteiniana de gramática contida nas Investigações Filosóficas na segunda metade do capítulo. Para Condé, ao formular sua teoria do léxico, Kuhn assimila conceitos da gramática de Wittgenstein, como “uso”, “jogos de linguagem”, “semelhanças de família” e “regras”. Com esses conceitos, Kuhn cria uma nova epistemologia da ciência, mais completa e aberta às diversas realidades. Nesse longo capítulo, Condé convence-nos do funcionamento do método wittgensteiniano das “semelhanças de família” para especificar, conhecer e aprofundar as similaridades entre os pensadores e os temas de que vêm tratando em seu livro.
No Capítulo V, intitulado “Koyré e Wittgenstein: o internalismo reconsiderado a partir de uma perspectiva pragmática”, Condé segue o fio condutor do livro e interpreta a concepção de história da ciência de Koyré com o método das “semelhanças de família” do segundo Wittgenstein. A análise da história da ciência koyreriana sob o ponto de vista da filosofia da linguagem wittgensteiniana permite que Condé identifique os pontos em comum entre os dois pensadores. Para Condé (p. 117), a identificação entre os dois pensadores se dá por meio do internalismo da história da ciência de Koyré, que estabelece a autonomia da ciência, e a pragmática e gramática da linguagem de Wittgenstein, que estabelece a ideia de autonomia da gramática. Aqui, a ideia nova e estimulante de Condé (p. 118) é a que diz respeito ao terceiro momento do capítulo, a qual culmina com a sua proposta de “reconsideração do internalismo de Koyré superando os seus aspectos negativos e o requalificando para que ele possa ser entendido como a afirmação da autonomia da ciência e não o isolamento entre ciência e sociedade”. A discussão de Condé(p. 142-143) provém sobretudo da compreensão de que “a ciência, mesmo sendo um produto social – portanto, sujeita às influências externas –, possui regras próprias de comportamento que lhe conferem autonomia em relação a esses mesmos fatores sociais”. É nesse sentido que Condé (p. 143) consegue estabelecer correspondências e parentescos entre Koyré e Wittgenstein:
se, por um lado, a partir de Wittgenstein podemos ter boas razões para ver a ciência como instituição, ou um tipo de gramática que emerge das práticas sociais, por outro, o internalismo de Koyré, pelo menos em parte, ainda parece atual na medida em que nos alerta para a necessidade de pensarmos a autonomia da ciência com relação a essas práticas sociais.
Condé (p. 143) considera que os pressupostos essencialistas da história da ciência de Koyré são os pressupostos gramaticais ou institucionais da ciência na filosofia da linguagem de Wittgenstein, e ele vê nisso a unidade fundamental das concepções de ciência dos dois pensadores.
No Capítulo VI, intitulado “Nietzsche e Wittgenstein: semelhanças de família”, Condé passa à análise da obra de Nietzsche tentando encontrar filiações entre este filósofo e a filosofia da linguagem da segunda fase de Wittgenstein. Por meio do método wittgensteiniano das “semelhanças de família”, Condé aborda uma temática difícil em Nietzsche, e em alguns momentos de sua obra oscilante, que é a questão da linguagem e a concepção de racionalidade que ela envolve. A filiação entre Nietzsche e Wittgenstein, dois pensadores de tradições filosóficas completamente diferentes, é vista por Condé (p.157) em dois pontos:
tanto Nietzsche quanto Wittgenstein não iniciaram suas carreiras diretamente na filosofia, mas foram conduzidos a filosofar, a partir de algumas questões colocadas por eles; (…) e o filosofar de ambos recusa o caminho da escrita acadêmica e das formas canônicas de pensar institucionalizado para um pensar que se expressa nos ‘aforismos’, nas ‘sátiras’ e nas ‘paródias’.
Além disso, Condé (p. 158) vê filiação entre os dois filósofos em suas tentativas de “destruição da metafísica”. Enfim, para Condé (p. 163), Nietzsche e Wittgenstein concebem a linguagem em uma perspectiva pragmática e moral e a usam para criticar a própria linguagem em sua acepção essencialista, e também a realidade em sua representação metafísica, o primeiro mais do que o segundo.
No Capítulo VII, intitulado “Maquiavel e Wittgenstein: a astúcia da linguagem”, Condé desenrola um parentesco entre a filosofia da linguagem do segundo Wittgenstein e a filosofia política de Maquiavel, pelo método wittgensteiniano das “semelhanças de família”, que percebe claramente dimensões que escapam a simples esquemas analíticos da história da filosofia ocidental. Desse parentesco, Condé (p. 176) ressalta dois aspectos, o primeiro é que
Maquiavel constrói uma crítica à ideia de uma essência do político defendida, grosso modo, pela filosofia política clássica. Wittgenstein, por sua vez, critica radicalmente a ideia de uma essência da linguagem buscada pela filosofia da linguagem tradicional.
O segundo aspecto de que nos fala Condé (p. 176) é que
ao construir uma filosofia política sem essências, Maquiavel enfatizará a importância do discurso, isto é, a importância da linguagem na dimensão do político antecipando, assim, alguns aspectos dos desenvolvimentos posteriores da filosofia da linguagem ocorridos no século XX, sobretudo a partir de Wittgenstein.
Para Condé, portanto, essas duas “semelhanças de família” unem Wittgenstein e Maquiavel, além de certa atitude pragmática com relação à realidade. Condé entra nos mecanismos da obra O Príncipe, de Maquiavel, e examina, por meio da noção de gramática contida nas Investigações Filosóficas, de Wittgenstein, as diferentes possibilidades do político. Condé constata que a filosofia política de Maquiavel não se restringe a mostrar os fatos, ela é uma discussão totalmente conceitual, a nível das representações do político, muito próxima então da filosofia da linguagem da segunda fase de Wittgenstein.
Aqui, acabamos de avaliar o livro Wittgenstein e os filósofos: “semelhanças de família”, de Mauro Condé. Sem dúvida, o método wittgensteiniano das “semelhanças de família”, que o autor usa nos sete ensaios, abre uma perspectiva singular de interpretação das relações de Wittgenstein com a ciência, com a história, e com filósofos como Fleck, Kuhn, Koyré, Nietzsche e Maquiavel. O resultado satisfatório não depende só do método wittgensteiniano, mas também da maneira como Condé o emprega: a aproximação a que o autor submete esses diferentes pensadores o permite confrontar filosofias e conceitos e encontrar os vínculos que os enlaçam. O livro de Condé nos surpreende exatamente por isso. Mas a maior de todas as surpresas do livro foi encontrar, no capítulo sobre uma possível teoria da história em Wittgenstein, um modelo diferente de investigação do passado, que poderia responder muito bem às exigências das diferenças temporais que não conseguimos conformar juntas sem cometer anacronismos: um modelo fundamentado na multiplicidade dos tempos da história.
Entendemos que o livro de Condé pode ser lido como um texto que trata de método e ensina a usá-lo de forma criativa e como instrumento de análise crítica, procurando compreender como funcionam as dimensões da linguagem, os modelos teóricos da ciência, da história, e como se constituem as filosofias de diversos pensadores, suas visões de ciência e da realidade. Podemos dizer que o livro de Condé serve como uma utilíssima aula de método e seus usos na pesquisa filosófica e histórica. Nesse sentido, acreditamos que filósofos e historiadores deveriam apreciá-lo.
Raylane Marques Souza – Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (PPGHIS-UnB). Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGHIS-UFMG, 2016). Graduada em História, na modalidade licenciatura, pela Universidade Federal do Ceará (UFC, 2013). Foi bolsista do PET – Programa de Educação Tutorial (2011-2013) e do CNPq (2014-2016). É bolsista Capes (2017- ). Tem experiência e interesse de pesquisa nas áreas de Teoria e Filosofia da História, Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência, História da Historiografia e História das Ideias e Intelectual, com destaque para os seguintes temas: Friedrich Nietzsche e seu contexto intelectual; história do conhecimento histórico; filosofia do conhecimento científico e da vida; teoria, história e filosofia dos conceitos; teorias e filosofias da história; história da historiografia alemã (sécs.19-20); epistemologias e temporalidades. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Ludwig Feuerbach (GPLF-UFC), do Grupo de Estudos Marxistas (GEM-UFC) e do Grupo de Leitura Hegel (GLH-UFC), todos cadastrados na plataforma do CNPq. Também é membro da SBTHH – Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (desde 2013).
CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein e os filósofos: “semelhanças de família”. 1. ed. – Belo Horizonte [MG]: Fino Traço, 2020, 194p. Resenha de: SOUZA, Raylane Marques. Sete usos do método Wittgensteiniano das “Semelhanças de Família” HH Magazine – Humanidades em Rede. 11 nov. 2020. Acessar publicação original [IF].
Feminismos e Democracia | Joana Maria Pedro e Jair Zandoná
Publicado em 2019, o livro organizado por Joana Maria Pedro e Jair Zandoná conta com dezoito capítulos estruturados em sínteses-soma. Engloba temas diversos para repensarmos a amplitude entre os Feminismos, Democracia –ou na ausência dela- e a própria História. Discorre-se, com isso, o quão plural é o Feminismo -por isso Feminismos- (PAULA; GALHERA, 2019) e a importância das reivindicações e dos debates, tanto em períodos ditatoriais, como em períodos democráticos no sub- Continente. Assim, Dora Barrancos, Olga G. Duhart, Roselane Neckel, Mariana Joffily e Maurício Cardoso evidenciam a relação entre Feminismos e Democracia nos dias atuais. Cristina Scheibe Wolff, Soraia C. de Mello, Jair Zandoná, Heloneida Studart, Ana R. Fonteles Duarte e Lorena Zomer os analisam diante do cenário ditatorial na América Latina. Já Cintia Lima Crescêncio por meio da perspectiva do humor, Elias Ferreira Veras pela operação historiográfica, Claudia Regina Niching pelo Direito, Karina J. Woitowicz diante do Jornalismo, Silvana Maria Pereira pela Medicina, História e Gênero, Ana Maria Marques e Giseli Origuela Umbelino finalizam pela perspectiva do estudo das mulheres na História dentro das escolas. Uma obra que reflete, sem dúvidas, acerca dos Feminismos na História de ontem e de hoje, com debates dos mais diversos Feminismos existentes. Leia Mais
As novas políticas sociais brasileiras na saúde e na assistência: produção local do serviço e relações de gênero | I. P. H. George e Y. G. dos Santos
O que há de novo nas políticas sociais brasileiras? Em que a discussão de gênero pode contribuir para pensar essa novas políticas? Mercantilização da pobreza, privatização e terceirização dos serviços na saúde e na assistência? Em que medida a experiência paulistana contribui para pensarmos o contexto de emergência e popularização de políticas voltadas a programas de transferência condicionada de renda? Ao lermos o título e o sumário do livro, surgem essas questões, que nos fazem avidamente percorrer cada página em busca de novos olhares e discussões sobre o tema. E, de fato, as autoras conseguem discutir cada um desses pontos ao longo desta obra, que é resultado de uma extensa pesquisa de caráter etnográfico na periferia da maior cidade da América Latina.
A zona leste da cidade de São Paulo representa um lócus emblemático devido ao seu histórico de lutas por acesso a direitos sociais. Apesar disso, atualmente, a área é considerada uma das zonas mais socialmente vulneráveis da cidade. É nesse local, mais especificamente em três bairros periféricos da região, que as autoras buscam analisar a presença do Estado por meio de observações participantes e entrevistas semidiretivas com profissionais que atuam ao longo da cadeia dos serviços da saúde e da assistência, bem como com as usuárias destes. Leia Mais
Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidade dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais | Adriane Vidal Costa
O movimento das ideias na América Latina (sua produção, circulação e apropriação) e a atuação dos sujeitos que lhes dão forma, os intelectuais, são agentes importantes para a compreensão da história da região e têm recebido atenção dos estudiosos há pelo menos algumas décadas. Sujeitos forjadores de discursos, os intelectuais agem na cultura (muitas vezes de forma estreita com o poder, como críticos ou sustentadores de sua ideologia), mobilizando signos para a transmissão de mensagens a serem decodificadas e/ou apropriadas. Na dinâmica entre matéria e subjetividade, operam a partir de relações, conectando espaços e sujeitos por meio de práticas individuais ou coletivas. As redes por eles gestadas transpassam frequentemente o espaço nacional, contribuindo para o questionamento da gênese de um pensamento, ao mesmo tempo em que possibilitam uma abertura contextual ao pesquisador que se debruçar sobre elas.
