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Philosophy, dialogue, and education – GUILHERME; MORGAN (B-RED)
Alexandre Anselmo Guilherme. ucsclay.ucr.br
GUILHERME, Alexandre Anselmo; MORGAN, W. John. Philosophy, dialogue, and education. Nine Modern European Philosophers [Filosofia, diálogo e educação: nove filósofos europeus modernos]. London: Routledge, 2018. 190 p. Resenha de: CHERON, Cibele. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.15 n.2 São Paulo Apr./June 2020.
O que é o diálogo, na compreensão de nove dos mais importantes filósofos modernos europeus? Quais são as implicações dessa compreensão do diálogo para o campo da Educação? É desse duplo questionamento que Alexandre Anselmo Guilherme e W. John Morgan partem para, ao longo de Philosophy, Dialogue, and Education, discutir as ideias de Martin Buber, Mikhail Bakhtin, Lev Vygotsky, Hannah Arendt, Emmanuel Levinas, Maurice Merleau-Ponty, Simone Weil, Michael Oakeshott e Jürgen Habermas.
A intersecção entre o diálogo e o campo educacional se faz presente na trajetória dos autores, ambos expoentes da Filosofia da Educação. W. John Morgan é professor emérito da School of Education [Faculdade de Educação] da University of Nottingham, onde presidiu a Cátedra UNESCO de Economia Política da Educação. Ele também é professor honorário da School of Social Sciences [Faculdade de Ciência Sociais] e do Wales Institute of Social and Economic Research, Data, and Methods [Instituto Wales de Pesquisa, Dados e Métodos Sociais e Econômicos] na Cardiff University, e bolsista emérito do Leverhulme Trust, realizando estudos sobre economia política comparativa da educação (especialmente Rússia e China), sociedade civil e antropologia do conhecimento, bem como educação para a paz. Alexandre Anselmo Guilherme é professor adjunto da Escola de Humanidades, Departamento de Educação, e coordenador do Grupo de Pesquisa Educação e Violência – GruPEV da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, atuando principalmente nos temas educação e violência, educação e diálogo, imigrantes e refugiados, e Psicologia da Educação.
Guilherme e Morgan indicam a relevância dos questionamentos que embasam Philosophy, Dialogue, and Education: o diálogo é comumente entendido como conversação, intercâmbio de perguntas e respostas entre dois ou mais sujeitos, e, simultaneamente, tem sido objeto privilegiado nas pesquisas em Filosofia da Educação. Todavia, a maioria das investigações nessa área costuma concentrar-se em apenas verificar a ocorrência de intercâmbio comunicativo, resultando em “modos simplistas e reducionistas de compreender o diálogo, os quais não consideram as relações envolvidas no diálogo” (GUILHERME; MORGAN, 2018, p.3)1. Em oposição ao reducionismo rejeitado pelos autores, é destacada a “gama de complexidades, dinâmicas e efeitos resultantes e causados pelo diálogo, que a simples percepção de um processo de perguntas e respostas não captura com êxito” (GUILHERME; MORGAN, 2018, p.4)2.
A escolha dos filósofos abordados enfatiza o caráter polissêmico, multifacetado e complexo do diálogo. Philosophy, Dialogue, and Education reflete sobre as complexidades inerentes ao diálogo, situando as perspectivas sociopolíticas dos pensadores na tradição europeia da filosofia dialógica. Cada filósofo é tratado num capítulo específico, cujo título sintetiza o conceito de diálogo desenvolvido. Após uma breve apresentação, seguida dos principais eventos da vida e carreira, o leitor é conduzido a um panorama consistente e detalhado sobre como o diálogo é conceituado e relacionado à educação.
No primeiro capítulo, Martin Buber: dialogue as the inclusion of the other [Martin Buber: diálogo como a inclusão do outro], o diálogo é referido como uma relação simétrica, inclusiva do outro, despida de preconceitos e expectativas, na qual simplesmente se aceita o outro como ele é. A relação dialógica assume a forma ‘Eu-Tu’ e está, assim, em contraste com as relações ‘Eu-Isso’, baseadas na objetificação do outro e na ausência de diálogo. ‘Eu-Tu’ e ‘Eu-Isso’ são as ‘palavras básicas’ indicativas da qualidade da experiência contida na relação que elas descrevem. À leitura filosófica da obra de Buber (cf. Buber, 2007 e 2001, entre outros) é acrescida uma apreciação teológica, fundada em suas raízes judaicas hassídicas. Essa apreciação ilustra a atenção às conexões entre o pensamento, as experiências, o pertencimento e a subjetividade dos filósofos observados, elementares em Philosophy, Dialogue, and Education. Em Buber, o hassidismo é o mote para ressaltar a convergência de todas as relações genuínas para o eterno, a partir da qual os seres humanos se relacionam com Deus. No campo da Filosofia da Educação, a teoria de Buber é enfocada para defender a importância das relações vivas, horizontais e inclusivas entre professores e alunos, fundadas em diálogo genuíno, de forma a impactar positivamente a motivação e a capacidade de colaboração.
A interpretação de Guilherme e Morgan sobre as ideias de Buber, no Capítulo Um, articula-se ao Capítulo Cinco, Emmanuel Levinas – dialogue as an ethical demand of the other [Emmanuel Levinas: diálogo como uma exigência ética do outro] Para Levinas (cf. Levinas, 1988a; 1988b; 2005, entre outros), em contraposição a Buber, a noção ética de diálogo compreende uma relação assimétrica e preconcebida, estabelecida para satisfazer as demandas do outro. O encontro com o outro, nominado por Levinas como “rosto”, implica uma exigência ética, instando o sujeito, de cima para baixo, a responder ao outro. Todavia, essa assimetria não deve ser depreendida como uma hierarquia das relações humanas, uma vez que é recíproca: o sujeito é instado a responder ao mesmo tempo em que demanda uma resposta ética do outro. A assimetria bilateral do encontro com o “rosto” caracteriza-se, ainda, pela presença de uma “terceira parte”, na medida em que toda a humanidade encara o sujeito através dos olhos do outro. Assim, enquanto para Buber o diálogo se dá desde o reconhecimento do outro como um par, por conta da igualdade com o sujeito, para Levinas, o diálogo existe porque o sujeito reconhece a alteridade absoluta do outro. A influência de Levinas para a Educação também se ancora na alteridade, no reconhecimento ético do encontro com um outro que é diferente do sujeito, causando-lhe inquietude, questionamento e inovação.
O outro também é central no Capítulo Seis, Maurice Merleau-Ponty – dialogue as being present to the other [Maurice Merleau-Ponty – diálogo como estar presente para o outro]. O capítulo discute a compreensão existencialista e fenomenológica de Merleau-Ponty (cf. Merleau-Ponty, 1996, 2006, entre outros), para quem o diálogo configura um ‘estar presente’ para o outro. Ainda que guarde algumas afinidades com o pensamento de Buber e de Levinas, Merleau-Ponty apoia-se em premissas distintas. O diálogo necessita do encontro com um outro corporificado, presente numa relação em que o sujeito também está presente. No diálogo, as demandas e intenções desse outro tornam-se compreensíveis para o sujeito, como se este o “habitasse”. Por essa perspectiva, subjetividade e objetividade se encontram no corpo. Também por meio dessa “teoria da incorporação” o fenômeno do aprendizado é explicado como um hábito adquirido pelo corpo, e a aquisição de um hábito corresponde à apreensão de um significado. Trata-se de um processo que envolve os movimentos espontâneos e intencionais em interconexão com as experiências que solidificam os hábitos.
No segundo e no terceiro capítulo, Guilherme e Morgan tratam de dois pensadores russos influenciados pelo marxismo. Mikhail Bakhtin é referido ao longo do Capítulo Dois, Mikhail Bakhtin – the dialogic imagination [Mikhail Bakhtin – a imaginação dialógica]. Os autores aludem à noção de “imaginação dialógica”3 para desvendar uma filosofia na qual se notam inspirações em Kant, marcada pela insistência na relação, necessária e reciprocamente enriquecedora, entre o pensamento e a ação, e em Nietzsche, visível no conceito de discurso que espelha a ideia de diálogo. O capítulo leva em conta as ambiguidades percebidas em Bakhtin, especialmente sobre a arquitetura do mundo real, a estética como ação ou processo, a ética da política e, finalmente, a ética da religião. Essas ambiguidades suscitam uma reflexão crítica, na qual o filósofo do ato (cf. Bakhtin, 2010), da dialogia (cf. Volóchinov, 2017; Bakhtin, 2008; 2016, entre outros) e do plurilinguismo, vindica “o diálogo e a participação polifônica de vozes diferentes no intercâmbio de ideias por meio da linguagem e da literatura” (GUILHERME; MORGAN, 2018, p. 24)4 ao mesmo tempo em que propõe Bakhtin como um pensador ético. A “imaginação dialógica” de Bakhtin sublinha que a linguagem só adquire significado no diálogo, obrigatoriamente no contexto social e cultural do qual faz parte. O entendimento do self é construído nesse diapasão, num diálogo conformado pelas mútuas e contínuas interpretações do outro. Essa perspectiva contribui grandemente para a Filosofia e para a Educação, uma vez que Bakhtin incentiva os sujeitos ao protagonismo na busca pelo conhecimento, não aceitando as coisas como dadas.
Isso pode ser cotejado à compreensão de Lev Vygotsky, objeto do Capítulo Três, Lev S. Vygotsky – dialogue as mediation and inner speech [Lev Vygotsky – diálogo como mediação e discurso interior]. Como mediação (cf. Vygostsky, 1999 1998, entre outros), o diálogo diz respeito à relação entre indivíduo e sociedade, intermediada por objetos, sinais e linguagem, ferramentas proporcionadas pela cultura. Também diz respeito à interação de cunho mais psicológico do indivíduo consigo mesmo, crucial para o desenvolvimento cognitivo humano, que Guilherme e Morgan afirmam ser “uma alternativa poderosa tanto ao behaviorismo pavloviano como para a ênfase piagetiana à maturação biológica cognitiva” (GUILHERME; MORGAN, 2018, p.39)5. O impacto do pensamento de Vygotsky para a Educação é captado desde as interpretações que privilegiam a análise social, até as que buscam entender o surgimento da consciência, relegando as relações sociais ao pano de fundo.
O prisma político do diálogo é examinado no Capítulo Quatro, Hannah Arendt – dialogue as a public space [Hannah Arendt – diálogo como espaço público]. Guilherme e Morgan acentuam a defesa de Arendt da expressão autêntica da democracia, possível quando os cidadãos se reúnem num espaço público de deliberação e decisão acerca dos interesses coletivos (cf. Arendt, 2007; 2012, entre outros). A separação entre as dimensões do “labor”, do “trabalho” e da “ação” precede a exigência do espaço público, contexto no qual as pessoas defrontam-se umas com as outras, na qualidade de membros de uma comunidade, e desvelam seus pontos de vista em discursos e ações, concordâncias e discordâncias. Essa relação com os outros é pré-condicionada por outro tipo de diálogo, fundante da capacidade de pensar, interno, através do qual o indivíduo confronta a si próprio. Nesse marco, a educação objetiva propiciar um ambiente seguro às crianças, preparando-as para participarem da esfera pública. Entretanto, Guilherme e Morgan cogitam que escolas e universidades não venham conectando o público ao privado, tal qual divisado por Arendt. Isso é tributado a obstáculos enfrentados, como os processos de mercantilização, que transformam os cidadãos em consumidores, e o espaço público em mercado.
