Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso – MOERBECK (Topoi)

MOERBECK, Guilherme. Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso. Curitiba: Prismas, 2017. Resenha de: SILVA, Uiran Gebara. Conflito social, política e culto na Atenas de Eurípedes. Topoi v.20 n.41 Rio de Janeiro May/Aug. 2019.

O livro Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso é um importante trabalho sobre a relação da tragédia com a dimensão política e religiosa da sociedade ateniense do V a.C. Há no Brasil uma grande quantidade de estudos dedicados à poética da tragédia, mas poucos voltados para a investigação histórica por meio das tragédias, não sendo incomum que muitos dos estudantes só possam recorrer ao clássico conjunto de estudos sobre essa intersecção de Jean Pierre Venant e Pierre Vidal-Naquet.1 O autor do livro, Guilherme Moerbeck, já tem um conjunto respeitável de estudos que lida com a intersecção entre política e tragédia na Grécia Antiga. Esse conjunto de investigações se expressa em vários artigos e no livro Guerra, política e tragédia na Atenas Clássica.2 Enquanto no trabalho anterior o propósito foi perseguir a hipótese de que a relação entre política, guerra e a tragédia seria mais bem compreendida por meio da noção de “gerações”, nesta nova obra há um estudo mais interessado em Eurípedes, que põe no centro de suas preocupações a hipótese de que a dinâmica da participação política em Atenas no século V a.C. pode ser entendida como a configuração de um campo político, noção tomada de Pierre Bourdieu.

Para desenvolver essa ideia, na primeira parte do livro Moerbeck articula de maneira bastante competente uma série de questões teóricas. No primeiro capítulo, “Poder simbólico e habitus: aproximações teóricas para a análise das tragédias nas Grandes Dioni síacas”, o autor apresenta e delimita o emprego que faz da teoria dos campos (pensando a distribuição de bens simbólicos, distinções sociais e poder simbólico) e da noção de habitus (produção e reprodução e práticas no interior dos campos), ambas de Bourdieu. Seu ponto de partida é o teatro ateniense como uma prática engastada ou incrustada (seguindo a terminologia de Moses Finley), isto é, uma prática social integrada em outras práticas sociais. Como o teatro está incrustrado tanto na política quanto na religião, no segundo capítulo, “Espaço, ritual e performance na cidade das Grandes Dionisíacas”, o autor busca, por um lado, compreender a dimensão ritual do teatro em sua espacialidade na cidade de Atenas na sua relação com o festival das Grandes Dionisíacas, e, por outro, apreender as conexões com o desenvolvimento das práticas políticas atenienses entre a sua constituição democrática e sua vocação imperial. Isso resulta em intuições significativas no que diz respeito à hipótese da formação de um campo político (e talvez até mesmo de um campo artístico, associado) na Atenas do século V a.C. e ao papel do conflito social como elemento constitutivo da formação desse campo. A contraparte dessa perspectiva atenta à existência integrada das práticas sociais está nas dificuldades oferecidas pelas práticas religiosas na Antiguidade para com as interpretações modernas. O instrumental intelectual desencantado da modernidade3 tem muita dificuldade em compreender adequadamente o lugar do conflito dentro das práticas religiosas (em geral pensadas como homogeneizantes), em lidar com o grau de integração da religião com outras práticas sociais, e em pensar a força do religioso em relação ao político.

