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Teoria e Formação do Historiador – BARROS (RTA)
BARROS, José D’Assunção. Teoria e Formação do Historiador. Petrópolis: Editora Vozes, 2017, 95p. Resenha de: FERREIRA, Breno Ferraz Leal. A formação do historiador e a especificidade de seu ofício. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.10, n.25, p.497-501, abr./jun., 2018.
Derivado de um artigo publicado na Revista Teias (v. 11, n. 23, 2010), Teoria e Formação do Historiador visa fornecer subsídios para futuros historiadores recém-egressos dos bancos escolares. Parte da constatação de que há um fosso entre o conhecimento senso comum sobre a história, partilhado por profissionais de outras áreas e curiosos em geral, e o que é ensinado nos cursos de graduação voltados a esse específico campo do saber. Nesse sentido, a obra pretende justamente auxiliar os novos estudantes a tomarem consciência dessa diferença, trabalhada normalmente no primeiro ano dos cursos de História em disciplinas iniciais muitas vezes denominadas por Introdução aos Estudos Históricos. É justamente nesse momento da formação, quando o jovem futuro historiador começa a compreender as discussões teóricas e metodológicas, que são próprias à produção do conhecimento histórico, que se inicia a transição de um mero interessado em história para um historiador profissional.
De autoria do historiador José D’Assunção Barros, professor do programa de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Teoria e formação do historiador é composto por sete capítulos curtos, nos quais sintetizam-se discussões anteriormente desenvolvidas nos três volumes iniciais, dos cinco que compõem, até o momento, a coleção do mesmo autor denominada Teoria da História, também publicada pela Vozes. Sempre ressaltando ser uma obra de caráter introdutório, o autor opta apenas por, numa linguagem didática e simplificada, apresentar as linhas-mestras do conteúdo da obra anterior, propondo-se a servir também como estímulo para a leitura daquela. A intenção é assinalar as principais diretrizes das que considera serem os três principais (não únicos) paradigmas da historiografia do século XIX: Positivismo, Historicismo e Materialismo Histórico. A escolha por essas correntes da historiografia se dá pelo fato de se constituírem, segundo o autor, como discursos historiográficos que almejam o estatuto de ciência, formando-se como as primeiras Teorias da História.
Estes paradigmas são desenvolvidos nos capítulos 5 e 6, enquanto que, no capítulo 7, são feitas as últimas considerações. Nos capítulos iniciais, todavia, o autor centra seus esforços para apresentar questões conceituais que serão depois necessárias para um adequado entendimento dos paradigmas historiográficos. Inicia-se (capítulo 1) com uma discussão em que assinala o momento histórico em que foram concebidas as primeiras Teorias da História (o que é bem diferente das Filosofias da História e, mais ainda, do pensamento histórico em geral), isto é, entre o final do século XVIII e o início do XIX. O autor examina em seguida o que é teoria (capítulo 2), as diferenças entre teoria e metodologia (capítulo 3) e o que é Teoria da História (capítulo 4).
O autor entende as teorias (em geral, não apenas as da História) como modos de se ver o mundo. O conhecimento é, assim, produzido a partir de pontos de vista. Em outras palavras, não há uma via única para a produção do saber. Porém, uma visão de mundo não configura necessariamente uma teoria (as religiões são um exemplo). O autor aponta que a constituição de uma teoria depende também do estabelecimento de conceitos e categorias que são empregados para a leitura de um determinado campo de fenômenos. Nesse sentido, qualquer Teoria da História necessariamente implica na existência de conceitos e noções próprios.
Contudo, antes de analisar propriamente o que é uma Teoria da História, Barros opta por desenvolver uma diferenciação entre teoria e método. Se a teoria se relaciona a um “modo de ver”, uma metodologia implica num “modo de fazer”. O trabalho do historiador compreende também a seleção e o estabelecimento dos materiais com os quais lidará (no caso, chamados de fontes). A escolha do método variará de acordo com a perspectiva teórica a ser adotada e, dependendo do objeto de estudos e dos dados que tiver em mãos, o pesquisador poderá propor entrevistas, construir gráficos, comparar discursos… E deverá também saber interpretar esse material.
Somente a partir do século XIX é que podemos, todavia, falar em Teorias da História, como destaca o autor. Almejando reconfigurar a História dotando-a de um estatuto científico, os historiadores passaram a abandonar o entendimento de que constituía um gênero literário. Essa mudança foi acompanhada da profissionalização do trabalho do historiador, assegurando-se um lugar específico para a História nas universidades. A partir de então, a expressão Teoria da História foi utilizada em diferentes sentidos, referindo-se ao “conjunto global de artefatos teóricos (conceitos, princípios, perspectivas) disponíveis aos historiadores”, aos “grandes paradigmas teóricos” e também a “objetos historiográficos específicos” (como à Revolução Francesa) (p. 44-45).
