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Na transversal do tempo: natureza e cultura à prova da história | Ana Carolina Barbosa Pereira
Na transversal do tempo: natureza e cultura à prova da história encara “o desafio de propor um diálogo entre a teoria da história e a etnologia” (Pereira, 2019, p. 24). Ana Carolina Barbosa Pereira, professora na Universidade Federal da Bahia, aponta de saída que “se a etnologia fala exclusivamente aos(às), etnólogos(as), a teoria da história tampouco apresenta disposição para ouvi-los(as)” (Pereira, 2019, p. 24). E se o diálogo entre esses campos já é inusual, as vozes que a autora convoca para travar a conversação não parecem menos estranhas umas às outras: de um lado, o perspectivismo ameríndio; do outro, o historicismo alemão.
A rigor, o que a obra enseja não é bem uma conversa, mas um jogo (de cartas); ou ainda, como sugere a autora, “uma séria e desafiadora brincadeira” (Pereira, 2019, p. 24). Não há melhor modo de compreender um jogo do que jogando-o; de experimentar a seriedade de uma brincadeira do que brincando-a. Pois bem: valendo!
Como colocar-se na transversal do tempo? Em relação a que tempo uma determinada história se poria na transversal? Ou, ao revés, em relação a que história um tempo determinado estaria na transversal? Como dar conta desses atravessamentos recíprocos? E o que se diz através dessa operação?
Antes de abordar essas questões – e como em qualquer jogo -, é preciso aceitar o conjunto de regras proposto. Elas são poucas, relativamente simples e têm o fito de seguir lance a lance o argumento do livro, que é dividido em três grandes partes. Na primeira, as cartas serão dispostas segundo seus naipes e viradas para cima, de modo a explicitarem quais delas conferem vantagem desleal (porque não relacional) a quem as mobiliza(r). A despeito dessa propriedade distintiva, do ponto de vista formal, não se distinguem das demais. Daí o título do capítulo: “Um jogo de cartas conceituais (não) marcadas”.
Isso feito, na segunda parte acompanhamos a autora “Embaralhando as cartas conceituais”. O propósito aqui é deixar manifesta que vantagem posicional permanente não é contingente, mas arbitrária e, do ponto de vista conceitual, uma impostura. Na língua dos jogos – e no jogo das línguas – dir-se-ia que se trata de mera convenção. Como tal, em tese e sem nenhum prejuízo à natureza da atividade, poderia ser repactuada pelos participantes.
A terceira e última parte é, por assim dizer, um pseudoamistoso: uma tentativa de demonstrar como poderia se dar a dinâmica do jogo – entre as categorias “cultura”, “tempo”, “natureza” e “história” – se a interação entre elas fosse conduzida segundo o design conceitual esboçado a partir de uma redistribuição das cartas conceituais, orientado pelo conjunto de reflexões elaboradas ao longo do livro.
CARTAS CONCEITUAIS (NÃO) MARCADAS: TELEOLOGIA FORMALISTA
A História como discurso acadêmico profissional repousa sobre um consenso disciplinar acerca da obsolescência conceitual de abordagens teórico-metodológicas à moda teleológica das chamadas “velhas filosofias da história”. No lugar delas, a historiografia desenvolveu um campo próprio de reflexões e o batizou com o substantivo mais afeito ao propósito de constituir a História como ciência social dotada de critérios específicos de positividade: teoria.
Nesse sentido, uma das tarefas fundantes da teoria da história é, efetivamente e como argumenta a autora, “esvaziar o conteúdo das filosofias da história” (Pereira, 2019, p. 21). O primeiro giro de pensamento exigido para pôr-se na transversal do tempo é depreender em que medida, apesar de ter seu conteúdo esvaziado na e pela teoria da história, o cerne conceitual das filosofias da história – a saber, seu caráter teleológico – segue formalmente ativo, ou seja, atua na forma da forma.
Repare: não se trata de dizer, como de hábito, que há discrepância ou desconformidade entre conteúdo e forma. Muito menos se trata de delinear aspectos que comprovariam quanto a forma escamoteia o conteúdo que traz a efeito. Ou, pior do que isso, de construir esse escamoteamento como condição sine qua non da própria relação entre forma e conteúdo da história. Não se trata, em suma, de supor que a teoria da história não pareça, não tenha a forma, não se apresente como teleológica, mas, na verdade, o seja. Na transversal do tempo, a teoria da história parece, tem a forma, se apresenta como teleológica… e o é.
Uma empreitada conceitual empenhada em demonstrar que algo não é outra coisa senão precisamente o que parece ser pode ver-se obrigada, ao menos provisoriamente, a conceder que alguma noção deve estar sendo empregada de maneira “controversa”. No caso de Na transversal do tempo, a “controvérsia” se dá com a noção de teleologia. Pereira (2019, p. 21) explica que “por teleologia se entende aqui o descompasso entre o desenvolvimento e a consciência deste mesmo desenvolvimento”.