Igualmente, no Capítulo Sete, Simone Weil – dialogue as an instrument of power [Simone Weil – diálogo como instrumento de poder], o espaço público tem notada relevância. O diálogo é pensado por Weil em relações de poder dimensionadas, no espaço público, pela linguagem e pelas palavras (cf. Weil, 1991; 2001a; 2001b, entre outros). O dinamismo da realidade é a fonte dos conflitos potenciais, porquanto os sujeitos leem o mundo utilizando uma linguagem imperfeita, não obstante expressiva de atitudes e práticas. O diálogo configura uma relação de poder que se presta à crueldade, mas também à justiça e à bondade. Esse instrumento é crucial para a Educação, assim como a atenção (a vontade de receber) e o silêncio (a reflexão sem recebimentos do mundo externo), pois o processo de conhecimento só pode ser atingido num percurso crítico que envolve desejo de saber, comprometimento, esforço e amadurecimento. Assim, é imperativo que a Educação propicie ao indivíduo o discernimento das ideias, o poder da escrita e do discurso, e seu uso não para a conquista e aniquilação do outro, mas para a justiça, particularmente para a justiça social.
O posicionamento de Weil pode ser comparado ao de Michael Oaekshott, sobre o qual Guilherme e Morgan discorrem no Capítulo Oito, Michael Oakeshott – dialogue as conversation [Michael Oakeshott – diálogo como conversação]. O diálogo é, aqui, visto como uma forma de conversa, imprescindível para o desenvolvimento da civilização (cf. Oakeshott, 1989, entre outros). Os valores civilizados estão radicados na capacidade das pessoas, pela conversa, adentrarem o diálogo, o que é fomentado por uma educação liberal. É indispensável que a experiência humana seja vivida, compreendida e refletida na forma de uma conversa do sujeito com seus pares, seres humanos. As vozes que tomam parte dessa conversa são as diferentes formas da experiência, de ver o mundo, históricas e práticas. Oakeshott considera a conversa como um diálogo aberto e polifônico, um intercâmbio entre as diversas funções e condições em que a humanidade se desenvolve – e aí reside sua importância para a Educação. O indivíduo aprende a ser humano enquanto participa dessa conversa, assimilando os múltiplos significados e propósitos que também a integram.
O nono e último capítulo, Jürgen Habermas – dialogue as communicative rationality [Jürgen Habermas – diálogo como racionalidade comunicativa] dedica-se ao conceito de diálogo como racionalidade comunicativa, depreendido da extensa obra do filósofo alemão (cf. Habermas, 1984; 1987, entre outros). Guilherme e Morgan sublinham a crítica habermasiana ao cientificismo e às decorrentes abordagens positivistas, burocráticas e autoritárias predominantes nos estudos sobre as questões da esfera pública, o que resulta na “marginalização do diálogo público e do debate” (GUILHERME; MORGAN, 2018, p.141)6. O déficit democrático consequente é enfrentado, segundo Habermas, por duas formas distintas e interdependentes de ação: (i) instrumental, mensurada quantitativamente e percebida no trabalho e na construção material; (ii) comunicativa, aferida qualitativamente e percebida por meio da interação e do diálogo sociais. A racionalidade comunicativa é a chave para a ação, e o ato da comunicação, em si, já inicia um diálogo entre pares, parceiros abertos às possibilidades de acordo e ação social. A contribuição de Habermas para a Educação é defendida no que Guilherme e Morgan detectam como alinhamento à Pedagogia Crítica, segundo a qual o despertar de consciência dos sujeitos, dialeticamente, leva à ação social democrática e emancipatória. A responsabilidade dos educadores é criar condições para que essa ação ocorra, circunstanciando o ensino e o aprendizado como atos políticos e, no mesmo sentido, a não neutralidade do conhecimento.
Philosophy, Dialogue, and Education é uma obra densa, na qual os autores promovem uma reflexão teoricamente consistente e sofisticada, sem, contudo, sacrificar a leitura e a inteligibilidade. As concepções de diálogo são discutidas de forma articulada entre os pensadores, concatenadas aos aportes de outros teóricos e de comentadores, o que fornece um horizonte interpretativo rico e fundamentado.
Nesse contexto complexo, Guilherme e Morgan trabalham o diálogo permeado por relações de poder, pela história e pela cultura, por valores normativos e pela necessidade de um espaço comum. Os potenciais e os dilemas do diálogo, especialmente na Educação, são temas de renovado interesse, ainda maior quando os recentes eventos e as dinâmicas sociais colocam em xeque a capacidade de dialogar. Como apontam (2018, p.4), “o diálogo não é simples de obter; pelo contrário, depende da disposição e da situação e é frequentemente difícil de iniciar, ainda mais de sustentar”7. Cultivar essa disposição é, portanto, o desafio ético do tempo presente, ao qual a Filosofia da Educação não se furta.
1Traduzido livremente do original: “simplistic and reductionist ways of understanding dialogue which do not consider the relations involved in the dialogue”.
2Traduzido livremente do original: “range of complexities, dynamics, and effects implied and caused by dialogue that the simple notice of a process of questioning and answering does not capture successfully”.
3A expressão é claramente uma referência à coletânea de ensaios de Mikhail Bakhtin publicada em inglês com o título The Dialogic Imagination (BAKHTIN, 1981). Dela constam os ensaios (i) Epic and Novel: toward a Methodology for the Study of the Novel, traduzida em português como Epos e o romance (sobre a metodologia do estudo do romance) (1993, p.397-428) ou O romance como gênero literário (2019, p.65-111); (ii) From the Prehistory of Novelistic Discourse – em português, Da pré-história do discurso romanesco (1993, p.363-396) ou Sobre a pré-história do discurso romanesco (2019, p.11-63); (iii) Forms of Time and of the Chronotope in the Novel: Notes toward a Historical Poetics – em português Formas de tempo e de cronotopo no romance (Ensaios de poética histórica) (1993, p.211-362) ou As formas do tempo e do cronotopo no romance (2018, p.11-237); (iv) Discourse in the Novel – O discurso no romance (1993, p.71-210; 2015, p.19-242).
4Traduzido livremente do original: “dialogue and the polyphonic participation of different voices in the exchange of ideas through language and literature”.
5Traduzido livremente do original “provided a powerful alternative to both Pavlovian behaviourism and the Piagetian focus on cognitive biological maturation”.
6Traduzido livremente do original “marginalization of public dialogue and debate”.
7Traduzido livremente do original “dialogue is not simple to achieve; rather, it is dependent on disposition and on situation and is often difficult to initiate, let alone sustain”.
Referências
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Glória Carneio do AMARAL, Navette Literária França-Brasil – A crítica de Roger Bastide, São Paulo, EDUSP, Maria Luiza Guarnieri Atik, Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso
Deleuze hermético: filosofía y prueba espiritual – RAMEY (C)
RAMEY, J. Deleuze hermético: filosofía y prueba espiritual. Buenos Aires: Las Cuarenta, 2016. Resenha de: MOSQUERA, Óscar Emerson Zuñiga. Conjectura, Caxias do Sul, v. 24, p. 202-207 2019.
A obra de Joshua Ramey – Deleuze hermético: filosofía y prueba espiritual – publicada em 2016 pela editora Las Cuarenta traz uma relevante contribuição aos estudos de filosofia da educação no Brasil. O livro é para professores e pesquisadores interessados em se aprofundar tanto nos estudos espirituais como na obra de Deleuze, toda vez que as referências espirituais do “filósofo da diferença” foram tratadas como algo acidental no conjunto de suas obras. Em relação ao autor, Joshua Ramey é Doutor em Filosofia pela Villanova University, e suas pesquisas se centram na Filosofia contemporânea, incluindo tópicos como: teoria social crítica, economia política e teologia política. Além do livro que aqui apresentamos, recentemente, publicou Politics of divination: neoliberal endgame and the religion of contingency (2016), além de vários artigos sobre filósofos contemporâneos.
Sem dúvida, Ramey consegue estruturar uma leitura séria e rigorosa da obra deleuziana. Trata-se de uma abordagem heterodoxa em relação aos estudos e usos da obra de Deleuze, especialmente no Brasil, tal como se evidencia em recente coleção sobre o autor intitulada Deleuze, desconstrução e alteridade (CORREIA; HADDOCK-LOBO; SILVA, 2017) ou em obras de destacado valor para estudos deleuzianos no País vinculados à educação (GALLO, 2011), nos quais termos como espiritualidade, hermetismo e Ramey não são mencionados. Igualmente, essa leitura subversiva de Deleuze não está presente no campo dos estudos espirituais, conforme trabalhos importantes nessa temática foram revisitados em Röhr (2013). Isso posto, a leitura hermética do corpus deleuziano possibilita uma convincente interconexão entre aspectos como natureza, política, ontologia e ética. Leia Mais
Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica – BONTEMPI JR. (RBHE)
BONTEMPI JR., Bruno. Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Uberlândia: Edufu, 2015. Resenha de: BOTO, Carlota. Entre planos de aula e projetos de universidade: Laerte Ramos de Carvalho revisitado. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 3 (42), p. 353-359, jul./set. 2016.
Em boa hora é publicada a tese de doutorado de Bruno Bontempi. Trata-se de livro recém-saído do prelo, sob o título Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Fruto de tese de doutoramento defendida na PUC de São Paulo, o livro reconstitui com maestria o percurso de uma investigação sólida, muito bem ancorada em fontes documentais diversas, que, a partir de inúmeros acervos, investiga a trajetória do intelectual, dando atenção à história oral, indagando o conteúdo de discursos de formaturas, cartas trocadas com os amigos e colegas, documentos administrativos, publicações periódicas, livros publicados por Ramos de Carvalho e artigos registrados no jornal O Estado de S. Paulo. Bruno Bontempi resgata aquilo que considera ser a “identidade cognitiva” da disciplina História e Filosofia da Educação, dada a partir de um processo de embates, conflitos e acordos entre os sujeitos que estavam à volta dela.
A pesquisa de Bontempi demonstra como se articulavam os processos de constituição de um campo do saber e de uma matéria de ensino, mediante a regência de Ramos de Carvalho.
Além disso, o estudo volta-se para indagar como essa prática da história da educação marcou e foi marcada pelo lugar social de Ramos de Carvalho enquanto articulista do grande jornal paulistano. Isso, segundo Bontempi (2015, p.16), teria dado à disciplina História e Filosofia da Educação “uma feição particular, inédita e diferenciada da que fora inicialmente forjada nos currículos dos cursos de formação do magistério”. A tese agora transformada em livro parte do pressuposto segundo o qual o estudo de uma disciplina acadêmica deve ter como alicerce, não apenas o estudo interno de seus temas, seus programas de curso e procedimentos didáticos, mas também as relações institucionais que cercam a constituição da mesma matéria, suas “interferências políticas e sociabilidades” (Bontempi, 2015, p.17).
Como bem argumenta Maria Lúcia Hilsdorf no prefácio da obra, a tese de Bruno comprova o rigor e o vigor da ação pedagógica e político-institucional de Laerte Ramos de Carvalho, posto que, como intelectual, ele conseguiu “demolir uma tradição disciplinar, construir outra, instituir um saber científico, ensinar novas práticas, constituir discípulos, colocar a história da educação no debate público e dar-lhe um novo significado” (Hilsdorf, apud, Bontempi, 2015, p.13).
Remetendo-se, no início do livro, à historiografia da educação brasileira, Bontempi evidencia o quanto a orientação de Laerte Ramos de Carvalho teria marcado toda uma geração de pesquisadores, os quais produziram obras clássicas, que, assim como o trabalho de seu orientador, também impregnariam a constituição e o percurso da história da educação brasileira. A tese de Bontempi possui, como hipótese central, a suposição de que as marcas na produção acadêmica no campo da história e filosofia da educação derivariam em larga medida de uma formação disciplinar distinta e da “preocupação com a formação de conhecimento novo em história por parte de Laerte Ramos de Carvalho” (Bontempi, 2015, p.33).