Os dois capítulos seguintes tratarão justamente dos grandes paradigmas teóricos constituídos no século XIX, todos pensando-se – por diferentes concepções – como ciência: Historicismo e Positivismo (capítulo 5) e Marxismo (capítulo 6). Os positivistas, como ele diz, procuravam se aproximar do modelo das ciências naturais, aspirando à neutralização da subjetividade do pesquisador. A proposta era enxergar as regularidades, leis gerais que operariam por trás das ações humanas, as quais poderiam ser derivadas inteiramente por meio da documentação. Caberia ao historiador “imparcial” deixar os documentos falarem, não havendo qualquer tipo de problematização na produção do conhecimento histórico. Essa pretensão de objetividade, embora não explicitamente rechaçada por Barros, é indiretamente afastada. Já na Introdução, o autor havia argumentado que o pensamento senso comum entende ser a função do historiador narrar “os fatos tal como aconteceram”, isto é, uma história neutra em que se baseiam, por exemplo, os proponentes do “escola sem partido”. Contrapondo-se a esse tipo de pensamento, Barros parte do pressuposto do inescapável relativismo do sujeito. Sobre a velha questão da utilidade da História, sentencia que “a missão essencial do historiador é (…) fornecer à sociedade diversas interpretações problematizadas sobre o que aconteceu” (p. 8). Os fatos são importantes também, mas desde que interpretados pelo historiador. Subjaz o entendimento de que essa é uma resposta possível, não única nem definitiva.
Já os demais paradigmas descartam, como deixa claro, a pretensão à neutralidade. Os historicistas recusam por completo o modelo das ciências naturais. Não veem a subjetividade do sujeito como um problema: pelo contrário, entendem residir nisso exatamente a especificidade da história. A pretensão de se explicar os fenômenos é substituída pela tarefa da compreensão. A grande contribuição do Historicismo para a historiografia é, segundo Barros, a atenção dada à questão da historicidade de todas as coisas. Esse paradigma, como afirma, deu origem a correntes da historiografia que chegaram até os dias atuais e, pode-se dizer, isso não se deu por acaso. O relativismo do sujeito é praticamente um consenso entre historiadores profissionais da atualidade, enquanto que as noções positivistas não frutificaram depois das críticas por parte da historiografia do século XX (especialmente dos Annales), ficando relegadas ao senso comum.
O Materialismo Histórico, por sua vez, também tem na ideia de consciência histórica um ancoradouro, aponta Barros. A partir de Marx e Engels, desenvolveu fundamentos (Dialética, Materialismo e Historicidade) e conceitos (práxis, luta de classes, modo de produção, determinismo, revolução, ideologia) que lhes são inerentes. Algumas das noções nas quais o marxismo é baseado foram, como o autor deixa claro, resultado de ressignificações e reelaborações de ideias e conceitos preexistentes, mas que formaram uma teoria inteiramente nova para a compreensão da realidade. Diferentemente do Positivismo, por exemplo, que atentou principalmente para a política, o marxismo voltou-se principalmente para as bases socioeconômicas das sociedades, e aí reside uma de suas principais contribuições, conforme aponta o autor. As correntes historiográficas marxistas figuram entre as mais importantes até a atualidade, destacando-se a Escola Inglesa, que, reavaliando a teoria marxista precedente, trouxe a cultura para primeiro plano.
Sempre deixando claro que esses paradigmas não são os únicos, a obra pouco avança sobre as mudanças da historiografia nos séculos XX e XXI (pensamos aqui particularmente nas principais críticas feitas à corrente historiográfica positivista pelos historiadores que vieram a fundar a revista dos Annales em 1929 – Marc Bloch e Lucien Febvre – e pelas gerações subsequentes, que, condenando a ideia da neutralidade do historiador, aproximaram a história das ciências sociais e propuseram novos objetos e perspectivas teóricas), nem retroage sobre o pensamento histórico anterior ao XIX. Todavia, cumpre bem o papel a que se propõe, isto é, o de fornecer uma discussão introdutória aos alunos de graduação sobre Teoria e Metodologia da História.
Breno Ferraz Leal Ferreira – Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Estágio Pós-Doutoral na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista FAPESP. São Paulo – SP – Brasil. E-mail: breferreira@gmail.com.