O exercício desse descompasso é, sem tirar nem pôr, a marca patente do que – o mais tardar desde a célebre formulação de Jürgen Habermas (1988) – veio a ser batizado como “discurso filosófico da modernidade”. O inaugurador deste discurso? Hegel. “Controverso” é, pois, o inverso do adjetivo mais apropriado para insinuar a homologia entre os modos de pensar filosoficamente a modernidade e a inclinação às teleologias à la Hegel, isto é, indelevelmente finalistas, mas, dado seu assentamento no contingente, à prova da acusação de determinismos tacanhos.
Na transversal do tempo traça um dos percursos possíveis para entender essa trama no campo da teoria da história. Aqui, assinala dois pontos de inflexão. O primeiro, em Newton e sua mecânica clássica, responsável pela noção de espaço e tempo absolutos e verdadeiros em si mesmos (Pereira, 2019, p. 30). O segundo, na “revolução copernicana” de Kant, que atribuiu uma dupla natureza a esses pressupostos, de sorte a transmutá-los em “grandezas ontológicas e transcendentais” também do espírito: espaço e tempo transmutados em “formas puras da intuição sensível”, que se constituem como condição de possibilidade do conhecer e, nesse sentido, “conteriam, anteriormente a toda experiência, os princípios de suas relações” (Pereira, 2019, p. 31-32).
O caráter absoluto, contínuo e homogêneo do “tempo em si”, herdado das acepções newtoniana e kantiana, operará por dentro do discurso filosófico da modernidade até ganhar a forma do que Na transversal do tempo (se) apresenta como “continuum temporal.”
Aceitando a tese de que o germe filosófico que inaugura a modernidade é o pensar teleológico que deriva do investimento incessante em suprimir o descompasso entre o que já é (ou seria) e o que se é capaz de pensar que ainda é (ou venha a ser), pode-se dizer, acompanhando o argumento de Pereira, que, a partir dessa matriz, tudo quanto viermos a chamar de interpretação histórica “moderna” (a despeito de assumir a forma de teoria da história ou de historiografia) consistirá na diferenciação desse continuum através de um processo que ela denomina “dinâmica da insciência/consciência do tempo” (Pereira, 2019, p. 65).
A teoria da história de extração alemã será o campo de prova desta hipótese. Aqui, pensando com Manuela Carneiro da Cunha, a autora efetua uma “recuperação das cosmologias ocidentais como objeto de estudo antropológico” (Pereira, 2019, p. 208) e empreende uma densa análise cujo fito é delinear afinidades conceituais. Tais afinidades, para usar uma metáfora antropológica afim, funcionam como um verdadeiro deslinde das estruturas elementares de parentesco de dois dos mais importantes expoentes contemporâneos da teoria da história, Reinhart Koselleck e Jörn Rüsen – entre si e com seus conterrâneos e antecessores, a saber, Wilhelm Dilthey e Gustav Droysen -, num primeiro galho genealógico; e, em passado ainda mais recuado, os vínculos de todos com a filosofia de Kant, de Herder e de Hegel.
Visto nessa perspectiva, e parafraseando Lévi-Strauss ([1958] 2008, pp. 32 e 39), o “continuum temporal” faz as vezes da natureza enquanto a “consciência histórica”, tal qual a proibição do incesto, se apresenta como o ponto de passagem (ou mecanismo de articulação) entre natureza e cultura. Ou ainda, na mesma chave, o “continuum temporal”, do qual a etnóloga tentar se aproximar através da consideração de suas expressões mais ou menos conscientes, equivale a uma “condição inconsciente” (da teoria da história).
A partir de uma engenhosa reconstrução do arcabouço analítico de Reinhart Koselleck, cuja formulação mais célebre é a díade espaço de experiência/horizonte de expectativa, “arriscando uma síntese”, Pereira (2019, p. 78) conclui que “o conceito de ‘tempo histórico’ participa da Historik de Koselleck, ora como condição transcendental das histórias, ora como indicador do processo de tomada de consciência do tempo em si mesmo”. Submetendo o pensamento de Jörn Rüsen a escrutínio semelhante, a autora diagnostica, em sua “razão histórica”, outra variante deste movimento que vai da insciência à consciência do tempo.
Em suma, tanto um como o outro “concordam em relação ao essencial”, isto é, mantêm a prerrogativa de um continuum temporal “natural” que, diferenciado pela ação da consciência, faz emergir o tempo propriamente histórico. É esse o arranjo que Na transversal do tempo (se) apresenta correta e peremptoriamente como uma “teleologia formalista” (Pereira, 2019, p. 86): um tempo que faz as vezes de natureza (o continuum temporal), espécie de unidade originária ainda indiferenciada, é submetido à ação reflexiva do pensamento humano e, nesse processo, que pode ser também descrito como “desenvolvimento da consciência do tempo em si mesmo”, se transmuta em algo intencionalmente diferenciado e, nesse sentido, histórico. E é nessa forma que “consciência histórica” e “tempo histórico” passaram a ocupar um lugar irremovível não apenas na teoria, mas na ciência da história.
Por essa razão, como sugere Pedro Caldas (2004, p. 11), ao se considerar que “pensar historicamente é pensar teleologicamente”, não se está “ressuscitando um cadáver” conceitual. Muito pelo contrário. Vista Na transversal do tempo, esse tipo de “teleologia formalista” – constituída pela relação mimética entre tempo natural e tempo histórico ou consciência histórica – oferece régua e compasso para “esclarecer qual a finalidade do saber histórico, ou seja, […] explicitar seu método, seus limites, funções, normas” e, nesse sentido, representa “o esforço para o estabelecimento de uma autonomia do conhecimento histórico” (Caldas, 2004, p. 11).
