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Política esotérica: Relações entre esoterismo e política / História Revista / 2017
Em sua famosa obra Pensando com demônios, o historiador inglês Stuart Clark (2006, p. 688‐689) disse que somente era possível considerar uma dimensão política da magia porque a própria política possuiria uma dimensão mágica. Ainda que não seja um tema inédito na produção historiográfica contemporânea, as relações entre a política e o esoterismo ainda ofertam um vasto terreno a ser explorado pelos historiadores. Desde a perspectiva mais específica da história das religiões está o caso do romeno Ioan Couliano, discípulo de Mircea Eliade, quem, em seu clássico livro Éros et magie à la Renaissance (1984), fez algumas importantes elaborações a respeito, nas quais magia, poder, erotismo e imaginação aparecem mesclados na cultura renascentista e, em geral, moderna.
Podemos perceber a riqueza de tal diálogo nos mais variados recortes temporais, como por exemplo, desde a Idade Média até os nossos dias. Tal relação se apresenta das formas mais variadas, seja na construção de ferramentas de natureza esotérica para lidar com os segredos de ordem política, pelo investimento real em centros de estudos alquímicos como El Escorial, ou pelas influências esotéricas na formatação de grupos políticos, como foi o caso dos “seguidores do Vrill” e o nazismo, apenas para citar alguns casos.
Estes questionamentos, por outro lado, não estão restritos ao âmbito europeu, uma vez que desde a formação de um incipiente campo esotérico na América Latina no período colonial, e sobretudo a partir da independência no século XIX, as inter‐relações entre política e esoterismo são cada vez mais claras para o olho vigilante do esoterólogo. Assim, o papel da maçonaria no século XIX é um dos assuntos mais bordados nos últimos anos por parte dos novos historiadores que se focaram em estudar a presença maçônica nessa zona, como se pode apreciar na Revista de Estudios Históricos de la Masonería em Latinoamérica y el Caribe (de acesso livre na internet). Os polêmicos enfrentamentos do espiritismo com a ordem católica desde finais do século XIX e depois da teosofia contra a mesma poderosa adversária, já no começo da nova centúria, também foram notáveis em vários países da área, o que nos adverte que não se tratou de peculiaridades nacionais, mas de padrões ideológicos compartilhados entre os países, dadas as premissas similares. Em muitos desses casos, o discurso esotérico aparece aliado a ares de modernização social, revestindo‐se de uma aura “progressista”, do lado dos liberais, primeiro, e protosocialistas depois. Nessa linha, nos encontraremos com figuras políticas que empreenderam seu trabalho transformador no campo social a partir de uma plataforma esotérica. Citemos quatro casos da primeira metade do século passado: Francisco I. Madero e Felipe Carrillo Puerto no México, Rogelio Fernández Güell na Costa Rica, e Augusto César Sandino na Nicarágua, os quais, a partir de fundamentos espíritas, teosóficos e maçônicos, iniciaram suas revoluções que os conduziram à morte. Mas, o esoterismo da primeira metade do século XX não teve apenas essa face progressista, deu base também a manifestações ditatoriais, como a de Federico Tinoco na Costa Rica, e até genocidas, como Maximiliano Hernández em El Salvador.
Mas, a que nos referimos ao usar tais termos: política e esoterismo? O poder apenas existe enquanto relação, retornando ao clássico pensamento de Michel Foucault. Relação essa entre um ou mais indivíduos, cuja natureza é fluída, dinâmica, passível de ser afetada pelos elementos que compõem uma dada conjuntura histórica. Ao aplicarmos esse pensamento à máxima de Stuart Clark, temos que essa relação entre indivíduos, na qual se situa o poder, pode estar imersa em práticas e representações de ordem esotérica que atuaram em uma dada sociedade histórica. Assim, essa dinamicidade do poder seria construída por meio da atuação de tais elementos, ou seja, da capacidade de influência que tais práticas e saberes possuíam nesse dado contexto.
