Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo / Patrícia F. I. Lemos

Trata a obra acerca da destinação dos resíduos sólidos e as res­pectivas responsabilidades pós-consumo.  A autora levanta o questionamento sobre o que fazer com os resíduos não aproveitáveis, gerados após o consumo. A per­gunta, aliada às questões atinentes à sustentabilidade, embora afeta às ciências da natureza, tem repercussões de imensa relevância para o es­tudioso do direito, principalmente no caso do Brasil que ainda está se desenvolvendo em uma política eficiente para a gestão dos resíduos só­lidos.

A obra faz ainda uma abordagem específica da responsabilidade civil em relação a geração dos mais diversos resíduos sólidos após o seu consumo e as questões que norteiam as políticas de sustentabilidade e da gestão de resíduos, tanto no âmbito federal quanto local.

Inicialmente no Capítulo I a autora utiliza o Código de Defesa do Consumidor como parâmetro para demonstrar que um dos objetos da Política Nacional das Relações de Consumo é o atendimento das necessi­dades dos consumidores e da melhoria da sua qualidade de vida, o qual, segundo ela, justificaria a satisfação das necessidades do ser humano como um ato social.  Ainda segundo a autora, na busca insaciável pelos desejos pessoais, sejam físicos ou culturais, o consumo acaba por apresentar reflexos que ultrapassam a pessoa do consumidor, uma vez que a elevação do consu­mo, por conseguinte, aumenta a produção dos resíduos, principalmente no meio urbano, no meio ambiente, na saúde pública e, em última análi­se, na própria qualidade de vida.

Partindo da premissa do elevado consumo e com o consequente aumento dos resíduos, a autora questiona quem vai responder pelos danos provocados por tais resíduos e quais os limites da responsabi­lização prevista na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), bem como no ciclo de vida dos produtos.

É aí que entra a questão da responsabilidade pós-consumo e a im­portância do consumidor na sociedade moderna, pois segundo a Consti­tuição Federal, em seu artigo 225, todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e o consumo desenfreado afetaria direta­mente esse pressuposto.

Nesse sentido a autora aborda a questão da entropia e padrões de consumo para justificar tamanho aumento, dividindo em entropia fi­siológica, resultante da interação do homem com o meio ambiente, e entropia patológica, relacionada com o atual estilo de vida de consumo excessivo, informando que esse seria um dos maiores problemas da atu­alidade.

A obra também trata dos princípios aplicáveis à tutela dos resídu­os, tais como a dignidade da pessoa humana, direito à vida, bem como dos essenciais à gestão dos resíduos sólidos, como o desenvolvimento sustentável, que é viabilizado pelo controle da produção e do consumo; informação e participação, que impõem o dever de preservação do meio ambiente ao Poder Público e à coletividade; poluidor-pagador; preven­ção, dentre outros.

No Capítulo II, a autora destaca os resíduos sólidos e suas classi­ficações, adentrando em algumas legislações atinentes à questão dos resíduos sólidos, falando da competência legislativa prevista na Cons­tituição Federal, em seu artigo 24, bem como fundamentado no mesmo artigo quanto à competência da União para instituir as normas gerais, estabelecendo uma estratégia e os princípios de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos.

A autora também trata dos resíduos como bens socioambientais que, por sua importância para as presentes e futuras gerações, acabam por gerar responsabilidade do proprietário ou do possuidor, tanto nas condutas comissivas quanto omissivas, diferentemente do que acontecia no direito romano, quando havia a perda da propriedade via abandono.

Há ainda a abordagem da visão objetivista dos resíduos, o qual a autora adota, na qual os resíduos são quaisquer substâncias que o de­tentor tem intenção de se desfazer, independentemente de que sua des­tinação seja a valorização ou a eliminação, trazendo à baila a questão da logística reversa, com previsão na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que viabilizaria o manejo dos resíduos sólidos e o retorno dos produtos pós-consumo.

Após, a autora faz a evolução legislativa de resíduos regulamenta­dos, informando que já atento às modificações do meio ambiente decor­rentes do descarte do denominado “lixo social”, o legislador, no ano de 1975, iniciou a criação de mecanismos para tentar impedir ou atenuar a poluição provocada por atividades industriais e materiais tóxicos sem destinação adequada após o consumo.

Corroborando a supracitada afirmação, houve diversas normas que fizeram as abordagens dos resíduos, já na tentativa de se precaver para o futuro, dentre as quais se destacam a Lei 7.802/79, que trata dos agrotóxicos, a Lei 6.803/80, que traça as diretrizes para o zoneamento industrial, a Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualida­de ambiental propícia à vida e as diversas Resoluções do CONAMA que até hoje servem de parâmetro legal.

No Capítulo III, que é o foco do livro, a autora adentra na questão da responsabilidade civil pós-consumo, desde as premissas teóricas, dentre os quais o nexo de causalidade, os respectivos danos e algumas espécies de responsabilidades.

Segundo a autora, a responsabilidade civil é fonte das obrigações de extrema relevância, estendendo seus efeitos sobre as relações obri­gacionais, sejam elas contratuais, decorrentes do descumprimento dos deveres relativos próprios das obrigações, ou extracontratuais, que de­correm da violação dos deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência que correspondem aos direitos absolutos.

A autora ainda destaca o nexo causal, desde o dano causado “cor­pore et corpori” à sua presunção, fixando ainda o nexo como elemento central da responsabilidade civil contemporânea, flexibilizados a servi­ço da prevenção e também como instrumento de proteção do indivíduo e seu meio.