“Teleologizar” pressuporia, portanto, manter a excepcionalidade relacional de categorias desenvolvidas a partir de uma experiência particular da consciência do tempo que, em sua própria consecução como cânone de um campo de saber, se projetou como imprescindível à “interpretação humana do tempo e consequente construção histórica de sentido” (Pereira, 2019, p. 21).
EMBARALHANDO AS CARTAS: FUTURO SEM DEVIR HISTÓRICO
O embaralhar de cartas tem como objetivo expandir a superfície de contato da contingência e, assim, aumentar o nível de dificuldade de controle de um jogo. Parte fundamental da arte de jogar cartas, aliás, consiste em dominar as formas de embaralhamento e, não menos, torná-las objeto de admiração e fascínio. Quem nunca terá visto algo do tipo nas apologias hollywoodianas dos cassinos e da jogatina? A propósito e não por acaso, a prática é também uma modalidade distintiva no mundo da mágica.
Vão longe as analogias possíveis entre o que a magia faz com os sentidos, sobretudo o da visão, e o que a teoria faz com o sentido das palavras e das coisas. Com isso em mente, consideremos que o embaralhamento conceitual que Na transversal realizará pretende nos fazer compreender que, “alheia e indiferente ao princípio da insciência/consciência do tempo, a consciência histórica ameríndia não é um devir histórico” (Pereira, 2019, p. 156). Para chegar à tese, a autora nos conduz por um longo percurso conceitual. Sintetizo-o em duas manobras.
Primeiro, ela mobiliza o perspectivismo ameríndio para replicar, dentro da teoria da história, a “inversão multinaturalista” que produz um tipo específico de deslocamento da disposição relacional entre natureza e cultura, a saber, “a cultura ou o sujeito seriam aqui a forma do universal; a natureza ou o objeto, a forma do particular” (Viveiros de Castro, [2002] 2017, p. 303). Assim, fica neutralizada de saída aquela “carta marcada” da ontologia da modernidade, isto é, a persistente oposição entre natureza e cultura, e produz-se algum desarranjo na correspondência entre seus correlatos simétricos universal/dado/objetivo/fato versus particular/construído/subjetivo/valor (Viveiros de Castro, 2017, p. 303).
O segundo movimento consiste em produzir um tipo análogo de deslocamento relacional no que diz respeito à noção de indivíduo em sua relação com a sociedade. Aqui, Pereira (2019, p. 98) lança mão da noção do conceito de “personitude fractal”, termo desenvolvido por José Luciani para estabelecer o “fio da relacionalidade, isto é, a constituição relacional de pessoas e contextos” através da descrição do processo pelo qual se dá “tanto o encerramento de pessoas inteiras em partes de pessoas quanto a replicação de relações entre Eus [selves] e Outros [alters] em diferentes escalas (intrapessoal, interpessoal e intergrupal)” nas sociedades indígenas (Luciani, 2001, p. 97).
O primeiro deslocamento, entre natureza e cultura, é fundamental para que se entenda que qualquer ente pode participar da configuração de um campo relacional: um animal, um objeto, um espírito e, claro, pessoas, mesmo as completamente estranhas a um dado grupo. Aqui, a natureza do vínculo não decorre nem depende da identificação com o semelhante (na forma de corpo humano) e sim do estabelecimento de uma relação de afinidade na qual o corpo não é, em primeira linha, compleição material, traço físico, mas, antes, “feixe de afecções” – um conjunto de capacidades e comportamentos típicos de um ser (Viveiros de Castro, 2017, p. 128). Instituída nesses termos, a afinidade assume, portanto, “a função de matriz relacional cósmica” e “constitui-se, virtualmente, como o modo genérico da relação social” ou, usando o conceito de Viveiros de Castro (2017, p. 108) Na transversal, constitui-se como “afinidade potencial”.
Um exemplo de caráter intergrupal pode ser bem elucidativo para entender o modo como a categoria tempo entra – via personitude fractal – nesse arranjo conceitual e fecha o nó do ser e do tempo que nós chamamos de história. Falando dos tupinambás, Viveiros de Castro (1992, p. 291 apud Luciani, 2001, p. 105) analisa o modo como se estabelece um “momento crucial de mútua identificação” entre cativo e captor/matador, de sorte que “o cativo representa o futuro do matador (ser executado pelo inimigo) e o matador representa o passado do cativo (que foi um matador)”.
Em trabalho de campo etnográfico conduzido junto aos Yamináwa, Pereira reconhece traços desses mesmos princípios – afinidade potencial e personitude fractal – na relação entre tempo e pessoa. As estratégias de reprodução de nomes e dos termos entre os Yamináwa, ela explica, na medida em que tendem à replicação entre eus e outros em escala temporal, criam uma estrutura dinâmica e propriamente fractal do tempo (Pereira, 2019, p. 151). A partir dessa conclusão, ela convida: “especulemos por conta própria”.
