Cidadãos e Contribuintes | Wilma Peres Costa

Cidadãos e Contribuintes: Estudos de História Fiscal, de Wilma Peres Costa, mais do que uma compilação de textos importantes da autora, é o retrato da sua trajetória acadêmica engajada com questões de fundo sobre a história do Brasil. A obra retoma artigos de peso para os debates em que foram inseridos, que se apresentam revisitados e com atualização das suas discussões. Os textos nesta edição, que veio à luz no outono de 2020, ganham mais em profundidade e importância, reunindo a pesquisa desenvolvida no campo de estudos desde sua publicação original. Como todo esforço de pensamento, pertence ao seu tempo e responde a questões centrais para a realidade brasileira vivida, porém sempre relacionada com os desejos da sociedade que se quer construir. Não apenas os textos refletem uma agenda de pesquisa, mas, nas palavras da autora, “reverberam também o forte engajamento político que nos animava, pois tratava-se da democracia que procurávamos reinventar e das desigualdades sociais que urgíamos combater” (p.15).

Mais uma vez, uma grande tragédia nos interpõe questões à realidade vivida. Para os autores que estimularam as discussões contidas nos trabalhos da autora – Marx, Schumpeter, Weber e Keynes – a realidade do início da Era da Catástrofe impunha um debruçar sobre as crises e a estrutura do Estado no passado. Hoje, em 2021, a pandemia do COVID19 ainda desafia a compreensão de suas proporções.3 O pleno entendimento desse fenômeno parece distante e como já habitual do debate nas últimas décadas – e mais nos últimos anos -, o papel do Estado retoma lugar no debate público. A interação com as crises e as formas de norteamento dos dispositivos de arrecadação estão mais uma vez colocadas à prova. Aprender com as crises só é possível a partir do momento em que o entendimento do passado se coloca, de fato, como um pré-requisito, algo que não parece nortear os poderes centrais deste Brasil em que (sobre)vivemos. Quais lições e de quais momentos poderíamos retirar perguntas para construir um futuro? Leia Mais

¡A las armas! Milicia cívica/revolución liberal y federalismo en México (1812-1846) | José Antonio Serrano, Manuel Chust

En los últimos años, el estudio de las fuerzas armadas en México ha llamado la atención de los especialistas por el papel que desempeñan en nuestra sociedad contemporánea y por los complejos roles que han jugado en el proceso de conformación del Estado-nación. Hasta hace unas décadas, esta línea de investigación permanecía olvidada por la academia; sólo los historiadores militares adscritos a las instituciones castrenses mexicanas; dos historiadoras mexicanas, Josefina Zoraida Vázquez y María del Carmen Velázquez; y algunos extranjeros como Günter Kahle, Christon I. Archer, Juan Marchena, Lyle N. Mc Alister y Josefa Vega Juanino, por mencionar algunos, se habían ocupado con seriedad de ese tema. Por fortuna, historiadores como Juan Ortiz, Arturo Taracena, Manuel Chust y José Antonio Serrano siguieron sus pasos y nos han entregado un buen número de libros y artículos especializados que vienen a enriquecer nuestro conocimiento del pasado sobre lo que Juan Carlos Garavaglia denominó “fuerzas de guerra en la construcción del Estado”. Leia Mais

Democracia, federalismo e centralização no Brasil – ARRETCHE (TES)

ARRETCHE, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV/Editora Fiocruz, 2012, 232 p. Resenha de: LOBO NETO, Francisco José da Silveira. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.12, n.2, maio/ago. 2014.

O livro de Marta Arretche trata da democracia, do federalismo e da centralização. Temas fundamentais na sociedade radicada neste país continental que, desde 15 de novembro de 1889 se constituiu, pelo decreto n. 1 do Governo Provisório, como Federação.

A autora, ao trabalhar seu objeto, prioriza o aprofundamento da ordem constitucional atual, no qual revela sua trajetória de cientista social e cientista política, recorrendo às referências que lhe oferecem a História e o Direito, na elucidação dos fatos e na construção de sua análise interpretativa.

Importante mencionar, desde já, o rigor metodológico da organização da obra composta de cinco capítulos, cada um deles com sua especificidade e todos se integrando para conformar a unidade do livro, “apresentado originalmente como tese de livredocência defendida no Departamento de Ciência Política na Universidade de São Paulo” (p. 24), em 2007. A própria autora nos diz, na Introdução, que “embora cada capítulo possa ser lido separadamente, o livro tem uma unidade teórica e analítica” (p. 13), no “objetivo de examinar ‘se’ e ‘como’ Estados federativos produzem efeitos centrífugos sobre a produção de políticas públicas, tomando o caso brasileiro como objeto empírico” (p. 13).

Peça importante na interpretação do seu livro é, além da Introdução (p. 1131), o artigo de 2001 “Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência política norteamericana” (Arretche, 2001, p. 30). Nele, ela analisa os estudos da ciência política nos Estados Unidos, revelando-nos rumos novos de pesquisa. Sua preocupação foi “destacar a necessidade de ampliação da agenda de pesquisas sobre a natureza das relações intergovernamentais no Brasil”, sugerindo dois caminhos: “exame dos processos decisórios em que o governo federal foi bem sucedido em implementar sua agenda de reformas” e “análise do processo decisório de políticas que envolvam relações diretas entre o Poder Executivo dos diversos níveis e/ou nas quais o Poder Judiciário funcione como árbitro dos conflitos intergovernamentais” (Arretche, 2001, p. 30).

A importância deste livro, portanto, está justamente na concretização dessa ampliação de agenda na própria produção da pesquisadora, a partir de 2001. As análises contidas nos cinco capítulos respondem a muitas questões, mas abrem, sobretudo, outras tantas indagações.

De fato, a autora menciona duas dimensões centrais no seu foco de análise: “o poder de veto das unidades constituintes nas arenas decisórias centrais (sharedrule) e a autonomia dos governos subnacionais para decidir suas próprias políticas (selfrule)” (p. 13). Assim, a estrutura do livro tem os três primeiros capítulos voltados para a primeira dimensão e os dois últimos abordando a segunda dimensão.