Essas reflexões são proporcionadas ao leitor de Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidade dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais. Organizada por Adriane Vidal Costa, docente do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Claudio Maíz, professor titular em Literatura Hispanoamericana Contemporánea na Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo), a obra é uma iniciativa do Núcleo de pesquisa em História das Américas (NUPHA) e do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, publicada no ano de 2018 como parte da coleção História da Editora Fino Traço. Leia Mais
Movimento Internacional da Educação Nova – VIDAL; RABELO (RBHE)
VIDAL, D. G.; RABELO, R. S. (Orgs.). Movimento Internacional da Educação Nova. Belo Horizonte: Fino Traço, 2020. Resenha de: PHILIPPI, C. C. Configurações, sujeitos e apropriações– notas sobre o livro “Movimento internacional da educação nova”. Revista Brasileira de História da Educação, v. 20, 2020.
Em que pesem as já existentes pesquisas historiográficas nacionais e internacionais a respeito do movimento de renovação escolar entre as décadas de 1920 e 1940, Diana Vidal e Rafaela Rabelo trazem ao tema novas perspectivas para entendimento e análise. Elas o fazem por meio da recente organização do livro Movimento internacional da educação nova, cuja publicação resulta de pesquisas vinculadas a diferentes projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sua centralidade para os estudos na área é destacada já no prefácio de autoria de André Luiz Paulilo, para quem as “[…] perspectivas que o livro alcança não só atualizam problemas de pesquisa, [mas] também percebem aproximações entre grupos de intelectuais bastante heterogêneos e distinguem estratégias de consolidação de redes de circulação e difusão de modelos educativos e culturais” (Paulilo, 2020, p. 9).
Os capítulos trazem uma heterogeneidade de temas, escalas e sujeitos caros ao debate que se organizam em três blocos distintos: ‘sujeitos e redes’; ‘nacional e transnacional’; ‘propostas e apropriações’. No primeiro se aglomeram discussões em torno de trajetórias de educadores cujo papel foi central para a circulação da Educação Nova em diferentes países. Operam metodologicamente pelo estudo dos rastros de uma trajetória individual visando a constituição das redes a partir das quais tais sujeitos operaram. Em ‘nacional e transnacional’ se intenta rastrear as diferentes traduções dos princípios renovadores na América do Sul. Também nesse caso se privilegia o estudo da circulação internacional de ideias e sujeitos. Por fim, em ‘propostas e apropriações’ são aglomerados capítulos que tematizam os impactos da Educação Nova dentro e fora das instituições escolares.
É também cara às autoras a aproximação com as configurações sociais e políticas nacionais e internacionais. Nesse movimento, é possível delinear as esferas de ação de ligas e instituições específicas, tais quais a New Education Fellowship e o Bureau Internacional d´Éducation. Para seu entendimento, acionam o conceito de hub1, que entendem como um “[…] ponto de conexão de redes, local de encontro e passagem” (Vidal; Rabelo, 2020, p. 13). Constituiu-se, pois, como ponto de contato que permite convergências que colaboram para o entendimento das redes instituídas em torno da fórmula da Educação Nova e das ações feitas em seu prol como um dispositivo agregador.
Em ‘A seção brasileira da New EducationFellowship: (des)encontros e (des)conexões’, Diana Vidal e Rafaela Rabelo tematizam a instalação tardia de uma célula nacional da NEF2 no Brasil. A partir das movimentações engendradas em torno das tentativas de criação da seção mapeia-se a dinâmica da criação de redes – nem sempre convergentes – de educadores brasileiros. É em seus embates e rusgas que se afiançam constatações a respeito das disputas na busca por espaço dentro dos mesmos círculos de educadores brasileiros e estrangeiros3. A efetiva criação da seção, enfim, é condicionada pela aproximação entre Brasil e Estados Unidos em meio à configuração dada na Segunda Guerra Mundial. Também para Vidal e Rabelo (2020), a criação da referida seção deveu-se mais a essa aproximação do que propriamente a esforços de educadores nacionais. Tal cenário tem o efeito de favorecer a problematização das conexões que constituem a ampla rede de atores que a ele se vincularam, bem como de ressaltar a relevância das aproximações com os preceitos da Educação Nova e das viagens pedagógicas internacionais.
A movimentação dos atores políticos é também mapeada por Margarida Louro Felgueiras. Em ‘Dois portugueses no movimento internacional da Escola Nova: Faria de Vasconcelos e Antônio Prado’, ambos os sujeitos são colocados em relação e têm seus percursos internacionais mapeados. A autora, nesse movimento estabelece uma distinção entre a ‘Escola Nova’ como perspectiva e como movimento. Ao segundo credita a atuação de Adolphe Ferriére, responsável pela aglutinação de pessoas e políticas educativas em distintos países. É na elaboração dessa pedagogia que situa Portugal no século XX (Felgueiras, 2020, p. 49). No que se refere às trajetórias específicas dos sujeitos dos quais se ocupa, ressalta sua ocasional colaboração mútua, sobretudo no início do século, mas o posterior afastamento devido a divergências na atividade política (Felgueiras, 2020, p. 67).
É também na movimentação de um sujeito que Gary McCulloch se fia para rastreamento das formas pelas quais Fred Clarke contribuiu para a internacionalização de estudos e pesquisas educacionais. Ao tomar como fonte as ponderações e impressões feitas por contemporâneos, mobiliza seu arquivo pessoal e também os arquivos da Carnegie Corporation, do New Zeland Council for Educational Research e do Australian Council for Educational Research.O artigo traz o ganho de fazer pensar a internacionalização e globalização das iniciativas encabeçadas por Clarke antes dos governos nacionais e agências internacionais assumirem uma posição central nesse movimento. Traz também elaborações fortuitas sobre o papel da Educação Nova nos desdobramentos políticos da época. Para o autor, ela foi simultaneamente acionada como um fator de manutenção de continuidades e de estímulo a mudanças (Mcculloch, 2020, p. 90).
O bloco ‘Sujeitos e redes’ se encerra com o capítulo ‘Vertentes da Escola Nova em São Paulo: o ‘caso microscópico’ do Grupo Escolar Rural de Butantan’, de autoria de Ariadne Ecar e Diana Vidal. Nele, as autoras se utilizam da trajetória e das práticas da professora Noêmia Cruz para aquilatar discussões a respeito do ensino rural e das políticas públicas da educação no período. Rastreiam também as conexões entre as dimensões locais e transnacionais pelo estudo de suas práticas, o que permitiu perceber suas operações mesclando representações concorrentes de ensino rural e negociando seus significados (Ecar & Vidal, 2020, p. 108). Ressaltam, por fim, que os resultados da investida não assinalam para uma definição única de ensino rural, mas para um conjunto de entendimentos modulado também por pressões políticas específicas (Ecar & Vidal, 2020, p. 109).
Em ‘Nacional e transnacional’, Martha Cecilia Herrera, Silvina Gvirtz, Gabriela Barolo e Pablo Toro Banco se demoram sobre as reverberações do movimento pela Educação Nova na Colômbia, Argentina e Chile. Em ‘Apropriações e ressignificações da Escola Nova na Colômbia na primeira metade do século XX’, Martha Herrera sustenta que a maioria dos discursos educacionais do período no país retomou alguns dos postulados escolanovistas para elaboração de uma reforma da instrução nacional (Herrera, 2020, p. 115). Assim sendo, mapeia as distintas apropriações do movimento, situa suas imbricações e reconhece os embates entre os postulados escolanovistas e, sobretudo, educadores ligados à defesa da educação católica (Herrera, 2020, p. 124). Ainda para ela,
[…] Todas as tentativas de reformular os eixos sobre os quais a educação funcionava tiveram que passar, necessariamente, pela lógica do discurso da Escola Nova […]. É necessário entender esse movimento como uma corrente pedagógica cuja influência histórica e pertinência levou a colocar em circulação um ideário que […] foi apropriado e ressignificado em diferentes países do mundo […] (Herrera, 2020, p. 130).A heterogeneidade de tempos, espaços e ideias do movimento é também ressaltada por Silvina Givirtz e Gabriela Barolo.Ao abordarem o movimento em território argentino, demarcam como ponto comum entre suas diferentes expressões a afiliação a postulados reformistas de origem europeia (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 133). As autoras investigam o impacto e o percurso do movimento no país, deixando claro que sua temporalidade não estabeleceu uma correlação linear com os tempos da história política, embora existam atravessamentos entre eles (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 134). Operam, por essa via, uma análise que contemplou as configurações da macro e micropolítica. Na segunda esfera, destacam algumas alterações no cotidiano escolar e nos discursos docentes. Ressaltam, por fim, que o movimento propunha a melhoria da escola moderna sem, contudo, questionar suas bases. Ainda para elas, foi essa característica que configurou os limites do movimento no sistema educacional argentino (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 152).
Por fim, Pablo Toro-Blanco explora as mudanças demandadas dos docentes chilenos em termos afetivos, bem como sua interação com os crescentes graus de fundamentação científica do trabalhado professoral em‘Conselho de viajantes: a Escola Nova e a transformação do papel do professor no Chile (1920 – 1930) – um olhar conciso da história transnacional e das emoções’. Para tanto, entende a história transnacional como a história das conexões para além do âmbito nacional e operacionaliza a análise pela via de conceitos oriundos da história das emoções (Toro-Blanco, 2020). Em que pesem as distintas possíveis apropriações do arsenal pedagógico da Escola Nova, destaca a configuração de um cenário de mudanças de concepções sobre o fenômeno educativo no qual a psicologia infantil e juvenil assumiria um papel central (Toro-Blanco, 2020).
Geneviéve Pezeu inaugura o bloco ‘Propostas e Apropriações’ com o artigo ‘A coeducação vista pela Escola Nova nos anos 1920 e 1930 (entre Suíça, França e Alemanha) ‘. Nele, se pergunta a respeito dos posicionamentos a seu respeito por parte dos movimentos europeus pela Educação Nova. Para tanto, coloca em perspectivas algumas das ambiguidades encampadas em meio ao movimento sobretudo por Adolphe Ferriére (Pezeu, 2020). Mapeia os dois principais argumentos para definição do programa da coeducação no movimento escolanovista francês: o que mobilizou a regulamentação das relações sentimentais e o que avultou a idade ideal para o seu início. Situa uma configuração nacional e interacional que minou as experimentações inovadoras em prol da coeducação, o que fez com que suas iniciativas permanecessem na qualidade de exceções na França (Pezeu, 2020).
Ainda no movimento de análise das diferentes apropriações do escolanovismo, Maria del Mar Pozo Andrés aplica um modelo de estudo de suas recepções no capítulo ‘O método de projetos na Espanha: recepção e apropriação (1918 – 1936)’. Tal modelo estabelece fases para entendimento da recepção das propostas da Escola Nova no país, sendo elas a ‘observação’ da implementação dessas ideias nas escolas estrangeiras, a ‘tradução’ de obras clássicas, a ‘intepretação’ dos preceitos em obras independentes, a ‘adaptação’ dos conceitos e sua ‘apropriação’ pelo magistério, convertendo-se assim em uma cultura pedagógica compartilhada e popular (Andrés, 2020, p. 189 – 192). É esse modelo que a autora operacionaliza para abordar a construção do projeto como metodologia icônica da educação progressiva nos Estados Unidos e os posteriores significados em sua circulação e difusão para, por fim, perscrutar sua apropriação no cenário espanhol já nos anos 1930 (Andrés, 2020). Notifica uma rápida apropriação do método de projetos pelo professorado devido, entre outros fatores, a sua elasticidade conceitual e à possibilidade que imprimiu a um reduzido grupo de professores de produzir um conhecimento pedagógico (Andrés, 2020).
Por fim, o último capítulo do livro retoma o cenário brasileiro em estudo de Ariadne Ecar e Fernanda Franchini, de título ‘Esforços para uma educação nova em São Paulo: discursos e marcas na definição do cinema educativo (1920 – 1930)’. Nele, as autoras abordam apropriações de ideias estrangeiras a respeito do uso do cinema como recurso educativo e, em seguida, se debruçam sobre a instalação da ‘Exposição Preparatória do Cinema Educativo’ no ano de 1931, em São Paulo (Ecar & Franchini, 2020). Conforme as autoras, ela foi um recurso para convencimento a respeito da real possibilidade de uso do cinema como um eficiente recurso de ensino. Defendem ainda que, conforme a análise das fontes, o cinema na sala de aula definiu-se pelos propósitos de valorização dos processos produtivos e formação para o trabalho (Ecar & Franchini, 2020). Situam também os jogos de forças marcados pelos distintos projetos educativos nas décadas de 1920 e 1930, responsáveis pela progressiva centralidade que a instituição escolar assumiu como lócus de formação da nação (Ecar & Franchini, 2020).