Se é possível instalar-se no passado e/ou futuro conforme o princípio da reversibilidade, isso se deve, ao que parece, à existência de um fundo virtual de temporalidade não-marcada. A própria dinâmica da fractalidade é indicativa dessa relação de dependência. Aqui, é a simultaneidade (potencial) que impõe a não simultaneidade de “antes” e “depois”. Passado, presente e futuro correspondem justamente àquela dimensão não marcada da história que, por isso, deve ser atualizada (Pereira, 2019, p. 151).
A história assim atualizada é, portanto, ela também potencial, e seu traço fundamental, por conseguinte, é a relacionalidade: “Se o tempo histórico ameríndio é o tempo do parentesco e este é fabricado a partir da afinidade potencial, o mesmo se dá com o tempo como atualização de uma história potencial (Pereira, 2019, p. 153).
E assim, para fechar esta seção retomando o fio do raciocínio, compreende-se o que significa dizer que a “história potencial ameríndia” não pressupõe nenhum vínculo apriorístico “entre passado, presente e futuro que deva ser diferenciado por meio da consciência histórica”; ou seja, que “não é um devir histórico”.
REDISTRIBUIR AS CARTAS: HISTÓRIA MULTIVERSAL DA DIFERENÇA
Tendo, primeiro, deslocado as noções de “tempo histórico” e “consciência histórica” de sua posição não marcada e, em seguida, aguçado nossa compreensão da história rumo a uma relacionalidade radical via perspectivismo ameríndio, Pereira volta aos alemães na terceira (e última) parte do livro, mais precisamente ao projeto de história intercultural – ou humanismo moderno – de Jörn Rüsen.
Para que cheguemos a esse ponto bem equipados, um importante contorno epistemológico é feito: estabelecer a posição relacional da própria história Yamináwa, isto é, da história dos povos indígenas, em um quadro que tem o Acre como pano de fundo, mas que é bastante ampliado. Se usarmos aqui a própria noção de fractal – no que ela serve como recurso visual para imaginar o padrão de repetição de um fenômeno em diferentes escalas -, veremos a história do Acre como uma iteração ampliada da narrativa mestra que estrutura também, a um só tempo, o “paradigma da formação” da nação (no Brasil) e a evolução da modernidade (no Ocidente). Em síntese, produz-se uma epopeia acreana como capítulo particular da marcha universal e inexorável do progresso e da civilização, na qual os povos indígenas ou não figuram ou apenas aparecem para confirmar uma suposta incapacidade inata de oferecer qualquer resistência à ação colonizadora (Pereira, 2019, p. 175).
Isto é feito para que entendamos o excurso político que Na Transversal nos propõe quando traz a ideia de “florestania”. Fusão de “floresta” e “cidadania”, o termo pretendia, historicamente, enfatizar o protagonismo dos povos indígenas e, politicamente, sintetizar um caminho para a superação do antropocentrismo, preconizando um regime de igualdade de direitos entre todos os elementos da natureza, inclusive, naturalmente, os seres humanos. No fim, degenerou em “mero slogan”, de todo desvinculado da ambição originária, calcada numa mudança radical de paradigma (Pereira, 2019, p. 182).
Nessa altura, somos reconduzidos ao que Jörn Rüsen preconiza ao falar de um conceito de história intercultural que “deve vencer o próprio etnocentrismo e contribuir para uma nova cultura do reconhecimento mútuo das diferenças” (Pereira, 2019, p. 185).
Como Na Transversal apresenta essa aspiração em seus pressupostos, entendemos também em que medida a “cultura do reconhecimento mútuo das diferenças”, como critério normativo de validade universal na teoria da história de Rüsen, acaba desempenhando um papel análogo ao da “florestania” como princípio orientador da política, ou seja, o de “mero slogan”. Ambas, cada qual em sua seara, não apenas não operam o giro paradigmático que anunciam, mas, ao revés, atuam como vetor da primazia do moderno.
À luz do que essa modernidade tem sido até aqui para os povos indígenas, a saber, um processo contínuo de reprodução do genocídio como cerne da dinâmica de interação, Pereira (2019, p. 203) conclui que o argumento da “razão inclusiva” subjacente ao humanismo moderno de Rüsen “soa no mínimo ofensivo”. Mas, se não a nobre e bem-intencionada “inclusão”, então o quê? Hora de, finalmente, redistribuir as cartas conceituais.
As narrativas de contato dos Yamináwa – a exemplo da de outros povos indígenas, como os Arara e Manchineri – são dispostas de maneira tal que, embora os brancos sejam acomodados em lugares pré-marcados, isso não impede o surgimento de reordenações cosmológicas que derivam de uma “constante reelaboração do contingente como experiência inédita de algo conhecido de antemão”. Orientada pela “afinidade potencial”, a incorporação do outro se dá, via de regra, “em sua e pela sua diferença”. A história que assim se conta, portanto, “não é uma narrativa post festum, ela é o fundo virtual que prefigura toda a experiência, um veículo para a realização e simbolização de relações efetivas” (Pereira, 2019, pp. 143-144).