O trabalho elabora um minucioso estudo do discurso predominante na USP sobre sua própria missão. Desde a fundação, passando pelos anos 40 e chegando aos 60, havia a clara compreensão de um ideal civilizatório, como se a Universidade tivesse por meta regenerar o país de suas defasagens no que toca à cultura letrada. A análise dos discursos de formatura mostra as semelhanças existentes entre os ideais de universidade, mas mostra também as diferentes interpretações que tinham os universitários da época a respeito da vocação cultural da vida universitária. Assim, o discurso técnico-profissional dos politécnicos iria na direção contrária do discurso eminentemente propedêutico produzido pelos sujeitos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O discurso de Ramos de Carvalho, como representante de turma em sua formatura, no ano de 1942, por sua vez, abordava a dramaticidade do tempo de guerra que envolvia os formandos, o Brasil e o mundo naquela época. Assim, se havia um debate dominante, havia também vozes singulares; e Bontempi – como exímio historiador que é – sabe buscar tanto as similaridades quanto, sobretudo, as diferenças.
O livro também aprofunda a relação de Laerte Ramos de Carvalho com a pesquisa em história e com o campo da filosofia, tanto no âmbito da própria USP quanto de sua tensa relação com o Instituto Brasileiro de Filosofia. Para tanto, a pesquisa esmiuçou o modo pelo qual se constituíram as cátedras na USP e o conflito existente entre esse regime de trabalho e o sistema de contratos temporários celebrado para a recepção dos professores estrangeiros, em particular os da missão francesa. Depoimentos de intelectuais do porte de Florestan Fernandes e Antonio Cândido evidenciam o quanto os catedráticos escolhiam aqueles que consideravam ser os seus sucessores naturais. Entre os alunos, assim, o tratamento dado privilegiava relações que fariam parte de um aprendizado externo à sala de aula, o qual poderíamos chamar de “currículo oculto” da instituição, posto que estava para além das aulas, além dos seminários, representando o que Florestan Fernandes considerava ser um “treinamento muito mais avançado e muito mais rigoroso” (Fernandes, apud, Bontempi, 2015, p.109). Esse processo extra-classe tinha consequências: “a competência e qualidade intelectual que o assistente ostentava no momento de sua nomeação desfazia qualquer aparência de „compadrio‟ por ocultar o fato de que a própria excelência do escolhido era produto de uma educação especial e privilegiada” (Bontempi, 2015, p.110).
Laerte Ramos de Carvalho – como diz Bontempi – foi um desses “alunos incomuns” que assumiu a função de assistente de Cruz Costa por uma longa temporada na Universidade de São Paulo. Seu período como assistente durou de 1943 até 1955. Nesse período, Ramos de Carvalho seguia as diretrizes do programa de investigação de Cruz Costa, centrado no estudo da história das ideias no Brasil. Bruno Bontempi demonstra quais são as convergências de ideias entre os dois pensadores e quais teriam sido as premissas que singularizavam o trabalho de Ramos de Carvalho frente ao catedrático com o qual ele trabalhava. Já o Instituto Brasileiro de Filosofia, que era liderado por integrantes da Faculdade de Direito não reconhecia a relevância do trabalho de Ramos de Carvalho. Poucas são as menções a ele na Revista Brasileira de Filosofia; e, quando aparecia alguma remissão à sua obra, havia algum tom de desdém. As divergências que teve com Miguel Reale, do ponto de vista teórico e no que toca à atuação política, são também objeto do trabalho de Bontempi, mostrando as contradições entre esquerda e direita, bem como as tensões em cada um desses grupos no Brasil daquela época.
O livro resgata a intrincada relação existente entre o jornal O Estado de S. Paulo e a Universidade de São Paulo, desde 1934, quando de sua fundação. Como se sabe, Julio de Mesquita Filho pertencia a um setor das elites paulistas que criticava as então oligarquias, anquilosadas no PRP. Próximo da herança da Liga Nacionalista e dos integrantes do Partido Democrático, o jornal foi protagonista no movimento de 32, mas sempre com um tom crítico, pontuando com insistência a necessidade de se superar o modelo político então existente através de uma vasta ação cultural, que possibilitasse a ascensão de novos grupos ao poder. Para Julio de Mesquita Filho, havia de se criar uma nova elite: uma elite cultural, capaz de mobilizar os maiores talentos em todas as camadas da sociedade. Esse seria o papel da USP. Como diz Bontempi (2015, p.145) sobre o assunto: “à universidade, cujo centro integrador seria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, caberia a tarefa de formar as elites ilustradas, único grupo social capaz de realizar positivamente a obra de regeneração política da sociedade brasileira, mas também de formar o profissional secundário e superior”.
A partir de 1946, Ramos de Carvalho torna-se colaborador do jornal O Estado de S. Paulo. Na ocasião, consta que dois filhos de Julio de Mesquita Filho teriam comentado com o pai sobre a qualidade acadêmica e didática de Ramos de Carvalho, que fora professor deles. Uma versão alternativa – mostra Bontempi – diz que outros ex-alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que já trabalhavam no jornal, dentre os quais Lourival Gomes Machado, teriam convencido Mesquita Filho de que as ideias expostas por Ramos de Carvalho em suas aulas seriam bastante próximas dos ideais perfilhados pelo grupo d‟ O Estado de São Paulo.
Outro aspecto bastante original do trabalho de Bontempi é a discussão trazida a propósito da perspectiva de Laerte Ramos de Carvalho sobre o ensino secundário. Professor que foi de ginásios paulistanos, Ramos de Carvalho valeu-se da sua pena como articulista do Estadão para comentar sobre as insuficiências e sobre o que ele acreditava ser as irregularidades do ensino secundário paulista, em especial nos estabelecimentos particulares de ensino. Esses não eram submetidos a uma inspeção rigorosa do governo; e, além do mais, aviltavam a profissão de professor, com o esquema de “salário-aula”.
Em 1948, Laerte Ramos de Carvalho assumiu como assistente a cadeira de Filosofia e História da Educação. O trabalho de Bontempi demonstra que, desde então, a cadeira sofreria uma profunda mudança em seu funcionamento. Antes de Ramos de Carvalho, a matéria era ministrada por José Querino Ribeiro e Roldão Lopes de Barros, que imprimiam a ela apenas a estatura de ensino. Não havia para esses professores a articulação do ensino com a pesquisa ou produção do conhecimento. Bruno Bontempi faz um criterioso resgate da maneira pela qual os programas das disciplinas de Filosofia e História da Educação eram organizados. A despeito de não ter havido preocupação em formalizar as alterações no programa de curso oficial, os diários de classe evidenciam as mudanças que Ramos de Carvalho imprimiria à disciplina. Houve a inclusão e o desenvolvimento de inúmeros temas e problemas relativos à história da educação brasileira, dentre os quais a discussão contemporânea sobre os trâmites da LDB e a elaboração do Manifesto de 1959. Houve a substituição, por exemplo, das sabatinas por arguições. Houve a introdução de seminários e trabalhos práticos, que passam a ser considerados tão importantes quanto as preleções teóricas. Houve também a inclusão no curso dos textos clássicos, na tradição que vinha do modelo europeu adotado pelos professores da missão francesa. A partir dali os estudantes seriam contemplados com o acesso aos próprios escritos dos autores estudados; sem que houvesse, como anteriormente, o privilégio de comentadores.
Há preocupação, por parte de Bontempi, em vistoriar as redes de sociabilidades que engendravam relações institucionais e lugares de poder. Nesse sentido, são evidentes as estreitas relações de Laerte Ramos de Carvalho com dois intelectuais que também foram decisivos na história da Faculdade de Educação da USP: Roque Spencer Maciel de Barros e João Eduardo Villalobos. Ambos haviam sido alunos de Ramos de Carvalho no curso secundário e ambos teriam também um papel destacado de liderança intelectual tanto na futura Faculdade de Educação da USP quanto no jornal O Estado de S. Paulo.
O livro apresenta, de maneira extremamente arguta, as ideias centrais dos trabalhos teóricos de Ramos de Carvalho; em especial, daquele que se tornaria seu clássico e que foi apresentado como tese quando o docente concorreu a concurso de provimento da cátedra de Filosofia e História da Educação, em 1952: As reformas pombalinas da instrução pública. Esse livro – fruto de investigação rigorosa na Biblioteca Nacional, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca da Universidade de Coimbra e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa – desenvolvia a hipótese de que as reformas pombalinas traduziram – como diz Bontempi – o espírito de seu tempo, tomando, portanto, a fisionomia política do período histórico no qual estavam inscritas. A tese de Ramos de Carvalho foi reconhecida e aplaudida não apenas pelo campo da filosofia e da educação, mas fundamentalmente – nas palavras de Eduardo de Oliveira França (apud, Bontempi, 2015, p.237) pela “confraria dos historiadores”.
Finalmente, o trabalho de Bontempi ilumina o papel de Ramos de Carvalho como organizador de um amplo programa de pesquisas, que envolveu a elaboração de inúmeras teses, articuladas a um determinado modo de conceber a história, a educação e a periodização da história da educação. Ramos de Carvalho mostrava a necessidade de fazer com que a organização dos períodos nos quais se escreve a história da educação não fosse um decalque da periodização da história política. E isso seus orientandos aplicaram em seus trabalhos; com Jorge Nagle, por exemplo, mostrando o papel que os anos 20 tiveram na consolidação do que chamou de “entusiasmo pela educação”. O lugar do orientador Ramos de Carvalho era sistemático, envolvendo reuniões de seu grupo de pesquisadores, com pautas que envolviam partilha dos trabalhos dos pesquisadores entre si, troca de informações e possíveis reformulações conjuntas dos rumos de cada investigação.
Ao estudar o caso específico de Laerte Ramos de Carvalho, Bruno Bontempi recupera o que havia de melhor em sua geração, trazendo elementos preciosos para que se compreenda a história da Universidade de São Paulo e, mais particularmente, uma parte da história de um campo de investigação que posteriormente se bifurcou nas áreas de Filosofia da Educação e de História da Educação. Por isso, trata-se de uma leitura fundamental para quem estuda a história das disciplinas, para quem estuda a história das instituições e para quem queira compreender a universidade. Bruno Bontempi é um historiador ainda jovem; mas essa tese foi escrita em momento inicial de sua carreira. Por ser assim, é absolutamente surpreendente a maturidade de sua análise, a argúcia de seus comentários, a precisão de suas conclusões. Trata-se de um trabalho para ser lido por historiadores, por pedagogos e por todos que pretendam compreender melhor como se deu a história da universidade, tal como ela foi arquitetada em terras brasileiras.
Carlota Boto – Pedagoga e historiadora, mestre em História e Filosofia da Educação pela FEUSP, doutora em História Social pela FFLCH/USP e livre-docente em Educação pela FEUSP. Professora de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP. E-mail: reisboto@usp.br
Global philosophy: What philosophy ought to be? – MAXWELL (ARF)
MAXWELL, N. Global philosophy: What philosophy ought to be? Exeter. UK: Imprint Academic, Societas – Essays in Political & Cultural Criticism, 2014. Resenha de: CHOKR, Nader N. Aufklärung – Revista de Filosofia, João Pessoa, v.2, n.1, p. 175-186, jan./jun., 2016.
In his recent book, Nicholas Maxwell revisits for the most part ideas, arguments, and positions he has been defending quite forcefully for the past 40 years or so. These include his conceptions of what philosophy ought to be, about the nature of science and its progressmaking features, how to best construe empiricism and rationality, his take on the history and philosophy of science, on philosophy and the history of philosophy, the nature of (academic) inquiry, and finally, his position about the role of education and the university more generally in view of his rather pessimistic yet compellingly realistic diagnosis of the problems and challenges confronting our world at this point in our history.
And the question that comes immediately to mind is this: Why is Maxwell repeating himself over and over, in a desperate attempt to convey what he deems to be an urgent message, given the alarming and worrisome state of affairs currently prevailing in the world as we know it today? The obvious answer is, as he himself laments occasionally in his work, that he has so far failed to get the attention of the academic and philosophical community that he believes his work deserves. It behooves us therefore to inquire in a more focused manner into the possible reasons for such a failure in getting the recognition and support of the academic community. Are his ideas and proposals wrong or untenable and must therefore be rejected? Are they unoriginal and uncontroversial, and therefore not deserving of further attention? Or is the philosophical and academic community at fault in some ways for failing to recognize the validity and relevance of his ideas and proposals?