A publicação ‘Movimento internacional da Educação Nova’ tem, pois, a relevância de não somente congregar estudos diversos sobre o tema, mas de elaborar uma profícua convergência de análises que permite aquilatar pontos de encadeamento centrais para o cenário educacional. Vale, nesse sentido, destacar a cuidadosa atenção dada à seleção de artigos e análises capazes de nuançar as configurações locais, regionais e internacionais. Essa atenção às diferentes escalas do movimento permitiu assinalar a atuação dos sujeitos políticos pela via das redes que mobilizaram, mas também perceber a formação de organizações institucionais em torno das bandeiras de renovação educacional. É também esse viés que torna possível perceber os significados em disputa e os pontos de estrangulamentos em meio à difusão internacional dos preceitos então defendidos.
Assim sendo, o livro vem para acrescentar perspectivar os movimentos renovadores e situá-los em sua configuração política e social sem, contudo, descuidar de suas apropriações. Vale também ressaltar o reiterado zelo em conceituar as diferentes faces da Educação Nova de acordo com os sujeitos que mobilizou e os territórios nos quais se embrenhou. Esse esforço, todavia, não teve a intenção nem tampouco o efeito de esgotar o tema ou de edificar um conceito estanque sobre as diferentes formas através das quais o movimento operou. Trata-se, portanto, de uma publicação que considera a produção historiográfica já solidificada a respeito do tema e convida a novas investidas de pesquisa e análise.
Referências
Andrés, M. M. P. (2020). O método de projetos na Espanha: recepção e apropriação (1918-1936). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 189-208). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Ecar, A., & Franchini, F. (2020). Esforços para uma educação nova em São Paulo: discursos e marcar n definição do cinema educativo (1920-1930). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 209-233). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Ecar, A., & Vidal, D. V. (2020). Vertentes da Escola Nova em São Paulo: o “caso microscópico” do Grupo Escolar Rural de Butantan (anos 1930-1940). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 91-112). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Felgueiras, M. L. (2020). Dois portugueses no movimento educacional da Escola Nova: Faria de Vasconcelos e António Sérgio. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 49-68). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Gvirtzm S., & Barolo, G. A Escola Nova na Argentina. Apontamentos locais de uma tradição pedagógica transnacional. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 133-152). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Herrera, M. C. (2020). Apropriações e ressignificações da Escola Nova na Colômbia na primeira metade do século XX. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 113-132). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
McCulloch, G. (2020). Fred Clarke, a Educação Nova e a internacionalização dos estudos e pesquisas em educação nos anos 1930. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 69-90). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Paulilo, A. L. (2020). Prefácio. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 7-10). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Pezeu, G. (2020). A coeducação vista pela Escola Nova nos anos 1920 e 1930 (entre Suíça, França e Alemanha). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 175-188). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Toro-Blanco, P. (2020). Conselho de viajantes: a Escola Nova e a transformação do papel do professor no Chile (1920-1930): um olhar conciso da história transnacional e das emoções. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 153-174). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Vidal, D. G., & Rabelo, R. S. (2020). A seção brasileira da New Education Fellowship: (des) encontros e (des)conexões. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 25-48). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.
Notas
[1] Ainda para as autoras, “[…] hub consiste em uma espécie de nó, que se situa no meio de várias trajetórias” (Vidal; Rabelo, 2020, p.13).2 Sigla comumente utilizada pelas autoras para se referirem à New Education Fellowsip.
3 A esse respeito, são delineadas duas linhas de tensões principais. Na configuração internacional se sublinhas as disputas entre a New Education Fellowship e o Bureau Internacional d´Éducation. Nacionalmente, as dissidências entre a Associação Brasileira de Educação e a Federação Nacional das Sociedades de Educação dão o tom do tensionamento.
Carolina Cechella Philippi – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) vinculada à linha de pesquisa Educação e História Cultural. Pesquisadora junto ao Programa de Extensão e Pesquisa Historiar a educação. E-mail: carolinacechella@gmail.com
Nas tramas da ‘cidade letrada’: sociabilidades dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais | Adriane Vidal Costa e Claudio Maíz
No campo das humanidades, em especial na historiografia, os estudos que envolvem intelectuais e letrados, até pouco tempo, centravam-se em perspectivas analíticas ligadas à história das ideias ou à história de caráter biográfico de corte sociológico. Nessas abordagens, prezavam-se tanto o conjunto do “pensamento” produzido por determinadas figuras, entendido como corpo intelectual apartado de dinâmicas e conflitos sociais – isto é, como “engenho mental” –, quanto os aspectos descritivos da vida pessoal ou profissional de determinado personagem. Essas leituras priorizavam aquilo que é estático, imóvel, constante, acabado em detrimento dos contatos, das trocas, das interações, dos trânsitos e intercâmbios que dão sentido e tonalidade a determinados produtos intelectuais.
Nas tramas da “cidade letrada”: sociabilidades dos intelectuais latino-americanos e as redes transnacionais, lançado em 2018 pela editora Fino Traço, é um livro que contribui para esses debates. Organizada por Adriane Vidal Costa, professora de História da América na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Claudio Maíz, professor de Literatura Hispano-americana Contemporânea na Universidade Nacional de Cuyo (UNCuyo), esta obra reúne ensaios de importantes estudiosos latino- -americanos de diversos países do continente. O corte transversal que dá sentido ao livro é a reunião de textos que se preocupem especialmente com a história da cultura – tanto com os próprios discursos intelectuais como com os aspectos sociológicos ligados à organização e ao intercâmbio entre letrados e intelectuais. Em termos gerais, os artigos são estruturados a partir de quatro grandes eixos: epistolários, exílios, revistas e instituições. O cenário de fundo são as amplas transformações políticas, econômicas e sociais pelas quais passou a América Latina, especialmente no final do século XIX e ao longo de todo o século XX. Leia Mais
As “novas” políticas sociais brasileiras na saúde e na assistência: uma produção local do serviço e das relações de gênero | Isabel Georges e Yumi Garcia dos Santos
O livro apresenta uma análise teórica, histórica e social sobre o lugar central ocupado pelas mulheres nas políticas públicas voltadas para o controle dos pobres em regimes liberais ou progressistas. Baseia-se em extenso material coletado pelas autoras em suas pesquisas individuais e em conjunto, realizadas na zona leste da cidade de São Paulo ao longo das primeiras décadas do século XXI. O trabalho envolve observação em organizações sociais (OS) e nos serviços por elas oferecidos em parceria com o Estado, e entrevistas com gestoras, agentes de saúde e usuárias dos programas.
A primeira parte da obra recupera o histórico de desenvolvimento, em níveis internacional, nacional e local, de uma “gestão sexuada” da pobreza que orienta a elaboração de políticas públicas para determinada parcela da sociedade. As autoras se debruçaram sobre a construção da ideia de proteção social desde o século XVIII e seu trânsito entre a caridade, a filantropia e o mercado. A figura feminina emerge como a mediadora na concretização dos objetivos do Estado, na gestão da população pobre. A partir da figura moral da mãe-mulher com cuidadora “natural”, responsável pelo bem-estar da família, as políticas de proteção social familistas do século XX mostram-se herdeiras dessa caracterização. Seja em contextos liberais, neoliberais “humanizados” ou progressistas, a família constitui-se como categoria consensual, e a mulher como responsável por sua saúde. Leia Mais
O reino do encruzo: história e memória das práticas de pajelança no Maranhão (1946-1988) | Raimundo Inácio Souza Araújo
O livro de autoria de Raimundo Inácio Souza Araújo, professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Maranhão, apresenta-nos, de uma maneira sensível e respeitosa, as práticas culturais associadas à pajelança no Maranhão, dando visibilidade às transformações ocorridas com a intensificação do êxodo rural e com a pluralização do campo religioso, principalmente com a chegada da prelazia católica e dos evangélicos de viés neopentecostal no município de Pinheiro e em outros municípios maranhenses, avessos aos entrecruzamentos e trânsitos culturais que marcavam as religiosidades locais. Com uma narrativa rica de significados, o livro é um convite à reflexão sobre (in)tolerância religiosa no contexto contemporâneo e ao ato de narrar o outro a partir da negatividade, a exemplo do catolicismo e do (neo)pentecostalismo, interpretações cristãs que viam nas práticas de pajelança crenças e costumes que deveriam ser abandonados.
A pajelança emerge nas 288 páginas do livro como uma manifestação cultural que integra o complexo religioso afro-maranhense, marcado por um regime de entrecruzamentos que dialoga com o tambor de mina, o catolicismo popular, o espiritismo e as práticas curativas. O pajé insurge textualmente como uma autoridade no plano dos cuidados terapêuticos, incluindo a realização de partos no meio rural, num período histórico marcado pela ausência de médicos na cidade e no campo, territórios pontilhados pela presença de curandeiros e seus unguentos, permeando as sensibilidades e sociabilidades do tecido rural-urbano e sua interface com os ritos lúdico-religiosos. A gramática musical está por toda parte, desde os sons dos tambores, as ladainhas, as cantigas e as doutrinas que convocam os encantados, incorporando-se inicialmente no pajé e, depois, nos demais filhos do terreiro. O estado de transe, a voz alterada e a performance desenham o corpo dos incorporados e contribuem para a construção da teatralidade da festa. Leia Mais
Pensadores negros – pensadoras negras: Brasil séculos XIX e XX | Sidney Chalhoub, Ana Flávia Magalhães Pinto
Resenhista
Joaze Bernardino Costa – Universidade de Brasília. E-mail: joazebernardino@gmail.com Leia Mais
As estórias a favor da História: as Efemérides Mineiras, de José Pedro Xavier da Veiga – FAGUNDES (RTA)
FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. As estórias a favor da História: as Efemérides Mineiras, de José Pedro Xavier da Veiga. Belo Horizonte: Fino Traço, 2014. Resenha de: GIANELLI, Carlos Gregório dos Santos> Um inventário histórico de estórias inventadas. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.20, p.339‐343. jan./abr., 2017.
A diferenciação entre o que é uma história verídica e o que seria uma ficção muitas vezes já é sinalizada no uso da palavra. Para citar o exemplo na língua inglesa, o story (estória) se apresenta quase sempre que uma ficção quer se fazer explícita em oposição à palavra history (história), que se trata do estudo, análise ou até mesmo relato de algum fato ocorrido. Na língua portuguesa praticada no Brasil essa diferenciação existe em nosso vocabulário, mas, vem sendo cada vez menos utilizada. Ao se checarem livros ou coleções mais antigas, as estórias em contraposição às histórias estão presentes. No entanto, a palavra estória vem caindo em desuso sendo que a história tem servido tanto para a dita ficção como para a realidade. Não é à toa que o título do livro de Bruno Flávio Lontra Fagundes faz uso desse jogo de palavras ao tratar do tema proposto. “As estórias a favor da História: As Efemérides Mineiras de José Pedro Xavier da Veiga” tem como um de seus objetivos e fio condutor refletir sobre essa tensão presente entre a ficção e realidade na tessitura das narrativas históricas. Historiador de formação, Fagundes buscou nesse trabalho, que resultou em sua dissertação de Mestrado defendida junto ao Programa de Pós‐Graduação em Letras (Estudos Literários), da Faculdade de Letras da UFMG, aproximar duas áreas que muitas vezes foram consideradas totalmente opostas no campo da escrita: as estórias e as histórias.
Como indicado no título, o livro analisa a obra “As Efemérides Mineiras”, de José Pedro Xavier da Veiga, publicada em Minas Gerais no ano de 1897. Trata‐se de um livromonumento com mais de mil e oitocentas páginas, dividas em quatro volumes, que busca fazer um levantamento da história da província de Minas Gerais de 1733 a 1892. Torna‐se válido ressaltar que o próprio termo efeméride é pouco utilizado hoje, e cabe a breve explicação de que se trata do registro de algo importante que aconteceu em um dia específico. Levando‐se isso em consideração, fica um pouco mais clara a organização proposta por Xavier da Veiga em seu livro‐monumento. As efemérides não estão organizadas ano após ano, mas dia após dia. Essa primeira característica a ser observada logo no índice do livro já abre um espaço interessante de reflexão a respeito da organização cronológica e temporal que é proposta nessa obra do final do século XIX.