Em termos mais abstratos, dir-se-ia que o princípio de reconhecimento mútuo da diferença do qual Rüsen lança mão opera com base em uma lógica de diferenciação ancorada nas categorias tipológicas da semelhança, da oposição, da analogia e da identidade. Daí seus critérios de inclusão acabarem desandando sempre no taxonômico e classificatório, em um movimento que não cessa de repor as regulações hierárquicas que tenciona deslocar (Pereira, 2019, p. 203).
As matrizes de pensamento ameríndias, por sua vez, operam através de uma “síntese disjuntiva” cujo princípio de diferenciação é precisamente o não taxonômico e não substancial. Sua dinâmica relacional de individuação conduz, por isso, à constante “atualização do virtual”. Para retomar a metáfora geométrica, em vez de uma “ontologia plana”, corolária de uma lógica inclusiva da diferença, na qual existir pressupõe a identidade como causa ou como finalidade, poderíamos arriscar uma “‘ontologia fractal’ em que existir significa diferir: diferença intensiva, diferença das diferenças”. Assim, trocando em miúdos historiográficos, em vez de uma “história universal da identidade” construiríamos uma “história multiversal da diferença” (Pereira, 2019, pp. 204 e 207).
AFINIDADE (TEÓRICA) POTENCIAL
“Conhecemos a história de um autômato construído de tal modo que podia responder a cada lance de um jogador de xadrez com um contralance, que lhe assegurava a vitória.” (Benjamin, 1996, p. 222). É assim, imaginando um jogo, que Walter Benjamin principia seu célebre “Sobre o conceito de história”.
O alvo declarado da crítica de Benjamin é um historicismo composto por dois traços fundantes: 1) a aspiração de representar o passado como “ele de fato foi” e que, como tal, 2) “culmina legitimamente na história universal” (Benjamin, 1996, pp. 224 e 231). No limite, Benjamin (1996, p. 231) provoca, o historicismo possibilita o paradoxo de apresentar uma “imagem ‘eterna’ do passado”, o que só é possível porque ele “faz da história objeto de uma construção cujo lugar é um tempo homogêneo e vazio” que se manifesta como “o continuum da história” (Benjamin, 1996, p. 229).
O materialismo histórico benjaminiano desejava explodir esse continuum (Benjamin, 1996, p. 230). Se seguirmos Na transversal do tempo, podemos fazer algo afim. Há (parece) uma afinidade potencial entre o jogo do tempo e da história de Ana Carolina B. Pereira e de Walter Benjamin.
Não obstante, é a diferença que os vincula: o tempo de Benjamin é monológico, intrassubjetivo e messiânico; está impregnado de um salvacionismo cuja virtuosidade parece imanente e, mormente, dado a “revolucionário”. O de Pereira é dialógico, intersubjetivo e contingente; de saída, desconfiado da própria virtude e avesso às epifanias da salvação.
Entre Pereira e Benjamim, a metáfora do jogo interpõe um elo dissonante. Na imagem que Benjamin (2020, p. 66) constrói há um elemento fundamental: “através de um sistema de espelhos criava-se a ilusão de que a mesa era transparente por todos os lados” e, assim, ocultava o espírito que animava o jogo (o anão corcunda da teologia). O truque, portanto, não consiste unicamente em ser guiado pela mente do mestre (de xadrez), mas garantir que – por intermédio da transparência – sua onipresente efetividade na condução dos eventos transcorra na forma da ausência e iluda quem entrar na contenda. Pereira, por sua vez, não quer parecer transparente, não aposta no logro do outro; seu jogo não demanda repor a consciência alheia a partir de uma posição declaradamente misteriosa.
O caso é que, e eis o nó, ao acenar com o estratagema da consciência escondida como guia – a transparência como opacidade -, Benjamin parece adotar prumo mais afeito à assimetria de poder, pois pretende equipar melhor quem joga em franca desvantagem. No que concerne à Pereira, ao revés, quem joga limitado por injustiças dadas de saída segue algo exposto, precisando contar, antes, com a abertura (ou transparência) de um outro que agora – não mais a despeito, mas dada a sua opacidade finalmente declarada – encerraria uma virtuosidade intrínseca e, mormente, capaz de engendrar uma dinâmica de supressão gradual de assimetrias que poderia ser tomada como o início de um tímido processo de reparação.
Que jogo teríamos se o corcunda de Benjamin aprendesse a jogar com as cartas ora embaralhadas e redistribuídas por Ana Carolina B. Pereira?
Referências
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996. pp. 222-243.
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história: edição crítica. São Paulo: Alameda, 2020.
CALDAS, Pedro Spinola Pereira. Que significa pensar historicamente: uma interpretação da teoria da história de Johann Gustav Droysen. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2004. 215 f.
HABERMAS, Jürgen. Der Philosophische Diskurse der Moderne. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1988.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008 [1958].
LUCIANI, José Antônio Kelly. Fractalidade e troca de perspectivas. Mana, v. 7, n. 2, pp. 95-132, 2001.
PEREIRA, Ana Carolina Barbosa. Na transversal do tempo: natureza e cultura à prova da história. Salvador: EDUFBA, 2019.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Ubu Editora, 2017 [2002].
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. From the Enemy’s Point of View: Humanity and Divinity in an Amazonian Society. Chicago: Chicago University Press, 1992.