More generally, why do the ideas and proposals of some philosophers fail to gather the expected focus and attention in a timely manner, even though they are right and valid in so many respects? Does philosophy (in its institutional incarnation in the modern era) always come late to the party, so to speak? If the Owl of Minerva (philosophy) only takes its flight at dusk, as many philosophers have come to believe after Hegel, what are we to make of a new philosophy that claims instead that the Owl of Minerva must take its flight at dawn?
From the start, I must confess that when I first looked into Maxwell’s work, I was inclined (possibly like some of his readers) to think that his ideas may be more accepted and widespread than he seems to be realizing. Perhaps even part of conventional wisdom and commonsense. Progressively however, I began to see the qualitatively distinctive features of his proposal. He sets out, it now seems to me, an earlyrising and forwardlooking proposal about how humans can best save themselves from themselves, encapsulated in his call for a paradigmshift in (academic) inquiry from knowledge to wisdom (1984, 2007). I hope merely to convey this reading to some extent in the brief compass of this review. Establishing its correctness in a definitive and conclusive manner is obviously beyond the present scope.
The five essays collected in the present volume are intended (once more) as an invitation to abandon our established and entrenched conceptions and transform our institutions of learning from primary school to university so that they devote themselves to helping us all create and bring about a better and wiser world. Because they have all been published previously in different contexts, they inevitably and unfortunately contain far too many repetitions which can be distracting and even appear annoyingly preachy. For this reason, and by virtue of my application of the principle of charity to interpretation (Davidson), my review proceeds in a slightly different way than usual conventions require. I single out a crucial thread in Maxwell’s work which enables me to give a fair and accurate account of the main point in each essay (even if at times short), while hopefully laying the ground through and through for an overall critical evaluation of his work, especially with regards to the question raised earlier.
In due course, I consider a number of objections that could be made against Maxwell having to do with (1) his idealism, (2) his scientism, (3) the ‘disciplinary matrix’ of his work, and (4) the form and style of his writings, the idiosyncrasies of his philosophical temperament, as opposed to the content and substance of the work. I also examine (5) the apparently unfashionable characteristics of his project, and (6) the clash or dissonance between its politically radical dimension prima facie and its more sober or analytical formulation, as further possible hypotheses. Finally, I consider briefly (7) the often posthumous character of philosophical vindication, and (8) the possibly paradoxical nature of Maxwell’s project.
Though Maxwell discusses a broad and diverse range of issues and topics, there is, he claims in the preface, one common underlying theme, and that is education (vii). For Maxwell, ‘education ought to be devoted, much more than it is, to the exploration of reallife, open problems; it ought not to be restricted to learning up solutions to already solved problems – especially if nothing is said about the problems that provoked the solutions in the first place’ (vii). [This is consistent, as we shall see, withhis main argument about inquiry].
Given the widely acknowledged and growing yawninggap between education,as it is currently dispensed (for the most part), and the realworld, it is hard to see howone could object to such a view. Maxwell is urging a reduction or an elimination of thisgap. Furthermore, he is recommending that greater emphasis be placed as early aspossible on learning how to engage in cooperatively rational and imaginativeexplorations of such reallife, open problems.
In Chapter 1, he points out that ‘even fiveyear olds could begin to learn how todo this’ (vii) through appropriately designed and tailored philosophy seminars in whichthe use of ‘play’ as an effective pedagogical device is demonstrated. Maxwell iscertainly not the first or only philosopher to make a case for the pedagogical use of‘play’ in education or even in ‘philosophy for children’ (see Lipman’s project, Institutefor the Advancement of Philosophy for Children, 1974). But perhaps taken in thecontext of his wider claim about academic inquiry, it becomes qualitatively distinctive.He writes:
[A]cademic inquiry ought to be the outcome of all our efforts to discover what isof value in existence and toshare our discoveries with others. At its mostimportant and fundamental, inquiry is the thinking we engage inas we live,as we strive to realize what is of value to us in our life. All of us ought both tocontribute to andlearn from interpersonal public inquiry. This twowaytraffic of teaching and learning ought to start at theoutset, when we firstattend school (2).What is often not appreciated enough, in his view, is ‘the central and unifyingrole of philosophy in all of education’ (3). Pursued as the cooperative, imaginative andrational exploration of fundamental problems of living, it could much more readilyserve to ‘bridge the gulf between science and art, science and the humanities’ (3).
One may be tempted to object at this point that hardly anyone in academia or inthe humanities would reject such a call to build bridges between disciplines, or even hisview about the central and unifying role of philosophy. This objection would bepremature however, and possibly unsustainable given that he puts forward as we shallsee a different conception of science, philosophy, and inquiry more generally.
In Chapter 2, Maxwell turns to what is perhaps one of his most important andlongstanding contentions: the fundamental failure of academic philosophy to properlyconceive its main task. According to him:
The proper task of philosophy is to keep alive awareness of what our mostfundamental, important, urgentproblems are, what our best attempts are at solvingthem and, if possible, what needs to be done to improvethese attempts (11).
In his view, academic philosophy has failed disastrously to even conceive of itstask in these terms. And the consequence is that it has not made any serious attempt toensure that universities are devoted to tackling ‘global’ problems –in the double senseof the term i.e., ‘global’ intellectually, and ‘global’ in the sense of concerning the futureof Earth and humanity.
Maxwell also claims that academic philosophy has failed to focus as it should onour most fundamental problem of all, encompassing all others:
How can our human world – and the world of sentient life more generally –imbued with the experiential, consciousness, free will, meaning, and value,exist and best flourish embedded as it is in the physical universe? (13, 41, 48, 157-8).
This is, according to Maxwell, both our fundamental intellectual problem andour fundamental problem of living.
In Chapter 3, he goes to show how one could begin to address this problem, in asimulationletter to an applicant for a new Liberal Studies Course. The fundamentalcharacter of the open, unsolved problem provides the opportunity to examine andexplore a broad range of issues and related problems:
What does physics tell us about the universe and ourselves? How do we accountfor everything physics leaves out? How can living brains be conscious? Ifeverything occurs in accordance with physical law, what becomes of free will?How does Darwin’s theory of evolution contribute to the solution of thefundamental problem? What is the history of thought about this problem? What isof most value associated with human life? What kind of civilized world shouldwe seek to help create? Why is the fundamental problem not a part of standardeducation in schools and universities? What are the most serious global problemsconfronting humanity? Can humanity learn to make progress towards as good aworld as possible? (47-48).
The course as conceived would be run as a seminar, driven for the most part bystudents’ questions and proposals, with the teacher in the role of a facilitator or mentor.It would invite a sustained questioning of our current conceptions of education and itsgoals, science and its aim, as well as empiricism and rationality.
If, by philosophy, one means either (a) exploration and investigation offundamental problems or (b) explorations or investigations of the aims, methods, tools,and techniques of diverse worthwhile but problematic or unconventional endeavors – aswell as the philosophy of these endeavors, then in some real sense, students would bedoing philosophy, and not just talking about philosophy and past philosophers, andinterpreting the commentaries of commentaries, or commenting the interpretations ofinterpretations (64). But, according to Maxwell, academic philosophy today, on thewhole, neglects scandalously to do either of these things, (a) or (b), in a clear andstraightforward manner.
Suppose, to paint a picture in broad strokes, one could categorize some of themain proposals about the main task of philosophy as defending either one of thefollowing positions: (1) Philosophy consists essentially in ‘creating new concepts andconceptual persona’ [French continental philosophy, e.g., Deleuze & Guattari (1994)].(2) Philosophy consists essentially in the ‘analysis of concepts’ [AngloAmericananalytic philosophy]. Then one could argue that Maxwell’s conception does not fall ineither category: neither (1) nor (2) is strictly speaking and effectively doing either (a) or(b), even though Maxwell can’t obviously avoid creating and analyzing concepts, as hepursues (a) and (b), and his primary focus on solving reallife, open problems.Obviously, proponents of both (1) and (2) could object that they too are interested in theend in bringing to bear their respective approach on the solutions of problems. Butunlike Maxwell, they arguably seem to subordinate the latter to something else, deemedmore important. In contrast Maxwell considers the latter as the primary task of philosophy.
Besides, while analytic philosophy is increasingly specialized and dominated byesoteric and arcane discussions of technical puzzles and language games (not just inWittgenstein’s sense) accessible to the initiated few, continental philosophyis, for itspart, far too prone to speculative flights, jargonfilled obscurantism and mystification,antirationalism, antiscientific or antiscientistic proclivities. In some sense, one could argue that they are both ‘forms of antiphilosophy’ (64). What the theoretical andspeculative approaches to philosophy often neglect are the vital, existential, andpractical dimensions of living.
In fact, if Maxwell’s conception has any affinities, it seems to be with the branchof contemporary philosophy that in recent decades has come to be known as ‘appliedphilosophy’ (in some of its incarnations). Such an approach is primarily concerned withbringing to bear on a wide range of contemporary problems and issues all the tools andinsights of philosophy broadly conceived in a nondoctrinaire fashion. After an initialbad reputation, such a field of inquiry has now come to be recognized and accepted forits contributions. It may have even contributed to the rehabilitation of the practicalrelevance of philosophy in the world today.
Concerning Maxwell’s formulation of what he deems to be the single mostfundamental problem confronting us, as selfconscious, evolved creatures in a physicaluniverse, what could one possibly object? Unless one is more receptive to theological,metaphysical or pataphysical speculations about ‘who and what we are’, and whatconstitutes our predicament as humansintheworld, one must concur. In fact he is notthe only philosopher to have discussed it (Whitehead), or who thinks so (far too manyto list here). As for its being fundamental, from which a slew of other problems can bederived, it should be obvious, especially if we situate ourselves, as I presume Maxwelldoes, within the current scientific, biologicalevolutionary framework that is ours today.Such a framework is admittedly defeasible and subject to possible corrections, and evenoutright subversions, but it is arguably the best we have so far. His originality, if any,lies perhaps in the claim that it ought to be placed at the center of (academic)philosophy’s preoccupations.
In Chapter 4, he considers what he believes went wrong with the History andPhilosophy of Science (HPS) as well as Science and Technology Studies (STS), underthe misguided influences of various postmodernist trends, represented among others bythe ‘Strong Programme’ and ‘Social Constructivism’. Countering the often excessiveand untenable relativistic, subjectivist and antirational interpretations and conclusionsof proponents laboring under these trends, Maxwell seeks to correct the widespreadmisrepresentations of science and its basic aim (i.e., truthper se, factual truth andappeal to evidence, according to the standard conception of empiricism) and to promotea broader and richer conception of science and its basic aim (i.e., truth presupposed tobe unified or explanatory), one that puts in practice an aimsoriented empiricism andrationality, that is at once more objective and capable of making progress in itsapprehension of the real world (or parts thereof). He even seeks to find a way togeneralize over the progressmaking features of science (its aims, methods, tools, andtechniques) to the entire social field and human world.
Under his conception, as I understand it, science (no differently than philosophy)would more readily be prepared to acknowledge, disclose, and critically evaluate theassumptions that it may be making implicitly or explicitly (e.g., metaphysical,epistemological, social, cultural, and even political assumptions) about its aims andmethods. In addition, it would be committed to applying consistently what he calls the‘four elementary rules of reason’:
(1) Articulate, and try to improve the articulation of, the basic problem to besolved.
(2) Propose and critically assess possible solutions.
(3) If the basic problem we are trying to solve proves to be especially difficult tosolve, specialize. Break the problem up into subordinate problems. Tackle analogous,easier to solve problems in an attempt to work gradually towards the solution to the basic problem.