Fagundes ressalta que essa característica não era comum de outras efemérides realizadas na mesma época. Sendo assim, Xavier da Veiga propõe uma organização da história diferente deseus contemporâneos, tendo os anos como esteira condutora dos acontecimentos históricos. Nas “Efemérides Mineiras”, temos um calendário que parte de 1º de janeiro a 31 de dezembro, cobrindo não somente um ano, mas quase três séculos.
Nesse sentido, teríamos a organização mais ou menos desta maneira, como indica Fagundes: “1 de janeiro 1733 (…) 1740 (…) […] 2 de janeiro 1807 (…) 1811 (…).” O livro de Bruno Fagundes, a respeito da obra de Xavier da Veiga, se organiza da seguinte maneira: antes de fazer a sua análise das Efemérides, Fagundes mostra a apresentação que o próprio José Pedro Xavier da Veiga faz de sua obra monumental. O prefácio da obra de Xavier da Veiga contém desde instruções de como realizar a leitura, até uma espécie de pedido de desculpas pelas lacunas temporais presentes. Por se tratar de uma obra datada do ano de 1897, está inserida no contexto pós‐republicano em que se buscava de todo modo “re‐fundar” um novo país sob a égide dos novos ideais positivistas, materializados no lema ordem e progresso. Não se tratava apenas de buscar uma brasilidade moderna que fundamentasse as aspirações republicanas, mas de organizar a história do país muito mais por inventários documentais, como as efemérides, do que por outro tipo de produção historiográfica ou memorialística. Xavier da Veiga além de ser o autor das Efemérides foi o primeiro diretor do Arquivo Histórico Mineiro, o que denota o caráter depositário que a obra possuía para ele. Para Xavier da Veiga não se tratava apenas de contar estórias, mas de se guardar e, até mesmo, preservar a história.
Após a apresentação do livro, “Por ele mesmo”, Bruno Flávio Lontra Fagundes adentra a obra sempre mostrando algo que lhe sobressai e uma possível análise a ser realizada. Nos próximos três capítulos após a apresentação do livro pelo próprio Xavier da Veiga, Fagundes analisa três questões em que dedica um capítulo para cada: temporalidades; memória; e a própria noção de invenção da História que acaba suscitando das Efemérides.
Adiante, no livro, Fagundes analisa em seu quinto capítulo como Xavier da Veiga lidava com a carga documental que recebia de várias partes do estado de Minas Gerais para a realização da obra; é neste momento que o título dado por Fagundes faz‐se presente: “As estórias a favor da História”. Este que poderia até mesmo ser um lema adotado por Xavier da Veiga na compilação de documentos e testemunhos. O arquivista mineiro considerava importante desde os documentos oficiais, como decretos‐lei, até relatos de casos estranhos como alguns títulos indicam: “diamante achado por um preto; grandioso meteoro; um esqueleto monstro, etc.” Como já foi dito, o cargo de administrador do Arquivo Histórico Mineiro vai conferir a Xavier da Veiga a responsabilidade de salvaguardar todos os retalhos de história que lhe são enviados.
Anexos aos documentos que chegam para ele estão presentes, muitas vezes, bilhetes pedindo para que o pacote seja preservado, ressaltando a preciosidade daquele documento em questão. Tal cuidado que o arquivista e escritor mineiro possuía com os documentos que aos quais tinha acesso permeia toda a obra das Efemérides, assim como a função social do devir histórico que lhe é incumbido.
É dentro dessa questão que Fagundes, em seu sexto capítulo, lança a reflexão voltada à autoria das Efemérides. Seria apenas José Pedro Xavier da Veiga o autor de um livro que conta com tantas páginas resultantes de dezoito anos de trabalho? Qual a parcela de contribuição das centenas de anônimos que enviaram seus relatos e documentos para a realização desta empreitada? Tais reflexões cabem tanto para Fagundes, ao analisar as Efemérides, como para qualquer historiador que tenha contato com obras grandiosas, ou que no momento de tecer a sua própria narrativa histórica reflita sobre o lugar dos documentos e testemunhos em sua produção.
Em seu sétimo capítulo, é feita uma análise a respeito da figura do próprio José Pedro Xavier da Veiga, que além de ter ocupado o cargo de primeiro diretor do Arquivo Histórico Mineiro, também foi deputado, vinha de uma família de letrados que chegaram a ser proprietários de livrarias e possuía grande respeito justamente por ser apontado como um dos guardiões da história de Minas Gerais. No oitavo e último capítulo, Fagundes trabalha a relação entre Xavier da Veiga e o seu livro, mostrando como determinadas obras além de monumentalizar os personagens retratados nela podem enaltecer seus autores. Xavier da Veiga é destacado no imaginário social pela grande empreitada de memória e identidade mineira que constituiu suas Efemérides.
Por fim, cabe ressaltar a importância que o livro “As Estórias a favor da História: As Efemérides Mineiras de José Pedro Xavier da Veiga”, de Bruno Flávio Lontra Fagundes tem para o campo da História. As questões que o autor levanta, aproximando os campos dos estudos literários e da teoria da história são de grande relevância para aquele pesquisador que busca uma perspectiva interdisciplinar para o seu trabalho que acaba, em muitos casos, levando a uma reflexão mais profunda acerca do tema pesquisado.
Poderíamos, por fim, elencar os seguintes temas como muito importantes para o fazer historiográfico que são problematizados pelo autor: a questão da memória de um povo; o desafio da delimitação das temporalidades (tendo em vista a característica peculiar de organização temporal das efemérides que reverbera em sua narrativa histórica); o tratamento dado para um grande acervo documental; a função social exercida por Xavier da Veiga enquanto historiador mineiro; reflexões a respeito da autoria das efemérides (como podemos afirmar que Xavier da Veiga é o único autor de um livro composto por centenas de contribuições e relatos? Como podemos pensar nessa mesma problemática na tessitura de nossos trabalhos historiográficos?) e, por fim, a relação entre autor e obra.
Fagundes analisa com bastante seriedade um livro que se porta como monumento histórico e não apenas como uma narrativa histórica.
Carlos Gregório dos Santos Gianelli – Doutorando no Programa de Pós‐Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil gianelli.87@hotmail.com.
[IF]
A fascinação weberiana: As origens da obra de Max Weber – MATA (AN)
MATA, Sérgio da. A fascinação weberiana: As origens da obra de Max Weber. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. 236p. Resenha de: CUNHA, Marcelo Durão Rodrigues. Anos 90, Porto Alegre, v. 21, n. 39, p. 417-426, jul. 2014.
Na linha de estudos atuais no campo da história intelectual e das ideias, o professor Sérgio da Mata realiza em A fascinação weberiana: as origens da obra de Max Weber um trabalho que, dentre outros objetivos, busca elucidar as bases do encantamento intelectual, da sedução que a obra de Max Weber suscita na comunidade acadêmica em todo o mundo.
A “fascinação” – termo cunhado na década de 1950 por Nelson Werneck Sodré – denota, segundo o historiador mineiro, um tipo de tentação intelectual que, de forma ambivalente, poderia levar ao mesmo tempo à obliteração da autonomia da obra de um autor, bem como à sua consequente abnegação no campo das ideias.
Na contramão deste caminho entre fascinação e sacrifício do intelecto, Sérgio da Mata traz um instigante estudo acerca do legado weberiano, desde a dívida do intelectual para com a Escola Histórica Alemã até os caminhos e as fronteiras da recepção de sua obra em terras brasileiras.
Ancorados num extenso trabalho de pesquisa em arquivos e bibliotecas alemãs, os estudos reunidos pelo Weberforscher brasileiro baseiam-se em uma melhor compreensão dos chamados “anos de aprendizagem”, de formação histórico-jurídica do intelectual alemão, antes do seu tardio sociological turn, ao fim da primeira década do século vinte.
Com o princípio metodológico básico de analisar apenas o que antecede esse marco, preocupando-se com o “início” e o desenvolvimento progressivo da vida intelectual weberiana, o autor evita a tendência a panoramas retrospectivos ou a um tipo de teleologismo muito comum em abordagens sobre obra de Weber, ainda perceptível em trabalhos recentes, como os de Francisco Teixeira e Celso Frederico (TEIXEIRA; FREDERICO, 2011), ou no artigo de Gerhard Dilcher (DILCHER, 2012).
Tendo como pressuposto a elevação feita pelo próprio Weber da ciência histórica à categoria de Grundwissenschaft, o pesquisador enxerga na formação intelectual do autor de A ética protestante uma perspectiva que seria sempre e decididamente histórica. Essa ideia de um approach weberiano às ciências históricas – que há alguns anos causaria estranhamento a leitores desatentos – é a base do argumento de Mata em boa parte de sua obra.
Em um exercício de história contrafatual, o autor chega mesmo a sustentar que, caso a carreira de Weber tivesse se encerrado em 1909, este dificilmente estaria situado entre os fundadores da moderna sociologia alemã.
É em tal provocação que reside a tentativa por parte do historiador de reconstrução da trajetória de Weber dentro daquilo que denomina a “era de ouro do historicismo”. Discordando de interlocutores que tendem a observar na virada do oitocentos ao século vinte o germe de uma crise da ciência histórica, Mata vê, pelo contrário, na fundamentação epistemológica do historicismo – realizada por Dilthey, Schmoller, Bernheim, Windelband e Rickert no período – uma indissociável gênese da obra e da metodologia weberianas.
É justamente fugindo da sombra da sociologia de Max Weber que o autor inicia todo um capítulo acerca daqueles anos de aprendizagem em Heidelberg, Göttingen e Berlim – “três templos da ciência histórica oitocentista” (MATA, 2013, p. 35) –, quando o jovem “jurista” formar-se-ia em um ambiente intelectual amplamente influenciado pela Weltanschaung histórica.
Mata busca aqui identificar algumas das figuras que mar‑caram o início da trajetória intelectual do estudante oriundo de Erfurt para concluir que Weber foi, nem mais nem menos que qualquer contemporâneo seu, o resultado dos estilos de pensamento histórico
419.
Anos 90, Porto Alegre, eentão vigentes. Seus laços familiares com o eminente historiador Hermann Baumgarten, a simpatia inicial pelo trabalho de Heinrich von Treitschke, além do convívio do jovem Max com o círculo de Theodore Mommsen, são alguns dos muitos indícios que corroboram a tese do autor.
Desconstruindo a ideia de que Weber teria rejeitado, ou mesmo se oposto à ciência histórica de seu tempo, o historiador nos prova o contrário a partir de um olhar atento sobre a pouco estudada primeira fase da carreira do intelectual germânico. Considerando a perspectiva trazida por Mata nesse primeiro capítulo, torna-se fácil concordar com sua assertiva, segundo a qual “Max Weber começou a tornar-se o Max Weber que conhecemos no berço esplêndido do historicismo alemão” (MATA, 2013, p. 35).
Mas, longe de limitar a ascendência intelectual do jovem autor aos domínios da Ciência Histórica, Mata fornece-nos o panorama de toda uma constelação de ideias e relações intelectuais que teriam influenciado a formação do economista e historiador do direito Max Weber.
A partir da leitura sincrônica de alguns dos mais importantes estudos históricos e econômicos publicados pelo autor até 1905, Mata é capaz de identificar um padrão metódico comum na obra do então professor de Heidelberg. Ao tratar em especial da concepção plural das relações de causalidade e, ao mesmo tempo, da tendência de Weber a enfatizar determinadas macrodeterminações em função do problema específico elucidado, o pesquisador contesta aquelas leituras que tendem a exagerar a perspectiva “idealista” do autor alemão.
É este apurado exame dos primeiros trabalhos de Weber que permite ao historiador chegar a duas conclusões gerais: primeiro, que Weber (ao menos na primeira fase de sua carreira) não teria proposto nem se tornado refém de uma “teoria” histórico-social abrangente. Segundo, que somente o desconhecimento em relação à obra weberiana explicaria por que se chegou a ver no autor de Erfurt uma versão idealista de Marx. E são justamente as preocupações práticas que permitem ao historiador identificar uma “clavis weberiana” – especialmente nos vinte primeiros anos da trajetória intelectual do autor. Por trás da inteligência teórica, Weber falaria sempre em uma intenção prática.