No primeiro capítulo, a pesquisadora examina 59 iniciativas de interesse federativo, que foram aprovadas na Câmara dos Deputados entre 1989 e 2006. Tratam de diferentes matérias que afetam interesses dos governos subnacionais, relacionadas às receitas de estados e municípios; à autonomia dos governos subnacionais na decisão sobre a arrecadação de seus impostos, o exercício de suas competências e a alocação de suas receitas. E ela o faz sempre trazendo o texto da Constituição de 1988, onde claramente é atribuída à União autoridade para legislar “sobre todas as matérias que dizem respeito às ações de Estados e municípios” (p. 70). A autora também demonstra que os constituintes de 1988 “não criaram muitas oportunidades institucionais de veto” e “não previram fortes proteções institucionais para evitar que a União tomasse iniciativas para expropriar suas receitas ou mesmo sua autoridade sobre os impostos e as políticas sob sua competência” (p. 70). Assim, com argumentação solidamente fundamentada, aborda os seguintes aspectos: a partir do federalismo comparado, analisa hipóteses do processo centralizador vivido na década de 1990; estuda amplamente as leis federais afetando interesses dos governos subnacionais, fundamentando-se na distinção entre execução de políticas e autoridade decisória; analisa – como determinantes federativos desse processo – as mudanças nas agendas da Presidência da República e o comportamento das bancadas estaduais; finalmente, identifica a influência das instituições federativas em relação aos processos decisórios. Em sua conclusão “de como 1988 facilitou 1995”, que aparece como título deste primeiro capítulo do livro, Marta nos diz que “há mais continuidade entre as mudanças na estrutura federativa da segunda metade da década de 1990 e o contrato original de 1988 do que a noção de uma ampla reestruturação das relações intergovernamentais autorizaria supor” (p. 72).

Já o segundo capítulo se volta para uma análise do comportamento das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados em relação às matérias de interesse federativo, especificamente aquelas em que a União e os “governos territoriais” tinham interesses opostos. Foram identificadas 69 iniciativas – propostas de emenda constitucional (PECs), projetos de lei complementar (PLPs) e projetos de lei (PLs) – representando 24% de votações no período de 1989 a 2009. Este capítulo se ocupa da agenda federativa após a Constituição de 1988 cuja temática principal é a criação de impostos e contribuições não sujeitos à repartição com os estados e municípios, da análise da correlação entre a “centralização decisória nas arenas federais” e a limitação das “oportunidades institucionais de veto dos governos territoriais”. A conclusão da pesquisadora é exposta em um duplo aspecto. Primeiramente a “centralização regulatória combinada à ausência de arenas decisórias adicionais de veto” limita as oportunidades de veto dos governos subnacionais. Em segundo lugar, o comportamento das bancadas estaduais sem coesão em torno das questões estaduais, cedendo mais aos acordos partidários do que aos interesses regionais que representam (p. 112113).

No capítulo terceiro, a investigação se volta para uma análise comparada da relação entre federalismo e bicameralismo, como fundamentação argumentativa do estudo sobre o comportamento do Senado Federal brasileiro. Sobretudo estudando a tramitação de 28 emendas constitucionais, a autora constata que nossos senadores não se deixam afetar pelas pressões dos governadores, das elites econômicas ou da opinião pública dos estados ou regiões que representam. O poder de veto no Senado Federal, de fato, pertence aos partidos políticos e não aos interesses regionais. Unindo o caso brasileiro às teorias que embasam o relacionamento do federalismo ao bicameralismo, a pesquisadora assim se expressa em sua conclusão: “mesmo sob o bicameralismo simétrico em que a Câmara Alta constitua uma arena adicional de veto, o efeito inibidor de vocalização dos interesses regionais sobre a mudança institucional pode ser substancialmente reduzido se a segunda casa legislativa também for uma casa partidária, isto é, se a disciplina partidária prevalecer sobre a coesão da representação regional” (p. 141).

Se até aqui Arretche privilegiou a análise da centralização e o poder de veto das instâncias subnacionais, nos capítulos quarto e quinto seu foco será a descentralização e autonomia nas relações verticais da federação e a questão da igualdade regional.

O capítulo quarto examina as bases teóricas para a análise dos “mecanismos institucionais que permitem aos governos centrais obter a cooperação dos governos subnacionais para realizar políticas de interesse comum” (p. 27). A análise comparada permitiu minimizar uma correlação direta entre a criação destes mecanismos e a forma federalista ou unitária de organização do Estado. A distinção conceitual entre execução e autoridade decisória é mais útil do que a distinção entre estados federativos e unitários “para predizer os efeitos centrífugos da relação central-local, isto é, dos arranjos verticais dos estados nacionais” (p. 170). Isto significa, no caso brasileiro, que a “convergência em torno das regras federais é alavancada quando a) a Constituição obriga comportamentos dos governos subnacionais ou a União controla recursos fiscais e os emprega como instrumento de indução de escolhas dos governos subnacionais.” (…) “Neste sentido, efeitos centrífugos não são diretamente derivados da fórmula federativa, mas mediados pelo modo como execução local e instrumentos de regulação federal estão combinados em cada política particular” (p. 171).

O capítulo final enfrenta – inovando – a questão crucial do pseudo-confronto entre a proposta federalista e a igualdade territorial como forma de manter a unidade da União. Neste sentido, argumenta contra as interpretações de que a Constituição de 1988 criou instituições federativas comprometedoras da eficiência do Estado brasileiro, lembrando que não podem ser ignorados nem o papel das desigualdades regionais, nem as relações da União com os governos subnacionais sobre o seu funcionamento. A divisão entre unidades pobres e ricas é que está “na origem da escolha por um desenho de Estado que permita ‘manter a União’ e evitar os riscos associados à fórmula majoritária” (p. 175). Resgatando as discussões dos capítulos anteriores, Marta Arretche sintetiza: “Distinguir quem formula de quem executa permite inferir que, no caso brasileiro, embora os governos subnacionais tenham um papel importante (…) no gasto público e na provisão de serviços públicos, suas decisões de arrecadação tributária, alocação de gasto e execução de políticas públicas são largamente afetadas pela regulação federal”. Após debruçar-se sobre dados de um panorama das políticas nacionais de redução das desigualdades e seus efeitos sobre a desigualdade territorial de receita, das políticas nacionais de regulamentação e supervisão do gasto e seus efeitos, a autora afirma em sua conclusão: “A parte mais expressiva das transferências federais no Brasil tem sua origem no objetivo de reduzir desigualdades territoriais de capacidade de gasto. Essas foram (historicamente) um elemento central de construção do Estado brasileiro, similarmente a outras federações, em que a ideia de uma comunidade nacional única prevaleceu sobre as demandas por autonomia regional” (p. 201).