Complementa ela que a ideia de uma responsabilidade preventiva não é nova, mas tem visto no desenvolvimento do nexo causal precioso fator de expansão, ao repousar as suas bases não mais em uma relação direta entre dano e agente, mas também na relação entre o dano e a po­tencialidade do agente de evitá-lo.

Tal função preventiva da responsabilidade civil, tão cara à proble­mática do pós-consumo, é, talvez, a mais representativa de uma flexi­bilização do nexo causal, em face da incapacidade da lógica natural de fornecer proteção a bens jurídicos tutelados por nosso ordenamento.

Por fim, a autora aponta o que chama de responsabilidade pós-con­sumo (do berço ao túmulo), destacando a importância dos gestores con­forme previsão expressa na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010).

Segundo ela, em matéria de pós-consumo, o ponto nodal é a res­ponsabilidade pelo ciclo de vida do produto: “do berço ao túmulo”. As­sim tal responsabilidade se dá na “série de etapas que envolvem o de­senvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final” (art. 3º, IV, PNRS).

A autora ainda expõe sobre a atuação do Poder Público que consi­dera fundamental na sistemática do pós-consumo, dividindo-a em com­petências legislativas, para elaboração de planos de resíduos sólidos nas esferas federal, estadual e municipal, estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, dentre outros; e material, com a utilização do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (SINIMA), de forma a viabilizar a correta destinação de resíduos e disposição de rejei­tos; monitoramento e fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária, dentre outros.

Há ainda a previsão de responsabilidade subsidiária do Poder Pú­blico, nos termos do artigo 29 da Lei n. 12.305/2010, de forma a mi­nimizar ou fazer cessar o dano quando tome conhecimento de evento relacionado ao gerenciamento de resíduos sólidos, lesivo ao meio am­biente ou à saúde pública, o qual a autora criticou o dispositivo legal, fundamentando que tal disposição enfraquece a sistemática da proteção integral e de responsabilidade compartilhada.

Por fim, a autora reitera a questão da logística reversa, que tem como fundamento a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, devendo ser entendida como um processo de planejamento, implementação e controle do fluxo efetivo e eficiente de matérias-pri­mas, do inventário em curso, bem como dos bens acabados e da infor­mação relacionada, desde o ponto de consumo até o de origem, tendo como propósito a recuperação de valor ou promoção até a sua disposi­ção final ambientalmente adequada.

Portanto, denota-se claramente pela obra e do atual momento em que todos vivem na sociedade contemporânea que com o crescimento das necessidades, básicas ou socialmente induzidas e a correspondente promoção do consumo geraram o aumento de resíduos, principalmente no meio urbano, com repercussões em toda a coletividade, com enfoque no meio ambiente e na saúde pública, o que afeta diretamente o padrão e qualidade de vida de todos.

A autora ressalta que se fazem necessárias atuações de caráter pre­ventivo, tais como educação ambiental, conscientização da população e a correta aplicação da questão envolvendo a responsabilidade civil para assegurar uma existência digna da sociedade como um todo, sempre respeitando a natureza e adotando padrões sustentáveis entre consumo e produção.

Assim, a responsabilidade pós-consumo está diretamente envolvi­da nas atividades econômicas, pois serve como instrumento de concilia­ção entre desenvolvimento e preservação ambiental e também não pode ser um empecilho para que não se possa promover o regular desenvol­vimento do país ou da localidade em que haja produção de resíduos só­lidos.

Conclui-se, portanto, que se faz necessária uma integração dos gestores de resíduos sólidos, nos termos estabelecidos na Lei n. 12.305/2010, para dar a adequada destinação ambiental dos mais di­versos resíduos existentes no pós-consumo, cada qual nos limites em que possa atuar, mas sempre cobrando e fiscalizando de todos e visando o futuro ambientalmente saudável.

Bruno César Andrade Costa – Mestrando em Desenvolvimento Regional da Amazônia (UFRR). Especialista em Direito Ambiental (FACINTER). Advogado na Seccional de Roraima (OAB/RR). Grad­uado em Direito (Faculdade Cathedral de Ensino Superior).

LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. Resenha de: COSTA, Bruno César Andrade. Responsabilidade civil pós-consumo. Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.8, n.3, 2015. Acessar publicação original. [IF]

Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi / José M. Carvalho

O livro Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, de José Murilo de Carvalho, é um clássico da historiografia brasileira no que se refere ao estudo da prática de cidadania entre o povo brasileiro no início da República. Utilizando-se de inúmeras fontes, que vão desde revistas e jornais da época a documentos oficiais, desde artigos e teses a livros conceituados, o autor constrói seu trabalho de maneira singular.

O trabalho é dividido em cinco capítulos, além da conclusão, notas, caderno de fotos e bibliografia no final. São ao todo 196 páginas muito bem utilizadas, e que vale a pena serem lidas.

Na introdução da obra o autor, como bom historiador que é, nos informa o recorte espaço-temporal de seu estudo: a cidade do Rio de Janeiro no período de transição do Império para a República até o governo de Rodrigues Alves. É também na introdução que ele lança o questionamento que buscará responder no decorrer do livro: por que o povo era considerado bestializado? Qual a razão de sua apatia política? Num primeiro momento, ao ler-se o título da obra, pensa-se até que o autor tratará da passividade do povo brasileiro, de sua inércia política. Mas seu objetivo é outro: é “tentar entender que povo era este, qual seu imaginário político e qual era sua prática política”.