Na trilha do que persegue nas digressões teóricas de um Weber prematuro, Mata procurará, entretanto, nas publicações tardias do intelectual turíngio, sinais de uma possível concepção filosófica da história. Principalmente no que tange à sua percepção do processo de racionalização ocidental e no caráter inexorável que atribui ao conceito de Rationalizierung, o autor brasileiro irá buscar no resultado das investigações empíricas weberianas possíveis ligações com a obra do historiador escocês Thomas Carlyle.
Por sua “extraordinária força ética” e pelo ideal de reforma social em harmonia com a recusa a toda alternativa que implicasse a subversão violenta da ordem, Carlyle tornara-se bastante sedutor aos olhos da intelectualidade alemã do fin-de-siècle. Do autor de Past and Present, Weber herdara, por exemplo, aquela ampla dimensão atribuída ao trabalho na modernidade e as idiossincrasias da noção de “heroís‑mo carismático” no cerne do processo de burocratização ocidental.
Exercício semelhante é feito pelo autor no que diz respeito à dívida weberiana ao pensamento do filósofo neokantiano Heinrich Rickert. Distanciando-se da apressada leitura de Ivan Domingues (DOMINGUES, 2004) e dos equívocos cometidos por Fritz Ringer (RINGER, 2004) na análise de tal relação, Mata insiste na necessidade de entendimento dos pressupostos rickertianos para melhor compreensão dos fundamentos do pensamento histórico de Weber. Do autor de Os limites da formação de conceitos nas ciências naturais, Weber extraíra a ideia de que as pré-condições à caracterização de um trabalho de história como científico seriam: objetividade, contextualização e imputação causal. Weber teria expressado bem esta preocupação de Rickert ao observar que o historiador que abre mão dessas pré-condições comporia “um romance histórico, não uma verificação científica”.
Além disso, do filósofo prussiano, teria sido importante para o economista político aquele abrangente conceito de cultura – segundo o qual o cultural seria qualquer realidade investida não apenas de sentido, mas de valor – e o seu ideal de “verdade” como um valor do qual a ciência jamais poderia abrir mão. Longe de expressar um relativismo, o perspectivismo histórico weberiano, como exposto por Mata, estaria muito mais próximo daquele modesto ideal de verdade defendido por Rickert. 420 Marcelo Durão Rodrigues da Cunha.
Abertas tais perspectivas críticas quanto à análise das origens do pensamento histórico weberiano, Sérgio da Mata amplia o debate no quarto capítulo, ao tratar da discussão em torno da “teoria” dos tipos ideais, desenvolvida por Weber. É realizando uma história do próprio conceito em tela que o autor relativiza a originalidade da tal aspecto do pensamento teórico-metodológico do intelectual alemão.
Expressando uma tentativa de fundamentar a perspectiva tipologizante nas ciências naturais, o autor alerta que a noção de “tipo” havia se tornado um jargão na Alemanha entre fins do século dezenove e início do vinte. Como reverberação da Methodenstreit entre economistas alemães e austríacos – envolvendo nomes como Gustav von Schmoller e Carl Menger (RINGER, 2000) – e do debate, igualmente intenso, que contrapôs historiadores políticos a historiadores culturais (ELIAS, 1997, p. 117), Mata verifica a percepção de alguns daqueles limites do historicismo que contribuíram para a reformulação epistemológica da disciplina histórica na Alemanha guilhermina. Nas discussões entre Eberhard Gothein, Dietrich Schäfer e Ernst Troeltsch, seria perceptível o embate acerca da utilidade de categorias tipológicas que visassem a extrapolar os limites do singular na representação de fenômenos históricos.
É também na ciência jurídica e na ligação de Weber com o jurista Georg Jellinek que Mata identifica como o autor do artigo sobre a “Objetividade”, de 1904, teria feito uso dos “tipos empíricos” de Jellinek, invertendo seus polos – os denominando “tipos ideais” – de modo a se distanciar de seu elemento propriamente normativo, – aproximando-os do que classificava como “ciências da realidade”.
A dívida de Weber para com a teologia – e aqui destacam-se as formulações de Ernst Troeltsch – é ressaltada como igualmente importante naquilo que se tornaria tão central em sua obra. Como uma espécie de conceito jurídico “desnormativizado”, o tipo ideal weberiano representaria uma forma de compromisso entre o abandono e a conservação da filosofia da história, sendo, nesse sentido, uma “forma resignada da filosofia da história”. Mais do que simples‑mente comprovar que não há originalidade na “teoria” weberiana dos tipos ideais, Mata é capaz de trazer novamente à tona uma série de debates entre eruditos que outrora padeciam em um longo período de esquecimento.
Ao tratar de outro controverso aspecto da obra de Weber, a “isenção de valor” ou “neutralidade axiológica” (Wertfreiheit) do conhecimento histórico social, o autor opta por reconstruir a evolução de tal sentido na obra de Weber, contrapondo a posição do intelectual às de alguns de seus contemporâneos. Em trabalhos como o ensaio sobre a “Objetividade” ou em A ética protestante, além do diálogo com as obras de Rickert e Schmoller, o historiador evidencia, em um primeiro momento, que há na obra de Weber uma preocupação com o “dever ser” (Sollen) do erudito que extrapola o campo propriamente epistemológico, estendendo-se também à ética da prática pedagógica.
Mata conclui que Weber sustenta a opinião segundo a qual o historiador, o jurista e o sociólogo podem e devem ter sua própria visão de mundo, sua ética e suas convicções políticas, mas não a ciência histórica, o direito e a sociologia enquanto tais. Weber afirmaria querer se afastar dos adeptos de uma neutralidade axiológica “radical”, para quem a historicidade dos postulados éticos deporia contra a importância histórica destes. Ao mesmo tempo, julgaria que não cabe à ciência empírica valorar positivamente uma ética só por ela ter dado forma a épocas e culturas inteiras. Nesse sentido, a neutralidade axiológica weberiana residiria, em última análise, numa transposição da ética da convicção para o campo gnosiológico.
Apontando o caráter estritamente formal da solução weberiana para o problema dos valores, além de sua posição pouco consequente do ponto de vista filosófico, Mata joga luz sobre o tão atual debate acerca das relações entre ciência e consciência moral.
Dando prosseguimento ao debate acerca da influência do pensamento weberiano na ciência histórica, o pesquisador ambiciona, no sexto capítulo, compreender os motivos do amplo desconhecimento a respeito da obra de Weber – tanto no Brasil quanto no exterior – e do seu legado para o ofício dos historiadores.
Dedicando-se ao entendimento de alguns importantes aspectos da visão de Weber sobre a ciência histórica, Mata analisa a opinião do intelectual frente aos escritos de três relevantes historiadores – Leopold von Ranke, Karl Lamprecht e Eduard Meyer – de modo a melhor aproximar-se de sua própria visão a respeito do tema.
Em tal exercício, o historiador conclui que tudo parece afastar as posições de Weber, sobretudo, do segundo desses autores. Os argumentos apresentados na polêmica com Meyer levam-no, toda‑via, a concluir que entre a história “positivista” de Lamprecht e a história compreendida como “ciência cultural” de Weber existiam evidentes afinidades eletivas. Mata percebe que ambos se reconheciam como representantes de uma história cultural que desafiava abertamente os rígidos cânones historiográficos vigentes.
A aproximação com o trabalho do Weber historiador no atual momento do que classifica como “crises de sentido intersubjetivas” seria, segundo Mata, profícua na medida em que – distanciando-se de uma perspectiva de exagero do ficcional – este versaria sobre uma ciência preocupada com os desdobramentos do real.
Nos capítulos seguintes, o autor reitera tal posição referente à relevância da Weberforschung no presente, ao analisar o uso do conceito de “despotismo oriental” e o debate acerca da existência de uma posição religiosa e de uma teologia política na obra de Max Weber.
No primeiro caso, em um pequeno excurso complementar, Mata empreende uma elucidativa avaliação dos escritos weberianos acerca da situação política na Rússia do início do século vinte. Em sua análise, o autor conclui que Weber surpreendentemente mantém sua opinião a respeito do suposto imobilismo russo – de forma coerente com o que era pensado pelos fundadores do materialismo histórico em sua noção de “despotismo oriental”.
No segundo, Mata reserva dois capítulos inteiros para debater a complexa relação do autor em tela com a teologia e a prática religiosa. A partir de uma perspectiva própria à história das ideias, o historiador enaltece a importância do homo religiosus Max Weber para o “estudioso da religião Max Weber”. Em uma minuciosa análise da trajetória dos estudos teológicos de sua família, além das relações do jovem jurista com seu primo Otto Baumgarten, o autor percebe que, longe do que era pregado por Friedrich Schleiermacher, Weber entendia que vida religiosa interior e ação transformadora no mundo não deveriam nem poderiam se contradizer.
Mais adiante, ao discutir a existência de uma teologia política por trás da Ética protestante, o autor traz – em recurso a elementos sociopolíticos, acadêmicos e biográficos do contexto de produção da obra – uma surpreendente interpretação do mais conhecido trabalho do intelectual alemão. Levando em consideração elementos biográficos, além da posição do autor diante da política de seu tempo, Mata é capaz de perceber no estudo de história cultural weberiano tanto a expressão tardia do Kulturkampf1 quanto um tratado de teologia política.
Tratando ainda do clássico estudo de Weber, o historiador irá desconstruir no capítulo seguinte o que considera a formulação do mito de A ética protestante e o espírito do capitalismo como obra de sociologia. Considerando a forma pela qual o autor emprega as categorias de “tipos ideais” – “uma construção mental destinada à medição e caracterização sistemática de conexões individuais, isto é, importantes devido à sua especificidade” (WEBER apud MATA, 2013, p. 180) –, Mata percebe em tal recurso heurístico a tentativa por parte do autor de facilitar a identificação e a análise de realidades percebidas como singulares, que seriam, em última instância, históricas. Além disso, declarações do próprio Max Weber e uma análise do contexto de produção historiográfica do período corroboram a tese do historiador mineiro, segundo a qual A ética protestante teria sido concebida, antes de tudo, como um estudo de história cultural.
Uma última e relevante preocupação de Mata em seu traba‑lho diz respeito à recepção da obra de Max Weber entre historiadores brasileiros desde o início da difusão de seus escritos em território nacional ao longo do último século. De uma favorável leitura de suas ideias durante as décadas de 1930 e 1940 – em interlocutores como Sérgio Buarque de Holanda e José Honório Rodrigues – à crítica e incompreensão de sua “interpretação espiritualista da História” Mata busca em nossa historiografia aquele “elo perdido” entre a obra weberiana e sua interpretação por interlocutores locais.
Neste caminho de reconstrução de itinerários e desmistificação de noções há muito atreladas à herança weberiana, o autor brasileiro erige novas perspectivas úteis à apreciação do “mito de Heidelberg” e de sua obra. Como alternativa a uma ótica demasiado contextualista, Mata opta por trabalhar com a noção de constelações intelectuais e suas delimitações (HEINRICH, 2005, p. 15-30) – ou “espaços de pensamento”. Tal esforço metodológico, conforme buscou-se demonstrar no curto espaço desta resenha, é coroado pelo sucesso da análise do autor em combinar contextos e insights biográficos, fornecendo-nos um panorama das principais conquistas da obra histórico-sociológica de Max Weber.
Se um dos objetivos de Sérgio da Mata – conforme exposto em suas últimas digressões – estava associado à compreensão de um autor dedicado à história como ciência da realidade, pode-se considerar que seu trabalho cumpre à risca a intenção de trazer à tona tal debate. De posse daquela “coragem diante do real” e diante da recente tendência à “ficcionalização de tudo”, Mata é capaz de perceber em seu estudo o quanto o legado de Max Weber se mostra cada vez mais relevante ao entendimento do real enquanto vocação e profissão também no mundo contemporâneo.
Notas
1 Política implementada pelo chanceler Otto von Bismarck entre 1871 e 1878 com o objetivo de secularizar o Estado alemão e eliminar a influência da Igreja Católica Romana sobre a cultura e a sociedade germânica do período.
Referências
DIEHL, Astor Antônio. Max Weber e a história. Passo Fundo: Ediupf, 2004.