Na segunda parte do livro, Moerbeck analisa de modo sistemático duas tragédias de Eurípedes, As suplicantes e As fenícias. Aqui, ao se observar a relação do teatro ora com o campo político, ora com as práticas religiosas (um campo? O autor não o articula nesses termos), aquelas dificuldades se fazem presentes. No terceiro capítulo, “Política, posição social e guerra em As suplicantes de Eurípedes”, o autor demonstra como a recriação de Eurípedes do episódio mítico em que Teseu interfere no ciclo tebano se articula com temáticas políticas e religiosas prementes para a Atenas do V a.C. Do ponto de vista das relações da tragédia com a política, a interferência remete ao próprio debate ateniense sobre a guerra contra a Liga do Peloponeso, ainda em sua primeira fase. Aqui Moerbeck dá destaque aos significados da representação dramática do caráter democrático do governo de Teseu, com especial destaque para a configuração de um discurso de oposição à tirania e para a elaboração da voz do camponês como o representante do bom senso do conjunto dos cidadãos. Já ao observar a relação da tragédia com as práticas religiosas, a análise de Moerbeck adentra o território dos costumes enraizados em um passado distante, o pressuposto religioso por trás do tabu desrespeitado por Creonte ao não permitir o sepultamento devido dos invasores mortos no conflito entre Etéocles e Polinices. Há um conflito de contornos religiosos servindo de motivação para a ação de Atenas em Tebas, uma vez que o estatuto de Atenas e seu rei como responsáveis por zelar por esse costume na Ática é um dos elementos que entram no debate na assembleia presente na tragédia

Já no quarto capítulo, “Ambição, poder e política em As fenícias”, a tragédia que é analisada tem como conteúdo mítico episódios cronologicamente anteriores, mas foi composta posteriormente a As suplicantes. Aqui, Moerbeck reflete sobre como o conflito aristocrático entre Polinices e Etéocles, nela representado, também pode ser articulado com temáticas políticas e religiosas associadas a uma fase tardia da Guerra do Peloponeso. Por um lado, o das conexões com as temáticas políticas, o debate sobre a rotatividade de governantes e a invasão de Tebas por estrangeiros é remetido aos conflitos entre os legisladores e estrategos atenienses da última década do século V, com um papel de destaque para Alcebíades. Essa operação ilumina a dimensão sofística e demagógica dos discursos de Etéocles em favor da tirania na tragédia. Por outro, no que diz respeito às relações da tragédia com as práticas religiosas, o contexto de guerra e o imperialismo ateniense colocam em relevo os vários juramentos quebrados em As fenícias, que Moerbeck remete à problemática da recente destruição de Melos pelos atenienses e a justificativa do poder pelo poder.

Ao abordar nesses dois últimos capítulos a articulação entre esses três conjuntos de práticas sociais, Moerbeck se preocupa em não reduzir uma coisa à outra, buscando integrar da melhor maneira possível tanto as posições de Julian Gallego4 quanto as de Christiane Sorvinou-Inwood.5 O resultado da sua investigação não é transformar a tragédia em metáfora da política, nem reduzi-la a uma forma racionalizada de rituais dionisíacos, mas mostrar como essa tríplice articulação permite ver a formação do campo político em Atenas. E, por isso, o conflito social tem um papel muito importante na sua economia argumentativa. É, porém, exatamente essa centralidade do conflito social que nos reenvia às previamente mencionadas dificuldades da interpretação moderna no que tange às práticas religiosas.

Quando se trata de analisar o conflito social em termos políticos, as ciências humanas têm um instrumental teórico bastante apurado. A História, em particular, uma vez que a observação do conflito social sempre está associada às temáticas da permanência e da transformação de uma sociedade. Na investigação de Guilherme Moerbeck o conflito social com contornos políticos é, sem nenhuma surpresa, definido de várias maneiras em relação às cidades, à polis: há conflito dentro das cidades, fora das cidades, entre cidades. Nesse sentido, na análise de Moerbeck das relações entre o teatro e o campo político em formação, adentra-se numa esfera de observações que a hermenêutica moderna tende a ver como mais dinâmico no que diz respeito à observação dos conflitos sociais. Enquanto o autor busca resguardar a autonomia relativa da prática dramática, há também um esforço de interpretação da relação e do desvelamento das conexões com o conflito. Há uma dificuldade de fundo que se apresenta a interpretações desse tipo, que é o estatuto do mito recriado em cada tragédia específica, de modo que a investigação pode resultar em leituras redutoras que tratam o mito como metáfora ou alegoria do conflito social, da história. A solução de Moerbeck é pensar a própria historicidade da produção do mito (recusando tacitamente visões unitaristas do mito), preocupando-se em incluir na sua análise a diversidade de interpretações concorrentes e as reescritas do mito. Isto é feito por meio da análise tanto intra quanto extradiscursiva das duas tragédias de Eurípedes, principalmente no que diz respeito à observação dos contextos de encenação e as ambiguidades do conceito de performance (e suas implicações em termos de reprodução e criação do mito e das próprias tragédias). Assim, o conflito não é encontrado na metáfora, mas no contrapelo do texto.