Como afirma a apresentadora, o livro traz “uma interpretação inovadora sobre o nosso sistema federativo”. É uma obra fundamental para os cientistas políticos e apoio à autoanálise dos políticos em seu comportamento. Sobretudo, porém, indicado para fortalecer análises de pesquisadores e profissionais da saúde e da educação, já que estes campos manifestam fundamental correlação entre os poderes central e locais.

Referências

ARRETCHE, Marta. Federalismo e democracia no Brasil: a visão da ciência política norteamericana. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 23-31, 2001. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/spp/v15n4/10369.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2014. [ Links ]

Francisco José da Silveira Lobo Neto – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz, Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: lobo@fiocruz.br

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Unidos perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro – VISCARDI (VH)

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Unidos perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro. Curitiba: CRV, 2017. 207 p. PINTO, Surama Conde Sá. Arquitetura do novo regime: O Federalismo brasileiro na Primeira República. Varia História. Belo Horizonte, v. 34, no. 65, Mai./ Ago. 2018.

Nas últimas décadas, a historiografia relativa à Primeira República tem sido enriquecida com diversas contribuições. A vitalidade dessa produção tem provocado importantes deslocamentos de interpretação, sobretudo no âmbito da política, permitindo melhor compreensão do federalismo brasileiro. Há três eixos de renovação. Um deles relaciona-se à revisão do papel das chamadas oligarquias dominantes – São Paulo e Minas Gerais. Foram questionadas as ideias de que a hegemonia dessas oligarquias sustentavase na preeminência da economia exportadora cafeeira e a de que a política do café com leite ditaria a orientação do governo federal. O segundo eixo destaca as dinâmicas específicas de diferentes unidades da federação e suas estratégias para ampliarem os seus espaços políticos no contexto de federalismo desigual, através de tentativas de estruturação de eixos alternativos de poder. O terceiro eixo enfatiza questões de representação, competição política, partidos e voto, desenhando um quadro mais complexo da política na Primeira República, diferente da caricatura de um sistema político marcado pela fraude, violência, clientelismo, ausência de direitos e eternização de oligarquias no poder (Ferreira; Pinto, 2017, p.429-437).

Cláudia Viscardi, professora titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), é figura presente nesse debate. Autora de textos sobre a história política e social da Primeira República, no livro O Teatro das Oligarquias, defendeu que a estabilidade do modelo político da Primeira República foi garantida pela ausência de alianças monolíticas permanentes, fato que impediu, a um só tempo, que a hegemonia de uns fosse perpetuada e a exclusão de outros fosse definitiva (Viscardi, 2001, p.22).

Unidos Perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro, seu novo livro, é mais uma contribuição da historiadora mineira que acrescenta novas perspectivas sobre o período. Trata-se de uma adaptação da tese elaborada para a cadeira de titular da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Voltado para especialistas e estudantes de graduação, nele Viscardi retoma o tema do federalismo oligárquico para estudar a montagem do regime republicano, no período entre a propaganda republicana e o governo Campos Sales. Sua análise privilegia o âmbito da macropolítica, priorizando atores políticos envolvidos nesse processo, interesses, identidades, pensamentos e atuação. A proposta apresentada articula a perspectiva que compreende o federalismo a partir da lógica de interesses dos estados-atores com a História Intelectual do Político.

O curioso título guarda relação direta com o tema tratado: a construção do projeto republicano na sua principal dimensão: o federalismo. Segundo a autora, esse projeto representava uma ruptura com o passado monárquico, caracterizado por um Estado centralizado em torno do Imperador, e preconizava a descentralização, a autonomia das antigas províncias, optando pelo conflito no lugar do consenso (Viscardi, 2017, p.22).

O conceito de cultura política (Berstein, 1992Cefai, 2001) é um dos principais referenciais de análise. Ao instrumentalizá-lo, Viscardi prioriza a dimensão do discurso, não enfatizando seus demais componentes, para compreender as mudanças ocorridas no país na virada do século XIX para o XX, quando, segundo a autora, teria se consolidado uma cultura política republicana.

Dividido em cinco capítulos, o livro aborda o movimento republicano em uma de suas dimensões (a dos manifestos da propaganda); a normatização constitucional do novo regime (através da análise comparativa das Constituições estaduais e federal); limites da participação política e da cidadania, tema explorado superficialmente pela autora com base em literatura bastante conhecida; as concepções políticas e a ação de Campos Sales, objeto de análise dos dois últimos capítulos, nos quais figura sua maior contribuição.

São três os principais argumentos defendidos pela autora. O primeiro é o de que a normatização do novo regime articulou os compromissos do movimento republicano com os valores compartilhados por seus autores, que incluíam a desvalorização do povo, uma democracia pouco inclusiva, o falseamento da representação, pela construção de um federalismo desigual, e uma cidadania limitada a poucos homens letrados. O segundo é o de que o federalismo brasileiro foi fundamentado em relação direta com os estados, viabilizando a representação dos interesses privados via intermediação dos chefes locais. O último é o de que a chamada política dos estados de Campos Sales limitou-se a resolver os problemas de sua gestão. Na fórmula adotada no período, que implicou em meios de conviver com as dissidências sem colocar em risco a governabilidade, foram menos importantes as reformas regimentais relativas à última fase de depuração das candidaturas ao Parlamento. Os instrumentos mais efetivos foram a redução dos atores políticos através do voto literário, as limitações impostas à monopolização do poder e o desenho de um mercado político com algum grau de competição (Viscardi, 2017, p.190-191).

Baseada em fontes variadas (manifestos republicanos, as Cartas estaduais e federal, o discurso de campanha eleitoral de Campos Sales e a autobiografia do ex-presidente) e em diferentes metodologias (a prosopografia – superficialmente realizada-, a análise de discursos políticos – amparada em instrumentais da vertente britânica da História dos Conceitos – e o método comparativo), os dados apresentados aproximam-se de muitas das análises de Hilda Sábato sobre a construção da cidadania em países hispano-americanos no século XIX (Sábato, 2001, p.1293, 1297).