O primeiro capítulo – O Rio de Janeiro e a República – traz uma descrição das mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais por que passou o Rio de Janeiro na transição entre os regimes monárquico e republicano, e as consequências delas advindas para a população. Também enfatiza o impacto do novo regime no que se refere à expectativa de maior participação política do povo. Mas tais esperanças foram logo traídas. O governo tratou de calar a população. Era preciso estabilidade política, a qual não seria possível se o negro, o pobre, o estrangeiro, o operário tivessem voz. A grande maioria da população foi excluída do processo eleitoral, mas o povo encontrou outros meios de inserção no sistema e participação política, embora não fossem nada formais. Este ponto será mais bem tratado nos capítulos seguintes.

No capítulo II – República e cidadanias – o autor trata das diversas concepções de cidadania nascidas no início da República. Vários setores da população foram despertados pela expectativa de expansão dos direitos políticos, como abordou Carvalho no capítulo anterior. Por sua vez, as diferentes ideologias e as próprias condições sociais dessa população diversificada, influenciaram a formação de múltiplos conceitos de cidadania.

Dentre essas concepções, Carvalho cita a dos conservadores ou o “setor vitorioso da elite civil”, que apoiavam o conceito liberal de cidadania (liberdade de pensamento, de reunião, de profissão, de propriedade etc.), mas ao mesmo tempo impedia a democratização com as inúmeras barreiras ao direito ao voto pela grande maioria da população. O autor destaca que houve até um retrocesso nos direitos políticos e sociais. A noção positivista de cidadania apoiava a ampliação dos direitos civis e sociais, mas não incluía os direitos políticos. O anarquismo repudiava qualquer tipo de autoridade e tinha aversão aos partidos políticos e eleições. A luta deveria ser direta, através de greves, boicotagem, manifestações públicas. Já os socialistas acreditavam na organização partidária, porém seus partidos não duraram muito.

Porém, como essas concepções eram muitas vezes abafadas pela elite governante, a reação dos excluídos foi a “estadania, ou seja, a participação, não através da organização dos interesses, mas a partir da máquina governamental, ou em contato direto com ela” (p. 65).

O terceiro capítulo – Cidadãos inativos: a abstenção eleitoral – é dividido em três momentos. Primeiramente, o autor apresenta testemunhos da época sobre o comportamento político brasileiro, que era visto por estrangeiros e até por propagandistas da República como apático e sem expressão. Entretanto Carvalho nos adverte a examinar tais testemunhos com cuidado e não tomá-los como retratos da realidade, pois como vimos no capítulo anterior, eram várias as concepções de cidadania. O autor critica as afirmações acima, considerando-as exageradas, uma vez que havia intensa participação popular desde a Independência, e com a República, as manifestações, as greves, as passeatas, os quebra-quebras se tornaram cada vez mais frequentes. Os testemunhos dos contemporâneos eram baseados em percepção europeizada do cidadão: bem-educado, militante organizado. Não encontraram este tipo no Rio, ou melhor, o cidadão carioca não se enquadrava nos conceitos que os observadores tinham em vista.

Na segunda parte do mesmo capítulo, o autor utiliza como referências censos da época para analisar a população fluminense, cuja composição, segundo seus estudos, é em grande parte de trabalhadores informais e de imigrantes. Carvalho aponta que tais características dificultavam a cidadania política no Rio. No primeiro caso, porque era difícil para esse setor popular (trabalhadores mal qualificados) compreenderem os mecanismos que regiam a sociedade. No segundo caso, porque a grande presença de estrangeiros também reduzia o envolvimento organizado na vida política da cidade.

Carvalho, no terceiro momento deste capítulo, busca compreender a participação do povo através dos canais oficiais, como o voto. O autor nos mostra que o eleitorado era bastante limitado. Apenas 20% da população do Rio podiam votar, e, dentre estes, poucos exerciam esse direito. O autor esclarece, que além da exclusão legal do processo eleitoral havia a auto-exclusão, cuja decisão era tomada por boa parte dos votantes, por saberem das fraudes eleitorais e do perigo de votar. Podemos entender isso como um meio de resistência a esse sistema corrupto.

Como a participação eleitoral era uma farsa e não lhe valia muita coisa, o povo buscou outras maneiras de se fazer ouvir. O capítulo IV – Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina – aborda exatamente essa questão. Primeiramente, o autor nos apresenta o contexto social do Rio antes da Revolta, tratando das obras públicas de reforma urbana e saneamento na cidade, como também da luta pela implantação da vacina obrigatória contra a varíola, liderada por Oswaldo Cruz. Vários setores da sociedade iniciam então a Revolta da Vacina, que é descrita pelo autor dia após dia. Tal revolta foi fragmentada, reflexo da sociedade também fragmentada da época, que não tinha a tradição de organização e luta como havia entre o operariado europeu, consequência também das características dos trabalhadores do Rio.

Porém, quando o povo entendia que o governo havia passado dos limites, seja no campo material (criação ou aumento dos impostos) ou no campo da moral (invasão de privacidade, desrespeito à honra da família, valores ameaçados), o povo reagia. A Revolta da Vacina foi um exemplo claro disso, “um movimento popular de êxito baseado na defesa do direito dos cidadãos de não serem arbitrariamente tratados pelo governo” (p. 139).

No capítulo V – Bestializados ou bilontras? – o autor procura explicar o comportamento político do Rio de Janeiro. De um lado, percebia-se um comportamento participativo na religião, na assistência mútua e nas grandes festas, em que a população parecia reconhecer-se como comunidade. Porém, de outro, havia a indiferença pela participação na política e ausência de visão do governo como responsabilidade coletiva.

