Universidade brasileira: reforma ou revolução? | Florestan Fernandes

Em 2020, foi reeditada uma obra clássica acerca das universidades no Brasil, escrita por Florestan Fernandes. Publicada pela primeira vez em 1975, ainda durante a ditadura, o livro Universidade brasileira: reforma ou revolução? reúne 10 ensaios do sociólogo paulista, escritos nos primeiros anos depois do golpe de 1964. Os textos são oriundos de palestras e participações em debates, realizados em 1968, discutindo os problemas e os embates em torno da Reforma Universitária. A única exceção é o texto “O problema da universidade”, que inicia o livro, originalmente publicado em 1965. Esta nova edição da obra, publicada pela editora Expressão Popular, conta também com uma apresentação escrita pelo professore Roberto Leher (UFRJ). Leia Mais

Autoritarismo contra a Universidade: o desafio de popularizar a defesa da educação pública | Roberto Leher

Roberto Leher é professor titular da Faculdade de Educação, foi reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro de 2015 a 2019 e é um importante pesquisador na área de educação e universidade brasileira. Historicamente, o professor também se encontra ao lado daqueles que lutam por uma educação pública de qualidade, tendo atuado como presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj-Ssind) de 1997 a 1999 e do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (AndesSN) de 2000 a 2002. O livro Autoritarismo contra a Universidade: o desafio de popularizar a defesa da educação pública foi publicado pela editora “Expressão Popular”, que é vinculada aos movimentos sociais e cumpre um importante papel na produção e popularização de obras comprometidas com as lutas sociais e com a compreensão da realidade brasileira. Leia Mais

Entre o impossível e o necessário: esperança e rebeldia nos trajetos de mulheres sem-terra no Ceará | Paula Godinho, Adeaide Gonçalves e Lourdes Vicente

Como mensurar o interesse e a utilidade de um livro? Não somente de um texto, de um relato ou de uma história, mas do todo que constitui o objeto? Um caminho certamente é pensar naquilo que tal encontro desperta nos sentidos e traz como potencial de transformação ou elaboração. No quanto está em sincronia com as questões do próprio tempo, mas vai além e, por vezes intuitivamente, destila o que permanece, oferece o que não se esvai. Ou mesmo se traz mais do que seria suposto, não apenas porque se renova a cada leitura, mas pelo intangível que não controla, nem prevê, mas no qual seu todo participa. Seja por que caminho for, essas são balizas que podem guiar a leitura de Entre o impossível e o necessário: esperança e rebeldia nos trajetos de mulheres sem-terra no Ceará, lançado pela editora Expressão Popular no denso e tenso ano de 2020.

Composto por estudos e relatos correlacionados, mas que mantém independência entre si, tem a qualidade de que cada parte é mais do que se propõe a ser. Isto é, não seria incorreto dizer que o livro se centra em 15 relatos vida de 16 mulheres sem terra do Estado do Ceará, Nordeste do Brasil, a partir de entrevistas realizadas pela antropóloga portuguesa Paula Godinho, autora da introdução e do epílogo. É também organizado pela historiadora brasileira Adelaide Gonçalves e a pedagoga Lourdes Vicente, ambas professoras e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que também assinam o estudo “Essencial é a travessia”, como em Guimarães Rosa, à guisa de prefácio. Mas, depois de lido, dizer isso torna-se insuficiente ou inexato. Leia Mais

A mulher na sociedade de classes: mito e realidade | Heleieth Saffioti

Na segunda metade do século passado, as mulheres passam a reivindicar seu lugar na História, no sentido de questionar as produções intelectuais que até então privilegiavam um homem universal e abstrato, que era sujeito e objeto de sua história. Esse homem representaria a noção de humanidade, o que muito foi questionado, visto que existem dentro das relações sociais diferenças entre os grupos de pessoas, ou seja, estratos sociais, camadas que identificam, separam e excluem as pessoas. Portanto, hoje é impensável falarmos em um homem que represente todas as diferenças de raça, classe e gênero.