(4) But if do specialize in this way, make sure specialized and basic problemsolving stay in touch with one another, so each influences the other (99101).Furthermore, such a conception of science would arguably make adistinction between ‘constitutive and progressmaking features’ and‘contextual and possibly obstaclegenerating factors.’First, one must getclear on the progressmaking features of science (aims and methods). Second, one mustcorrectly generalize these features so that they are potentially applicable to anyworthwhile, problematic human endeavor. Third, the correctly generalized progressmaking features must be extended to the entire social and human world.
In Maxwell’s view, in order to get to step one, one needs to adopt an aimoriented empiricism (AOE), and in order to get to step two, we need to generalize AOEso that it can be applicable in a potentially fruitful way to any problematic, yetworthwhile human endeavor, and not just science. In this way, we would also endorse arationality that helps to improve aims especially when they are problematic. Thisiswhat he calls aimsoriented rationality (AOR). Finally, in order to get to stepthree, weneed to apply AOR, arrived at by generalizing AOE, i.e., the progressmaking featuresof science, to all other worthwhile, problematic human endeavors, besides science (1045, 120124, 164175).
All of these features would enable inquiry (into the natural or social & humanworld) to acquire a selfcorrective mechanism, a kind of positive feedback loop,through which obstacles and contextual factors can be identified and neutralized,failures can be turned into successes and successes into even greater achievements, andthereby achieve in the long run relative yet substantial progress.
It is in this context that one could perhaps best understand Maxwell’s call for aparadigm shift in inquiry –namely, from the established and dominant knowledgeinquiry pervasive in Universities around the world since the 18thcentury to a new andmore enlightened wisdominquiry. Obviously, such a shift has yet to take root andspread widely in the academic world, even though there are here and there hopefulclusters with such a focus (see for example Sternberg, 2001; Ferrari and Potworowski,2008 ̧ Mengel, 2010; Wisdom Initiative at University College London, Maxwell’s owninstitutional affiliation). Maxwell’s proposal could have benefitted over the years fromacknowledgement of and interaction with the works of likeminded scholars around theacademic world, and beyond.
While we may all readily grasp what is meant by knowledgeinquiry, this maynot be so with regards to wisdominquiry. Here is how Maxwell characterizes the contrast:
Knowledgeinquiry has two quite distinct fundamental aims: the intellectual aimof knowledge, and the social or humanitarian aim of helping to promote humanwelfare. There is a sense in which wisdominquiry fuses these together in the onebasic aim of seeking and promoting wisdom – wisdom being the capacity, andperhaps the active desire, to realize what is of value in life, for oneself and forothers; wisdom thus including knowledge and technological knowhow but muchelse besides (103).
It might also help to know how Maxwell defined ‘wisdom’ when he firstintroduced his ‘great idea’ (118) in 1984:
[Wisdom is] is the desire, the active endeavor, and the capacity to discover andachieve what is desirable and of value in life, both for oneself and for others.Wisdom includes knowledge and understanding but goes beyond them in also including: the desire, and active striving for what is of value, the ability to seewhat is of value, actually and potentially, in the circumstances of life, the abilityto experience value, the capacity to use and develop knowledge, technology andunderstanding as needed for the realization of value. Wisdom, like knowledge,can be conceived of, not only in personal terms, but also in institutional or socialterms. We can thus interpret [wisdominquiry] as asserting: the basic task ofrational inquiry is to help us develop wiser ways of living, wiser institutions,customs and social relations, a wiser world (118, 1984: 66; 2007: 79).
One may think, as I have initially, that the use of the term ‘wisdom’ tocharacterize what should be of primary concern in inquiry in his view diminishessomehow the novelty, or radical nature of his proposal as it evokes readily varioustraditional conceptions and connotations associated with the term itself. It is perhapsbest to take his construal as a redefinition of the term for our times.
In order to motivate and justify his call, Maxwell revisits a crucial turningpointin the history of Modern Philosophy, and that is, the socalled Enlightenment in the 18thcentury, especially the French variety. According to Maxwell,les philosopheshad amagnificent and correct idea: it should be possible to learn from the progressmakingfeatures of science and acquire actionable knowledge about how to make socialprogress and bring about a better and more enlightened world. However, they made aserious and consequential mistake in the implication they drew from their brilliant idea.Rather than ascertaining and confirming the progressmaking features (aims, methods& methodologies, protocols, tools, and techniques) of science and seeking to generalizethem over the entire social field and human world, they mistakenly assumed that thetask incumbent upon them was ‘to develop the social sciences alongside the naturalsciences’. And of course, it is this assumption which has been institutionalizedandentrenched within a knowledgeinquiry paradigm throughout the 19thand 20th centuries, up until the present.
A properly construed genealogical history of this period could probably providethe greyongrey, finegrained details and multifactorial reconstruction of how arguablythis process unfolded. And admittedly, there may be room here for competing and evenclashing perspectives. But it seems plausible to assume, as Maxwell does, that anopportunity was crucially missed by the Enlightenment philosophers, that we must seekto recapture now more than ever, and that is, the opportunity to embrace wisdominquiry – instead of knowledgeinquiry as we have done for the past couple ofcenturies. One in which ‘our capacity and active desire to seek and promote what is ofvalue in (or to) life, for oneself and others’ (103) becomes the main drivingforce ofinquiry, now conceived very broadly as social inquiry, in that ‘it is intellectually morefundamental than natural science itself’ (102).
In Chapter 5, titled ‘Arguing for Wisdom in the University’, Maxwell undertakes‘an intellectual autobiography’ (108) in which he seeks to tell the story of how he cameto argue for ‘such a vast, wildly ambitious intellectual revolution’ (108), namely, thatwe urgently need to bring about a revolution in academia so that the basic task ofinquiry becomes to seek and promote wisdom, rather than knowledge.
I have always found such an exercise to be very tricky and treacherous, indeed:how could or should one talk about oneself, in what language, and to what degree ofintimate disclosure? How selfconscious could or should one be? How selfcritical ornot? How selfaggrandizing could or should one be? How much selfdeprecating humorto engage in or not? How could or should one strike a balance between all suchconsiderations? Etc.
Regardless of his success or failure in these regards, I have found his reconstruction of his intellectual odyssey (from ‘genius child’ to ‘emeritus professor’)as he sees it from his current vantage point to be illuminating in many respects, if onlyas a window into the mind of a philosopher (peering into himself) assiduously andstubbornly pursuing his quest and inquiry into the human predicament. I cannevertheless understand those who might feel irked or bothered for some reason by hisnarcissistic and selfaggrandizing tendencies tempered by selfdeprecating humor.Maxwell concludes his account by stating what he finally realized:
Every branch and aspect of academic inquiry needs to change () if it is to be whatit is supposed to be: rationally organized and devoted to helping humanity achievewhat is of value in life. I was then confronted by five revolutions (that needed tohappen before my program could become a reality). First, a revolution in thephilosophy of science, from standard to aimoriented empiricism. Second, arevolution in science itself, so that it comes to put aimoriented empiricismexplicitly into scientific practice. Third, a revolution in social inquiry and thehumanities, so that they come to give intellectual priority to problems of living,themselves put aimoriented rationality into practice and take, as a basic, longterm task, to help humanity feed aimoriented rationality into the social world.Fourth, a revolution in academia as a whole, so that it takes up its proper task ofhelping humanity realize what is of value in life. And fifth, the revolution thatreally matters: transforming the human world so that it puts cooperative problemsolving rationality and aimoriented rationality into practice in life, so that wemay all realize what is of value as we live insofar as this is possible (1712, additions in parentheses).
Needless to say, Maxwell’s proposal is wildly ambitious and idealistic, ashe ishimself ready to admit. It is hard enough bringing about one revolution, let alone five(comprising disciplinary, institutional, social and political revolutions). Besides, apartfrom specifying some of the necessary conditions for such revolutions, he does not fullyarticulate the practical guidelines we could follow to make them happen. As a result,one may fail to see how Maxwell believes that they can be achieved in practice andwhat we should actually do in order to facilitate their realization. In short, Maxwelldoes not seem to give us much advice about how these revolutions can actually beachieved in real life and how we should go about restructuring the university andresearch in order to accomplish his objectives. Perhaps the best place to look for suchdetails would be the Wisdom Initiative implemented under his leadership at UniversityCollege London, his alma mater.
But that a program is idealistic and ambitious (and even still highly unspecified)does not entail that it is not desirable and to be desired, does it? In fact, it may wellbebased on very cogent and compelling analyses and solid arguments, which make it notonly tenable and desirable but correct and relevant.
What philosophical program, worthits salt, is not more or less idealistic, seeking to bring about what should be, ratherthanperpetuating what is? It is more often than not a multigenerational, collective andcollaborative effort that is required to bridge or close the gap between the latter and theformer.What other possible objection could one readily make to Maxwell’s proposal?Obviously, one could argue that Maxwell is somehow committed to some kind of‘scientism’ (i.e., the assumption or belief that science and only science (and itsprogressmaking features, properly identified, assessed and generalized) can provide uswith the best possible explanations and problemsolving tools required to bring about abetter world. Maxwell would, I believe, bite the bullet in this regard, and admit to someform of scientism, as long as it is understood that his proposal countenances a much broader and corrected conception of science than the one commonly held. It is, let’srecall, underwritten by aimsoriented empiricism and rationality, properly inscribedwithin wisdominquiry, in which there would not be much of a distinction left betweenscience and philosophy (as in the ‘natural philosophy’ of yesteryears), and naturalscience is itself subsumed under a broader and much more encompassing social inquiry.
Maxwell is not however committed to a naïve form of scientism. He recognizesthat most if not all of our global problems have come about in large part because wehave been able through the extensive application of science and technology over thepast couple of centuries to pursue goals with great success that seem highly desirable inthe short term, but quite disastrous in the long term. It is for this reason that he thinks‘we urgently need to learn how to improve our aims and methods in life, at personal,social, institutional, and global levels’ (612). And for that, he argues, we need a newconception of rationality – aimsoriented rationality – specifically designed tofacilitatethe improvement of problematic aims and the progressive resolution of problemsassociated with partly good, partly bad aims at all levels, in all human endeavors(62).
Suppose that one believes, as Simon Critchley recently put it in an essay with acatchy title “There is no Theory of Everything” (2015) that there is a fundamental andirreducible gap between nature and society, that while the former lends itself toexplanations, the latter may not, and may only require descriptions, clarifications, orelucidations, and furthermore that the mistake, for which “scientism” is the name, is thebelief that the gap can or should be filled. He also characterizes it as a risk, i.e., thebelief that natural science can explain everything, right down to the detail of oursubjective and social lives. All we would need then is a better form of science, amorecomplete theory, a theory of everything. He concludes however that there is no theoryof everything, nor should there be. Critchley adds that one huge problem with scientismis that it invites, as an almost allergic reaction, the total rejection of science, and oftenleads to obscurantism (e.g., among climate change deniers, flatearthers, and religiousfundamentalists). We need not however run into the arms of scientism in order toconfront the challenge of obscurantism, he argues. Yet surprisingly, he seems to viewthe task of philosophy as merely consisting in “scratching our itches,” over and overagain, to paraphrase Wittgenstein. “Philosophy, he writes, scratches at the various itcheswe have, not in order that we might find some cure for what ails us, but in order toscratch in the right place and begin to understand why we engage in such apparentlyirritating activity.” Further, he adds: “What we need are multifarious descriptions ofmany things, further descriptions of phenomena that change the aspect under whichthey are seen, that light them up and let us see them anew.”
