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A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas / Revista Brasileira de História da Educação / 2019
A produção de dossiês temáticos tem sido uma prática recorrente nas últimas décadas nas publicações acadêmicas, especialmente no campo das ciências humanas e sociais. As chamadas públicas de artigos utilizadas por parte dos periódicos acadêmicos representam estratégias de mobilização de pesquisadores para pensarem e produzirem análises em torno de determinados temas. Estes, em regra, são oriundos de demandas do próprio campo acadêmico, seja para atualizar um debate que é estratégico para o funcionamento do campo, seja para atender uma demanda institucional ou para suprir lacunas teóricas ou temáticas no Estado da Arte do campo.
Considerando este elenco de razões associadas à presença dos dossiês nos periódicos acadêmicos, a publicação – pela Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), do dossiê A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas – justifica-se, por um lado, como demanda institucional que visa marcar a comemoração dos vinte anos da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE: 1999-2019). Por outro, investe e contribui para a atualização de uma discussão que é uma constante na área de história e, por extensão, da história da educação, ou seja: a reflexão em torno da sua escrita, a partir da problematização da historiografia da educação, entendida como a história da história da educação.
Acreditamos que é função precípua da SBHE fomentar esse debate sobre os diferentes modos de produzir conhecimento histórico-educacional, de maneira a mantermos atualizada a percepção sobre os movimentos teóricos e temáticos no interior da área de conhecimento e, assim, reconhecer tendências em curso no interior campo científico e disciplinar. Partimos da premissa que as reflexões sobre a historiografia da educação contribuem para a afirmação da identidade do campo, à medida que localizam e problematizam as obras e os autores reconhecidos como marcos da interpretação do passado educacional, considerando os tipos de fontes, as demarcações temporal e espacial, as teorias sociais e as linguagens utilizadas pela pesquisa na especialidade em diferentes contextos. Nessa chave de leitura, a análise historiográfica é regida pela compreensão, a um só tempo, textual e contextual das narrativas, considerando não somente os contextos disciplinar e científico, mas, também, a ambiência social, intelectual e política na qual as narrativas e os historiadores estavam e estão imersos.
O papel da SBHE na indução dessa reflexão sobre a historiografia da educação é perceptível à medida que analisamos os debates realizados nas dez edições dos Congressos Brasileiros de História da Educação (CBHE), organizados pela SBHE. Toda essa produção encontra-se publicada, seja na forma de livros, especialmente na Coleção Horizontes, mantida pela Comissão Editorial da SBHE, ou como Anais Congressuais que reúnem os trabalhos apresentados nos CBHEs. Nesse sentido, decidimos aproximar e somar os debates produzidos nos congressos e o potencial de disseminação de conhecimento da RBHE, a partir da publicação desse dossiê, como parte das atividades congressuais do X CBHE, realizado na cidade de Belém, entre os dias 02 e 05 de setembro de 2019. Essa ação permitiu a convergência de esforços e recursos e, sobretudo, reafirmou o compromisso da SBHE, da RBHE e dos CBHEs com o tema da historiografia da educação.
Esse dossiê reforça o papel da RBHE na publicização da pesquisa da área. O lugar ocupado pelo periódico – avaliado com os conceitos A1 e B1 nas grandes áreas de Educação e de História respectivamente, além da indexação em bases relevantes, como a SciELO – garante a visibilidade dos resultados das pesquisas e, por extensão, a circulação do conhecimento em âmbito nacional e internacional. Para além de lugar de exposição de artigos submetidos espontaneamente, o periódico assume com este dossiê, pela primeira vez organizado a partir de uma chamada pública, uma nova função, qual seja: fomentar e dirigir a produção de determinados temas e problemas históricos.
Dessa maneira, inaugura-se uma nova modalidade de publicação no periódico, com regras próprias e diferenciadas, se comparadas com os dezesseis dossiês publicados anteriormente pela revista, entre 2001 e 2018. Nessa nova modalidade não existe limite para o número de artigos publicados, uma vez que, dos mais de trinta textos submetidos à chamada publica, todos aqueles sintonizados com a temática e aprovados no mérito acadêmico foram publicados. A diversificação dos modos de publicar no periódico atende ao objetivo de qualificar a posição ocupada pela RBHE no espaço editorial acadêmico.
Sobre a posição da revista no contexto das publicações acadêmicas alguns dados são ilustrativos e pretendemos compartilhar nesse momento. Em primeiro lugar, destacamos o crescimento do número de artigos publicados anualmente e as mudanças na periodicidade da RBHE entre os anos de 2001 e 2018.
Analisando esse gráfico verificamos algumas oscilações no número de artigos publicados, mas, considerando a série que reúne todos os números da revista entre 2001 e 2018, é perceptível o crescimento sustentado, especialmente a partir de 2011. As mudanças de periodicidade são também evidências importantes desse movimento de ampliação da circulação do periódico. A RBHE foi criada como periódico semestral em 2001 e assim permaneceu até 2006, entre 2007 e 2015 a periodicidade foi quadrimestral, entre 2016 e 2017 a revista assumiu a trimestralidade, passando a publicação contínua em 2018, em sintonia com demandas dos campos editorial e científico, que exigem a aceleração do processo entre a submissão de originais, sua avaliação e publicação.