Uma forte razão para isso, segundo o autor, era o peso das tradições escravista e colonial que viciaram a relação dos cidadãos e o governo. “O Estado aparece como algo a que se recorre, como algo necessário e útil, mas que permanece fora do controle, externo ao cidadão” (p. 146). Até porque a elite utilizou de vários mecanismos para alienar esse povo, para este permanecer quieto e passivo.

Porém, o autor nos mostra que essa atitude da população era também uma forma de resistência. A população logo descobriu que o novo regime não havia trazido avanços a liberdade e a participação. Então, “perante tal Estado, a cidade reagia seja pela oposição, seja pela apatia, seja pela composição” (p. 155). Os casos de apatia e oposição foram abordados nos capítulos III e IV. Os de composição referiam-se a exatamente a estadania, a aproximação do Estado, para reclamarem e conseguirem direitos que acreditavam serem da alçada do governo, como segurança, limpeza pública, transporte, arruamento. Todas eram maneiras de o povo atuar, reivindicar, reclamar, já que sabiam que não havia outros caminhos oficiais de participação. A República não era para valer. O discurso bonito do Estado não condizia com a realidade. Quem percebia isso não era bestializado. “Bestializado era quem levasse a política a sério, era o que se prestasse a manipulação (…) Quem apenas assistia, como fazia o povo o Rio por ocasião das grandes transformações realizadas a sua revelia, estava longe de ser bestializado. Era bilontra [gozador, espertalhão].” (p. 160).

Em sua conclusão o autor explica que como não aconteceu uma República real, ou seja, o governo nunca foi uma coisa pública, a cidade não teve cidadãos, nesse sentido. Estes se relacionavam com o Estado da maneira que conseguiam. Como a cidade foi impedida de ser República, foram formadas várias repúblicas, onde os cidadãos foram construindo a sua identidade coletiva.

Por tudo isso apresentado até aqui, vemos o trabalho excepcional do historiador José Murilo de Carvalho, sobre o povo brasileiro e sua prática política.

No decorrer da leitura nos surpreendemos com a sua análise, que se mostra muito bem estruturada. A maneira pela qual ele constrói seus argumentos, não nos deixa perdidos na leitura. Os capítulos são sempre construídos de forma a darem suporte ao seguinte, de modo que o leitor consegue acompanhar sua linha de raciocínio. Ao final do livro, o autor conclui retomando todas as ideias anteriores, e solidifica ainda mais a nossa compreensão.

José Murilo de Carvalho não se mostra apenas como um bom escritor, mas também como um exímio pesquisador. As dez páginas de citação de fontes e referências bibliográficas ao final do livro, já nos dá uma boa impressão do trabalho. Jornais, revistas, almanaques, documentos oficiais, livros científicos e literários, artigos e teses foram utilizados pelo autor para construir esse trabalho. Porém, não só pela quantidade, mas também pela qualidade e inteligência que ele apresenta no uso dessas fontes, podemos perceber a confiabilidade de sua obra.

Kellen Araújo Sousa – Graduanda do curso de Bacharelado e Licenciatura em História, pela Universidade Federal de Roraima.


CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Resenha de: SOUZA, Kellen Araújo. Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.6, n.1, 2013. Acessar publicação original. [IF]

Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil / Luiz A. S. Freitas

A transformação dos territórios federais a categoria de estados da federação, percorreu longa trajetória, uma vez que diferentes interesses econômicos, políticos e estratégicos de ocupação socio-espacial no Brasil explicam as forças horizontais e verticais de mudança para a revisão da organização político-administrativa do país nas regiões Norte e Centro Oeste, com destaque à faixa de fronteira.

Tomando como referência o século XX, como pano de fundo nesta discussão, o livro Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil, escrito como dissertação de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), pelo hoje doutor Luiz Aimberê Soares de Freitas, trata-se de um livro clássico em função do vanguardismo e interdisciplinaridade apresentados.

Não obstante a relevância de apresentar os debates conjunturais de curta duração sobre a formação dos territórios federais no governo do presidente Getúlio Vargas ou da transformação em estados, o livro traz um importante resgate sobre o desenvolvimento das políticas públicas como uma força profunda de longa duração desde o período da colonização portuguesa.

As políticas públicas surgem no Brasil colonial, como uma forma de equacionar problemas econômicos e sociais, segundo um padrão incremental, horizontal e descentralizado, o qual perdura até o primeiro quartil do século XX, quando passam a ser planejadas centralizadas verticalmente pelo governo federal até o período da redemocratização no Brasil, no último quartil do século XX.

De um lado, com a era do planejamento governamental no século XX, surgiram políticas verticalizadas pela União, as quais nortearam o desenvolvimento regional com base em três linhas de raciocínio: a) a ocupação espacial via territórios federais, b) o desenvolvimento, e, c) a integração do país.

De outro lado, com a redemocratização do país, no final do século XX, a dinâmica de planejamento perde seu motor de verticalização exclusiva, e, passa a ser desenvolvido, também, com o estímulo para o plano das horizontalidades, justamente, por meio de políticas públicas descentralizadas e pela conformação dos territórios federais em estados.

Fruto de uma audaciosa discussão, prefaciada pelo atual Vice Presidente da República, Michel Temer, a qual apresenta rigor e profundidade analítica em apenas 114 páginas, por meio de uma estrutura de 4 capítulos, o livro Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil, trata-se de um referencial clássico no estado de Roraima e em outros ex-territórios, recomendado para acadêmicos, pesquisadores e policymakers.