A relação do teatro com as práticas religiosas cria dificuldades diferentes, pois, como já dissemos, aquela hermenêutica moderna configura o religioso como um campo mais estático: os ritos são primariamente pensados como tradição e permanência (uma derivação teórica persistente da atenção durkheimiana para com a coesão social). Aqui o risco é a redução do teatro à alegoria moral do costume tradicional, agora como rito que encena o costume. Nesse contexto interpretativo, a associação das tragédias de Eurípedes com uma moralidade pan-helênica pode levar a uma visão a-histórica dessa moralidade, ou tornar certas passagens incompreensíveis, como é o caso da nossa dificuldade em decifrar o sentido do ritual que leva ao sacrifício de Meneceu. A solução de Moerbeck é novamente pensar a produção histórica dos fenômenos, isto é, historicizar o rito.6 O tratamento dado pelo autor à dimensão espacial da produção e reprodução das relações sociais das Grandes Dionisíacas na Atenas do século V a.C. tem como resultado explicitar a interpenetração do político, do econômico e do religioso nos festivais. Outro importante resultado é que aquela moralidade pan-helênica com a qual as tragédias dialogam é vista como algo que é criado, transformado, que se consolida ou se enfraquece, isto é, em termos propriamente históricos. As tragédias de Eurípedes se revelam como um território de observação da contestação constante que se ofereceu a essa moralidade no contexto da Guerra do Peloponeso.

O lugar do religioso em meio às guerras contra os persas e à Guerra do Peloponeso remete necessariamente às regras de comportamento entre as cidades gregas nesse contexto belicoso. Do mesmo modo, a efetividade dessas regras conecta-se à efetividade da dimensão religiosa que lhes dá suporte. A análise de Moerbeck demonstra que tanto as tragédias de Eurípedes quanto a narrativa histórica tucidideana (como no caso de Mitilene e Melos) denunciam a falha sistemática em se cumprir tais regras. E, nesse sentido, uma das poucas lacunas que se pode apontar ao trabalho de Moerbeck é a de não ter explorado mais o quanto sua abordagem de historicizar essa moralidade permite colocar em questão a homogeneidade da identidade pan-helênica, uma homogeneidade que até pouco tempo era tida como consolidada nesse momento da história das cidades da Grécia. Ainda assim, seu estudo é um excelente ponto de partida para os futuros pesquisadores interessados em desenvolver essa linha de investigação.

1 VERNANT, Jean-Pierre, & VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005.

2 MOERBECK, GuilhermeGuerra, política e tragédia na Atenas Clássica. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.

3Cf. PIERUCCI, Antônio FlávioO desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2013.

4 GALEGO, Julian. La democracia em tiempos de tragédia: asamblea ateniense y subjetividad política. Buenos Aires: Miño y Davila, 2005.

5 SOURVINOU-INWOOD. ChristianeTragedy and Athenian religion. Lanham, MD: Lexington Books, 2003.

6Para uma colocação precisa destes problemas, cf. VERSNELL, H. S.Inconsistencies in Greek and roman Religion 2. Transition and Reversal in Myth & Ritual. Leiden: Brill, 1994.