DILCHER, Gerhard. As raízes jurídicas de Max Weber. Tempo social, v. 24, n. 1, p. 85-98, 2012.
DOMINGUES, Ivan. Epistemologia das ciências humanas. São Paulo: Loyola, 2004.
ELIAS, Norbert. “História da cultura” e “história política”. In:______. Os alemães: A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
HEINRICH, Dieter. Konstellationsforschung zur klassischen deutschen Philosophie. In: MUSLOW, Martin; STAMM, Marcelo (Hrsg.). Konstellationsforschung. Frankfurt am Main: C.H. Beck, 2005.
HÜBINGER, Gangolf. Max Weber e a história cultural da modernidade.
RINGER, Fritz. O declínio dos mandarins alemães: a Comunidade Acadêmica Alemã, 1890-1933. São Paulo: Edusp, 2000.
______. A metodologia de Max Weber. São Paulo: Edusp, 2004.
TEIXEIRA, Francisco José Soares; FREDERICO, Celso. Marx, Weber e o marxismo weberiano. São Paulo: Cortez, 2011.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1968.
______. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Marcelo Durão Rodrigues da Cunha – Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista Fapes. E-mail: marceloduraocunha@gmail.com.
A Parceria Africana: as relações Brasil-África do Sul | Pio Penna Filho
As obras de Pio Penna Filho sobre as relações internacionais entre Brasil e os países do continente africano são, sem dúvida, trabalhos de referência. Historiador de formação, o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), nos últimos quatro anos tem refinado suas pesquisas, em especial, relacionadas à África do Sul, adensando o trabalho realizado desde seu doutoramento e ampliando o escopo de sua análise. É neste contexto que nasce o livre que avaliamos: A Parceria Africana: as relações Brasil-África do Sul.
O volume é fruto do projeto Parcerias Estratégicas do Brasil: a Construção do Conceito e as Experiências em Curso, coordenado pelo Prof. Antônio Carlos Lessa (UnB) e financiado com recursos do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Destarte, é interessante alocá-lo no debate proposto. Leia Mais
As margens da liberdade: Estudo sobre a prática de alforrias em Minas colonial e provincial | Andréa Lisly Gonçalves
Reconstituir as trajetórias de mulheres e homens africanos, crioulos e mestiços que experimentaram a transição da condição de escravo para liberto: esta é a pretensão de Andrea Lisly Gonçalves no livro As margens da liberdade. Apresentado como tese de doutorado em 2000 na USP, o volume se insere na produção historiográfica que desde a década de 80 do século XX busca compreender as variadas dinâmicas envolvidas no passado escravista colonial e imperial brasileiro. As ideias de Gonçalves foram concebidas ao longo dos anos de 1990 contemporaneamente e em diálogo com algumas obras que se tornaram referência para o estudo da escravidão.
O ponto central do trabalho é a análise da prática de alforria em Minas Gerais, com ênfase na Comarca de Ouro Preto. O estudo empreendido para o século XVIII usa uma base de documentação por amostragem correspondente aos anos de 1735 a 1740 para o Termo da Vila do Ribeirão do Carmo e 1770 a 1775 para o Termo de Mariana. Já para o século XIX há um aprofundamento maior com o uso de fontes em série produzidas nos âmbitos dos Termos de Mariana e de Ouro Preto. Leia Mais
Experimentum humanum: civilização tecnológica e condição humana – MARTINS; SÁNCHEZ GARRAFA (HCS-M)
MARTINS, Hermínio; SÁNCHEZ GARRAFA, Rodolfo. Experimentum humanum: civilização tecnológica e condição humana. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. 454p. Resenha de: KINOUCHI, Renato Rodrigues. O homem como experimento tecnológico de si. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.21, n.1 Jan./Mar. 2014.
Outros há, que quando buscam as ciências, nelas buscam tudo, não só interesse, louvor, e aprovação dos homens, mas também um quase domínio deles.
(Mathias Aires, 2005, p.124)
A crença na técnica como força transformadora do mundo representa uma espécie de truísmo compartilhado por vários pensadores dos mais diversos matizes ideológicos. As consequências práticas inferidas dessa crença, entretanto, variam dramaticamente. Grosso modo, no contexto do socialismo utópico do século XIX, o avanço técnico era visto como capaz de fornecer os meios para a melhoria “contingente” das condições de vida da população, em especial da classe mais pobre e numerosa, o que por fim dissolveria as estruturas opressivas da exploração do homem pelo homem. Num registro marxista, visão semelhante era defendida, com a diferença de que nesse caso a melhoria seria “necessária”, no sentido lógico da palavra, tendo em vista a própria inexorabilidade do materialismo histórico. Já para escolas de pensamento com inclinações mais totalitárias, a técnica era a mais significativa expressão da vontade de dominação do mundo, vontade que em última instância visa a si mesma como meta e como destino da humanidade. Finalmente, em tempos neoliberais, a tecnologia parece significar, no mínimo, uma melhor utilização do capital material disponível e, no limite, a própria substituição do capital material pelo capital imaterial – com o advento da economia do conhecimento – o que criaria um ciclo de enriquecimento jamais visto. Na maior parte das vezes, tais ideias são bastante sedutoras, desde que façamos vista grossa aos embaraçosos incidentes nos quais ocorre a destruição daquilo que desejávamos transformar. Mas talvez – sejamos complacentes – isso ocorra porque nenhuma delas tenha alcançado o estado de perfeição em suas aplicações, a mesma desafortunada situação das ideias promovidas pela Academia de Criadores de Lagado, satirizada por Jonathan Swift em As viagens de Gulliver, em 1726.
Além da crença na transformação técnica da natureza, uma crença análoga, e de alcance mais espantoso, merece especial atenção, a saber, a crença na transformação técnica do homem. É fundamentalmente sobre isso que trata o livro Experimentum humanum: civilização tecnológica e condição humana, de Hermínio Martins, recentemente publicado no Brasil pela Editora Fino Traço. Composta por 11 capítulos que podem ser lidos independentemente, mas que guardam estreita relação entre si, essa obra recobre uma constelação de questões teóricas e práticas sobre a tecnologia, entre elas: as vinculações ideológicas e políticas envolvidas nos discursos sobre a tecnologia; a emergência de uma síndrome cultural representada pelo gnosticismo tecnológico, e os reflexos disso em outros fenômenos culturais tais como a arte; os riscos ambientais e sociais associados aos mais variados aparatos tecnológicos, em especial o papel da biomedicina nas guerras tecnológicas; e o processo generalizado de aceleração exponencial das mudanças ocasionadas pelas novas tecnologias, com repercussões no próprio entendimento do que seja o ser humano, dado que, para algumas dessas visões, em breve efetuaremos a passagem do humano para o pós-humano – o que significaria o derradeiro experimento-sobre-o-homem-pelo-homem, que o autor denomina Experimentum humanum.
O livro divide-se em três partes. A primeira delas apresenta questões preliminares sobre a filosofia da técnica, de tal maneira que os capítulos aí incluídos são particularmente interessantes como material de estudo para cursos voltados para tal área da filosofia. Destaco aqui o segundo capítulo, “Tecnologia, modernidade e política”, no qual Martins detalha as duas grandes visões de técnica seguindo a tradicional distinção entre prometeicas e fáusticas. O que faz sua interpretação ser notável é a riqueza dos detalhes fornecidos ao longo do texto, pois essas duas imagens de técnica, longe de serem pintadas com traços marcados, são expostas por meio de minuciosas e sutis pinceladas, de tal modo que a paisagem teórica mostra-se em seus variados matizes. Nesse ínterim, cumpre assinalar a análise que Martins faz do papel ambíguo desempenhado pelos pensadores adeptos da teoria crítica, que, no entender do autor, nunca “esmiuçaram as teorias fáusticas da técnica com a mesma energia intelectual que devotaram a zurzir o positivismo” (p.58).
A segunda parte do livro versa sobre “o trágico tecnológico”. Abre essa seção o instigante capítulo “Risco, incerteza e escatologia”, no qual Martins investiga questões tanto teóricas como práticas das análises de risco na sociedade contemporânea. Nesse contexto, é de fundamental importância a análise que o autor faz “da insuficiência do conceito de risco” quando nos deparamos com limitações epistêmicas que impedem que logremos avaliar as consequências das aplicações das tecnologias disponíveis, de tal sorte que precisamos agregar também o conceito de incerteza, pois o risco é “essencialmente uma questão de probabilidade numérica cardinal onde as probabilidades são conhecidas ou pelo menos determináveis a partir das soluções praticadas pela indústria de seguros … enquanto que a incerteza, pelo contrário, não pode ser avaliada probabilisticamente, pelo menos em termos de probabilidades numéricas cardinais e as opções pertinentes não podem ser sustentadas pelo recurso aos seguros” (p.181). É a partir do conceito de incerteza que Martins, mais adiante, discute o Princípio de Precaução, a ser aplicado quando não podemos avaliar o alcance e a irreversibilidade dos impactos das novas tecnologias.
No capítulo seguinte, intitulado “Experimentos com humanos, guerra biológica e biomedicina tanatocrática”, a questão do trágico tecnológico se manifesta no papel desempenhado pelas ciências da vida quando orientadas para os fins da morte. O referido capítulo pode ser considerado uma sinopse do que se denominaria “História Trágico-médica, da ciência e da medicina como tragédia, e não só como épica, como também uma reflexão filosófica sobre a experimentação científica, ou alegadamente científica, sobre humanos” (p.249). Nesse ínterim, em particular, a descrição fornecida pelo autor sobre “as justificações eugenistas” que embasavam atrocidades perpetradas em escala industrial, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, chega a provocar calafrios. O problema é que é difícil
explicar ou compreender como uma grande elite biomédica nacional pôde participar por tantos anos desta guerra ‘Santa’ (como lhe chamavam os partidários japoneses da Guerra Biológica), convertendo-se, como disse, numa espécie de corpo expedicionário tanatocrático, praticando regularmente nos seus centros de trabalho ‘experimentos’ e vivisseções sem anestesia em seres humanos vivos … ou investigar a inanição, a desidratação, as transfusões de sangue de animais para humanos, etc., assuntos laterais na Guerra Biológica (p.234; destaques no original).
A última parte da obra é a de natureza mais especulativa. Nela Martins discorre sobre os processos de aceleração do conhecimento científico, das tecnologias e de suas aplicações, o que em última instância culminaria em um ponto de viragem no qual o homem “poderá deixar de ser um mero homo faber … e tornar-se finalmente o faber hominis, o Homem construtor do Homem” (p.344). É a chamada “Singularidade”, ricamente discutida no capítulo “Aceleração, progresso e Experimentum humanum”. Talvez o leitor considere que algumas dessas ideias sejam fantasias típicas da ficção científica e das subculturas associadas. Nesse caso, o leitor poderá se espantar com o número de autores importantes que, se não subscrevem as mesmas ideias, inclinam-se na direção de pensamentos congêneres. E, aliás, a própria realidade consumada algumas vezes parece já se haver tornado bizarramente fantástica. A título de ilustração, vale mencionar que as tecnologias reprodutivas têm engendrado a criação de um mercado de óvulos nos EUA. Nesse mercado, há uma enorme valorização de óvulos vindos de coeds de universidades prestigiosas – por exemplo, os de estudantes de Harvard chegam a ser avaliados em U$50.000,00 –, de tal maneira que se pode traçar uma correlação entre a posição das universidades em rankings universitários e o respectivo preço dos óvulos. Em suma, quanto mais bem posicionada, maior o valor dos óvulos de suas coeds (conferir o anexo ao capítulo “Biologia e política: eugenismos de ontem e de hoje”). O que espanta não é a tecnologia empregada, nem o mercado circundante, pois isso já era visto no contexto do agrobusiness, no qual as matrizes desempenham função ligeiramente assemelhada. O que espanta, de fato, é a banalidade com que tais práticas se estenderam para a esfera das relações humanas. Cumpre ainda assinalar que a edição brasileira contém dois capítulos a mais do que a edição portuguesa, intitulados “Verdade, realismo e virtude” e “Dilemas da república tecnológica”, os quais também merecem atenção da parte de pesquisadores da filosofia, sociologia, história da ciência e áreas correlatas.