Assim, nos anos sessenta do século XX, a mulher passou a ser percebida pela historiografia como um sujeito necessário na elaboração de sua própria história. Segundo Michelle Perrot (2007), uma das referências no campo de estudo da história das mulheres nos dias atuais, até a referida década as narrativas estavam centradas nos personagens participantes do espaço público e como a mulher tinha como seu ambiente “natural” apenas o lar, sua vida não importava para os historiadores tradicionais. Leia Mais

Movimento camponês, trabalho e educação – liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação humana – RIBEIRO (TES)

RIBEIRO, Marlene. Movimento camponês, trabalho e educação – liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação humana. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. 456 p. Resenha de: PREVITALI, Fabiane Santana. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.11, n.1,  jan./abr. 2013.

Importante obra escrita pela professora Marlene Ribeiro, resultado de seus estudos de pós-doutoramento realizados na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana em 2008, sob a supervisão do professor Gaudêncio Frigotto. Marlene Ribeiro é graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (1973), mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1987), doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995). Atualmente é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), na Faculdade de Educação, tendo já desenvolvido trabalhos ligados à docência e à pesquisa na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e na Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).

A obra Movimento camponês, trabalho e educação – liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação resulta não apenas de um denso esforço teórico, mas também da experiência política da autora como militante junto aos movimentos sociais populares por 19 anos. Essa combinação entre experiência prática e acuidade teórica permitiu à autora oferecer uma contribuição de inestimável importância sobre os movimentos sociais populares rurais/do campo e de seus projetos educacionais.

O livro está dividido em seis capítulos ao longo dos quais a autora analisa de maneira instigante a história e a organização dos movimentos sociais no Brasil, tendo como foco de discussão os movimentos sociais populares rurais/do campo, suas lutas e reivindicações, avanços e retrocessos enquanto sujeitos políticos coletivos de um projeto de educação fundado na liberdade, autonomia e na emancipação humana. Em suas pesquisas, a autora destaca as experiências pedagógicas realizadas pelas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Casas Familiares Rurais (CFRs), existentes em todo o país, os diferentes cursos oferecidos pela Fundação de Ensino e Pesquisa da Região Celeiro (Fundep) e pelo Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra), no Rio Grande do Sul, e pela Escola de Formação Florestan Fernandes, em Guaracena, no estado de São Paulo. Apesar de a discussão centrar-se nos movimentos sociais populares rurais/do campo no Brasil, desde o século XIX até os dias atuais, a autora lança luzes também sobre as experiências histórico-concretas do movimento camponês em países como o México, a Rússia, a França, a Inglaterra e a Alemanha.

No capítulo primeiro, cujo título é “Sujeitos sociais e educação popular”, a autora analisa os conceitos de movimentos sociais populares, educação rural/do campo e educação popular a fim de identificar os movimentos sociais enquanto sujeitos sociais históricos propositores de um projeto de educação que se contrapõe “ao modelo civilizatório de escola, imposto pela modernidade” (p. 28).

No capítulo segundo, “Movimento camponês é ou não sujeito histórico?”, a autora envereda para o exame crítico das noções de liberdade, autonomia e emancipação, as quais estão incorporadas às experiências pedagógicas dos movimentos sociais populares rurais/do campo. Aqui a autora destaca as contradições presentes na realidade rural, na qual há “situações distintas de trabalho e propriedade que explicam interesses e ideologias diferentes” (p. 75).

O terceiro capítulo, intitulado “Educação rural/do campo: contradições”, traz a discussão da educação rural no conjunto das políticas públicas educacionais e, em contrapartida, as ações dos movimentos sociais populares rurais/do campo no sentido de garantir uma educação como princípio de cidadania, mas, ao mesmo tempo, reivindicar uma educação que contemple os interesses desses trabalhadores. Cabe aqui explicitar o conceito de meio rural no qual se pauta a autora: “conjunto de regiões e territórios em que as populações desenvolvem atividades diferentes, tais como: a agricultura, o artesanato, as indústrias pequenas e médias, o comércio, os serviços, a pecuária, a pesca, a mineração, a extração de recursos naturais e o turismo, entre outros” (p. 74).