A despeito da bibliografia utilizada, o livro apresenta ausências importantes (Holanda, 2009), sobretudo relativas ao movimento republicano, às Constituições estaduais (Ferreira, 19891994), à política no Distrito Federal e às eleições (Pinto, 2011Souza, 2013). Isso faz com que algumas afirmações feitas já tenham sido objeto de questionamentos, como a ideia de que o prefeito do Distrito Federal possuía poderes discricionários na política carioca (Pinto, 2011). A obra prescinde também de maior sistematização dos dados apresentados.

Da mesma forma, a História Intelectual do Político proposta poderia ter sido enriquecida com a incorporação dos léxicos empregados pela imprensa e por pensadores políticos, pois há evidente defasagem entre as definições de conceitos encontrados nos dicionários (fonte priorizada pela autora) e a dinâmica dos conceitos no embate político. Esses elementos, contudo, não comprometem a iniciativa.

No momento em a República brasileira está prestes a completar 130 anos, Unidos perderemos convida os leitores a repensar os primórdios do regime e a superar esquematismos de longa data difundidos em livros didáticos. Seu mérito é acrescentar novos itens na agenda de estudos sobre a Primeira República.

Referências

BERSTEIN, Serge. L’Historien et la culture politique. Vingtième Siècle. Revue d’Histoire, n. 35, juil/sep. 1992. [ Links ]

CEFAI, Daniel. Cultures Politiques. Paris: Presses Universitaires de France, 2001. [ Links ]

FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.). A República na Velha Província. Rio de Janeiro: Ed. Rio Fundo, 1989. [ Links ]

FERREIRA, Marieta de Moraes. Em Busca da Idade do Ouro: As elites políticas fluminenses na Primeira República. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994. [ Links ]

FERREIRA, Marieta de Moraes e PINTO, Surama Conde Sá. Estados e oligarquias na Primeira República: um balanço das principais tendências historiográficas. Revista Tempo, Niterói, vol. 23, n. 3, set./dez., 2017. [ Links ]

HOLANDA, Cristina Buarque de. Modos de Representação Política. O experimento da Primeira República. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2009. [ Links ]

SÁBATO, Hilda. On political citizenship in the Nineteenth-century Latin América. The American Historical Review, vol. 106, n. 4, oct., 2001. [ Links ]

SOUZA, Wlaumir Doniset de. Democracia Bandeirante: Distritos eleitorais e eleições no Império e na Primeira República. Jundiaí: Paco Editorial, 2013. [ Links ]

PINTO, Surama Conde Sá. Só para Iniciados: O jogo político na antiga Capital Federal. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Mauad X/ FAPERJ, 2011. [ Links ]

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias: Uma revisão da política do café com leite. Belo Horizonte: C/Arte, 2001. [ Links ]

Surama Conde Sá Pinto – Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Av. Governador Roberto Silveira, s/n. Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, 26.020-740, Brasil. suramaconde@uol.com.br

 

Federalismo e políticas públicas no Brasil – HOCHMAN; FARIA (HSC-M)

HOCHMAN, Gilberto; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012. Resenha de: LOTTA, Gabriela Spanghero. Federalismo e políticas públicas: abrangências e convergências temáticas desse campo de estudos no Brasil. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 22 n.3 Rio de Janeiro July/Sept. 2015.

Nos últimos anos, a área de políticas públicas no Brasil tem tido um grande crescimento, tanto em termos de cursos de formação (graduação e pós-graduação) como na produção científica (livros, artigos, congressos). Esse crescimento responde, em grande medida, à expansão da importância que o Estado tem ocupado na produção de políticas públicas pós-Constituição Federal de 1988. No entanto, como já aponta a literatura, até recentemente sabíamos muito pouco a respeito do Estado brasileiro – sua estrutura e funcionamento (Hochman, Arretche, Marques, 2007Souza, 2006). O desenvolvimento recente da literatura tem se aprimorado em apresentar e analisar a complexidade de elementos que constituem e estão relacionados ao Estado brasileiro, considerando suas particularidades em termos históricos, institucionais e de atores envolvidos, bem como suas relações com o sistema político e com a sociedade.

Um dos temas relevantes ressaltados pela literatura nestes últimos anos é o do federalismo, que tem apresentado como variável importante para explicar o funcionamento do Estado e a produção de políticas públicas, especialmente após as inovações que a Constituição Federal de 1988 propôs ao desenho federativo brasileiro.

Ao longo das últimas duas décadas, o federalismo se tornou um tema caro tanto aos cientistas políticos mais tradicionais – buscando compreender aspectos político-partidários – como para os analistas de políticas públicas – observando como as dinâmicas e resultados das politicas são condicionados pelo desenho e funcionamento do federalismo. Nos últimos anos, por exemplo, essa literatura já produziu autores consagrados e correntes analíticas em diversas discussões concernentes ao tema do federalismo, como, por exemplo, processos de centralização e descentralização, relações federativas, competências federativas, influência dos partidos nas dinâmicas federativas, entre outros.

Essa mesma literatura tem cada vez mais apontado a interferência do federalismo nas políticas públicas, observando como o desenho e a dinâmica específicas do federalismo brasileiro são relevantes para compreender os resultados dessas políticas. No entanto, embora a literatura reconheça a relação entre federalismo e políticas públicas, esse é um campo que ainda merece bastante aprofundamento, seja em termos de estudos setoriais, seja na análise de casos específicos ou na identificação de padrões processuais que se vêm constituindo no recente período pós-1988.

É na contribuição a esse campo que se situa a recente publicação de Federalismo e políticas públicas no Brasil (organizado por Gilberto Hochman e Carlos Aurélio Pimenta de Faria). O livro busca “divulgar estudos que têm o potencial de redirecionar as pesquisas na área, contribuir para o seu fortalecimento no campo de análise de políticas públicas no Brasil” (p.11). Os 12 trabalhos que o compõem foram selecionados, em parte, de artigos integrantes do Grupo de Trabalho de Políticas Públicas da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), coordenado pelos organizadores do livro entre 2007 e 2009, e, em parte, encomendados a reconhecidos especialistas na discussão de federalismo que, ou escreveram textos originais, ou revisaram e atualizaram artigos já publicados. E, como afirmam os organizadores na apresentação, “reunidos em livro, esses artigos ganharam novos sentidos e promovem inovadores e originais diálogos com a produção intelectual em políticas públicas” (p.11).