Desejo encerrar esta breve resenha com algumas considerações acerca do autor. Hermínio Martins nasceu em Moçambique, em 1934, mas “na altura de escolher onde prosseguir os seus estudos, optou por um percurso que se distanciava do que seria mais natural – ir para a África do Sul – determinado a não trocar uma estrutura de dominação racial por outra idêntica” (Garcia, 2006, p.13-14). Rumou para a Inglaterra e ingressou na London School of Economics, nos tempos áureos da instituição, que contava com professores tais como Karl Popper e Ernest Gellner, este seu orientador de pós-graduação. Em 1972, publicou em inglês o primeiro ensaio de um sociólogo sobre o livro The structure of scientific revolutions, de Thomas Kuhn, apenas dois anos após o célebre volume organizado por Imre Lakatos e Alan Musgrave, Criticism and the growth of knowledge. Colaborou com inúmeros pesquisadores ao longo de sua carreira nas universidades de Leeds, Essex e Oxford, com passagens pelas universidades de Pensilvânia e Harvard. Atualmente é Emeritus Fellow no St. Antony’s College da University of Oxford e investigador sênior no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Com efeito, há várias apreciações a respeito da carreira e do conjunto da obra de Hermínio Martins, dentre as quais destaco a bela entrevista feita por Helena M. Jerónimo (2011), além das recensões de José Viriato Soromenho-Marques (2012) e José Luís Garcia (2012). Não obstante, transcrevo a seguir uma passagem de João Bettencourt da Câmara (1996, p.12), na qual discorre sobre o estilo de Hermínio Martins: “Os textos de Hermínio Martins são por norma densos, compactos, estanques e escritos com uma elegância e luxo vocabulares que faz as delícias do leitor especializado, mas, também, por vezes, o desespero do neófito e do tradutor. São exemplos de uma economia de estilo que permite escrever em trinta ou cinquenta páginas o que outros escreveriam num livro de duzentas ou trezentas, e sem grandes folgas”. De fato, os ensaios contidos no livro Experimentum humanum são densos, invejavelmente eruditos e, ademais, completamente atuais. A despeito de tais características, são particularmente prazerosos pelo fato de o autor saber, como poucos, como fazer com que a “última flor do Lácio” desprenda seus aromas mais sofisticados. Levando-se em consideração que a edição brasileira, publicada pela Fino Traço, contém 454 páginas, o leitor pode estar certo de que o livro é diversão garantida, e por bastante tempo.
Referências
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GARCIA, José Luís. A plenitude tecnológica em questão. Hermínio Martins e o Experimentum humanum: civilização tecnológica e condição humana. Análise Social, Lisboa, v.47, n.2, p. 483-489. 2012. [ Links ]
GARCIA, José Luís. Razão, tempo e tecnologia em Hermínio Martins. In: Cabral, Manuel Villaverde; Garcia, José Luís; Jerónimo, Helena Mateus. Razão, tempo e tecnologia: estudos em homenagem a Hermínio Martins. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais. p.14-47. 2006. [ Links ]
JERÓNIMO, Helena Mateus. Entrevista a Hermínio Martins. Análise Social, Lisboa, v.46, n.3, p. 460-483. 2011. [ Links ]
SOROMENHO-MARQUES, Viriato. Hermínio Martins, pensador da crise contemporânea. Análise Social, Lisboa, v.47, n.2, p.479-482. 2012. [ Links ]
Renato Rodrigues Kinouchi – Professor no Mestrado em Ensino, História e Filosofia da Ciência e Matemática/Universidade Federal do ABC. E-mail: renato.kinouchi@ufabc.edu.br
Santos e pregadores nas cidades medievais italianas: retórica cívica e hagiografi | André Luis Pereira Miatello
O universo temático referente à Ordem Minorita [1] é amplo. A importância computada historicamente aos franciscanos como um dos movimentos espirituais, culturais e sociais de maior difusão e transcendência na História da Igreja e da espiritualidade explica a abundancia do material produzido sobre este tema. Como afirma o teólogo Daniel de Pablo Maroto [2]:
Retém como óbvio historicamente que o movimento espiritual dos “frades”, os mendicantes, nas primeiras décadas do século XIII, constitui uma verdadeira revolução religiosa como resposta as necessidades pastorais da Igreja em plenitude de seus poderes, especialmente durante o pontificado de Inocêncio III (1198- 1216).
O livro de André Luís Pereira Miatello insere-se precisamente neste universo. Contudo, as afirmações lançadas pelo autor contradizem boa parte da tradicional historiografia, frequentemente apologética, e que faz das Ordens Mendicantes e de seus fundadores os criadores de uma nova cultura cristã no Ocidente Medieval. Não se trata de contar a história dos santos do período medieval, nem tampouco seus exemplos de virtudes. A perspectiva aqui é outra: a partir da memória póstuma, ou mais precisamente do momento em que as obras hagiográficas fazem propaganda da santidade de seus respectivos fundadores, Miatello procura discutir – e propor – algumas questões fundamentais para a temática em questão.
A experiência religiosa mendicante é abordada a partir de como os acontecimentos da vida de Francisco de Assis e de Antônio de Pádua eram retratados pelos hagiógrafos dos movimentos. Miatello propõe pensar tanto as palavras e ações dos pregadores, articulando os efeitos imediatos da pregação, quanto aos efeitos que podem ser qualificados como de “longa duração”, reavivados pelo culto a memória.
A relação entre as Ordens Mendicantes e as cidades em que atuavam é também um dos temas mais interessantes do qual os historiadores se debruçaram ao longo dos anos. No entanto, longe das conclusões obtidas pela historiografia, Miatello inverte a equação: os espaços urbanos bem como as redes de sociabilidades e de poder não são derivadas das ações empreendidas pelos frades, mas sim frutos de um contexto conturbado e tenso no qual as comunas italianas estavam se afirmando como entidades autônomas independentes. Em outras palavras, “não é o santo que funda a cidade, é a cidade que, a partir de certos santos, dá novo sentido a sua trajetória, projetando-se em um futuro, incerto, mas promissor” (p. 12). Claro que esta relação não pode ser traduzida em via de mão única. Assim como as cidades se apropriam do corpo e da lembrança de um santo para se promover, os frades minoritas usam as biografias como parte de seu repertório discursivo para atuarem politicamente nas cidades italianas medievais.
Esta relação é possível devido à especificidade da história italiana. Como bem nos lembra Patrick Gilli [3], as cidades da Itália setentrional viviam desde o século XII imersas em um contexto de inconstâncias políticas e tensões envolvendo duas autoridades de vocação universal: o papado e o império. Faltavam a elas modelos de estruturas de governo e de conduta para legitimar sua condição e que servissem de norteadores da vida politica. Tais fundamentos foram tirados em parte das hagiografias que se tornaram “uma espécie de arma ideológica nas mãos dos mendicantes, do papado e das cidades, todos estes envolvidos num projeto de controle das populações e instituições urbanas da Itália centro-setentrional” (p. 18). Devolvendo, desta forma, os frades à dinâmica social. Não trata-los como seres excepcionais significa enxerga-los a partir das relações de poder tecidas pelos diversos grupos.
A pregação e a penitência são elementos centrais para compreender as bases em que se operavam as ações destes agentes históricos. A paz buscada não é entendida em termos sociologizados, mas como resultado de uma realização espiritual e moral e que esta estritamente vinculada com a vida prática, econômica e política. Assim como os pregadores exortavam as multidões para alcançar a pacificação e a coesão das cidades, os hagiógrafos construíram uma memória da obra desses pregadores. Desta forma, reside mais uma contribuição dada pelo autor para renovar as abordagens do tema: as Vitas mendicantes, enquanto obra de edificação e de oratória, não são novidades. Elas dialogam com o passado e são devedoras de uma trajetória que remonta a Gregório Magno.
É este o objetivo do primeiro capítulo: procurando apresentar as engrenagens da oratória do gênero hagiográfico, o autor lança ao estudo dos prólogos das principais Vitas de santos no Ocidente, para de certo modo, “obedecer aos mecanismos do gênero hagiográfico a fim de entender o seu proprium a despeito da almejada facticidade historiográfica” (p. 23). A partir de uma notável erudição, Miatello nos convida a um passeio pelos mecanismos discursivos que forjaram o culto de santos há pelo menos 6 séculos. Segundo o autor, não devemos tomar como parâmetros para investigar tais documentos as modernas concepções de “verdade”, “fato histórico” ou “historicidade”. Os ditames aqui são teológicos-retóricos e não historiográficos. Se não atentarmos para este detalhe, a composição hagiográfica se torna um repositório de “crenças ou de sentimentos religiosos” pertencentes a um comportamento pejorativamente qualificado como sendo pré-lógico.
Entender a hagiografia como retórica nos leva a interpretá-la como sendo parte de um conjunto maior de práticas letradas que, por sua vez, obedecem a cânones precisos de composição, elaborados ao longo de séculos por autoridades consagradas pela arte e pela erudição; tudo isso constituiu uma verdadeira jurisprudência das belas letras segundo a qual os textos eram pensados, escritos e lidos antes do século XIX (p.27).
Já no segundo capítulo o autor se aprofunda no debate citado na introdução sobre as relações causais entre as intenções políticas do papado com relação à Lombardia do século XIII e o empenho dos frades menores em “converter” as cidades. Aqui – indiretamente – Miatello repensa um dos argumentos chaves para a historiografia temática sobre o processo de institucionalização da Ordem. Tradicionalmente concebida como sendo resultado direto da intervenção do papado romano em assuntos internos do movimento, o autor salienta a aproximação que Gregório IX manteve com os Menores, por exemplo. Fato este que condiciona os frades aos intentos pontifícios e, vice-versa, impossibilitando uma análise puramente maniqueísta do processo. A relação é muito mais complexa do que simplesmente reduzi-la a dois polos de poder: um sendo positivo claramente identificado aos minoritas e outro, negativo, associado ao papa.
O terceiro capítulo avança na análise da “retórica religiosa” em suas relações com a “retórica cívica”. Desde Aristóteles, a vida política supõe o uso de palavras como “instrumentos de poder e de ordenamento social”. Ora, a Ordem dos Menores se constitui como uma Ordem pregadora, embora não sejam todos os seus membros que estejam investidos do ofício de pregação. A participação da matéria hagiográfica foi fundamental nas lidas urbanas do século XIII.
O modelo do santo pregador, associado ao modelo do santo taumaturgo, propiciou as frades uma dupla via inserção no tecido urbano e nas políticas cívicas. Tais frades valiam-se do estereótipo da santidade que as populações lhes atribuíam e da santidade que os fundadores e confrades de suas Ordens desfrutavam no interior da fama pública para levarem ás últimas consequências a aplicação dos preceitos espirituais e políticos defendidos por sua instituição. Na ausência de estabilidade sociopolítica, como acontecia na Itália centro-setentrional, os fardes pregadores despontaram como o canal de coesão dos mais variados anseios de paz (p. 132).
O quarto e último capítulo é dedicado a investigar o alcance social do vocabulário empregado pelos hagiógrafos. Em outras palavras, a efetivação concreta dos conteúdos semânticos dos termos empregados. Entender a gramática sociomoral dos hagiógrafos significa transcender os textos e atingir o cerne do pensamento mendicante. As hagiografias oferecem pequenos exemplos, passagens furtivas de exemplos de governo.
Pensando pelo lado moral com que arquitetavam a vida civil, é possível relacionar os preceitos de governança, presentes no costumeiro da ordem, com um suposto preceituário politico mendicante. De imediato, convém ter presente que governar, segundo os textos hagiográficos estudados, é exercer o poder sobre alguém e, mais do que isso, é assegurar ao grupo aquilo que é conveniente para sua manutenção (p. 162).
André Miatello oferece ao longo das páginas de seu livro uma inestimável contribuição para repensar a História Politica e Social de um dos agentes mais conhecidos do Ocidente medieval. As palavras que compõe o livro revelam toda a preocupação de dessacralizar à imagem da Ordem e voltar à atenção para o zelo pastoral e o projeto de moralização das cidades e das politicas urbanas italianas. Para finalizar penso que nada melhor do que as palavras do próprio autor:
No jogo do poder, que acontecia no campo da política cívica , as Vidas de santos e seu respectivo culto ocuparam um lugar de tão grande eminência que todos aqueles que podiam, papa, bispos, frades, cidades, aproveitaram-se deles para sedimentar a própria força politica e, com isso, manterem e expandirem a sua dominação, ideológica ou concreta (p. 177).