It should be clear by now that Maxwell would take issue vehemently with such aconception of philosophy and its primary task, not to mention the dubious and certainlyquestionable assumptions made by Critchley in his tirade against a particular (strawman) construal of scientism, beginning obviously with the underlying conception of‘science’ at work in his remarks which is radically different from Maxwell’s. It is alsoworth pointing out that the irreducible gap discussed by Critchley is one big assumptionfor which more argumentation is required, and that Maxwell, as a matter of fact,discusses at length (in reference to “our single most fundamental problem”). In Maxwell’s conception, ‘science’ could yield explanations (causal or probabilistic, andotherwise, say, functional, teleological explanations) as well as descriptions,clarifications, and elucidations, and thereby lead to different forms and degrees ofvalidation or rather falsification. Furthermore it would be subsumed along withphilosophy, as mentioned earlier, under a broader and richer conception of inquiry, i.e., wisdom-inquiry. It need not however be a complete theory, a theory of everything, asCritchley presumes. Those who reject science totally, rather than constructively andcritically on specific problems and issues, do so at their own risks and perils,obscurantism being the least of them of all. Those who embrace science in any formblindly, irrationally, and uncritically also do so at their own risks and perils, scientismbeing the least of them.
What other reasons could one possibly give or consider for why Maxwell’sviews and proposals has so far failed to get the attention and recognition they deserve?Suppose for the sake of argument that one can draw meaningfully a distinction betweenform and content, i.e., between (1) the manner in which Maxwell presents his ideas anddefends his views, his writing style and rhetorical flourishes, and all thoseidiosyncrasies having to do with the ‘philosophical temperament’ of the author and (2)the actual substance of his statements and arguments, i.e., the proposals he is actuallyputting forth and defending. Can we make the case that one or the other is to be blamedfor the relative of lack of attention and recognition of his work?
So, for example, can we plausibly argue, as some of his critics have done onoccasions, that his narcissistic and selfcentered tendencies, albeit tempered by hints ofselfdeprecating humor (Chapter 5), or his disposition to make absolutist andcategorical judgments, especially when criticizing and dismissing other philosophers’views (Chapters 3, 4 & 5) help to explain why his work did not have the “explosiveimpact” he had hoped and expected in the philosophical and academic community atlarge? I doubt it. First of all, it is our job to be able to sort out the wheat from the chaff,and to disregard or put aside those elements that may distract and prevent us fromgrasping and appreciating the coresubstance of the work. Besides, these tendencies anddispositions seem to have characterized more or less acutely the socalled philosophicaltemperament over the ages. What philosopher of any weight and importance does notseem to think that his or her work constitutes a crucial hinge in the history of thought,delineating thereby a before and after?
I am more inclined to consider a number of other hypotheses, focusing on thecontent, his ideas and proposals, as to why his work has so far not met with the kind ofreception and recognition it deserves. Given the radical and unfashionablecharacteristics of Maxwell’s propositions and views, it is not surprising that they haverun against various trends and fashions in philosophy (dominant schools of thought andmovements, as well as institutional elevations of some approaches over others inphilosophy). In this case, they have run counter to the established AngloAmericananalytic approach, whose focus on the arcane, esoteric and technical analysis ofconcepts has all but rendered it useless in the eyes of Maxwell. They have also runcounter to the establisheddoxain history and philosophy of Science, to thepostmodernist trends which had come to dominate the field of Science & TechnologyStudies, as well as the various approaches in Continental (French) philosophy whichhad taken certain quarters of academia by storm (e.g., Phenomenology, Hermeneutics,Structuralism, Poststructuralism, Deconstructionism, Archeology of Knowledge,Genealogy of Power/Knowledge, Critical Theory, NeoMarxism, Speculative Realism,Dialectical Materialism, Hedonism, etc.).
In this context, could a more likely explanation for the relative neglect ofMaxwell’s work be due to the institutional inertia and entrenched (disciplinary)conservatism of the academic world and the philosophical community in particular? Is it possible that too many bad habits of thought and entrenched prejudices prevent mostacademics and philosophers from escaping the very coordinates of the frameworks andsets of assumptions under which they labor, making it difficult for them to appreciate the bold and innovative character of his proposals? Is it possible that, before we canlearn how to do what Maxwell proposes, we may have to engage first and as aprecondition in some fair amount of unlearning, so as to throw off our conceptual and theoretical shackles, so to speak? If this were to be case, then his proposal wouldcertainly qualify as original and controversial. The readers would have to decide forthemselves on these questions.
Could the ‘disciplinary matrix’ within which Maxwell’s articulated anddeveloped his views and proposals also serve to explain at least in part why his workhas so far failed to get across? As we know, his views and proposals are squarelysituated within the History and Philosophy of Science at the intersection with Science &Technologies Studies. Both of these fields are characterized by a specialized technicaljargon in addition to the already challenging philosophical one. This may arguablymake Maxwell’s views difficult to access and perhaps impenetrable, or in any case helpto explain his failure to reach a larger audience or readership –even within the fieldofphilosophy. But such considerations are hardly convincing given that his writings arefor the most part straightforward and clear, rigorous and pedagogical when need be.They should therefore be accessible to anyone (moderately educated and literate) whowishes to read through them and ponder their merits for themselves.
Perhaps a more compelling explanation can be found in the clash or dissonancebetween the politically radical dimension of his proposals and their more sober andanalytical formulations due to his original ‘disciplinary matrix.’ Can this factorcondemn his work to a posthumous recognition, as is unfortunately often the case in philosophy? Ideas may be recognized as true and valid, relevant and worthwhile, butacting on them (to turn them into reality) is beyond what can be countenanced by thecurrent system in place. Perhaps we are here confronted with a paradox in that hisfailure may be due to his success: his ideas and proposals are in fact more widelyaccepted (at least in principle, theoretically) than he seems to realize. Are we more Maxwellian than we think we are?
Whatever the case may be in the final analysis, Maxwell’s latest book as wellasin his work for the past 40 years (see detailed bibliography, 1804) are certainly relevantto our efforts in successfully confronting and solving some of the major(global/glocal/local) problems afflicting our world. And philosophy, properly reconstrued and reconstructed, has a crucial role to play in bringing about the necessarychanges in the university, in education more generally, in society, and in the world atlarge.
Referências
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CRITCHLEY, S. (2015) ‘There is no theory of everything’. The Stone (New York Times), September12, 2015.
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MAXWELL, N. (2007) From knowledge to wisdom: A revolution for science and the humanities(Expanded 2ndEd). London: Pentire Press.
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STERNBERG, R.J. (2001). ‘Why schools should teach for wisdom: The balance theory of wisdom ineducational settings’.Educational Psychologist 36(4): 227245.
Nader N. Chokr
[DR]Filosofia e educação – DILTHEY (V)
DILTHEY, Wilhelm. Filosofia e educação. Organização de Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral. Tradução de Alfred Josef Keller e Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral. São Paulo: EdUSP, 2010. Resenha de: MERTENS, Roberto Saaiva Kahlmeyer. Veritas, Porto Alegre v. 57 n. 3, p. 219-222, set./dez. 2012.
No ano de 2010, foi lançado Filosofia e educação, coletânea de textos de diversas fases da obra de Wilhelm Dilthey (1833-1911)1. Diferentemen-te de Schopenhauer e de Nietzsche, o filósofo, psicólogo, pedagogo e histo-riador nascido em Wiesbaden (Alemanha) atuou principalmente no meio universitário alemão, o que explica o fato de ser pouco conhecido do gran-de público. Mesmo sem a notoriedade dos dois primeiros, seu pensamento ocupou um posto decisivo na confrontação das ideias positivistas trazidas à Alemanha pelas mãos de Taine e Spencer. Assim, no limite entre o século XIX e o XX, Dilthey encorpou, enérgica e entusiasticamente, o coro de críticas às ciências naturais e ao seu modelo positivo.
Os termos da crítica diltheyana consistem, de modo geral, na denún-cia que as ciências positivas atuam de maneira abstrativa. Deste modo, posicionam o fenômeno objetivamente, delimitam-no a ponto de abs-traí-lo de seu contexto específico, e questionam-no como um fato bruto. Para Dilthey, tal maneira de investigar é reducionista, pois, o método que supostamente obteria resultados válidos e legitimados pelo dado empírico, no fundo, promoveria um empobrecimento e, mais, um “esfacelamento” da experiência que garante o próprio conhecer pela ciência.
Tal avaliação deriva da evidência de que todo e qualquer conhecimento possível se assenta em vivências. Para Dilthey, vivência constitui a realidade absoluta da própria vida; sendo o dado resultante da interação da consciência com seu mundo. As vivências compreendem o mundo vivido, deste modo, qualquer tentativa de conhecer os fenômenos do mundo desconsiderando esta esfera vivencial incorreria no que Dilthey chamaria de “desvificação” do saber (ou o próprio esfacelamento supra referido).
1 Dilthey completa 100 anos de morte em 2011, meu esforço é não deixar o importante legado pedagógico-filosófico deste autor não passar sem uma lembrança (resenha).
Nesta sumaríssima apresentação da crítica de Dilthey à doutrina positiva e de sua influência nas ciências naturais, é possível entrever o quanto estas nos deixariam a um passo do fenômeno propriamente dito. Este quadro se agrava ainda mais quando implicado em outra classe de ciências: as do espírito, ou as ciências humanas. Dilthey percebe que também as ciências ditas humanas (em pleno viço no final do século XIX, após a queda dos idealismos filosóficos especialmente na Inglaterra, França e Alemanha), em seu modo de atuar, se servem do modelo das ciências naturais, ou seja, também atuam de modo abstrativo, desvivificado. Diante desta constatação, o filósofo entende tão necessário quanto urgente a fundamentação das ciências do homem, da sociedade e da história no solo que as vivências constituem. Dizendo de modo ainda mais claro: evitando o desvio que o método positivista consiste, Dilthey pretende enraizar as ciências da realidade histórico-social num solo compatível ao que há de humano em seu fazer.
Não seria incorreto afirmar que toda a obra filosófica de Dilthey tem, desde o início, a fundamentação das ciências particularidades da sociedade e da história como seu objetivo precípuo. Deste modo, desde os primeiros esboços programáticos de obra, passando pelos primeiros escritos até as extensões que formam a obra de maturidade, Dilthey tem em vista o referido propósito, tentando levá-lo a cabo de maneira variada e pouco sistemática.
Na coletânea em apreço, é possível encontrar extratos que caracte-rizam algumas dessas etapas. Os textos organizados por Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral ilustram bem o intuito do filósofo de fundamentar as ciências do homem, da sociedade e da história. São escritos que permitem uma visão, tão clara quanto o possível, do projeto diltheyano de uma “crítica da razão histórica” e do papel que os conceitos de história e hermenêutica possuem no interior dessas.
Dividida em duas partes, inicialmente temos o que se denominou Manifestações programáticas. Primeira das três seções (ou capítulos) desta divisão, encontramos aqui o prefácio à Introdução às ciências humanas (1883), obra que muitos especialistas consideram o trabalho de Dilthey, no qual a crítica às ciências abstrativas aparece em sua formulação mais explícita. O referido texto é, sem dúvida, um bom primeiro contato com a obra do filósofo, justamente por ser nele que o leitor conhece os conceitos-chaves daquela filosofia e os contextos nos quais eles se inserem. No mesmo capítulo, também é relevante o tópico Pensamento fundamental de minha filosofia. Com este, o próprio Dilthey enfatiza os pontos que entende importantes em seu pensamento. Daí, o filósofo fixar que: a inteligência não se perfaz isoladamente do indivíduo, dependendo, portanto, da vontade humana de conhecer; que a inteligência, como um dos atos possíveis da vida, existe apenas na totalidade que a consciência integra; que a inteligência é sempre plena e real para si, sendo, portanto, a filosofia a “ciência do real”.
A segunda seção dessa primeira parte é dedicada à Fundamentação teórica do conhecimento. Nessa, mais digna de destaque do que os tópicos de psicologia, é aquele intitulado Os fatos da consciência. No presente, vemos a premissa diltheyana segundo a qual “fatos da consciência são o único material de que são feitos os objetos” (p. 49), sobre esta proposição não só se tornaria possível a fundamentação das ciências particulares da sociedade e da história, quanto se legitima a hermenêutica como método para compreensão dos atos de consciência e de seus respectivos objetos.