A obra é organizada em quatro partes, cada uma com três capítulos de diferentes autores e que guardam em comum, em grande medida, apenas os grandes temas abordados, visto que o recorte do objeto, a seleção de variáveis e metodologias variam internamente às partes.

A primeira delas busca compreender o processo de constituição e reforma do federalismo brasileiro. Nesse sentido, o federalismo se torna o objeto a ser explicado, compreendido por meio de análise comparativa das suas instituições (Rocha), por meio das regras que alteram a dinâmica do processo decisório (Arretche) ou por meio da produção de regras que alteram o próprio desenho do federalismo (Souza).

A segunda parte busca compreender as interfaces entre federalismo, competição eleitoral e políticas públicas. Para tanto, os artigos se valem de análise das regras do federalismo e do sistema político para compreender o desenho das políticas públicas (Borges), da análise do impacto das regras do federalismo e da dinâmica partidária e suas consequências para a dinâmica das políticas públicas (Ribeiro) e da análise do modo como as regras do federalismo, entre outras variáveis, impacta o processo de difusão de políticas públicas (Coelho).

A terceira parte é voltada para o tema da cooperação intergovernamental, buscando compreender como o desenho federativo brasileiro incentiva ou constrange ações de coordenação (Faria e Machado; Machado) e, por outro lado, como incentivos e punições podem e são estabelecidos para induzir mais coordenação e cooperação entre as partes (Sano e Abrucio; Machado).

A quarta e última parte analisa aspectos específicos de políticas setoriais, com ênfase em saúde, assistência social e educação. Os textos buscam analisar as relações entre políticas e federalismo, compreendidas como processos que se desenvolvem no tempo e no espaço (Hochman) e que são influenciadas por desenhos, mecanismos institucionais e comportamentos específicos que impactam a coordenação e descentralização (Costa e Palotti, Franzese e Abrucio).

Embora o federalismo seja o objeto comum que une todos os capítulos, o livro é marcado por uma grande diversidade – o que, por si só, já é uma das riquezas para os leitores que buscam adentrar o campo das discussões sobre federalismo. É, podemos dizer, quase um “mapa da mina” a respeito do que se tem produzido no Brasil sobre o tema nos últimos anos. Isso porque, como já se ressalta no objetivo acima apontado, o livro apresenta múltiplas perspectivas analíticas sobre o federalismo. Nesse sentido, além de conhecer múltiplas formas de se olhar para esse objeto, o leitor será apresentado a diferentes metodologias (qualitativas e quantitativas, e com técnicas variadas); diferentes enfoques analíticos (análise de instituições, análise histórica, análise de atores); distintos casos (análise de municípios, regiões metropolitanas, governos estaduais e federal, e análise comparada de diferentes governos federais); distintos setores (educação, saúde, assistência social, transferência de renda) e, especialmente, diferentes conclusões sobre a relação entre políticas públicas e federalismo.

Além disso, há diversidade inclusive na maneira como se busca analisar o federalismo: embora, na maioria dos capítulos, ele apareça como uma variável explicativa para os resultados ou dinâmicas das políticas públicas, em alguns textos o próprio federalismo é apresentado como a variável dependente, explicada por outros condicionantes históricos ou institucionais. Desse trabalho se conclui o quanto o desenho federativo brasileiro é único e diferenciado, ao contrário do que a literatura internacional sugeria como resultados esperados a partir de seu desenho.

Em seu conjunto, são basicamente três as questões que todos os capítulos buscam responder, embora com enfoques e graus distintos: (1) quais as características específicas do federalismo brasileiro – não apenas em termos de regras formais, mas também de atores que o compõem e dinâmicas que lhe dão vida; (2) que fatores explicam as origens e alterações desse desenho específico de federalismo brasileiro; (3) quais as consequências dessas características para as dinâmicas e os resultados das políticas públicas.

E é nas distintas formas de responder a essas questões que Federalismo… prima por apresentar ao leitor um profundo e variado panorama dos estudos sobre o tema no Brasil. Ao final do livro, o leitor poderá chegar a interessantes conclusões tanto a respeito do desenho e funcionamento do federalismo brasileiro como da literatura nacional – questões essas que sinalizam relevantes pontos para uma agenda futura de pesquisas.

Com relação ao federalismo brasileiro, o leitor terá como conclusão – e essa é uma das maiores contribuições do livro – que a compreensão dos resultados das políticas públicas prescinde de uma análise do desenho e da dinâmica do federalismo brasileiro (tanto elementos mais gerais como setoriais). A segunda grande conclusão é de que o oposto também é verdadeiro, ou seja, se não dá para entender os resultados das políticas sem olhar para o desenho federativo, também não dá para entender o desenho e o funcionamento do federalismo brasileiro sem compreender a natureza e a história das políticas públicas.

Nesse sentido, conclui-se, de forma geral, a partir do livro, que o “federalismo brasileiro” não é uma categoria estanque: ela se concretiza de diferentes formas, considerando-se as especificidades de cada setor, política ou momento histórico. E isso pode ser observado analisando-se as regras diversas, a história, a dinâmica dos atores e a dinâmica do sistema político eleitoral. Essas múltiplas possibilidades analíticas são, inclusive, parte importante das conclusões da obra.

Com relação às contribuições que o livro traz para a literatura, em primeiro lugar, ficará clara ao leitor a importância da construção de uma literatura nacional a respeito do federalismo, que analise suas características específicas e diferenciadas de outros modelos existentes no mundo. Como apontam alguns dos capítulos, embora a literatura internacional sobre o funcionamento dos sistemas federativos já tenha avançado em traçar comparações amplas e derivar as consequências das especificidades, há algumas características presentes no desenho e na dinâmica federativa brasileira que devem ser vistas cuidadosa e especificamente. Dessa conclusão se deriva uma agenda de pesquisas a ser ainda complementada no Brasil: a análise de mais setores, casos e enfoques específicos, que, em seu olhar de conjunto, permita à literatura nacional extrair retratos mais abrangentes e aprendizados gerais a respeito das especificidades brasileiras, em comparação a casos e à literatura internacional.