Resenhista
Fernando Baldraia – Freie Universität Berlin, Berlim, Alemanha. E-mail: fbaldraia@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-0140-757X
Referências desta Resenha
PEREIRA, Ana Carolina Barbosa. Na transversal do tempo: natureza e cultura à prova da história. Salvador: EDUFBA, 2019. Resenha de: BALDRAIA, Fernando. O jogo da afinidade. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 42, n. 89, 2022. Acessar publicação original [DR]
Laboratorios etnográficos (1880-1980) – OJEDA (RCA)
Jorge Pavez Ojeda. https://commons.wikimedia.org/
OJEDA, Jorge Pavez. Laboratorios etnográficos. Los Archivos de la Antropología em Chile (1880-1980). Santiago de Chile: Colección Sociología. Ediciones Universidad Alberto Hurtado, 2015. 598p. Resenha de ESPIRITO-SANTO, Diana. Revista Chilena de Antropología, n.34, p.111-114, jul./dec., 2016.
Este nuevo libro de Jorge Pavez, al igual que su anterior, Cartas mapuche, siglo XIX (2008), marca un hito en la reflexión, ahora sobre el quehacer antropológico en Chile y su vinculación con el devenir de los vínculos “interétnicos”, “coloniales”.
La entrada a esa historia es por medio de un concepto: el de “laboratorio etnográficos”. Este “permite significar la conjunción de varios agentes, procesos y prácticas” (leídos desde una perspectiva dialógica), insertos en una topología (“son territorios completos, sometidos a procesos de ocupación estatal y de colonización”), en una economía y, por último, en una “cierta anatomía”. Así,
Las inscripciones topológicas, las marcas de su economía y los informes de sus anatomía se encuentran en el archivo de su producción. El archivo mismo, el conjunto de las inscripciones textuales y visuales producidas en el laboratorio de los territorios indígenas, da cuenta de la “vida del laboratorio” colonial y de su economía política y libidinal (p.27).
El período que abarca esta historia es de un siglo: 1880-1980. Los laboratorios centrales, capitales, giran en torno a los “autores fundadores de narrativas etnológicas de la nación” (p.35): ellos son Rodolfo Lenz, Max Uhle, Martín Gusinde y Tomás Guevara. A cada uno de ellos Pavez le dedica uno o más capítulos.
Así estas “narrativas”, al ser leídas bajo el supuesto del paradigma dialógico (opuesto al paradigma iniciático), hace de los “padres fundadores” autores parciales, donde los co-autores han sido silenciados, marginados u omitidos. La gracia de la obra de Pavez es mostrar, entonces, al detalle y con precisión obsesiva, la co-autoría y las consecuencias que se derivan de esta desconstrucción.
Como no me es posible comentar todos estos laboratorios me voy a permitir encarar dos de ellos ligados a la Araucanía: el de Lenz y el de Guevara, para posteriormente abordar algunas ideas más generales a que apunta esta obra.
La “narrativa” de Lenz —con un substrato caracterizado como de “araucanismo neohumboltiano” (la lengua como representación externa del “genio de los pueblos”, p.76)— se vincula, en el “dispositivo etnográfico”, con dos mapuche Víctor Manuel Chiappa y, a través de él, con Kalvún. Este nexo ya había sido puesto de relieve por Gilberto Sánchez en 1992. Otro co-autor, Manuel Manquilef tendrá un lugar relevante en este laboratorio, como también en el de Guevara.
En esta relación triangulada se manifiesta la tensión entre ambos aparatos y sus paradigmas, por ejemplo a la lengua y la posibilidad de traductibilidad.
Lenz, fiel a su postura humboltiana, se preguntaresponde “¿Es posible traducir literalmente de una lengua a otra, cuando las dos son de estructuras enteramente distinta y representan grados de cultura enteramente diferentes? Creo que no es posible”.
La respuesta de Lenz es la que rescata Paves por su originalidad: “…todas las teorías lingüísticas generales han nacido exclusivamente en el terrenos de las lenguas indo-europeas […] la perspicacia de Lenz para acusar las limitaciones etnocéntricas de su ciencia… recuerda lo que Jacques Derrida apuntó como la tentación imperialista de una lengua semítica universal recogida en el mito de la torre de Babel” (p.108). Es evidente que dentro de esta perspectiva el lugar de Manquilef era más simétrico o igualitario, de allí el estímulo de Lenz a que se publicara su obra, bajo su autoría, en los Anales de la Universidad de Chile. Es notable el rescate que hace Pavez de la complejidad del juego de Manquilef en la traducción de su obra:
Pero al mismo tiempo que traduce diálogos a enunciaciones impersonales, también encubre o atenúa ciertos conceptos orientados a generar efectos diferentes en cada idioma y su público lector, especialmente cuando se trata de enunciar la relación de fuerza (política o militar) entre los pueblos que practican las lenguas en traducción. Así por ejemplo, una frase de su padre Fermín Trekamañ Manquilef, citada dos veces: “Afkilpe aukantun dunu, aukantun dunu meu, piam, yeneenolu ta che; que no se concluya el conocimiento del juego, pues por el, se dice, la gente fue invencible”.