Com a base oferecida por esses dois primeiros capítulos, o leitor pode passar ao terceiro: Vivência, expressão e compreensão. Tão interessante quanto às seções que fornecem conceitos, esta (tocante à prática da biografia) nos permite ver como o conceito de vivência e o de história se conjugam no universo diltheyano. É verdadeiramente revelador o tópico chamado Vivência e biografia, justamente pela importância que Dilthey dá, especificamente, à autobiografia. Para o autor: “A autobiografia é a forma mais instrutiva pela qual nos vemos confrontados com a compreensão da vida” (p. 245); ainda, “a apreensão e interpretação da própria vida passam por uma longa série de estágios” e, assim: “A explicação mais perfeita encontra-se na autobiografia em que o próprio eu apreende seu curso de vida de maneira tal que chega a adquirir consciência dos substratos humanos e das relações históricas que o envolvem” (p. 248). Uma leitura atenta do tópico em apreço tornará claro o quanto o conceito de história no conjunto da obra do filósofo é decisivo, mostrando que a vulgata orteguiana segundo a qual um homem não tem essência, mas que possui a história em seu lugar, depende de uma série de preparativos até galgar esta formulação.
A segunda parte do compêndio justifica o título de Filosofia e educação, dado por sua organizadora. Dividida em duas seções, é nessa que comparecem os conteúdos da pedagogia diltheyana. Em seu primeiro capítulo, Representação estética e hermenêutica do mundo histórico, o leitor encontrará textos da fase avançada do pensamento do autor, e escritos de estética circunvizinhos aos de psicologia (majoritariamente datados entre os anos de 1888-1910). Grifamos aqui o ensaio O nascimento da hermenêutica, oriundo do volume VII das Obras Completas de Dilthey. Este tópico se mostra elucidativo ao leitor interessado em hermenêutica, dado a expor como esta ciência se desenvolveu inicialmente entre os filólogos em sua prática de descrição e busca de fundamentação de suas regras, permitindo-lhe compreender e interpretar com segurança a cultura letrada. No referido, Dilthey expõe de modo cuidadoso o modo com que esta ciência se relaciona com a lógica, a teoria do conhecimento e as diversas metodologias das ciências humanas. Com a matéria aqui apresentada, o leitor pode não apenas conhecer a genealogia do pensamento diltheyano, quanto entrever a pertinência de outros hermeneutas (Heidegger, Gadamer, Figal) na história dessa ciência.
Conceito de vida, pedagogia e ética encima o último capítulo do livro. É ali que aparecem propriamente as reflexões sobre educação. O tópico Sobre a possibilidade de um sistema pedagógico com validez universal é o que melhor traduz as preocupações pedagógicas de Dilthey. Em linhas muito gerais, é possível encontrar neste ensaio traços fundamentais para um sistema da pedagogia, sistema para o qual o diálogo com a pedagogia de Kant lhe empresta as noções de teleologia, perfectibilidade e desenvolvimento. O referido tópico é inegavelmente uma contribuição oportuna para se pensar a educação em face da filosofia (ou uma filosofia na educação). A tradução desses escritos, por dar acesso a essas fontes ao leitor brasileiro, representa não apenas a alternativa de pensar a educação brasileira quanto a oportunidade de pensar uma educação em matrizes hermenêuticas, premissa que parece interessar à professora Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral, em seus trabalhos autorais.
Não resta dúvida que seja uma iniciativa louvável a publicação de uma seleta de textos de Wilhelm Dilthey, ainda mais quando essas escolhas permitem uma apresentação de suas ideias e a transparência às suas motivações. Observe-se, contudo, que alguns dos textos consignados no livro, parcialmente traduzidos, são oriundos de obras que, no mesmo ano (2010), foram vertidos integralmente para o português no Brasil, é o caso de: Introdução às ciências humanas, Ideias sobre uma psicologia descritiva e analítica e A construção do mundo histórico nas ciências humanas. Isso, no entanto, não é desdouro ao trabalho que, entre muitos méritos, possui o de conter aparatos críticos de bom nível assinados pela organizadora da edição. Tais escritos são contributos não apenas por apresentar os textos, mas por constituir uma introdução didática aos estudos de Wilhelm Dilthey, conjugando os comentários de especialistas autoridades como Georg Misch, Otto F. Bollnow e Theodor Wilhelm. Por tudo isso, Filosofia e educação é uma base ampla e significativa para a pesquisa do autor.
Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens – Doutor em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.Estuda o autor alemão Martin Heidegger desde o ano de 1995, tendem interesse também pela filosofia clássica alemã. Autor de Heidegger & a Educação (Autêntica, 2008). E-mail: kahlmeyermertens@gmail.com
Platão & a educação – PAVIANI (C)
PAVIANI, Jayme. Platão & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.1. Resenha de: RECH, Gelson Leonardo. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 3, Set/dez, 2011.
A obra Platão & a educação, do professor Jayme Paviani, é uma obra na qual o autor articula o pensamento educacional de Platão, um dos filósofos mais importantes do Ocidente. O livro integra a coleção “Pensadores & Educação” da Editora Autêntica com o objetivo de apresentar as ideias de renomados e significativos autores do pensamento educacional.
O livro, de caráter introdutório à leitura de Platão sob a perspectiva educacional, está organizado em 17 pequenos capítulos nos quais se articulam os diversos diálogos de Platão percorrendo as relações desses com a questão educacional e, no fim é completado por mais quatro capítulos com “Comentários aos Diálogos” (Ménon, Protágoras, República e Leis) seguido de “Textos Selecionados” que abordam a temática educacional, além de uma rica e sintética “Terminologia” e “Cronologia” que situam sobretudo os neófitos. A despeito da ressalva do próprio autor sobre a “falta de tempo para me dedicar melhor aos detalhes” (p.8), temos uma publicação acessível a estudantes dos cursos de licenciatura, a pesquisadores e professores, com esmerada redação que busca, além de apresentar o pensamento do filósofo, estabelecer relações com a atualidade – traço digno de nota – dirigindo-se a todos que queiram iniciar a leitura de um clássico da filosofia. Leia Mais
A Caverna – SARAMAGO (C)
SARAMAGO, J. A Caverna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Resenha de: LEÃO, Andreza Marques de Castro. A caverna. 206 Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 3, set./dez. 2010.
A presente resenha tem por foco apresentar o livro intitulado A Caverna, de autoria do conhecido escritor português José Saramago. É mister esclarecer que se trata de um romance, com personagens fictícios, como o autor relata, e que pode trazer inúmeras contribuições ao estudo da História da Educação, traçando, também, relevantes e instigantes articulações com a Filosofia da educação.
Em relação à linguagem empregada, o romance apresenta características peculiares, que são o uso ínfimo, até mesmo a abolição completa dos sinais gráficos de pontuação, procedimento esse que aproxima a linguagem escrita da oral.
Quanto aos personagens do enredo, há cinco principais: Cipriano Algor (oleiro); Marta (filha de Cipriano); Marçal Gacho (genro do oleiro); Isaura (estudiosa, viúva apaixonada por Algor); e Achado (um cão com atributos quase humanos).
A história se passa no Centro (de fato esse pode ser tanto um dos locais do enredo, quanto um dos personagens centrais); na olaria, que é um lugar de transição entre cinturões industriais e o cinturão verde, que fica próximo de uma cidade, porém é um local não urbano onde moram Cipriano, Marta, Marçal, quando está de folga, e na vila em que reside Isaura.
O foco central do enredo é o dilema de Cipriano: mudar-se ou não com a filha e o genro para o Centro quando esse fosse promovido à guarda residente.
Cipriano, como citado anteriormente, é um oleiro de profissão, com tradição familiar de artesões, que tem 64 anos e um modo rude de encarar as pessoas e as situações corriqueiras; talvez tal fato seja decorrente da profissão, que lhe exigia ter de amassar e cozinhar o barro, ou seja, trabalhar com coisas brutas. Não obstante, é uma pessoa de grande sensibilidade, fazendo sempre reflexões sobre a vida.
Marta é auxiliar e companheira do pai, mulher de muitas ideias. Ela é mais otimista que ele, embora, não tanto quanto Marçal em relação à mudança para o Centro, visto que receia o que pode ocorrer com seu pai. Fica grávida no início do livro e continua a auxiliar o pai mesmo durante a gravidez.
Marçal é segurança do Centro. Na realidade, é guarda residente, e não entende como Cipriano temia em ir morar em outro lugar que não no Centro. Gacho tem problemas com seus pais, e seu maior sonho é ser promovido no serviço e, cada vez mais, participar e ser envolvido pelo Centro. Seus pais também queriam morar no Centro com ele, mas devido à impossibilidade de esse pedido ser atendido, visto que os apartamentos lá são pequenos, não podendo comportar Marta, Cipriano, Marçal, o futuro filho, e mais os pais desse, há um desentendimento familiar. Ambas as famílias não cultivam um bom relacionamento em vista de um acidente que Marçal teve no forno da olaria, na época em que ainda namorava Marta, que lhe ocasionou uma cicatriz oblíqua que ele tem em uma das mãos.
Isaura é uma viúva da região onde Cipriano mora e por quem ele nutre uma grande estima. Todavia, ele luta contra esse sentimento. Em relação ao Centro, para ela é uma entidade distante e que pouco afeta sua vida. Após ter ficado viúva, procura emprego na vila, e passa a trabalhar numa loja. Talvez tenha sido por essa atitude que Cipriano tenha se apaixonado por ela.
Achado é o mais “humano” dos cães. Foi encontrado num dia de chuva e por seus modos quase humanizados cativou o carinho de Cipriano e Marta. É ele que escuta os lamentos de Cipriano e procura entender os difíceis e contraditórios sentimentos humanos. “o Achado é um cão consciente, sensível, quase humano.” (p. 349).
No enredo, os personagens, além de terem nome próprio, também são chamados pelo apelido característico. Quanto aos de Cipriano e Marçal, chama a atenção os seus respectivos significados. Algor significa frio, e Gacho, a parte do pescoço do boi em que se assenta a canga. Essa alusão feita por Saramago descreve bem e de modo sucinto a característica principal de tais personagens à luz da história: Algor se mantém frio perante o Centro, receoso quanto a ter de morar nele; por outro lado, Gacho se deixa escravizar pelo Centro, se submetendo a ele. Assim, ambos apresentam visões opostas de Centro: o primeiro de opressão, e o segundo, de submissão.
O livro inicia a história narrando a ida de Cipriano Algor ao Centro, local em que levava suas mercadorias: louças de barro para entregar, pois era fornecedor. No entanto, se confronta com uma árdua realidade: suas mercadorias não são mais “aceitas” pelo Centro, visto que a venda das louças tinha baixado, pois apareceram louças de plástico, as quais eram mais baratas, não quebravam e eram mais leves, havendo uma maior demanda por esse tipo de louça do que pelas de Algor, ou seja, seus produtos não atendiam mais aos anseios do mercado. Diante disso, Cipriano fica perplexo e contesta o chefe das vendas quanto às suas mercadorias: “Não é razão para que se deixe de comprar as minhas, o barro sempre é barro.” Contudo, o chefe responde: “Vá dizer isso aos clientes, não quero afligi-lo, mas creio que a partir de agora a sua louça só interessará a colecionadores, e esses são cada vez menos.” (p. 23).
Cipriano fica indignado com essa situação, porquanto suas mercadorias são desvalorizadas. Sabiamente Marta compreende essa situação, problematizando que, na verdade, não são os gostos das pessoas que determinam o que o Centro deve produzir, é o contrário: “Os gostos do Centro que determinam os gostos de toda a gente.” (p. 42).