Referências

GALEGO, Julian. La democracia em tiempos de tragédia: asamblea ateniense y subjetividad política. Buenos Aires: Miño y Davila, 2005. [ Links ]

MOERBECK, Guilherme. Guerra, política e tragédia na Atenas Clássica. Jundiaí: Paco Editorial, 2014. [ Links ]

MOERBECK, Guilherme. Entre a religião e a política: Eurípedes e a Guerra do Peloponeso. Curitiba: Prismas, 2017. [ Links ]

PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2013. [ Links ]

SOURVINOU-INWOOD. Christiane. Tragedy and Athenian religion. Lanham, MD: Lexington Books, 2003. [ Links ]

VERNANT, Jean-Pierre, & VIDALNAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 2005. [ Links ]

VERSNELL, H. S. Inconsistencies in Greek and roman Religion 2. Transition and Reversal in Myth & Ritual. Leiden: Brill, 1994. [ Links ]

Uiran Gebara da Silva – Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco/Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em História, Recife/PE – Brasil. E-mail: uirangs@hotmail.com.

Cautivas Troyanas. El mundo femenino fragmentado en las tragedias de Eurípides – RODRÍGUEZ (RA)

RODRÍGUEZ, Cidre E. Cautivas Troyanas. El mundo femenino fragmentado en las tragedias de Eurípides. Córdoba: Ediciones El copista, 2010. Resenha de: MARISCAL, Lucia Romero. Revista Archai, Brasília, n.17, p.221-230, maio, 2016.

En el ya bastante poblado panorama de los estudios sobre Eurípides, Cautivas Troyanas de Rodríguez cidre (RC en lo sucesivo) constituye una aportación valiosa a la investigación que sigue la línea de seleccionar en el corpus del tragediógrafo una serie de piezas según criterios temáticos, dramatúrgicos o cronológicos (por citar los más recurridos). De este modo se consigue destacar la diversidad de los tratamientos trágicos de los aspectos en cuestión, al tiempo que se indagan las continuidades que eventualmente permiten hablar de la singularidad de Eurípides en el contexto del género, la literatura o la cultura de su tiempo. En su monografía, RC ha seguido un criterio temático- -dramatúrgico para constituir su elenco entorno a la figura de las mujeres troyanas que en la tragedia que podemos todavía leer (y hasta ver representada) son siempre cautivas. Nos quedamos, pues, con Andrómaca, Hécuba y Troyanas, para atender a la manera euripidea de poner en escena mujeres en el trance de la esclavitud, un trance considerado en tres dimensiones diferentes de la textualidad dramática, que dan relieve trágico a las mujeres de la que fue Troya sobre el fon- do de su condición femenina, tal como la vieron los (hombres) griegos: el léxico del lecho, la imagen del animal y la acción del lamento.

RC dedica sendos capítulos a cada una de las perspectivas señaladas, a los que hace preceder de una introducción en la que la autora aborda el ‘estado de la cuestión’ de uno de los temas sobre los que la bibliografía es abrumamdoramente extensa, como es el de la mujer en la antigüedad clásica griega y su representación en el medio teatral trágico. RC procede con rigor en la selección de los estudios que considera relevantes de una corriente histórico -crítica difícil de resumir y de hacer converger. En este primer apartado introductorio la autora expone igualmente su líneas metodológicas básicas, que conciernen a la documentación y asesoramiento de los estudios de historia antigua como referente cultural de autor y público, a los que se aplica un procedimiento filológico -literario de escrupuloso seguimiento y comentario léxico.

El primer capítulo está dedicado a “Los lechos en Andrómaca, Hécuba  y Troyanas ”. En él se aportan datos cuantitativos –número de apariciones de los términos que designan denotativa, connotativa o tropológicamente al lechocon datos cualitativos de inconmensurable valor: en qué contextos, bajo qué focalizaciones dramáticas, y con qué valencias mito- lógicas, simbólicas y de realia  tanto en el imaginario poético de la obra como en el universo cultural com- partido por público y autor. Así, para el caso de la obra Andrómaca, la autora explora los conceptos de ‘esposa legítima’, ‘concubina’ o ‘esclava de lecho’ en la obra y en algunos textos no literarios de la época, particularmente en relación con la ciudad de Atenas. Al mismo tiempo, se exploran otros términos capitales en esta tragedia, como el del hijo no legítimo o bastardo (nóthos) o el de la complicada relación de authéntes. El lecho, tantas veces invocado en la obra bajo múltiples advocaciones, resume el problema de la fertilidad y de la infertilidad femenina que condicionan la identidad misma de la mujer (ápais y paidopoiós) en el mundo antiguo. Andrómaca  converge en torno al problema del lecho compartido, de la vigilancia masculina so- bre la mujer, y del carácter relacional de esta última en función del lecho al que queda unida o del que es separada. El lecho es fuente de confrontación entre mujeres y también entre mujeres y varones cuando la guerra o la falta de prudencia o virtud alteran el ideal del lecho único, legítimo y fértil. Únicamente los dioses, en este caso Tetis, pueden hacer valer el privilegio de la unión consagrada por un lecho divino, aun cuando la tradición mítica de la diosa la hiciera en principio reluctante a la unión en el lecho con un mortal como Peleo.