Aukantu es más que nada la acción de luchar, que por supuesto está contenida en el juego de palin, que es un juego agonístico, pero que abarca muchos otros escenarios de competencia, y especialmente, la guerra.
Aflayai aukantun dungu, “que nunca se acabe el conocimiento de la lucha/combate/pelea/ guerra”, en un enunciado bastante subversivo, que traducido al juego se vuelve la alegoría secreta de un pueblo que tiene que estar preparado para defenderse” (p.111).
Así el laboratorio de Lenz es sensible, por su orientación, a la valoración positiva de la propuesta y práctica de Manquilef. También lo era, nos recuerda Pavez, de la tradición y el habla popular chileno, expresada en la revista del Folklore, en su diccionario etimológico y en la recopilación de la Lira Popular.
Aquí Pavez rescata la tensión de Lenz con la elite chilena que veía con horror y escándalo ese rescate de lo popular:
Salte un hoyo, le vi el coño Colorado como un demonio
Meto lo duro en lo rajao Lo meto seco y lo saco mojao
La experiencia de Lenz es que “en Chile parece faltar por completo, entre la gente ilustrada, ese amor y cariño al pueblo bajo, el cual, sin embargo… es la base eterna de la fuerza nacional”.
La tensión de este Laboratorio con el insigne Andrés Bello es rescatada por Pavez. Para el triple fundador –de la Gramática, del Código Civil y de la Universidad de Chile—la valoración positiva de habla del pueblo estaba lejos de su horizonte, su postura oligárquica era abierta. Lenz en cambio “apela ya no amar a la ley sino amar al pueblo y a la nación; a la “pasión por el orden” de Bello opone una pasión por la creación el descubrimiento, el cambio y la transformación” (p.162).
En síntesis, el laboratorio de Lenz mantiene “una relación con el pasado, con la nación y con el ‘valor de antigüedad’ que la élite chilena no comprendía… Como tuvo ocasión de señalar en varias oportunidades y con altos costos personales, la elite chilena no tenía vocación de integración nacional” (p.164).
113/ Laboratorios etnográficos. Los Archivos de la Antropología en Chile (1880-1980) Laboratorio de Guevara En primer lugar, Pavez aborda uno de los textos de Guevara que se ha sido desde los 80 una obra fundamental para los estudiosos de la sociedad mapuche y para el “nacionalismo mapuche”: Las últimas familias araucanas (publicada en los Anales en 1912) y la razón es que allí “La gran variedad de familias presentes permiten una visión de conjunto sobre lo que constituye el entramado de alianzas políticas y familias que estructuran la sociedad mapuche” (p.320). Pavez quiere corregir “varios errores de interpretación” (como la coautoría), para finalmente mostrar “cómo esta forma de escritura de la historia mapuche contribuyó a la formación del primer movimiento político mapuche en la época de la reducción” (p.321), así “la operación historiográfica y la operación política se entrelazan en su génesis” (p.352). Aquí Pavez retoma la hipótesis de lectura de Menard sobre este gabinete:
…sobre este tipo de gabinete se ejerce un control y se impone un ‘orden del discurso’ colonial, que va a implicar un arreduccionamiento de la escritura, mapuche, al igual como se arreduccionaban los linajes en los territorios conquistados. André Menard ha señalado esta metonimia de la condición reduccional, para enunciar la delimitación reductora que se despliega en el formato de doble columna en que se publican estos textos mapuches (p.354).
Permítanme la siguiente hipótesis sobre este gabinete etnográfico encabezado por Manquilef- Guevara en la producción de “las últimas familias”.
Estábamos de acuerdo en el pasado reciente con la afirmación que se trata de una “visión de conjunto de la sociedad mapuche”, no obstante, tuvimos que modificarla con nuestros estudios en el área huilliche y posteriormente en el área Arauco-Tirúa. Las últimas familias es el laboratorio de los nagche y wenteche, que se valieron de Guevara para hacernos creer que no había universo mapuche más allá de esa oposición (de allí que sea poco útil este texto para comprender las redes mapuches en la zona de Arauco-Tirúa y de sus vínculos con la zona de Malleco).
Volvamos a Guevara. El título de las “últimas familias” (no compartido por sus co-autores) es coherente con la propuesta historiográfica de Guevara: “
lla suponía… como toda escritura de la historia un rito fúnebre que permitiera superar el pasado, pero lo que él estaba enterrando es el pueblo mapuche en conjunto, dándole un término como sociedad y civilización (p.365).
Por supuesto, como nos dice Pavez, “Es difícil creer que los mapuches del gabinete guevariano pensaran lo mismo” (p.365). Menos que compartieran el “evolucionismo” de Guevara que los inferiorizaba.
Estamos también lejos de Lenz, para éste lo mapuche era un clave del substrato cultural nacional, pero compartía con Guevara el paradigma de la extinción.