Pensativo, Algor concluiu que se o Centro persistisse na averiguação dos novos produtos que estava sendo realizada, a olaria talvez fosse apenas a primeira vítima. De fato, ele entendeu que as inovações tecnológicas estavam ganhando espaço, ao passo que as atividades ditas “manuais”, como a sua de oleiro, não mais teriam lugar nesse contexto, por isso, ele se vê como uma espécie em extinção.
Cabe pontuar que dentre as reflexões que Saramago faz, deixa claro, na história, que a modernização vai extinguindo aos poucos as profissões.
Com a notícia de que o Centro não mais adquiriria seus produtos, sendo tal decisão irrevogável, e sabendo que estava proibido de fazer negócios diretamente com os consumidores, Cipriano começa a ficar angustiado, pensando em como viverá do seu trabalho se o Centro, além de tudo, não o autoriza a vender seus produtos a outras pessoas, tendo de abandonar suas mercadorias no campo, num local escondido.
Com esse episódio de recusa de suas mercadorias, desgostoso, ele passa a refletir sobre sua vida e questões essenciais envolvidas, como a sobrevivência. A partir disso, analisa criticamente a condição de vida do trabalhador assalariado, que aceita o destino desse labor:
Cipriano passa de uma hora para outra [a] desmerecer a reputação do operário madrugador ganhada numa vida de muito trabalho e poucas férias. Levanta-se já com o sol fora, lava-se e faz a barba com mais vagar que o indispensável a uma cara escanhoada e a um corpo que se habituou à limpeza, desjejua pouco mas pausado, e finalmente, sem acréscimo visível no escasso ânimo com que saiu da cama, vai trabalhar. (p. 55).
Algor percebe o contexto global em que está inserido, em que uns exploram, e outros são os explorados. Portanto, compreende que uma vez que o indivíduo não se enquadra em nenhuma dessas condições, isto é, fica fora desse sistema, ele não tem como sobreviver.
Devido à sua angústia, Cipriano foi ao cemitério visitar a lápide de sua falecida esposa, que, há três anos, o havia deixado. Nesse local, encontra a viúva Isaura (estudiosa, mulher de 45 anos), que relata a Algor que queria comprar um cântaro. Na ocasião, ele fala que faria melhor, daria um a ela, o que ele fez no dia seguinte, quando a viu. Esse encontro com Isaura despertou a atenção dele por ela.
Após esse episódio, surge na olaria um cão. Em vista de seu súbito aparecimento, lhe deram o nome de Achado.
Em decorrência da situação difícil de Cipriano, Marta sugeriu que fizessem bonecos de barro como produtos substitutivos das louças de barro. Ambos se empenham na confecção de modelos a serem mostradas.
Assim, Cipriano revela a ideia ao chefe de vendas do Centro. Ao apresentá-la, o chefe não lhe deu resposta imediata acerca da aceitação, contudo, ficou de pensar no caso. Em vista disso, Algor conclui que “para o Centro não tem importância uns toscos pratos de barro vidrado ou uns ridículos bonecos a fingir de enfermeira, esquimós e assírios de barba, nenhuma importância, nada, zero”. (p. 99). Todavia, o Centro se propôs a fazer uma encomenda experimental dos bonecos, mas a possibilidade de novas encomendas dependeria do modo como os clientes receberiam tal produto, pois “para o Centro… o melhor agradecimento está na satisfação dos nossos clientes, se eles estão satisfeitos, isto é, se compram e continuam a comprar, nós também o estaremos”. (p. 130). Desse modo, os bonecos seriam submetidos a uns inquéritos orientados sob duas vertentes: Situação prévia à compra, isto é, o interesse, a apetência, a vontade espontânea ou motivada do cliente, em segundo lugar, a situação decorrente do uso, isto é, o prazer obtido, a utilidade reconhecida, a satisfação do amor próprio, tanto de um modo de vista pessoal, como de um ponto de vista grupal. (p. 239).
Devido à não mais aceitação dos pratos de louça que fornecia ao Centro e ao receio de não receptibilidade dos bonecos por esse, Cipriano, apesar de sua luta e recusa internas de ir morar ao Centro, decide se mudar com a filha e o genro para lá, na ocasião em que esse fosse promovido. Saramago mostra, de modo nítido, no enredo, que essa atitude de Cipriano é causada pelo desgosto que sentia, ao se ver sem outro modo de sobreviver. Isso ocasiona perplexidade mental, visto que “teria de ir viver para o mesmíssimo Centro que acabava de lhe desprezar o trabalho”. (p. 197). Acrescente-se a isso, que sua autoestima também fora abalada, uma vez que se considerava um empecilho, um estorvo, um inútil para a filha e para o genro.
Assim, com a nomeação de Marçal, Cipriano vai com ele e a filha morar no Centro, num pequeno apartamento que é cedido aos guardas e que se localiza dentro do Centro. Porém, antes da mudança, Algor deixa sob a incumbência de Isaura o cuidado de Achado, porque o Centro não aceita animais. Apesar de ele, durante todo o enredo, lutar contra o sentimento que nutre por ela, nessa ocasião, declara seu amor e lamenta não ter nada pra lhe oferecer, pois não sabendo como poderia sustentar a si próprio quanto mais sustentaria outra pessoa. Então, decide viver no Centro.
Sou uma espécie a caminho da extinção, não tenho futuro, não tenho sequer presente… não tenho nada que lhe oferecer… a olaria fechou e eu não aprendi a fazer outra coisa… não tenho mais remédio. (p. 300).
Após o inquérito solicitado pelo Centro para avaliar os bonecos de barro de Cipriano, eles foram rejeitados. Assim, a última esperança de Algor de manter em funcionamento a olaria, morria naquele momento.
Cipriano se vê refém do pequeno apartamento no Centro. Como estava sem trabalhar, sem ter o que fazer, decide começar a conhecer melhor o Centro. Passeia e se aventura como se descobrisse um mundo novo. Nas suas andanças, numa das ocasiões, ele escreve as frases que ficam expostas nos letreiros das lojas e as lê para a filha e o genro, se apercebendo do vazio que o Centro representava, em que tudo se resumia a consumir e incitar a vontade dos clientes.
Não obstante, um episódio vai modificar os acontecimentos da família Algor. Desde que se mudaram para o Centro, estavam sendo realizadas obras de construção em um depósito frigorífico no subsolo. Entretanto, houve um incidente, e a obra precisou ser parada para que fosse avaliada por especialistas. Marçal foi informado de que a obra colocou à mostra no piso, algo estranho. Para averiguar tal fato, foram chamados geólogos, arqueólogos, sociólogos, até mesmo médicos legistas. Ao tomar conhecimento desse fato, o que chamou a atenção de Cipriano foi que, além desses profissionais terem sido requisitados, os guardas deveriam manter essa informação em sigilo.
Em decorrência desse acontecimento misterioso, Cipriano decidiu, durante o turno da madrugada de Marçal ir às escondidas tentar descobrir o que havia no buraco de 34 metros de profundidade que precisava ser tão protegido. Apesar do receio do genro de perder o emprego por essa aventura do sogro, ele lhe indica o caminho que devia seguir para desvendar o segredo. Assim sendo, com uma lanterna nas mãos e muita audácia, entra na gruta. Lá Cipriano encontrou algo que o abalou emocionalmente: seis corpos humanos, três homens e três mulheres, atados a um banco de pedra. “Um violento tremor sacudiu os membros de Cipriano Algor, a sua coragem fraquejou como uma corda.” (p. 331).
Ao sair da gruta, chorou sobre os ombros do genro. Perplexo, indaga-o e tem uma conversa com esse: Sabes o que é aquilo, Sei, li alguma coisa em tempos, respondeu Marçal, E também sabes o que o que ali está, sendo o que é, não tem realidade, não pode ser real, Sei, E contudo eu toquei com esta mão na testa de uma daquelas mulheres, não foi uma ilusão, não foi um sonho, se agora lá voltasse iria encontrar os mesmos três homens e as mesmas três mulheres, as mesmas cordas a atá-los, o mesmo banco de pedra, a mesma parede em frente, Se não são os outros, uma vez que eles não existiram, quem são estes, perguntou Marçal, Não sei, mas depois de os ver fiquei a pensar que talvez o que realmente não existe seja aquilo a que damos o nome de não existência. (p. 333).
Cipriano, ao relatar esse fato à filha, compreende que, na verdade, os corpos “essas pessoas somos nós… somos nós, eu, tu, o Marçal, o Centro, tudo provavelmente o mundo”. (p. 334-335). Após essa descoberta, ele decide deixar o Centro, salvar a sua vida e voltar para a Olaria. Lá chegando, tem um encontro emocionado com Isaura e lhe conta os últimos acontecimentos do Centro, e o motivo de ter voltado. Nessa ocasião, decide finalmente tê-la como sua companheira.
Após uns dias do ocorrido, Marçal pede demissão ao Centro. O fato de ter visto corpos o acordou para a realidade alienante em que estava vivendo. Quando questionado acerca do motivo que o levou a tomar tal decisão, ele responde: “Quem não se ajusta não serve e eu tinha deixado de ajustar-me.” (p. 347).
Desse modo, Cipriano, Marta, Marçal e Isaura decidem deixar a olaria também, ir em busca de uma nova vida, levando com eles o Achado.
Antes disso, Algor posiciona os bonecos de barro em frente da porta de sua casa. Assim, com a chuva, eles voltariam do barro ao pó. Nesse sentido, a caverna representa a condição do homem no contexto atual, cuja trajetória vai, tanto no plano denotativo como no conotativo, também do barro ao pó, tal qual objetos que, quando não são mais úteis, são descartados.
No momento da partida, ao passar pelo Centro, descobrem que até mesmo da descoberta dos corpos o Centro se apropria para tirar proveito: “Brevemente, abertura ao público da caverna de Platão, atracção exclusiva, única no mundo, compre já a sua entrada.” (p. 350).
No enredo, Cipriano representa a pessoa que consegue ser arrastada para fora da caverna e enxergar a realidade. Ele é o único que consegue perceber a preponderância econômica do Centro Comercial.
Dessa forma, podemos compreender por que motivo Saramago intitulou sua obra com esse título. A caverna, nesse caso, é o Centro Comercial, ou um shopping, local em que não há janelas, e só se pode ver o seu interior.
O Centro exerce grande influência na vida das pessoas e pode guiar os gostos das pessoas ao que convém ou não; incitar as vontades para consumirem, é claro, no Centro; instigar a cobiça das pessoas por quererem ter mais e a qualquer custo, entre outros motivos. Tudo gira em torno do Centro, e os que são seus concorrentes sofrem por estar se rivalizando com tamanho sistema. “Para o Centro só existe um caminho, o que leva do Centro ao Centro.” (p. 233).
Ao escrever A Caverna, Saramago nos exorta a nos identificar com Cipriano Algor, o homem comum que adquire sabedoria, que se liberta, buscando meios paliativos para se sustentar no Centro, mas que não se deixa cegar por ele.
Em suma, embora o livro já tenha dez anos, trata de um tema atual: a diferença entre dois mundos distintos: o Centro Comercial, que é exigente, competitivo, e que, na realidade, representa o capitalismo em sua fase moderna; e Cipriano, oleiro, que representa o modo simples da vida, além das inovações.
Há um convite explícito ao leitor para que reflita sobre as condições da nossa sociedade, para as consequências advindas da modernização do capital e sobre a nossa atitude perante tudo isso: se temos percebido ou se estamos estáticos, cegos, sendo passivamente envolvidos pela modernização.
Para Saramago, é possível escapar dessa caverna chamada capitalismo, como fez Cipriano que não se moldou a esse Centro, tendo uma visão crítica sobre ele, que aumentou quando conheceu de fato esse Centro quando lá morou.
Referência
SARAMAGO, J. A Caverna. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. 352 p.
Andreza Marques de Castro Leão – Pós-Doutora no Departamento de Psicologia da Educação. Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Araraquara/SP. Bolsista da Fapesp.