Se compreendermos a política como uma das várias possibilidades dessas relações de poder das quais tratou Foucault, como definir o que é o Esoterismo? O historiador francês Antoine Faivre deu o passo primordial para transformar os temas esotéricos em objetos acadêmicos. Conforme a já amplamente discutida teoria de Faivre, o Esoterismo ocidental pode ser compreendido como parte da História ocidental das religiões, um grupo de saberes e práticas que comungariam de um mesmo conjunto de características. Mais precisamente, essas “correntes esotéricas” compartilhariam quatro qualidades intrínsecas (Correspondência, Natureza Viva, Imaginação e Mediações, Experiência de Transmutação) e duas relativas (Práxis da Concordância, Transmissão). É possível afirmarmos que tal conceito também existe unicamente enquanto relação: relação do indivíduo com o mundo ao seu redor, nas formas por meio das quais se apropria dele; relação do indivíduo com este grupo específico de conhecimentos que buscam deslindar as engrenagens que movem as pessoas e as coisas; relação entre aquele que sabe, aquele que deseja saber e aquele que não pode saber, criando relações hierarquizantes entre tais sujeitos. Nessa versão relacional do esoterismo, o próprio conceito em seu nível acadêmico foi se modificando, desde a postura fundacional de Faivre aqui apresentada até abordagens mais próximas ao pós‐modernismo, como é o caso de Kocku von Stuckrad, que prefere falar em campo esotérico, onde o esotérico (mais que o esoterismo) funciona de forma reticular, não como algo reificado, mas como algo mais proteico e mercurial.
O presente dossiê busca compreender as implicações históricas dos diversos entrecruzamentos das relações acima listadas. Para tanto escolheu partir de um recorte histórico parecido ao proposto por Faivre, recuando dois séculos. Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior, professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria, diretor do Virtù – Grupo de História Medieval e Renascentista e codiretor do CEEO‐UNASUR, contribuiu com o artigo intitulado “Secretum Secretorum: o lugar do esoterismo nas cortes papal e imperial no medievo”, no qual discutiu a trajetória da obra de mesmo nome entre as cortes papal e imperial durante o século XIII da Europa ocidental. Um dos eixos centrais de sua discussão foi o papel exercido pelas relações de sigilo e segredo, de natureza esotérica, para a dinâmica das relações políticas daquela época. Trabalhando com um recorte temporal parecido, do século XII ao século XV, Nicolas Weill‐Parot, directeur d’études da École Pratique des Hautes Études, tendo como um dos eixos centrais de seus interesses a História das Ciências do Ocidente Medieval, refletiu sobre relatos acerca das possibilidades mágicas dos talismãs. Tais qualidades iam da cura de doenças chegando a conectar‐se ao poder monárquico, passando pela legitimação política de tais relatos.
Juan Pablo Bubello, professor da Universidad de Buenos Aires e da Universidad Nacional de La Plata, bem como diretor do CEEO‐UNASUR, refletiu sobre a história do esoterismo na Argentina de meados do século XX. Seu objeto foram os embates de representantes do espiritismo e do catolicismo argentinos, tendo como ponto de disputa o peronismo, uma das mais marcantes manifestações políticas da história argentina. Por último, temos a contribuição de Francisco Santos Silva, pesquisador do Centro de História do Além Mar (CHAM), da Universidade Nova de Lisboa. Seu artigo intitulado “’Eles São Todos da Maçonaria!’ A Maçonaria como poder político e social em Portugal” busca refletir sobre a influência da maçonaria na história política portuguesa, bem como acerca da representação maçônica nos meios de comunicação lusitanos.
O Centro de Estudios Sobre el Esoterismo Occidental de la UNASUR (CEEO‐UNASUR) organizou esse dossiê intitulado Política esotérica: “Relações entre esoterismo e política”, para contribuir com artigos originais para a ampliação e diversificação das reflexões acerca dos diálogos entre a política e o esoterismo ao longo do processo histórico humano. Não tivemos a intenção de esgotar o assunto, inclusive pelo grande leque de possibilidades que o tema oferta, mas de provocar a discussão historiográfica, tanto no Brasil quanto no exterior, e de construir um caminho de diálogo com os pesquisadores que estão trilhando estas searas historiográficas, ainda tão férteis e prenhes de possibilidades investigativas.
Sobre esta temática resta ainda muito por fazer na área latino‐americana, onde apenas se estão dando os primeiros passos na formação de um campo de estudos esoterológico. Aqui apresentamos uma pequena amostra, mais orientada ao europeu que ao latino‐americano por hora, com a ideia de apontar algumas de suas possibilidades e fazer visível dessa forma este crescente enfoque acadêmico. Agradecemos a todos os autores que submeteram seus artigos e aos pareceristas que contribuíram com críticas e sugestões.
José Ricardo Chaves Pacheco – Professor Doutor. Universidad Nacional Autónoma do México. Pesquisador do Centro de Estudios sobre el Esoterismo Occidental de la Unión de Naciones Suramericanas (CEEO‐UNASUR)
PACHECO, José Ricardo Chaves. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 22, n. 1, jan. / abr., 2017. Acessar publicação original [DR]