No primeiro capítulo, “Ocupação espacial, a República e os Territórios Federais, o autor descreve o processo de ocupação espacial do território brasileiro como acidental e precário ao longo do tempo, motivo pelo qual até o início do século XX, havia um padrão descentralizado de desenvolvimento das políticas públicas, mesmo após a experiência da independência com a Monarquia e a República.

Durante o período colonial, os territórios interioranos, mais precisamente, as atuais regiões da Amazônia e do Centro-Oeste foram áreas intencionalmente ocupadas por meio de Entradas e Bandeiras, a fim de se descobrir metais preciosos, haja vista que no litoral não foram descobertas riquezas minerais, o que repercutiu na implementação de uma exploração produtiva de Pau-Brasil e Cana de Açúcar no início.

Em 1534, Portugal aproveitou sua experiência colonizadora nas ilhas de Madeira e Açores pelo sistema cartorial de capitanias hereditárias, de maneira que o litoral se tornou policiado, esporadicamente, apenas para afastar invasores europeus que rondavam a costa brasileira e para distribuir degredados pela Santa Inquisição, transformados, futuramente, nos primeiros germes da vida municipal no Brasil nas chamadas Feitorias.

Destarte, no período colonial havia uma alta descentralização das políticas públicas, a qual era caracterizada pelo histórico coronelista das Feitorias, as quais tiveram, quase sempre, caráter militar, vigilância e combate a possíveis invasores, conservando em suas organizações os mesmos princípios: autocracia dos capitães-vigia, obediência irrestrita dos subordinados, determinação militar defensiva contra invasores além-mar e, cooptação e coerção de indígenas rebeldes que não aceitavam a submissão.

No segundo capítulo, Planejamento Nacional e os Territórios Federais”, o texto aborda o planejamento nacional e os territórios federais, partindo do pressuposto que 1939 é um marco no planejamento brasileiro, em a sua conformação verticalizada, já que até então, as políticas e planos governamentais tratavam apenas de dois assuntos: a) penetrar no interior do país para conhecê-lo e explorá-lo; e, b) integrar o litoral, sempre mais conhecido, ao interior misterioso e, portanto, mais propício ao desenvolvimento.

As regiões ricas do país não manifestavam interesse em conquistar, o interior e desprender-se da tradição de viver a beira-mar. Medidas foram adotadas para estimular a colonização, trazendo, para a região Amazônica e Centro-Oeste, nordestinos fugidos da seca para atuarem como “soldados da borracha” e na construção de Brasília e da Transamazônica.

As inúmeras tentativas por parte do governo federal em direcionar a migração para o interior, dessa vez para a Amazônia, foram bastante discutidas, motivo pelo qual a criação dos territórios federais, como fator de integração, teve como objetivo principal levar vida à solidão dessas regiões, atendendo, ao mesmo tempo, às exigências de ocupação da terra, de povoamento, de valorização e de segurança de pontos estratégicos.

No terceiro capítulo, “Território Federais no Contexto Amazônico”, há uma relevante observação sobre a ausência de políticas públicas específicas voltadas para os territórios federais recém-criados no período do governo Getúlio Vargas, demonstrando que eles, embora, fossem administrados diretamente pala união, com base em um governo forte, não foram beneficiados com diretrizes suficientemente capazes de lhes assegurar prioridade, como era de se esperar.

Movidos pelo paradigma técnico-burocrático-militar, os planejadores, embora desejassem, não avançaram em termos de políticas de desenvolvimento para a Amazônia, pois a região era vista apenas como área de segurança nacional e refúgio insustentável para migrantes de outras regiões. A modernização, fruto das rodovias, aeroportos e comunicação foram insuficientes para atender as necessidades sociais e o desenvolvimento regional.

Planos imediatistas foram instaurados nos territórios federais, novamente, sem sucesso, pois seus objetivos, curto-prazistas, de fomentar a auto-sustentação e a formação de um mercado nacional integrado, foram insuficientes na promoção do desenvolvimento regional, haja vista as especificidades trazidas pelos diferentes biomas e formações socio-históricas amazônica e do Centro-Oeste.

No quarto capítulo, o livro discorre sobre as condições para a transformação dos territórios federais em estados, com o advento da Constituição de 1988, por meio da análise comparativa do contexto apriorístico, com uma rarefeita agenda de políticas públicas voltadas para os territórios federais vis-à-vis ao contexto a posteriori, quando surge uma série de políticas verticalizadas, e, a própria abertura orçamentária para novas políticas descentralizadas, as quais viriam contribuir para a autonomia política dos novos estados.

No plano das verticalidades, observa-se que a agenda de políticas públicas, a qual não estava aberta na época dos territórios federais, se torna uma constante, com positivo desenvolvimento, a partir da consolidação dos novos estados, novos municípios e da respectiva consolidação de transferências orçamentárias da União, gerando uma economia regional dependente do contra-cheque.

No plano das horizontalidades, o aproveitamento de incentivos fiscais, alianças tecnoburocráticas com órgãos regionais de desenvolvimento e a troca de favores se tornaram responsáveis pelo processo desenvolvimentista centralizador de renda e depredador de recursos naturais, com aumento de conflitos fundiários e de falta de integração econômica.

Com a transformação dos territórios federais em estados, o livro corrobora para a compreensão de que se faz necessário o desenvolvimento de políticas públicas, cada vez mais horizontalizadas e voltadas para a peculiaridade de cada local, com a participação ativa de seus residentes, novas lideranças políticas, e com matrizes tecnológicas de sustentação ecológica e econômica, uma vez que vários reflexos negativos já se manifestam, sem necessariamente ter diminuído a dependência federal.