No capítulo quatro, “Liberdade, autonomia, emancipação: uma construção histórica”, a autora explora os conceitos de liberdade, autonomia e emancipação por meio da retomada dos acontecimentos histórico-sociais de onde eles emergem, bem como das correntes de pensamento que os explicam, explicitando assim as visões de mundo e os posicionamentos de classes. Nesse sentido, a autora esclarece que a escolha dos autores examinados no capítulo, de Locke a Stuart Mill, passando por Kant, Hegel e Tocqueville, Marx e Engels, não foi aleatória, mas “visou responder às experiências pedagógicas dos tempos/espaços alternados de trabalho e educação” (p. 200).

A questão da relação trabalho-educação é dissecada no quinto capítulo, sob o título “Trabalho-educação no movimento camponês: origens e contradições”. A autora debruça-se sobre as origens, francesa e italiana, da pedagogia da alternância para em seguida analisar sua apropriação e recriação nas EFAs, nas CFRs, nos cursos oferecidos pela Fundep e pelo Iterra, destacando o processo de formação dessas organizações, bem como o papel desempenhado pela Igreja e pelo Estado.

A idéia de alternância, esclarece a autora, “compreende uma formação em tempo pleno com uma escolarização parcial” (p. 335). Enquanto método, a pedagogia da alternância articula, em tese, teoria e prática, “na medida em que se alteram situações de aprendizagem escolar com situações de trabalho produtivo, exige uma formação específica dos professores que as licenciaturas de um modo geral não oferecem” (p. 292). Destaca-se, portanto, que a característica fundante desse método é o “trabalho como princípio educativo de uma formação humana integral, que articula dialeticamente o trabalho produtivo ao ensino formal” (p. 293). Nesse sentido, a pedagogia da alternância vem sendo apropriada pelos diferentes movimentos sociais populares vinculados ou não à luta pela terra e também por diversas organizações sindicais de trabalhadores, explicitando “as divergências relacionadas aos projetos sociais que sustentam as experiências pedagógicas enfocadas” (p. 329).

Como exemplo dessa divergência, a autora evidencia a alternância entre escola e empresa, “tendo essa o significado dos tempos/espaços alternados entre ensino na escola e trabalho de estágio na empresa, com remuneração, porém sem amparo em direitos sociais” (p. 334), explicitando a divergência de interesses entre capital e trabalho, especialmente em um contexto marcado pelo desemprego. Outro elemento de destaque na argumentação da autora refere-se à formação dos trabalhadores assentados, vinculados ao Movimento dos Sem Terra (MST), uma vez que se trata da formação para permanência no campo sem que haja a garantia de posse da terra. Nesse contexto, “apesar do esforço realizado pelos movimentos sociais populares, buscando uma educação voltada para os seus interesses, essa formação é inócua se os jovens não dispuserem de terra para desenvolverem um trabalho e organizarem uma família” (p. 338).

O sexto e último capítulo da obra, “Liberdade, autonomia, emancipação – EFAs, CFRs, Fundep e Iterra”, tem como objeto a problematização da compreensão dos conceitos de liberdade, autonomia e emancipação pelos movimentos sociais populares rurais/do campo, especialmente no âmbito das EFAs, CFRs, do Fundep e do Iterra. De acordo com a autora, prima-se assim por ressaltar as práticas desenvolvidas nessas organizações, seus avanços e limites no seio da ordem capitalista. Para a autora, as EFAs e as CFRs apresentam diferenciais conceituais e metodológicos em relação ao Fundep e ao Iterra, uma vez que são inspirados por teorias pedagógicas distintas. No entanto, apesar das diferenças e para além delas, as práticas pedagógicas estão, segundo a autora, fundadas na crítica da apropriação privada da produção de bens materiais e culturais presente na sociedade capitalista. Assim, “esboços de um projeto de educação integral1 integram o projeto social dos movimentos sociais populares, sinalizando para uma sociedade em que as classes populares possam exercer a liberdade, ter autonomia em seus processos organizativos e conquistar a emancipação verdadeiramente humana” (p. 418). Apesar das diferenças teórico-metodológicas, a autora destaca a presença de Paulo Freire nas experiências de tempos/espaços alternados de trabalho agrícola e educação escolar realizadas pelas EFAs, CFRs, do Fundep e do Iterra.