Todas las referencias al lecho en Hécuba están, en cambio, teñidas de una sombra de muerte, por lo que el apartado dedicado a esta tragedia se subtitula, con razón, “los tálamos de Hades”. La autora va más allá del topos que en la tragedia relaciona el sacrificio de don- cellas con unas bodas en el Hades. como señala R.C., incluso las referencias al lecho que unen a casandra como mujer botín con Agamenón están al servicio del personaje cuya muerte capitaliza la primera parte de la obra, i.e. Políxena, a la que inútilmente intenta salvar su desesperada madre. En la segunda parte, Po- lidoro y los hijos de Poliméstor acaparan una escena llena de cadáveres. El único personaje masculino que hace referencia al lecho en esta pieza es, precisamen- te, Poliméstor y para él el lecho es un mobiliario del interior de la tienda en la que Hécuba lo acoge a él y a sus hijos con una familiaridad doméstica que se va a transmutar en una grotesca y horrenda trampa mortal. Los lechos de las troyanas del coro de esta tragedia también guardan una penosa relación con la muerte, en este caso la muerte de sus esposos en la toma de la ciudad que ellas rememoran con dolor. El destino que les aguarda es, como el de casandra, el de compañeras de lecho tomadas por la lanza enemiga. La yuxtaposición entre los lechos felices y legítimos del pasado y los lechos enemigos y esclavos del presente acentúa el horror y la compasión por las troyanas.

Precisamente en Troy ana s esa confrontación entre el esplendor y la felicidad de los lechos del pasado y la miseria de los lechos esclavos del futuro inminente es una de las imágenes más recurrentes por parte de los personajes femeninos de esta obra, especialmente Hécuba y el coro. La autora subraya que, excepto Atenea, la diosa virgen, todos los personajes, tanto femeninos como masculinos, mortales e inmortales, mencionan en más de una ocasión el lecho con marcadas acepcio- nes sexuales. El trauma de las troyanas es su condición de mujeres -botín y así lo asumen también personajes masculinos como Poseidón y Taltibio. Únicamente casandra hace mención al lecho en un desconcertan- te sentido matrimonial o nupcial, que estará teñido, a su vez, de muerte, como episodio final de una guerra cuya victoria la joven atribuye a los troyanos.

El segundo capítulo versa sobre los procesos de animalización en Andrómaca, Hécuba y Troyanas. La metáfora animal es empleada tanto por las cautivas troyanas como por otros personajes en referencia a las cautivas y contrastan, dentro de cada obra, con las imágenes animales aplicadas a los otros personajes del drama. Así, en Andrómaca, por ejemplo, la protagonista es agresiva a la hora de calificar a su antagonista Hermíone como equidna, animal más peligroso aún que las sierpes. A ella y a su padre Menelao, que la hostigan a salir del templo en el que se ha refugiado, los tilda la protagonista de buitres. En cambio, una imaginería animal doméstica y frágil es la que designa a Andrómaca y Moloso, conducidos por sus enemigos como víctimas sacrificiales, como oveja y cordero. Por supuesto, el topos del polluelo o pichón que es arran- cado del regazo de su madre encuentra su desarrollo en el tratamiento del desamparo infantil en esta obra. sin embargo, también la desarbolada Hermíone es ob- jeto de asimilación con un ave, a la que ella misma se compara en su desesperado intento de huir de la apurada situación en la que se encuentra. La joven es designada en los términos imagísticos que traducen en el imaginario poético antiguo el estatuto de la parthenos como potrilla que ha de ser domada en el matri- monio, aunque en su caso sus progenitores sean devaluados por su comportamiento en la guerra de Troya y ella misma, infértil, sea asimilada una novilla estéril.