Conclui-se, diante da exposição sintética do livro, que os territórios federais foram implantados no Norte e Centro Oeste, do Brasil, como projetos de ocupação espacial, primeiramente, com o intuito de ocupar militarmente as regiões de fronteira, e, somente, tardiamente, no século XX, por meio de um sentimento integracionista e desenvolvimentista, o que cristaliza na recente história dos novos estados uma herança estrutural de dilemas diacrônicos que são ampliados com as novas questões sociais, políticas, econômicas e ambientais de curta duração.

Luciana Mara Araújo – Contadora, professora da Faculdade Estácio/Atual, pós-graduada lato sensu, com especialização em Fiscal e Tributária, e, pós-graduanda stricto sensu, no Mestrado em Sociedade e Fronteira da Universidade Federal de Roraima. Email para contato: [email protected].

Elói Martins Senhoras – Professor da Universidade Federal de Roraima em cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu.Economista e cientista político, especialista, mestre,doutore pos-doutorando em ciências jurídicas. E-mail para contato: [email protected].


FREITAS, Luiz Aimberê Soares de. Políticas Públicas e Administrativas de Territórios Federais do Brasil. 2ed. Brasil: Corprint Gráfica e Editora Ltda, 1997, 114 p. Resenha de: ARAÚJO, Luciana Mara; SENHORAS, Elói Martins. Examãpaku Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.5, n.2, 2012. Acessar publicação original. [IF]

Amazônia. O extrativismo vegetal no sul de Roraima / Maria das Graças S. D. Magalhães

A obra da professora Maria das Graças Santos Dias Magalhães enfoca o fenômeno do extrativismo vegetal em Roraima. Para isso, estuda, por meio da História, uma atividade produtiva de vulto para o desenvolvimento local desse estado. A prática econômica do extrativismo foi, de certa forma, obliterada na historiografia de Roraima e conseqüentemente esquecida nos estudos acadêmicos contemporâneos. Suprindo essa lacuna acadêmica, Magalhães retoma o tema em pauta refletindoo a partir de uma periodização. Ela adota como referenciais, para a periodização citada, dois momentos: a criação do Território Federal do Rio Branco e sua posterior transformação no estado de Roraima através da Constituição Federal. As fontes de pesquisas utilizadas foram colhidas por meio do recurso da história oral, dada a falta de documentação escrita sobre o assunto, bem como em documentos e relatórios oficiais. Outra perspectiva metodológica oportuna para a apreciação do estado foi o dialogo estipulado com a Geografia.

A partir desse dialogo e das fontes consultadas, a autora divide a obra em quatro partes, com a primeira tratando da Amazônia brasileira. Definise a Região como: “(…) espaço vivido, ou seja, o espaço das relações sociais mais imediatas e da identidade cultural; é ainda um objeto específico, com significação própria”. A definição engloba uma região ecologicamente famosa, na qual residem pessoas que nela trabalham e exercem atividades produtivas que modificam a natureza inicial. A ocupação humana na região e as conseqüências irremediáveis disso se dão a partir do século XVI com a chegada dos primeiros europeus. Desde então se começou a praticar o extrativismo vegetal em função das características do solo, do próprio isolamento geográfico da Amazônia e da falta de recursos por parte da Coroa Portuguesa. Mas esse esforço de ocupação, também conhecido como plantation, mostrouse pouco viável. O desenvolvimento viria mais tarde, com a descoberta das “drogas do sertão”. Elas possibilitaram o desenvolvimento da região através dos lucros gerados pela venda de especiarias, das quais três se destacam: o cacau (Theobrama cacao), a canela (Cynnamomum zeylanicum Ness) e o cravo (Dicypellium caryophylatum Ness).

Essas atividades promoveram expedições para a região e possibilitaram toda uma infra estrutura para escoar a produção. Contudo, só na administração do Marques de Pombal a região receberia atenção especial com uma serie de medidas que buscavam seu desenvolvimento. Apesar da distância temporal, os condicionamentos relativos a uma economia extrativista se refletem, igualmente, no ciclo da borracha.

Esse ciclo promoveu forte migração que, ao longo do tempo, gerou uma série de programas de colonização para a região; todos atrelados a tentativas de implantação de uma infraestrutura que, julgavase, possibilitaria desenvolvimento econômico sustentável. Este argumento, no caso de Roraima, revela um conjunto de mudanças para a sociedade em geral. São eles: surgimento de cidades nas margens do Rio Branco e, também, fazendas de criação de gado dependentes do ciclo da borracha. Esta, quando perde inserção no mercado internacional, faz com que a economia desenvolvida às margens do Rio Branco entre em declínio. Situação que se alteraria com a criação do Território Federal do Rio Branco durante o governo de Getulio Vargas. Temse, nesse período, uma política que se tornaria comum na região, qual seja, a política de assentamentos. Distribuíramse terras, principalmente, para os nordestinos com vista ao fortalecimento da produção local de alimentos e da ocupação humana do vasto território.

Por isso, Magalhães contempla a atividade do extrativismo vegetal em Roraima nos anos de 1943 a 1988, tendo por parâmetros a criação do Território Federal do Rio Branco e sua posterior transformação em estado. Discorre sobre diversos fatores, dentre os quais a construção das BRs 174 e 210, as diferentes formas de atividade econômicas e as conseqüências da prática extrativista para a organização das relações sociais na região. Como dito anteriormente, a autora recorre à Geografia para apresentar o cenário político e social oriundo das conseqüências da prática extrativista. Nesse sentido, abordase a mesorregião sul de Roraima, então formada por quatro municípios de Mucajaí, Caracaraí, São João da Baliza e São Luiz.