Em segundo lugar, o livro permite perceber que o campo de estudos sobre federalismo é amplo e vasto, mas ainda tem potencial para desenvolvimento de estudos originais. Isso porque, como se demonstra pela somatória de capítulos, as abordagens ainda são muito distintas entre si, permitindo que se explorem as interconexões entre elas e, ao mesmo tempo, especificidades de campos e setores que ainda foram pouco analisados pela literatura. Se, por um lado, alguns capítulos primam por realizar análises abrangentes e tirar conclusões mais gerais sobre o desenho e funcionamento do federalismo brasileiro, por outro lado, há capítulos que mostram que a análise das especificidades setoriais ou em relação a entes federativos é imprescindível para uma compreensão mais acurada do campo. Essa percepção é também mais uma contribuição à construção da agenda nacional de estudos do federalismo: o aprofundamento e complementação de estudos específicos e sua convergência em análises mais gerais.

Em terceiro lugar, percebe-se que há um potencial analítico ainda a ser aprofundado por estudos que analisem o federalismo numa perspectiva histórica mais ampla. Embora a Constituição Federal de 1988 seja um marco central para compreensão do desenho e funcionamento atual do federalismo, alguns dos trabalhos presentes no livro demonstram que a compreensão do momento atual só pode ser explicada olhando-se para períodos anteriores à Constituição. Trazer essa visão histórica mais abrangente é um ponto fundamental à literatura nacional, especialmente aos estudos ainda voltados para analisar casos específicos olhando apenas para o período pós-1988.

Em quarto lugar, fica evidente que a análise das instituições é um ponto fundamental para os avanços de estudos sobre o federalismo na literatura nacional. No entanto, como alguns dos capítulos demonstram, também é evidente a importância de integrar outros elementos e fatores à análise do federalismo – como fatores simbólicos, fatores político-eleitorais, análise de atores etc. – elementos que se tornam centrais para o aprimoramento da agenda nacional de estudos sobre o tema.

Como se pode perceber a partir da leitura do livro e de uma análise dos trabalhos sobre federalismo no Brasil, embora esse campo já tenha um importante e reconhecido acúmulo de estudos, há ainda um grande potencial a ser desenvolvido, fruto da própria complexidade do objeto analisado – o federalismo – e das múltiplas facetas nas quais ele se concretiza nas políticas públicas brasileiras. A diversidade contida no livro apenas reflete a diversidade analítica desse objeto e seu potencial para ser explorado nas mais diversas abrangências, perspectivas e metodologias. Assim, ao mesmo tempo em que o federalismo se apresenta como um profícuo objeto, com elementos ainda a explorar, tem sua importância reforçada, dada sua capacidade já reconhecida de interferir e explicar resultados de políticas públicas.

Referências

HOCHMAN, Gilberto, ARRETCHE, Marta; MARQUES, Eduardo (Org.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2007. [ Links ]

SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, n.16, p.20-45. jul.-dez. 2006. [ Links ]

Gabriela Spanghero Lotta – Professora, Bacharelado em Políticas Públicas, Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas/Universidade Federal do ABC. gabriela.lotta@ufabc.edu.br

Fundeb, federalismo e regime de colaboração – MARTINS (ES)

MARTINS, Paulo de Sena. Fundeb, federalismo e regime de colaboração. Campinas: Autores Associados, 2011. Resenha de: SILVA, Isabelle Ffiorelli. A “política de fundos” e os contornos federativos do estado brasileiro. Educação & Sociedade, Campinas, v.33 n.121 out./dez. 2012.

A pesquisa no campo das políticas educacionais, realizada por Paulo de Sena Martins em seu livro Fundeb, federalismo e regime de colaboração, traz uma análise acerca da adoção da “política de fundos” no país, tratando-a como inerente aos contornos do nosso Estado federado cooperativo. As características de nossa Federação e suas possibilidades de aperfeiçoamento são constantemente imbricadas com a formulação e implantação da “política de fundos”, cujas origens remontam ao período marcado pelo Movimento dos Pioneiros, mas somente adotada como política pública a partir dos anos de 1990.

O livro resulta da tese de doutoramento defendida em 2009 na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, cujo objetivo projetado e, a meu ver, alcançado foi compreender a capacidade dos fundos de assegurarem o regime de colaboração entre os entes federados e a busca pela equidade na distribuição dos recursos para os diferentes sistemas de ensino estaduais e municipais. Trata-se da análise de uma política pública, de seu processo decisório na formulação das leis regulamentadoras da principal política de financiamento da educação brasileira, a denominada “política de fundos”. Para isso, o autor utilizou textos teóricos, além do exame da legislação e de documentos técnicos, especialmente as notas taquigráficas das audiências públicas realizadas pelas comissões especiais e pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, que analisaram as Propostas de Emenda Constitucionais (PECs) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Na introdução são apresentadas as questões que irão permear toda a obra. Enfatiza-se o contexto de elaboração e negociação das leis e sua incidência na versão final aprovada, lançando mão de documentos técnicos para analisar o processo de tramitação das PECs do Fundef e do Fundeb, e tendo como tônica o mecanismo de fundo como possibilidade de fortalecer o Estado federativo cooperativo. Para tanto, são apresentadas as “falhas” detectadas no Fundef e as alternativas de aprimoramento no fundeb, tais como o cumprimento da regra de complementação da União e a necessidade de dar mais autonomia aos conselhos, a fim de aperfeiçoar a fiscalização e o controle social. Demonstra como o envolvimento da sociedade civil se deu de formas distintas na formulação da lei que regulamenta ambos os fundos, sendo que, no Fundef, a atuação crítica de entidades representativas da comunidade educacional foi muito mais no processo de execução do fundo por estarem relativamente desarticuladas no contexto de sua elaboração. Já na tramitação do Fundeb, tal comunidade obteve papel fundamental em vários momentos de embate, principalmente quanto à questão da inclusão das creches no novo fundo.

No primeiro capítulo, o autor inicia sua análise apresentando as tipologias de Estado federal e como a Federação brasileira se estruturou com base nas relações entre poder central e poderes estaduais e locais. Utiliza, para tanto, importantes autores da ciência política, do direito, da educação, da história e da economia. Considera que as regras distributivas de uma federação cooperativa devem estar em estreita relação com as regras distributivas do financiamento educacional; assim, as regras de redistribuição dos recursos destinados à educação no âmbito de cada estado, segundo as matrículas e as ponderações referentes às etapas, modalidades e tipos de estabelecimento, devem expressar um equilíbrio federativo, com efetivo regime de colaboração na repartição de competências concorrentes. Para ele, um Estado federado que se pretenda cooperativo deve buscar constantemente seu equilíbrio, no sentido da conciliação das autonomias locais com os interesses nacionais.