A ampliação crescente do número de artigos publicados é resultante do aperfeiçoamento técnico e gerencial do periódico, atendendo às modernas e internacionais normas para as publicações acadêmicas, assim como do amadurecimento e da consolidação da pesquisa em história da educação no país. É evidente que, sem produção qualificada na área, não há como sustentar um periódico como a RBHE. A rigor, é importante mencionar que a RBHE não é a única revista dedicada à publicação da produção em história da educação no mercado editorial acadêmico no Brasil, já que as grandes áreas da Educação e da História contam com, pelo menos, mais seis periódicos especializados no tema. Soma-se a esta produção veiculada em periódicos especializados um outro conjunto significativo de produtos de pesquisa em história da educação publicados em periódicos importantes, mas não especializados, da grande área de Educação. Acrescente-se, ainda, os periódicos internacionais vinculados ao tema. Em síntese, a amplitude desse espaço editorial é uma evidência, incontestes, da pujança da produção de pesquisas em história da educação no Brasil.
Um problema histórico do campo é a concentração da produção em determinadas instituições, estados e regiões do país. Esta não é uma questão exclusiva da história da educação, já que a concentração de recursos e, por extensão, de instituições qualificadas de pesquisa é uma constante nas diferentes áreas do conhecimento, reproduzindo as marcantes diferenças sociais e econômicas do país. Não obstante, a distribuição estadual e regional dos artigos publicados pela RBHE, entre 2001 e 2018, revela que, apesar da concentração da produção, a história da educação tornou-se um tema tratado em todas as regiões e em vinte e um dos vinte e seis estados que compõem a federação.
São Paulo e o Sudeste representam as maiores concentrações em termos estaduais e regionais. Na região Sul, Paraná e Rio Grande do Sul se equiparam, enquanto na região Nordeste os pesquisadores sediados em instituições do estado de Sergipe têm o maior número de artigos publicados na RBHE. No Centro-Oeste o Mato Grosso do Sul e no Norte o Pará são os estados de origem dos pesquisadores com maior concentração de publicações nas respectivas regiões.
Em termos institucionais, cerca de cento e quarenta instituições de pesquisa se fizeram representar por seus pesquisadores nos dezoito anos de circulação do periódico. O gráfico a seguir mostra as vinte instituições, nacionais e internacionais, que mais publicaram no periódico entre 2001 e 2018.
Outra frente de investimento importante da RBHE é a internacionalização do periódico. No âmbito do trabalho editorial destaca-se a inclusão de um Editor Associado com afiliação em instituição estrangeira, além do periódico contar com a colaboração de dez pesquisadores estrangeiros como membros do Conselho Editorial, perfazendo um total de 36% do conjunto dos conselheiros. Estes colaboradores estrangeiros estão vinculados a instituições da América do Norte, do Sul e da Europa. Sobre os artigos vale mencionar que 30 % são publicados em versão bilíngue (inglês e português), além do periódico aceitar a submissão de manuscritos em inglês e espanhol. Esse esforço de visibilidade da revista, para além das fronteiras nacionais, tem dado resultados, já que pouco mais de 20% dos artigos publicados, entre 2001 e 2018, foram submetidos, por demanda espontânea, por autores com afiliação institucional no exterior, distribuídos de acordo com o gráfico a seguir.
Fica evidente na distribuição dos artigos oriundos de pesquisadores com afiliação institucional no exterior a concentração na Península Ibérica e na América do Sul, com destaque para Argentina e Portugal. A questão da língua e da proximidade das fronteiras têm favorecido esse intercâmbio, contudo segue a necessidade de encontrar meios e estratégias capazes de ampliar a circulação internacional do periódico. A presença de pesquisadores franceses em número expressivo pode ser explicada pela ênfase na interlocução teórica da área com a cultura historiográfica francesa, especialmente em relação à chamada nova história cultural. Em relação à América do Norte percebemos nos últimos anos a ascendência de artigos procedentes do México e dos EUA, constituindo espaços de interlocução que deverão ser consolidados.
Apresentados estes dados e argumentos referentes aos papéis e às ações da SBHE e da RBHE nos planos acadêmico e editorial, passamos a apresentar o dossiê A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas. O Dossiê está composto por treze artigos, produzindo uma cartografia extensa de temas, abordagens e fontes mobilizadas na escrita da história da educação brasileira. Foram privilegiadas pelos autores, das mais diversas regiões do Brasil, reflexões que problematizaram o campo de pesquisa e as contribuições da SBHE ao longo de seus vinte anos de existência.
Abrindo o dossiê, o artigo Historiadores da Educação Brasileira: gerações em diálogo, de Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, que apresenta aos leitores pesquisa, realizada especialmente para os propósitos das efemérides dos vinte anos da SBHE, por meio do conceito de gerações, traçando uma ampla visada do perfil dos pesquisadores da área de diferentes tempos e espaços institucionais.
