Escritas estudantis em periódicos escolares / Revista História da Educação / 2013

Entre as instituições complementares ou associações auxiliares à escola, estimuladas pelos protagonistas da Escola Nova desde as primeiras décadas do século 20, destaca-se o jornal escolar elaborado pelos alunos, como atividade de sala de aula ou extraclasse. Pode-se assinalar que, na segunda metade do século 19, já se encontram vestígios de jornais infantis e escolares no Brasil.

Arroyo (1968, p. 136) cita, por exemplo, para o Estado de São Paulo, o periódico O Colegial, vinculado ao Colégio Albuquerque e redigido por meninos de dez a onze anos, publicado em Piracicaba, em 1880; O Jovem Escolar (1896) dos alunos do Grupo Escolar do Sul da Sé, da cidade de São Paulo. O autor também afirma que muitos escritores ensaiaram suas primeiras tentativas literárias nesses impressos, em formato pequeno e com quatro páginas: Monteiro Lobato, em Taubaté, redigia O Guarani (1897); Nestor Vitor atuava no jornal manuscrito A Violeta [1].

No século 20, a primeira experiência com jornal escolar data da década de 1910, no pós-guerra, na Escola Decroly, Bélgica, com o Courrier de l’École. Mas foi Celéstin Freinet, com suas experiências a partir de 1924, que ampliou a divulgação e utilização do jornal escolar como texto livre, considerando-o “a expressão natural, a base, da vida infantil em seu meio normal” (Freinet, 1957, p. 5). O estímulo ao texto livre permite as crianças contarem os acontecimentos de sua vida, de sua cidade ou bairro, as aventuras de férias ou as saídas de domingo. Dessa forma, podemos conhecer a criança em seu meio, na sua vida, os caminhos profundos dos seus interesses, a realidade do mundo que vibra ao seu redor.

Freinet considera a imprensa escolar como “um dos maiores elementos de uma pedagogia aberta sobre o mundo e sobre a vida, suscetível de dar um sentido novo à cultura em que a escola, em todos os seus graus, vai assentar-se e preparar a eclosão” (Ibid., p. 62). Nas atividades com a imprensa, destaca como vantagens pedagógicas a preparação para a vida, o ensino da língua pelo método natural, sem redações formais, sem exigências gramaticais; permite a expressão natural e viva; estimula o desejo e a necessidade de escrever, ler, experimentar e calcular, que são a base de uma formação cultural. Explica, ainda, que o jornal é um arquivo vivo da classe, do cotidiano da sala de aula e da escola que aproxima a escola do bairro e da cidade, reflete a classe de alunos, o trabalho realizado e as aquisições de conhecimentos e desperta a curiosidade e o interesse.

Além dessas vantagens, salienta que os textos produzidos são reveladores da vida subconsciente e da vida social das crianças, expressam sua complexificação íntima e do meio em que vive, disciplinam o trabalho, estimulam a expressão livre e a necessidade de exteriorização da criança. Quanto às vantagens sociais, promovem o trabalho em equipe e em cooperação, aproximam a família e a comunidade, contribuem para a formação cívica (Freinet, 1957).

A elaboração de um periódico escolar busca dinamizar a ação educativa e estimular a participação do aluno. Como recurso de ensino ou instituição escolar,

oportuniza grande número de atividades, oferecendo ambiente propício para a criança aprender fazendo, isto é, realizando ela própria o aprendizado de conhecimentos e técnicas e a aquisição de hábitos e atitudes desejáveis, como o espírito de iniciativa, direção e solidariedade, hábito de trabalho em grupo e cultivo do amor à língua materna. (Fortini, 1940, p. 95)

Como trabalho de equipe, a confecção do jornal de classe ou da escola contribui para a formação do espírito de cooperação, de coletividade, além de expressar o trabalho realizado, sendo uma “fonte preciosa para a história da vida da escola” (Revista do Ensino / RS, 1941, p. 62).

O jornal escolar, instituição incentivada pelas autoridades educacionais ao longo do século 20, especialmente da década de 1910 a 1970, será foco de normatizações pelas quais se busca orientar minuciosamente os professores a criar um periódico em sua escola ou sala de aula, em todas as fases necessárias para sua concretização, do planejamento à circulação.

Os impressos de alunos, em diferentes níveis de ensino, são documentos importantes para analisar a cultura escolar e suas práticas [2]. Na historiografia da História da Educação no Brasil encontram-se vários estudos com impressos escolares ou impressos estudantis, mas são poucas as pesquisas que privilegiam aqueles produzidos por alunos, de diferentes níveis de ensino – ensino primário, ensino médio [3] e ensino superior – que decorre da sua pouca conservação, pois muitos deles foram manuscritos.