La cautiva troyana que acumula un mayor número de asimilaciones animales en la primera parte de Hécuba  es Políxena, a quien su madre, las troyanas del coro, ella misma e incluso el heraldo Taltibio designan como cervatilla, potrilla, pájaro, cachorra, ruiseñor y novilla. En la mayoría de estas imágenes predominan las connotaciones de la caza y el sacrificio, al que, de hecho, la joven será entregada en lugar de una víctima sacrificial animal. Las metáforas, cargadas de resonan- cias épicas, líricas y trágicas, desarrollan asociaciones y emociones en personajes y público que contrastan con el discurso libérrimo que el poeta pone en labios de la joven y con el comportamiento ejemplar de la misma narrado por el heraldo. En uno y otro caso la asombrosa humanidad de la joven subraya la diferencia respecto a la analogía con el mundo animal. con todo, el tropo animal sirve para destacar el pathos del sacrificio de la víctima, cuyo carácter inmaduro es puesto de relieve en la comparación, que posee, ade- más, connotaciones sexuales a través de la asimilación tópica del sacrificio con el rito matrimonial.

En Troyanas  las metáforas del mundo animal se aplican tanto a vencedores como a vencidos para su- brayar la fragilidad de estos así como la agresividad de aquellos. Hécuba se asimila a sí misma con un zángano, animal inútil, tara como esclava anciana e infértil, que ha perdido su condición regia. En cambio, su nuevo amo, odiseo, es calificado por ella como ‘bestia mordedora’ de lengua bífida debido a su habilidad oratoria mordaz y a su reptar sinuoso y adaptaticio. Las imágenes del polluelo y las aves vuelven a incre- mentar el pathos de la indefensión de un niño, Astia- nacte, y de una Troya que resuena con lamentos que- jumbrosos. Pero es, sobre todo, la imagen animal del yugo la que con más frecuencia aparece en esta obra donde el yugo de la esclavitud y de la unión sexual como mujeres -botín afecta en mayor grado a las cau- tivas troyanas. La autora señala que la imaginería del yugo al que se es uncido como animal domesticado aparece cuatro veces en Andrómaca, dos en Hécuba y hasta en ocho ocasiones en Troyanas, que tematiza, como ninguna otra, el trauma de la pérdida de la ciu- dad y, por lo tanto, de la libertad y de los lazos fami- liares legítimos, especialmente los que tienen relación con el lecho. Estas mujeres, como desarrolla sobre todo Andrómaca muy elocuentemente, serán uncidas al yugo de la esclavitud sexual como mujeres tomadas por la lanza.

La imaginería animal alcanza su efecto trágico más atroz cuando la víctima animal sacrificial es sustituida por una víctima humana. son las mujeres, particularmente las doncellas, quienes suelen protagonizar estas escenas en las que la víctima degollada no es una ternera o un buey, como se esperaría, sino una joven cuya sangre es asimilada tanto a la sangre de las víctimas del sacrificio religioso propiciatorio como a la de la pérdida de la virginidad en la consumación del matrimo- nio. La autora desentraña el complejo de asociaciones y valores simbólicos que en el imaginario antiguo y en la cultura científico -médica de la época ostenta especialmente el cuello femenino, abertura que comunica con la vagina en la representación del cuerpo de la mujer en la antigüedad. En “la negra sangre de las degolladas”, R-C analiza el vocabulario que tanto en Andrómaca  como en Hécuba  y Troyanas  remite a la degollación de víctimas humanas, como los frustra- dos intentos de muerte sobre Andrómaca y Moloso en la primera; el sacrificio de Políxena y la muerte de los hijos de Poliméstor en la segunda, y las muertes de Príamo, Políxena y Astianacte en la tercera. si bien es el sacrificio de Políxena en Hécuba el que recibe un tratamiento poético más extenso, en todas estas trage- dias queda subrayado el carácter impío del sacrificio en el que, en el lugar de un animal, es una persona quien es herida mortalmente y cuya sangre se derrama.