Notas
1. A Ordem recebe esta designação em virtude do posicionamento dos frades frente à autoridade papal: em nenhum momento, frei Francisco e seus seguidores se voltaram contra a figura do papa. Mesmo adotando uma postura de “revitalização” da fé cristã, sempre se colocaram hierarquicamente abaixo aos membros da Cúria Romana. Sua postura os define como menores, ou simplesmente, minoritas.
2. MAROTO, Daniel de Pablo. Espiritualidad de la Baja Edad Media: siglos XIII-XV. Madri. Editorial de Espiritualidad, 2000, p. 17-18.
3. GILLI, Patrick. Cidades e sociedades urbanas na Itália Medieval. Campinas: Editora Unicamp, 2011.
Douglas de Freitas Almeida Martins
MIATELLO, André Luis Pereira. Santos e pregadores nas cidades medievais italianas: retórica cívica e hagiografia. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. Resenha de: MARTINS, Douglas de Freitas Almeida. Cantareira. Niterói, n.19, p. 79- 81, jul./dez., 2013. Acessar publicação original [DR]
Parcerias Almejadas: Política Externa/ segurança/ defesa e história na Europa | Estevão C. de Rezende Martins
Parte da série Parcerias Estratégicas do Brasil, publicada pela editora Fino Traço, Parcerias Almejadas: Política Externa, Segurança, Defesa e História na Europa, de Estevão Chaves de Rezende Martins, professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), apresenta uma versão atualizada das políticas externa, de segurança e de defesa gestadas sob a égide da União Europeia (UE), sem silenciar o peso das dinâmicas históricas do continente no desenvolvimento da integração europeia.
O livro divide-se em duas partes. Em um primeiro momento, uma análise do ponto de vista das Relações Internacionais, com ênfase nos temas de integração regional, em que se discute de modo profundo o desenvolvimento da integração europeia, iniciado na década de 1950, nos campos da política externa, segurança e defesa. Na segunda parte, a influência do historiador Estevão Martins fala mais alto por meio da construção de um panorama histórico do continente europeu, desde 1840 (período de intensas transformações econômicas, políticas e sociais na Europa) até a atualidade, perspectiva sem a qual não é possível compreender as reais motivações e limitações da construção da Europa, que deixa de ser uma ficção política, emanada por pensadores como Saint-Simon, Kant e Mazzini, para se tornar uma realidade parcialmente cumprida. Diferentemente do que é atualmente concebido, primeiro apresenta-se o desenvolvimento da Política Externa e de Defesa europeia e depois é ilustrado o quadro histórico que compõe e complementa o entendimento das causas estruturais dos caminhos trilhados pela integração europeia. Leia Mais
Ludwik Fleck: estilos de pensamento na ciência / Mauro L. L. Condé
O presente livro de coletâneas sobre Ludwik Fleck foi organizado por Mauro Lúcio Leitão Condé [1] por ocasião do I Colóquio de História e Filosofia da Ciência [Ludwik Fleck] da UFMG, o qual ocorreu no ano de 2010. Nessa coletânea de sete capítulos, quatro conferências do referido Colóquio foram transformadas em capítulos.
O livro se destina a um público interessado na obra, vida e contribuição das ideias de Fleck, e de sua importante obra Gênese e desenvolvimento de um fato científico, escrito por especialistas brasileiros e estrangeiros que estão preocupados com a difusão do conhecimento desse pensador polonês, que à sua época modificou pensamentos e práticas científicas, e que ainda hoje é atual.
Da orelha do livro, o organizador destaca uma breve biografia de Ludwik Fleck e ressalta que as reflexões de caráter filosófico e sociológico de Fleck, que foram publicadas em seu livro Gênese e desenvolvimento de um fato científico, de 1935, e em alguns poucos artigos, têm sido utilizadas por diversos campos de conhecimento. Finaliza resumindo o pensamento fleckiano, que é diferente do pensamento de outros teóricos, como Kuhn, pois Fleck acredita que “o conhecimento não avança por meio de rupturas e sim de modo incremental, quando ações e ideias trafegam de diferentes modos entre estilos de pensamento criados pelos diferentes coletivos de pensamento” (CONDÉ, 2012).
Na Apresentação, o organizador apresenta o livro, ressaltando a biografia de Fleck e sua contribuição para vários campos de conhecimento, destacando a ênfase na dimensão social do conhecimento, bem como nas dinâmicas de práticas em contexto, e as implicações políticas advindas de sua afirmação do caráter democrático do conhecimento.
Após a publicação da obra principal de Ludwik Fleck, Gênese e desenvolvimento de um fato científico, em português, no ano de 2010, a presente publicação é a primeira em português que analisa a obra do pensador polonês, tendo sido escrita por especialistas brasileiros e estrangeiros. Isso demonstra o grande interesse da comunidade acadêmica nacional e internacional pelo pensamento desse autor.
Visando a uma melhor divulgação e visibilidade dos textos e da competência dos autores dessa coletânea, segue-se a listagem dos sete capítulos que a compõem: Capítulo 1 – Fleck em seu tempo, Fleck em nosso tempo: Gênese e desenvolvimento de um pensamento – Ilana Löwy; Capítulo 2 – Ludwik Fleck – Sua vida e Obra – Johannes Fehr; Capítulo 3 – Mannheim, Fleck e a compreensão humana do mundo – Carlos Alvarez Maia; Capítulo 4 – Ciência e linguagem: Ludwik Fleck e Ludwig Wittgenstein – Mauro Lúcio Leitão Condé; Capítulo 5 – Fato e pensamento em Ludwik Fleck e Walter Benjamin – George Otte; Capítulo 6 – Os circuitos de Fleck e a questão da popularização da ciência – Bernardo Jefferson de Oliveira; e Capítulo 7 – Escrever a história para ver e aprender a perguntar: a indefinição e a história da medicina reprodutiva (um esboço) – Martina Schlünder.
A obra se insere no contexto da historiografia da ciência ao debater questões relativas à comunidade científica, bem como às práticas dessa comunidade, e os desdobramentos advindos dessas ideias que são veiculadas pelos pesquisadores convidados a escrever sobre a temática.
As questões levantadas por Fleck dizem respeito aos estilos de pensamento que são criados por diferentes coletivos de pensamento, pois para ele, essas mudanças são gradativas, diferindo assim do conceito de revolução de Thomas Kuhn.
A partir da leitura dessa obra, o leitor perceberá as grandes possibilidades do uso da obra de Fleck não apenas no domínio das ciências, mas também das artes, da política e gestão, entre outras áreas de conhecimento. As contribuições de Fleck se inserem na dimensão social do conhecimento com foco na dinâmica das práticas científicas em um contexto, além das implicações políticas, visto que o campo da pesquisa é permeado por questões além de científicas: econômicas, principalmente nos dias atuais.
Em suas análises, os autores utilizaram como fio condutor a biografia de Fleck e suas contribuições para a ciência, no caso, em sua especialidade primeira, a medicina. Esse esforço de escrita foi realizado após a publicação em português da obra magna de Fleck – Gênese e desenvolvimento de um fato científico em 2010, e agora o leitor brasileiro é agraciado com mais uma obra em português que realiza uma análise da obra do pensador polonês.
Percebemos, através da exposição das temáticas presentes na publicação que ora resenhamos, que mesmo na sua pluralidade de assuntos, essas temáticas trazem o fio condutor da análise e aplicação da obra de Fleck como proposta pertinente tanto no âmbito teórico quanto metodológico para os interessados no estudo do pensamento desse grande autor polonês ainda pouco explorado.
Trata-se de uma iniciativa coletiva louvável e que vai de encontro às tendências da ciência no momento atual, pautando-se pelo trabalho coletivo e com objetivo de disseminar conhecimento para um público interessado nessas questões.
Enfim, a presente obra é de interesse não apenas para historiadores, e seu conteúdo traz para o debate historiográfico atual, questões pertinentes à ciência e a todos os desdobramentos advindos das práticas científicas de seus participantes. Ressaltamos que a obra cumpriu seu papel de disseminação do pensamento fleckiano entre os leitores brasileiros e tem uma escrita clara e concisa, incluindo os capítulos que foram traduzidos.
Recomenda-se a leitura para todos aqueles que estão interessados em novas aplicações de metodologias e em avançar no debate historiográfico acerca da comunicação científica e comunidade científica.
Agradecimentos
Esta resenha é resultado da oficina na disciplina “Produção e circulação do conhecimento histórico nos periódicos científicos: análises, desafios e práticas de publicação” no 2º semestre/2012, ministrada pela Profa. Regina Horta Duarte no Programa de Pós Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Agradeço aos colegas pelos debates e revisões dos textos.
Notas
- Mauro Lúcio Leitão Condé é professor associado de História e Filosofia da Ciência na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Filosofia pela UFMG, Pós-Doutor pela Boston University. Coordenador do Scientia – Grupo de Teoria e História da Ciência da UFMG. Autor e organizador de livros em história e filosofia da ciência, além de autor de artigos publicados em periódicos especializados.
Letícia Alves Vieira – Universidade Federal de Minas Gerais.
CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão (org.). Ludwik Fleck: estilos de pensamento na ciência. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. 160 p. Resenha de: História, histórias. Brasília, v.1, n2, p.248-250, 2013. Acessar publicação original. [IF]
Geografia no Ensino Fundamental I Janine Lessann
A Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental ainda apresenta algumas dificuldades para o amplo desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, pois as carências impedem a ampliação de práticas educativas voltadas exclusivamente para o ensino de Geografia, tais problemas originam-se da formação não específica para o professor das séries iniciais, poucos trabalhos de pesquisa desenvolvidos se preocupam com o material pedagógico e didático direcionado para uma Geografia cognitivista. Compreendemos os méritos desta Geografia, mas também apontamos os problemas, já que essa Geografia matematiza e geometriza o espaço geográfico, confundindo o mesmo como espaço geométrico. Leia Mais
Brasil e China: Cooperação Sul-Sul e parceria estratégica | DHenrique Altemani
Nos últimos anos, intensificaram-se os debates nos meios de comunicações e na academia sobre relacionamento bilateral Brasil-China, principalmente pós-crise financeira mundial em 2008, onde as duas nações começaram a ter papel de destaque na geopolítica e nas rodadas comerciais.
No entanto, sabe-se que essa relação não se restringe a trocas comerciais, mais apresenta uma heterogeneidade de impactos e interesses. O não resumir-se as questões comerciais talvez seja o maior mérito do livro de Henrique Altemani de Oliveira, Doutor em Sociologia pela USP, Diretor do Centro de Estudos sobre o Pacífico, Professor da PUC/SP e Professor Sênior da UEPB. Leia Mais
Geografia no Ensino Fundamental I | Janine Lessann
A Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental ainda apresenta algumas dificuldades para o amplo desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, pois as carências impedem a ampliação de práticas educativas voltadas exclusivamente para o ensino de Geografia, tais problemas originam-se da formação não específica para o professor das séries iniciais, poucos trabalhos de pesquisa desenvolvidos se preocupam com o material pedagógico e didático direcionado para uma Geografia cognitivista. Compreendemos os méritos desta Geografia, mas também apontamos os problemas, já que essa Geografia matematiza e geometriza o espaço geográfico, confundindo o mesmo como espaço geométrico.
A obra “Geografia no Ensino Fundamental I” da professora Janine Lessann é uma contribuição a organização das atividades escolares para o ensino de Geografia; assim, elenca inúmeras atividades e expectativas quanto às aplicações e os resultados destas. Os méritos desta obra justificam-se pela busca da orientação pedagógica e geográfica para a promoção do ensino especializado por meio de teorias, atividades práticas e orientações pedagógicas e didáticas. A obra é composta por 11 capítulos (1 – Ensinar no século XXI; 2 – Geografia na Escola; 3 – Construção Conceitual; 4 – Proposta de organização curricular para os cinco anos do Ensino Fundamental I; 5 – Formas de Avaliação; 6 – Construção do Conhecimento; 7 – Metodologia para a pesquisa no Ensino Fundamental I, 8 – Habilidades para trabalhar com dados geográficos; 9 – Recursos didáticos; 10 – Exercícios e 11 – Correções dos exercícios). O livro está bem estruturado, com sequências detalhadas e organizado de maneira didática. Os capítulos foram organizados para atender a formação ineficiente de professores do Ensino Fundamental I, proporcionando aos leitores a compreensão, na concepção teórica da autora, do que seja Geografia. Leia Mais