Esses municípios são tidos como os mais importantes para a análise porque possuem grande potencial madeireiro e grupos climáticos favoráveis, os quais provocam cobiça internacional fazendo com que governos brasileiros instituam aparato de controles para as suas fronteiras. Válido comentar que a Amazônia sempre foi alvo da cobiça de diversas nações forçando o Brasil a instituir aparatos de controle das suas fronteiras.

Além do que, a Amazônia possui longa experiência no extrativismo vegetal. Como já visto, no período colonial viveuse a economia baseada nas “drogas do sertão”. No século XIX deuse o primeiro Ciclo da Borracha, com produção gumífera que atendia as necessidades do mercado internacional e outro surto durante a Segunda Guerra Mundial.

Outro contexto analisado pela autora foi o do regime militar, mais precisamente na década de 1970. Nesse período, buscouse a implementação de projetos que visassem a integração da Amazônia ao território brasileiro, principalmente os relacionados às fronteiras políticas. Para tanto, iniciaram a construção de estradas em regiões afastadas e também em áreas de difícil acesso aos núcleos de colonização por meio do PIN e do INCRA.

Neste aspecto da integração nacional, o estado de Roraima esteve relativamente isolado até a abertura da estrada Manaus – Caracaraí (BR174) em 1977. Somado à política colonizadora disseminada pelo estado e a vinda de colonos de todos os cantos do Brasil e do mundo, carregados de seus conhecimentos técnicos, foi possível utilizar extensiva tecnologia em diversas áreas, por exemplo, a agropecuária. Tudo isso possibilitou a criação de uma organização espacial até então inexistente.

A autora oferece dados estatísticos sobre o tema em pauta, como os relacionados à Roraima. Neste caso, os produtos madeireiros respondem por mais de 80% da exportação do Estado. Magalhães menciona que o município de Mucajaí tem como principal item de seu parque industrial o ramo madeireiro, o qual atende a demanda de Roraima e do exterior. O mesmo argumento vale para o município de Caracaraí que tem na atividade madeira sua principal fonte de receita, incluindo, também, o município de São Luiz que tem uma indústria madeireira promissora considerando suas grandes reservas florestais. Entretanto o cenário para a extração da madeira não é perfeito. Existem restrições impostas pelas reservas indígenas e pela carência de técnica para a exploração sem desflorestamento. Este, um crescente problema porque cada vez mais a floresta amazônica é destruída. Entendese, dessa forma, a necessidade de buscar um equilíbrio entre a exploração e a preservação através de um desenvolvimento sustentável para a região.

Américo Alves de Lyra Júnior – Doutor em História pela Universidade de Brasília, UnB. Professor Adjunto da Universidade Federal de Roraima, UFRR, e Coordenador Científico do Núcleo Amazônico de Pesquisa em Relações Internacionais, NAPRI. Email: [email protected].

Francisco Carlos Carneiro da Silva – Acadêmico de Relações Internacionais da UFRR.

Rafael Chirone – Acadêmico de Relações Internacionais da UFRR.


MAGALHÃES, Maria das Graças Santos Dias. Amazônia. O extrativismo vegetal no sul de Roraima: 1943-1988. Boa Vista: Editora da UFRR, 2008. Resenha de: LYRA JÚNIOR, Américo Alves de; SILVA, Francisco Carlos Carneiro da; CHIRONE, Rafael Chirone.  Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.2, n.2, 2009. Acessar publicação original. [IF]

Defesa/ segurança internacional e Forças Armadas / Maria C. D’Arujo e Samuel A. Soares

A nova onda de estudos na área de segurança e defesa encontrase em uma franca expansão reflexiva no Brasil desde a formação da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e as discussões do I Encontro Nacional desta instituição composta por pesquisadores civis e militares que resultaram no livro “Defesa, Segurança Internacional e Forças Armadas”.

A riqueza analítica do livro é advinda da conjugação de distintos conhecimentos que potencializam a amplitude e a complexidade da agenda de estudos de Segurança e Defesa por meio de um debate que tem como fio condutor o resguardo de interesses comuns na interface entre a academia e os quartéis.

O livro é o reflexo de mudança conjuntural no Brasil, pois se fundamenta na reaproximação institucional da academia e dos quartéis por meio da ABED uma vez que o período posterior ao fim do regime militar explicitou um nítido distanciamento das pesquisas universitárias em relação às temáticas relacionadas às Forças Armadas.

A apresentação das principais linhas de pesquisa desenvolvidas no país é explicitada ao longo deste livro através de textos teóricos e empíricos que estão compilados em cinco macroseções sobre a temática de segurança e defesa no Brasil e no mundo.

A primeira seção intitulada “Estratégia e Defesa” traz um conjunto de discussões de análise sistêmica e regional que faz referência à importância das estratégias formuladas pelo Estado para manutenção e garantia de seus objetivos na área de segurança e defesa.

Em um momento inicial é trazida ao debate uma discussão teórica sobre a relação existente entre as políticas de defesa e os recursos que os Estados empregam para legitimar a política de defesa findando compreender como o jogo de forças maximiza ou minimiza o teor de insegurança no sistema internacional.

Em um segundo momento existe um afunilamento na discussão que coloca a América do Sul e o Brasil como palcos empíricos de explicação da agenda de formulação e operacionalização das políticas de segurança e defesa.