Portanto, tratando de temas relevantes de forma instigante, o livro da professora Marlene Ribeiro é um dos mais qualificados e densos estudos sobre a relação trabalho-educação nos movimentos sociais rurais/do campo no Brasil atualmente, resultado de uma pesquisa rigorosa e de sólida análise. A autora demonstra com particular competência a sua tese: como a educação popular construída pelos movimentos sociais populares, em particular o movimento camponês, assume, como processualidade, uma possibilidade emancipatória2, isto é, um projeto coletivo de transformação social, para além das concepções de liberdade e de autonomia presentes no seio da sociedade burguesa.

Pela atualidade e importância do tema, esse livro é uma leitura indispensável aos estudiosos e todos os demais interessados em não somente compreender o processo social em curso mas também transformá-lo.

Notas

1 Grifos da autora.
2 Grifos nossos.

Fabiane Santana Previtali – Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas Gerais, Brasil. E-mail: fabianesp@netsite.com.br

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[MLPDB]

Agentes econômicos e reestruturação urbana e regional – Tandil e Uberlândia – ELIAS; SPOSITO (HP)

ELIAS, Denise; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; SOARES, Beatriz Ribeiro (Org.). Agentes econômicos e reestruturação urbana e regional – Tandil e Uberlândia. São Paulo: Expressão Popular, 2010. Resenha de: RASTRELO e SILVA, Renata. A cidade em questão. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 25, n. 46, 21 jul. 2012.

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Nas margens da boiadeira: territorialidades, espacialidades, técnicas e produções no noroeste paulista | Humberto Perinelli Neto, Sedeval Nardoque, Vagner J. Moreira

O livro de organização de Sedeval Nardoque, Humberto Perinelli e Vagner Moreira é uma obra coletiva que envolve trajetórias individuais de pesquisa. É uma importante contribuição aos estudos da região Noroeste paulista em termos econômicos e sociais. Sua gênese está no ano de 2010, com trabalhos concedidos por pesquisadores da área de geografia.

A partir de pesquisas documentais, e fontes orais dos personagens que moldaram este espaço segundo experiências vividas na região Noroeste paulista, a obra apresenta aspectos sociais, antropológicos e históricos que configuram esta região, problematizando a vivência no campo nos termos que envolvem a dinâmica agromercantil da pecuária e a agricultura organizada entre os séculos XIX e XX. O foco principal é os espaços que se constituem as cidades de Jales e Fernandópolis conhecida como “grande Oeste”. Leia Mais

K. | Bernardo Kucinski

Uma ficção que preenche as lacunas que a História oficial recusa-se a contar e, ao mesmo tempo, rompe “a muralha de silêncio” (para usar as palavras do Bernardo Kucinski) que ainda está erguida ao redor deste trecho da História brasileira. O livro K. se esforça por re-contar a História da ditadura militar brasileira a partir da visão dos vencidos.

Na introdução, o escritor nos alerta: é um livro de ficção, embora quase tudo tenha realmente acontecido. Após 40 anos do desaparecimento de A. (é apenas a inicial que aparece no livro), a família conseguiu reconstruir um quebra-cabeça cheio de falhas sobre esta história ainda proibida. Sabe-se que ela foi presa pelo Estado, talvez torturada, morta e, seu corpo, foi desaparecido. O esforço de K. (o livro e o personagem) é recriar o “como”. A ficção que busca dar conta do que o real se nega a contar. Leia Mais