El capítulo segundo concluye con el análisis de la imaginería poética que presenta a la mujer bajo el espectro de lo monstruoso, la forma más extrema de representación de la triple alteridad de las cautivas tro- yanas como mujeres, enemigas y esclavas no griegas. En Andrómaca, de hecho, la estrategia dialéctica de Menelao frente a Peleo es subrayar la alteridad de la protagonista, cuyos rasgos bárbaros y hostiles, como oriunda de un pueblo enemigo vencido al alto precio de la guerra, prácticamente la asimilan a las sirenas con las que ya habían sido identificadas otras mujeres en la obra. Pero la exégesis más original y persuasiva de este último apartado se encuentra en el análisis de la segunda parte de Hécuba, donde la metamorfosis de la protagonista en una perra de piedra relaciona al personaje con la monstruosa Escila. Esta interpretación no es excluyente de las ya propuestas y conocidas acerca del valor simbólico de la perra como imagen de maternidad feroz y como Erinia vengadora. Los argumentos mitológicos, literarios y metateatrales que aporta la autora hacen plausible la equivalencia entre Hécuba y las troyanas que la ayudan a ejecutar su ven- ganza con Escila como peligro y señal de navegantes. En Troyanas, casandra se presenta a sí misma como una de las tres Erinias mientras que Helena es incre- pada y referida por el resto de personajes (femeninos y masculinos) como hija de deidades destructivas y como un ser devastador. La belleza deletérea de He- lena la asimila sutilmente a figuras de lo monstruoso como Gorgonas, sirenas y Harpías. Estas analogías indirectas enriquecen el sentido del texto con todas sus implicaciones ideológicas.

El tercer y último capítulo versa sobre el duelo y su tratamiento en las tres tragedias seleccionadas. En Andrómaca todo intento de duelo termina por ser interrumpido: no solamente el que la protagonista renueva al principio de la obra, sino también el que la desesperada Hermíone intenta llevar a cabo sobre sí misma y, sobre todo, el que el anciano Peleo, a falta de otro familiar femenino, ejecuta sobre el cadáver de su nieto Neoptólemo. Gestos y palabras son ana- lizados con detalle en esta obra en la que la falta de hijos es el tema preponderante que relaciona a estos personajes tan distintos entre sí. Algo parecido sucede en Hécuba, si bien aquí los cadáveres se acumulan sin poder ser llorados ni enterrados con propiedad. Un difuso lamento permanente recorre una obra en la que se confunden los papeles de quien llora y quien ha de ser llorado. En cambio, en Troyanas el treno es constante de principio a fin y es, con mucho, la obra en la que se acumula un mayor registro léxico referi- do al duelo. con todo, tampoco en esta obra el duelo de las cautivas se lleva a cabo en la forma habitual o esperada. Debido a su situación de mujeres privadas de una ciudad que vemos arder ante nuestros ojos y de una comunidad que ha sido aniquilada, las cautivas troyanas no logran sino una imitación distorsionada de unos ritos que tratan en vano de llevar a cabo. El duelo por Astianacte y por la ciudad son los que al- canzan un mayor desarrollo poético y dramatúrgico, con la impresionante escena del escudo y con los ges- tos físicos finales de Hécuba y el coro que, más que llorar a sus muertos, los invocan.

Todos los capítulos se cierran con conclusiones parciales que resumen las ideas principales de los mismos. A ellos se añaden las conclusiones finales que culminan un libro que supone una inestimable contribución a los estudios del teatro clásico griego y de la mujer en la literatura y el pensamiento atenien- se de época clásica. La actualización bibliográfica y la selección pertinente de la misma son también de gran utilidad tanto para especialistas como para el público universitario en general.

Lucia Romero Mariscal – Universidad de Almería (España). E-mail: lromero@ual.es

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