A Constituição brasileira é sempre mencionada pelo autor para afirmar o princípio do federalismo cooperativo, por meio da regulamentação e operacionalização de um regime de colaboração, também previsto na carta magna, entre os entes federados na implantação e manutenção das políticas públicas concorrentes. Não desconsidera que as ações dos envolvidos na gestão e financiamento das políticas públicas carecem de um processo de negociação permanente. Entretanto, a União tem papel importante de promover a equalização e a redistribuição, assumindo o papel de apoio técnico e financeiro aos entes subnacionais, visando corrigir as desigualdades de capacidade de gastos e de gestão das políticas públicas, em especial da educação. Aliás, toda política pública deve refletir o compromisso com o equilíbrio federativo! Nesse sentido, afirma categoricamente que a tradução do federalismo cooperativo nas políticas educacionais deve ser concretizada pela efetivação do regime de colaboração.

No segundo capítulo, o autor elenca os mecanismos de gestão intrínsecos ao federalismo o os analisa no âmago do Estado brasileiro, utilizando-se da legislação, sua constituição e reação na conflituosa arena política, e destacando seus reflexos no provimento do serviço público educacional. Mostra, desde o Ato Adicional de 1834 até a Constituição de 1988, o movimento de centralização e descentralização do poder político e suas repercussões na autonomia e equilíbrio federativos, ocorrendo tanto avanços como recuos a depender se o período político pendia para maior abertura política ou não. As garantias legais ao financiamento educacional foram propostas principalmente no contexto de promulgação da República Federativa, tais como a criação de uma taxa escolar, de impostos próprios provinciais, da vinculação de impostos, além de uma contribuição direta cobrada a cada família, embora ciente de que os instrumentos jurídicos foram (e ainda são) muitas vezes distorcidos ou ignorados.

O autor vai clarificando que, no bojo de uma gradativa evolução federativa, surgem os germens para os mecanismos de gestão e distribuição de recursos para a educação, por meio da adoção da vinculação de impostos (consagrada já nos anos de 1930) e da política de fundos (recuperada e regulamentada nos anos de 1990). Elucida-nos que, no primeiro meio, a discussão da inclusão sustentava a defesa dos “entusiastas pela educação” da obrigatoriedade do ensino para absorver as camadas sem acesso à educação; já no segundo meio, a questão da equidade orienta a luta pela democratização da educação, buscando a universalização de todas as etapas da educação básica e, ainda, das condições de sua qualidade. Nesse ínterim, surge a proposta de criação de um fundo escolar, sendo retomada em 1995 e reavivada pela tramitação da PEC que regulamenta o Fundef, redundando na aprovação da Lei n. 9.424, em 1996. Considerada como “minirreforma tributária” pelo formulador da proposta, Barjas Negri, Martins também reconhece seu potencial equitativo e o defende mediante seu aprimoramento pari passu com o pacto federativo. Assim, pondera que, apesar do contexto dos anos de 1990 estarem direcionados à gestão gerencial, os fundos contábeis surgem como estratégia política para alcançar a equidade, viabilizar a autonomia federativa, consolidar o controle social e aprimorar o regime de colaboração.

No terceiro e último capítulo da obra, o autor analisa o processo de tramitação das leis que regulamentam o Fundef e o Fundeb. Nos debates ocorridos no primeiro caso, as problemáticas que permearam os debates foram o gasto-aluno baseado no orçamento disponível, ao invés de orientado pela qualidade da educação, o risco de superlotação de salas e a prioridade do fundo para uma determinada etapa, em revanche com o conceito de equidade educacional. Já nos debates ocorridos no segundo caso, foram utilizados argumentos baseados nos efeitos previstos e/ou detectados do Fundef na educação infantil, na educação de jovens e adultos, no ensino médio e na secundarização da questão da valorização do magistério. Tais efeitos foram analisados em relação ao princípio da equidade, relação esta que denuncia a incapacidade do Fundef em interferir nas disparidades regionais e estaduais, sem a efetivação da complementação da União e a operacionalização do regime de colaboração. Nesse caso, “o fundo não suprime as diferenças, mas cria as condições para diminuí-las”, na medida em que absorve mecanismos capazes de superar a incomunicabilidade entre os fundos estaduais. Outro limite apontado referente ao funcionamento do Fundef consiste na definição anual do valor mínimo por aluno, que sempre foi desrespeitado e até mesmo congelado nos anos de 1998 e 1999, ilustrando a atuação coadjuvante do fundo no ajuste fiscal promovido naquele contexto de reforma do Estado.

Se tomarmos a ciência política como “óculos” de análise da política de fundos, tal obra se enquadra na análise da principal política pública para a gestão e financiamento da educação brasileira, mais especificamente na análise de seu processo de discussão, tomada de decisão e consequente formulação, mais do que a análise de seus efeitos produzidos durante e após sua implantação. Embora na obra encontremos pesquisas analisando os resultados e efeitos gerados pelo Fundef, após seus dez anos de funcionamento, principalmente no terceiro capítulo, a ênfase de esforços analíticos recai na avaliação do processo de formulação, tramitação e aprovação das leis que regulamentaram a política de fundos, explicitando seus avanços e retrocessos inerentes aos contornos do nosso Estado federado. Contudo, como possível coadjuvante no equilíbrio federativo, a política de fundos é defendida e aceita como política pública educacional, em constante aprimoramento inerente ao desenho do Estado democrático brasileiro.

Isabelle Fiorelli Silva – Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: isabellefiorelli@hotmail.com

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O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX / Miriam Dolhnikoff

Professora de História e Relações Internacionais da USP e pesquisadora do CEBRAP, Miriam Dolnikoff publica livro que contraria interpretações consagradas sobre a história política do Brasil imperial.

Inserida na questão maior da organização política do Brasil Imperial, a obra busca entender a longevidade da influência das elites no Brasil, investigando a maneira pela qual estas estiveram presentes no processo de construção do Estado brasileiro, de modo a contribuir na determinação de seu perfil.

Podemos melhor avaliar a pesquisa da autora e sua posição de embate frontal à historiografia estabelecida, por breve análise da idéia cristalizada da “história da construção do Estado brasileiro na primeira metade do XIX como a história da tensão entre unidade e autonomia”.