As possibilidades de escritas e de suas histórias coexistem simplesmente, plurais como as verdades, as práticas e os momentos históricos que as engendraram (Wintermeyer, 2008). Nessa perspectiva, os impressos escolares ou impressos estudantis são documentos preciosos para olhar a escola e, especialmente, os escritos autobiográficos e as escritas de si, reproduzidas nesses impressos.

Para Bishop (2010), as escritas escolares, principalmente aquelas redigidas na primeira pessoa, como narrações de acontecimentos vividos, são expressões de escritas de si, em que o autor é o objeto mais ou menos autêntico de seu texto.

Esse dossiê apresenta artigos de diferentes autores e vinculações institucionais, nacionais e internacionais, e de pesquisas desenvolvidas em diferentes espaços escolares, a fim de estimular novos estudos em outros espaços e tempos.

Notas

1. Sobre a imprensa escolar e infantil no Brasil, ver Arroyo (1968), especialmente o cap. 5, p. 131-161.

2. Jornais, boletins, revistas, magazines – feitas por professores para professores, feitas para alunos por seus pares ou professores, feitas pelo Estado ou outras instituições como sindicatos, partidos políticos, associações de classe, igrejas – contêm e oferecem muitas perspectivas para a compreensão da história da educação e do ensino. Sua análise possibilita avaliar a política das organizações, as preocupações sociais, os antagonismos e filiações ideológicas, além das práticas educativas e escolares. A imprensa é um corpus documental de vastas dimensões, pois se constitui em um testemunho vivo dos métodos e concepções pedagógicas de uma época e da ideologia moral, política e social de um grupo profissional. É um excelente observatório, uma fotografia da ideologia que preside. Nessa perspectiva, é um guia prático do cotidiano educacional e escolar, permitindo ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um determinado setor ou de um grupo social a partir da análise do discurso veiculado e da ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do universo escolar (Catani; Bastos, 1997).

3. Para as produções escolares de alunos do ginásio ou do ensino secundário há um número maior de estudos. Pode-se citar: Pinheiro (2000); Amaral (2002); Piñeda (2003); Almeida (2009, 2010a, 2010b); Renk (2011).

Referências

ALMEIDA, Doris Bittencourt. Propagandas na revista O Clarin: discursos que produzem identidades. CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 8, 2010, São Luis, Anais … São Luis: SBHE, 2010a.

ALMEIDA, Dóris Bittencourt. Um observatório de jovens: a revista O Clarim (1945-1965). ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO SUL RIO-GRANDENSE DE PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 16, 2010, Porto Alegre, Anais … Porto Alegre: Asphe, 2010b.

ALMEIDA, Doris Bittencourt. O Clarim: memórias de culturas jovens. CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 9, 2009, Rio de Janeiro, Anais … Rio de Janeiro: SBHE / Uerj, 2009.

AMARAL, Giana Lange do. Os impressos estudantis em investigações da cultura escolar nas pesquisas histórico-institucionais. História da Educação. Pelotas: Asphe, n. 11, 2002, p. 117-130.

ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira: ensaios de preliminares para sua história e suas fontes. São Paulo: Melhoramentos, 1968.

BISHOP, Marie-France. Racontez vos vacances…: histoires des écritures de soi à l’école primaire (1882-2002). Grenoble: PUG, 2010.

CATANI, Denice Bárbara; BASTOS, Maria Helena Camara. Apresentação. In: CATANI, Denice Bárbara; BASTOS; Maria Helena Camara (orgs.). Educação em revista: a imprensa periódica e a história da educação. São Paulo: Escrituras, 1997, p. 5-10.

FORTINI, Amneris. Jornal escolar. Revista do Ensino. Porto Alegre, v. 3, n. 10, jun., 1940, p. 95-96, FREINET, Celestin. Le journal scolaire. Vienne: Rossignol, 1957.

PINHEIRO, Ana Regina. A imprensa escolar e o estado das práticas pedagógicas: o jornal Nosso Esforço e o contexto escolar do curso primário do Instituto de Educação (1936- 1939). São Paulo: PUCSP, 2000. 136f. Dissertação (mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

PIÑEDA, Silvana Schuler. Hyloea: o feminino na revista dos alunos do Colégio Militar de Porto Alegre (1922-1938). Porto Alegre: Ufrgs, 2003. 193f. Dissertação (mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

RENK, Valquíria Elita. Imprensa escolar: uma demonstração do patriotismo do Estado Novo. CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 6, 2011, Vitória, Anais … Vitória: SBHE / Ufes, 2011.

WINTERMEYER, Rolf. Introduction. In: WINTERMEYER, Rolf; BOUILLOT, Corinne (org.). Moi public et moi privé dans lesmémoires et les écrits autobiographiques du XVIIe siècle à nous jours. Rouen: Publications des Universités de Rouen et du Havre, 2008, p. 11-31.

Maria Helena Camara Bastos – Organizadora do dossiê.


BASTOS, Maria Helena Camara. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 17, n. 40, maio / ago., 2013. Acessar publicação original [DR]

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