Em seguida, o artigo O “grupo de Laerte” e a escrita da história da educação (1962-1972), de Bruno Bontempi Jr, retomando as contribuições do professor Laertes Ramos de Carvalho, na organização do primeiro projeto integrado de produção de conhecimento em história da educação no Brasil, iniciado nos anos de 1950, na Universidade de São Paulo.
O artigo, Presença franciscana e supremacia jesuítica no campo da História e da História da Educação na época colonial – um diagnóstico na pesquisa historiográfica a partir da análise dos CBHE da SBHE, de Luiz Fernando Conde Sangenis e Peter Johann Mainka, permite um olhar sobre um período da história da educação brasileira, que começa a ganhar visibilidade entre os pesquisadores nos congressos realizados pela SBHE. Os autores salientam a predominância dos estudos sobre os Jesuítas e destacam a importância das pesquisas que dão visibilidade à presença da ordem Franciscana, no âmbito da história da educação brasileira.
Apresenta-se na sequência, um conjunto de artigos dedicados à história das instituições escolares trazidas por autores que nos apresentam estudos que vão desde as concepções sobre os tipos de instituições escolares: As escolas que construímos: a História de Instituições Escolares na Revista Brasileira de História da Educação, de Ademir Valdir dos Santos e Ariclê Vechia; A Contribuição dos Estudos sobre Grupos Escolares para a Historiografia da Educação Brasileira: reflexões para debate, de Rosa Fátima de Souza. Dando continuidade, dois artigos cujo olhar dos autores dirige-se para a vida cotidiana das escolas, amparados em abordagens sobre a cultura escolar e cultura material escolar: A Escrita da Arquitetura Escolar na Historiografia da Educação Brasileira (1999-2018), de Marcus Levy Bencostta; e A cultura material da escola: apontamentos a partir da história da educação, de Andre Luiz Paulilo. E, finalizando esse conjunto de artigos temos um estudo comparativo sobre as festas escolares em Portugal e no Brasil: Festejar aqui e lá: a escrita comparada das festas escolares no Brasil e em Portugal (1890-1920), de Renata Marcílio Cândido.
No artigo de Eliane Teresinha Peres, A constituição de um arquivo e a escrita da história da educação: do gesto artesão à prática científica, a autora discute o importante papel da organização dos acervos escolares, como parte da constituição da memória sobre o universo escolar e, também, como prática do exercício de formação dos pesquisadores.
Nos dois artigos que se seguem História e historiografia da Educação de Jovens e Adultos no Brasil – inteligibilidades, apagamentos, necessidades, possibilidades, de Cristiane Fernanda Xavier e Educação não escolar: Balanço da produção presente nos Congressos Brasileiros de História da Educação, de Maria Betania Barbosa Albuquerque e Jane Elisa Otomar Buecke, os autores enfatizam dois temas ainda pouco explorados no âmbito da história da educação brasileira, identificando, inclusive, as possíveis razões para essas ausências.
O penúltimo artigo do dossiê, Cartografia das produções em história da educação nos programas de pós-graduação em educação no Pará (2005-2018), de Laura Maria Silva Araújo Alves, Vitor Sousa Cunha Sousa Cunha Nery e Livia Sousa da Silva, para além de apresentar a vitalidade das pesquisas em história da educação no Pará, estado que acolheu a décima edição do Congresso Brasileiro de História da Educação, em setembro de 2019, apresenta e amplia a percepção sobre as diferentes escritas da história da educação no país.
Fechando o dossiê temos o artigo de Marisa Bittar, Vinte anos da Sociedade Brasileira de História da Educação: com os olhos no futuro. A autora recupera a história da SBHE (1999-2019) e projeta possibilidades para o futuro, apresentando para a comunidade de pesquisadores novos desafios.
Como se percebe nos textos aprovados, ainda que não constasse no escopo da chamada pública do dossiê o papel da SBHE, muitos artigos tomam como tema, como fonte ou como problema a entidade e as suas instâncias de divulgação e produção do conhecimento. Este movimento espontâneo dos pesquisadores evidencia o lugar central ocupado pela SBHE, RBHE e CBHEs, nos horizontes da produção do conhecimento em história da educação no país.
Desejamos uma boa leitura.
Carlos Eduardo Vieira – Doutor em História e Filosofia da Educação (PUCSP – 1998); Pós-Doutor nas Universidades de Cambridge (2008) e Stanford (2015). Professor e Pesquisador da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: cevieira9@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0001-6168-271X
Claudia Engler Cury – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Atuou como Tesoureira da Sociedade Brasileira de História da Educação nos biênios (2013-2015 e 2015-2017), professora associada IV do departamento de história da Universidade Federal da Paraíba. Membro efetivo dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UFPB. É editora-chefe da RBHE. E-mail: claudiaenglercury73@gmail.com https: / / orcid.org / 0000-0003-2540- 2949
VIEIRA, Carlos Eduardo; CURY, Claudia Engler. [A escrita da história da educação no Brasil: experiências e perspectivas]. Revista Brasileira de História da Educação. Maringá, v. 19, 2019. Acessar publicação original [DR]