Sabemos que a interpretação do Período Regencial como a fase do jogo político entre centralização e descentralização de poder surgiu ainda no século XIX. A pesquisa de Augustin Wernet rastreou o início desta interpretação e o localiza na obra de H. G.

Handelmann, de 1860.1 Nesta visão assiste-se ao revezamento de homens no cenário político nacional, sem as profundas mudanças (revolução) das estruturas herdadas do período colonial, tendo a primeira metade das Regências sido caracterizada pelo avanço liberal (descentralização), e a segunda pelo regresso conservador (centralização). A historiografia a seguir vai articulando a descentralização às forças provinciais e à desordem, e o Regresso, ao retorno da ordem.

Por exemplo, Sérgio Buarque de Holanda considerou as forças provinciais, defensoras de um projeto federalista, expressão das forças localistas arcaicas, apegadas aos privilégios coloniais, enquanto a centralização seria o projeto que trazia no seu bojo a possibilidade de modernização, já que ela seria a condição de construir o Estado e a unidade nacional. A defesa dos interesses regionais se limitaria, deste ponto de vista, à tentativa de preservar a herança colonial. Para Buarque, o federalismo não passava de um lema para sustentar o estado das coisas vindas da vida colonial.

Outros autores como Maria Odila Dias e Ilmar de Mattos, também atribuem a vitória sobre as forças centrífugas herdadas do período colonial à capacidade da elite articulada em torno do aparato estatal do Rio de Janeiro de se impor a todo o território nacional. Para eles, o acordo pela unidade, pela centralização política e direção administrativa nas mãos do Rio de Janeiro, teria sido resultado do movimento conservador de 1840, conhecido como “Regresso”, indicando o abandono da experiência de descentralização da Regência.

Entre as interpretações mais consagradas está a de Jose Murilo de Carvalho, segundo a qual, a unidade sob um único governo, teria sido obra de uma elite da Corte, cuja perspectiva ideológica a diferenciava das elites provinciais, comprometidas com seus interesses materiais e locais. A vitória da primeira teria significado a submissão dos grupos provinciais, que ficavam desta forma, isolados em suas províncias. Essa vitória se materializou na imposição de um regime centralizado que neutralizava as demandas localistas das elites provinciais.

Discordando desses autores, e particularmente, de José Murilo, para Míriam Dolhnikoff, a unidade sob hegemonia do Rio de Janeiro foi possível não pela neutralização das elites provinciais e centralização, mas sim à implementação de um arranjo institucional por meio do qual as elites se acomodaram, ao contar com autonomia significativa para administrar suas províncias e, ao mesmo tempo, obter garantias de participação no governo central por meio dos seus representantes na Câmara dos Deputados. Através do parlamento, as elites nele representadas participavam não só do orçamento, mas também das questões relevantes para a definição dos rumos do país como a escravidão, a propriedade de terras e para organização do Estado, como a legislação eleitoral. (p.14) A autora discorda da idéia de que foi o retorno à centralização – “projeto vencedor” do Regresso- o responsável pela unidade do Império e pela definição do modelo de estabilidade deste; ou seja, para ela, o projeto federalista não morreu em 1824, nem em 1840, ele foi o vencedor, embora tenha feito, no bojo da negociação política, algumas concessões.

Dolnikoff entende que o “Regresso” foi uma revisão centralizadora que se restringiu ao aparelho judiciário, sem alterar pontos centrais do arranjo liberal, que tinham caráter descentralizador. (p.130) Ao invés de destacar a atuação da elite da Corte, a autora conclui que foi a participação das elites provinciais a propiciadora das condições para inserção de toda a América Lusitana no novo Estado, atuação decisiva, que inclusive marcou a dinâmica do Estado brasileiro.

Para a defesa desta posição, a autora recorta para pesquisa três unidades da federação: as províncias de Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. Examina o exercício da autonomia dos governos provinciais inclusive em fase posterior ao Regresso. Justifica sua seleção por serem essas províncias diversas entre si, nos aspectos regionais, nos distintos passados, e nas diferentes demandas e interesses. Busca demonstrar que os diferentes conflitos encontravam espaço de negociação dentro da organização institucional organizada.

Desse modo, as elites provinciais tiveram papel decisivo na construção do novo Estado e na definição da sua natureza. Participaram ativamente das decisões políticas, fosse na sua província, fosse no governo central. E, ao fazê-lo, constituíram-se como elites políticas.

O que a autora quer mostrar mais especificamente é que as elites provinciais (com raízes no período colonial, que defendiam a ordem escravista, a exclusão social e as franquias provinciais) estavam também atreladas ao projeto de construção do Estado nacional e não excluídas. Justamente porque conseguiram articular-se a um arranjo institucional consagrado nas reformas de 1830 e na revisão de 1840 é que a fragmentação da nação foi evitada.

O “preço pago” por esta unidade conseguida teria sido o fortalecimento dos grupos provinciais no interior do próprio aparato estatal, com o conseqüente estabelecimento das poderosas forças oligárquicas, que ao final do século XIX, reivindicaram mais autonomia.

A autora conclui que foi a participação destas elites no interior do Estado, com fortes vínculos com os interesses de sua região de origem e ao mesmo tempo comprometidas com uma determinada política nacional, pautada pela negociação destes interesses e pela manutenção da exclusão social, que marcou o século XIX e também o XX. (p. 285) Mesmo considerando o levantamento feito pela autora entre o número de medidas centralizadoras e descentralizadoras, concluindo pelo predomínio das segundas, ainda pensamos que o fundamental foi a direção e a finalidade da acomodação centro/províncias no momento considerado: – que foi justamente o sentido da centralização, da negociação em torno de “um sentido”, que garantisse a permanência da sociedade escravocrata e excludente.

Notas 1 Historiador alemão, H G Handelmann, Geschicht von Brasilien. Berlim: Springer, 1860, p. 935, conforme Augustin Wernet, Sociedades políticas (1831-1832). São Paulo: Cultrix, 1978, p 15.

Léa Maria Carrer Iamashita – Doutoranda em História Social-UnB.


DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005. Resenha de: IAMSHITA, Léa Maria Carrer. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.11, p.177-180, 2007. Acessar publicação original. [IF].