Ambos laboratorios funcionan como oráculos trágicos de un fin ineluctable, no obstante, Las últimas familias tiene la virtud de poner el oráculo de los lonkos que lo niega “no se acabará el ser, la sabiduría, mapuche”. Este juego oracular es que la ha transformado a esa obra en una clave La disputa de Guevara con Charles Sadleir y la obra de los anglicanos en la Araucanía, le permite a Pavez precisar el nexo que tuvo la Misión Anglicana con el movimiento mapuche, pero también con el “valor del mestizaje para las empresas misioneras católicas y retomado por la ideología nacionalista chilena” (p.397). Hay ahí un puente entre Lenz y Sadleir ambos eran sensibles y críticos al mestizaje promovido por el nacionalismo, ya que para los anglicanos “la comunidad cristiana y económicamente productiva se traducía en una clara distinción étnica o “racial” en el plano sexual reproductivo” (p.397). Esta distinción llevó a Sadleir a identificarse con los mapuches (sobre todo con aquellos militantes de la Sociedad Caupolicán, de la cual el formó parte), gesto que molestaba a Guevara, a pesar de considerarse un “amigo de los araucanos”.
Por último, Pavez nos presenta la distinción de la postura con uno de los mayores teóricos de la “raza chilena”: Nicolás Palacio.
Se enfrentan así las diferentes formas del indigenismo de principios del siglo XX, que en el fondo son variaciones de un racialismo evolucionista: el elitismo nacionalista de Guevara en contra el nobilismo raciológico de Sadleir, el racismo nacionalista de Palacios en contra del cosmopolitismo cientificista de Lenz, el culturalismo pragmático de Manquilef en contra del sicologismo determinista de Guevara. En esta multiplicación de posiciones, 114/ Rolf Foerster resulta bastante evidente que entre la imagen dada por Guevara… de una raza derrotada, biológicamente decadente y en vías de extinción, y la imagen de una raza dignamente representada por dirigentes aristocráticos, vestidos con moderna elegancia y convencidos de la vigencia de su autoridad así como de una autonomía racial y política frente a la nación y al Estado chileno, los caciques encontrarán en el proyecto comunitaristas anglicano una alternativa de negociación más atractiva que la ofrecida por el proyecto mestizológico chileno (p.423).
Este resumen de dos de los laboratorios nos permite pasar ahora a cuestiones más generales que me gustaría tratar antes de finalizar.
Una precisión: el estudio de estos laboratorios no es una suerte de “síntesis comprensiva y global de la historia de la antropología en Chile” y “esto porque las condiciones mismas de posibilidad de la práctica y el archivo etnográficos no llevan a pensar una historia de la antropología, sino más bien a conocer cada laboratorio etnográfico” (p.27-28).
No obstante, Pavez nos ofrece inmediatamente una síntesis al señalar que en la “historia del archivo indigenista” hay unos “padres fundadores de la etnología chilena”, que como todos padres producen fascinación y rechazo. Ahora bien, para sorpresa, esos padres no son los jesuitas de los siglos XVII y XVIII (Valdivia-Ovalle-Rosales-Havestadt-Febres- Molina), sino los “padres de habla alemana” de las primeras décadas del siglo XX: Lenz, Uhle, Gusinde: “autores consistentes de una ‘revolución científica’ en Chile”. La tesis es que “La modernidad alemana, anclada en el romanticismo populista, buscará en la alteridad negada por las elites criollas los fundamentos para la renovación de un proyecto nacional chileno cuya modernización se hiciera cargo de las tradiciones vernaculares” (p.30).
Mi hipótesis es que Lenz y la etnología alemana es de algún modo una continuación (y una negación) del “laboratorio jesuita”, que dio, como unos de sus resultados, no sólo diccionarios y una buena etnografía mapuche-huilliche, sino también la construcción dialógica de la “política de los parlamentos”.
Mientras que el laboratorio de Guevara tiene como objetivo desmontar ese laboratorio para levantar uno acorde con la “pacificación” y el “sistema reduccional”, como primer paso en la disolución de lo mapuche en lo nacional, de ahí la tensión con Manquilef que es heredero del laboratorio parlamentario del siglo XVIII y del XIX (no deja de ser significativo que Pavez no rescate de forma significativa la labor parlamentaria de Manquilef en la Cámara de Diputados; como el laboratorio político de las organizaciones mapuches de los 80 que rescatan ese legado).
Pero volvamos a la síntesis: para Pavez “la segunda guerra mundial dará el golpe de gracia a la fundación de la etnología en Chile” (p.31). El golpe viene desde los Estados Unidos: “cuyos paradigmas tecnofuncionales parecían más libres de tradiciones ideológicas porque favorecían la autonomización disciplinaria y un alejamiento del debate social” (p.31).
La figura central de ese parricidio sería Ricardo Latcham (rescatado desde su tumba, muere en 1943, por Mostny) y también (otra sorpresa) Lipschutz.
Ambos habrían practicado un indigenismo que “no ponía en peligro la ‘unidad nacional’ de Chile, sino que promovía abiertamente (y desde la antropología física) la patrimonialización colonial republicana de los reductos vivos de la alteridad política y sociocultural” (p.31). Esta historia concluye: “en los años 50 y 60” donde los “padres” alemanes son reducidos a la condición de ‘figuras recesivas’” (p.31).
Rolf Foerster – Departamento de Antropología, Universidad de Chile. E-mail: rfoerste@uchile.cl.
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Museu de Arqueologia e Etnologia | USP | 1991
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Periodicidade semestral – Junho e novembro
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ISSN 0103-9709 (Impresso)
ISSN 2448-1750 (Online)
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