De um lado, a agenda de segurança e defesa no Cone Sul é discutida por meio de um resgate histórico dos marcos estruturais de transformação da agenda de policymaking em segurança e defesa em função de determinantes internos e externos aos países da região que determinaram um reposicionamento das políticas de defesa a um segundo plano.

De outro lado, a Política de Defesa Nacional (PDN) do Brasil é tomada como referência para explicar porque existem duas vertentes de conceituação estratégica que se articulam funcionalmente. Enquanto a vertente preventiva possui um caráter de polidez, utilizando a diplomacia como principal instrumento de resolução de conflitos e em último caso o uso da força; a vertente reativa defende que caso ocorra agressão ao estado brasileiro todos os tipos de recursos nacionais serão empregados contra o Estado agressor.

A segunda seção nomeada de “Perspectivas históricas” é composta por cinco artigos que retratam a construção da imagem das Forças Armadas a partir dos discursos realizados pelos entes que consolidam a instituição militar segundo um viés analítico que aproxima a sociedade com as premissas militares estabelecidas, demonstrando que pode existir uma significativa junção de identidade da historicidade militar com as perspectivas sóciopolíticas.

Embora haja a junção de diferentes temáticas históricas que partem tanto de uma perspectiva nacional quanto internacional e não têm uma ligação direta entre si, esta seção tem centralidade em especial porque resgata as influências da doutrina francesa sobre os militares brasileiros e a preeminência estrutural das autoridades civis na área de defesa nos Estados Unidos, tomando como referência específica o período de 1961168, bem como traz à tona a história militar brasileira por meio do estudo das forças brasileiras terrestre e naval, da discussão da defesa nacional no parlamento (18911921) e da análise do papel dos militares na visita dos reis da Bélgica ao Brasil (1920).

A seção três tem como discussão os “estudos de gênero” que passam a ser valorizados em função do contexto de significativas mudanças no cenário internacional após o fim da Guerra Fria, quando novos temas até então atenuados pelo sistema bipolar explodem e passam a ser estudados dentro da ótica de segurança.

As mudanças de ordem que tanto refletiram nas estruturas do sistema internacional quanto nas políticas internas dos países são apreendidas nesta seção por meio de três artigos que trazem exemplos vivos de temáticas de gênero, como no texto de Helena Carreiras que fala sobre a inserção das mulheres nas forças armadas portuguesas e nos paper de Emília Emi Takahashi e Cristiane Aparecida Baquim que discutem a história das mulheres na força aérea brasileira.

A quarta seção denominada “Missões e Recrutamento” levanta questões de exímia centralidade como as discussões sobre missões de paz, a utilização de soldados mercenários em conflitos e como são as decisões de intervenção dentro da agenda internacional, em especial na agenda da ONU sobre “imposição de paz”.

Em função de muitas missões de paz não terem um resultado positivo, conforme constatado na seção, o foco dos capítulos esteve centrado nas deficiências e nas generalidades negativas com o objetivo de se apreender insights para aumentar a eficácia das mesmas.

Destacase o estudo sobre a utilização de soldados mercenários em contenciosos como uma espécie de comercialização do poder coercitivo uma vez que este tipo de estratagema em prol da estabilidade da paz ou seguridade de princípios básicos levou a arquitetura de grupos equipados a venderem sua força associada a instrumentos belicosos para defender a parte contratante, Estado ou organização não estatal.

Na última seção do livro, “Formação”, são resgatados em dois capítulos os métodos que as escolas de formação militar utilizam para construção do seu aluno e como esse processo de capacitação está relacionado com as peculiaridades impregnadas no concerne das cadeiras militares. Ademais, a nível teórico a seção mostra o choque existente entre as doutrinas e a realidade, bem como as novas formas de proteção e formação militar no Estado brasileiro, tomando como referência noções de segurança e geopolítica.

Por meio de suas cinco seções, o livro apresenta significante contribuição na utilização estratégica de abordagens clássicas e inovativas para retratar os novos temas dentro da agenda de defesa e segurança principalmente porque traz em seu bojo as formas plurais de pensar que valorizam a coletânea.

Com a conformação das partes e da importância dos assuntos retratados concluise que o livro “Defesa, Segurança Internacional e Forças Armadas” é uma referência básica para um amplo público tanto de civis como militares que tenham interesse em aprofundar seus conhecimentos em estudos estratégicos uma vez que ele traz subsídios adequados sob um recorte plural para apreender a complexa área de segurança e defesa.

Jeniffer Natalie Silva dos Anjos e Luis Gustavo Batista Risse – Bacharelandos do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima (UFRR). E-mails: [email protected] e [email protected].

Elói Martins Senhoras – Professor do Departamento de Relações Internacionais (DRI) e do Núcleo Amazônico de Pesquisa em Relações Internacionais (NAPRI) da Universidade Federal de Roraima (UFRR). E-mail: [email protected]. Outros artigos do autor estão disponíveis em http://works.bepress.com/eloi.  


D´ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Samuel Alves; MATHIAS, Suzeley. Kalil. (Orgs). Defesa, segurança internacional e Forças Armadas. Campinas: Mercado de Letras, 2008, 328p. Resenha de: SILVA DOS ANJOS, Jeniffer Natalie; RISSE, Luis Gustavo Batista; SENHORAS, Elói Martins. Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais, Roraima, v.2, n.2, 2009. Acessar publicação original. [IF]

Examãpaku | UFRR | 2008-2015

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Examãpaku – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, História e Relações Internacionais (Boa Vista, 2008-2015).

Editora da Universidade Federal de Roraima

Periodicidade quadrimestral.

Acesso livre

ISSN 1983-9065

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