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Ensino médio: à luz do pensamento de Gramsci – NOSELLA (TES)
NOSELLA, Paolo. Ensino médio: à luz do pensamento de Gramsci. Campinas, São Paulo: Editora Alínea, 2016. 180 pp. Resenha de: CAMPELLO, Ana Margarida de Mello Barreto. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.15 n.2, mai./ago. 2017
Ensino Médio: momento decisivo da formação humana
Nosella reúne nesse livro seis ensaios sobre o Ensino Médio. Apresentados primeiramente em forma de palestras e mesas redondas e posteriormente publicados em periódicos, os textos que compõem essa obra, escritos em diferentes momentos e à luz de contextos específicos, estruturam-se a partir de teses de fundo, que se repetem ao longo dos textos apresentados, a saber:
Aos adolescentes (todos) do Ensino Médio de 14 a 18 anos deve ser garantida uma formação de cultura geral, moderna e humanista, de elevada qualidade; sendo o estudo um trabalho muitas vezes mais duro e árduo que muitas outras atividades do mercado, muitos adolescentes as ‘escolhem’ por razões superficiais, imediatistas e utilitárias e não pela razão recôndita em sua consciência; se a desumana necessidade da família os empurra para a profissionalização precoce, cabe ao Estado intervir, remunerando seu trabalho/estudo, garantindo, com isso, a indefinição profissional, direito natural dessa fase etária, sem assistencialismos ou subterfúgios didáticos (p. 9).
O primeiro texto, “O Ensino de 2° Grau”, escrito para servir de base às discussões do Congresso Estadual de Educação da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, realizado em abril de 1991, questiona a falta de clareza quanto à função específica desse nível de ensino. Seria ele propedêutico ao ensino superior, profissionalizante ou pré-profissionalizante? Fase terminal ou meramente transitória do sistema educacional?
Nosella entende ter havido um certo avanço quando se afirma ser o trabalho o princípio fundamental do ensino de 2° grau, mas que ainda assim permanecem dúvidas quanto à questão de sua identidade pedagógica. Defende que a autonomia didático-metodológica do ensino de 2° grau deve ser afirmada por um ensino marcadamente histórico e renovador que se define pelo e para o jovem a quem se destina e que ‘reinventa’ e ‘recria’ os instrumentos da ciência e da cultura ao reconhecê-los como histórica e politicamente criados pelos homens (p. 21). Na continuidade do desenvolvimento desse primeiro texto identifica dois princípios fundamentais para o ensino de 2° grau: o primeiro seria o próprio trabalho moderno, sua história, seus valores, suas leis. O segundo princípio, de caráter didático-metodológico, seria o exercício racional da autonomia, da criatividade e da responsabilidade humana.
O autor reconhece que a “catástrofe social” produzida no Brasil obriga os jovens à prematura busca pela sobrevivência, no entanto reafirma já nesse primeiro texto sua tese principal de que o Ensino Médio é fundamentalmente formativo, de caráter humanista, não profissionalizante.
O segundo capítulo é constituído pela conferência “Para além da formação politécnica”, proferida, em 2006, no Primeiro Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores, promovido pelo Grupo de Pesquisa Labor da Universidade do Ceará. Segundo o autor, esse texto visa explicar por que considera inadequada a expressão ‘educação politécnica’, defendida por vários educadores marxistas, sobretudo nos anos 1990 e que para ele não traduz as necessidades de educação da sociedade atual, também insuficiente para explicitar os germes do futuro da proposta educacional marxiana (p. 50).
O autor esclarece que sua crítica à “bandeira politécnica” não é uma “mera questão de pureza semântica” e entende que os que a empunham defendem “políticas educacionais de outros tempos” como se “aqueles tempos e contextos passados conservassem hoje o mesmo significado cultural de antigamente” (p. 26). Explicita os termos utilizados e as fontes de estudo nas quais se baseia, assim como apresenta as razões que justificam suas críticas de natureza semântica, histórica e política à proposta de educação politécnica para a formação dos trabalhadores.
Apesar de considerar “muita pretensão elaborar uma proposta para a formação dos trabalhadores” (p. 44), retoma Marx e sua “fórmula pedagógico-escolar de instrução intelectual, física e tecnológica para todos (…) pública e gratuita (…) de união do ensino com a produção (…) livre de interferências políticas e ideológicas” e Gramsci e sua proposta de escola unitária para (re)afirmar a “formação omnilateral ou de escola unitária para todos e antes de tudo a superação da dicotomia entre o trabalho produtor de mercadorias e o trabalho intelectual” (p. 46)
No terceiro capítulo, Nosella republica “Ensino Médio: em busca do principio pedagógico”, um texto que, segundo ele, nem sempre é bem considerado pela academia por estar “marcado pela experiência pessoal e pela emoção” (p. 10). Apresentado pela primeira vez em 2009, nesse artigo o autor parte de uma constatação: a intensificação do debate sobre o Ensino Médio que, segundo ele, é decorrente do aumento das matrículas nesse nível de ensino, constatado em pesquisas tais como a PNAD 2008 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) , do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse crescimento de matrículas, segundo o autor, leva a que muitos pretendam “tirar proveito material dessa mão de obra juvenil e por isso pensam em profissionalizá-la rápida e precocemente” (p. 52). Ao defender o princípio pedagógico específico do Ensino Médio, entende que ele “é decorrente do momento vivido pelo jovem em busca de sua autonomia e identidade moral, intelectual e social” (p. 53).
Esse texto faz um resgate histórico bastante interessante dos debates acerca da dualidade do Ensino Médio brasileiro. Aborda as experiências de Anísio Teixeira da escola técnica secundária, ainda nos anos 1930, no então Distrito Federal, a reforma Capanema, o fracasso da profissionalização compulsória da lei n. 5.692/71, tentativa, segundo o autor, dos militares de universalização de seu sonho educacional de uma escola de técnicos submissos, de operadores práticos. A polarização dos debates educacionais quando da promulgação da Constituição de 1988 e da nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996, a promulgação do decreto n. 2.208/97 pelo governo Fernando Henrique Cardoso e sua revogação pelo governo Lula. Em poucas páginas, o autor aborda, aprofunda e resgata historicamente as disputas de projeto para o Ensino Médio brasileiro.
O capítulo quatro “Ensino Médio: unitário ou multiforme?” sistematiza o debate com interlocutores do GT9 – Trabalho e Educação da Anped (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação) e se constitui em continuação do capítulo anterior. “Conceitua a noção de escola unitária e de Ensino Médio e defende a reforma profunda dessa fase escolar (…) contra a atual política de sua fragmentação e profissionalização” (p. 69). Nesse texto, o autor aborda a função estratégica do Ensino Médio que, segundo ele, se constitui na pedra angular, “fase estratégica do sistema escolar e do processo de democratização e modernização de uma nação” (p. 71).
Sobre o conceito de escola única ou unitária, nesse capítulo, Nosella contrapõe esse conceito à questão da dualidade escolar, situando a ocorrência dos debates a esse respeito desde o final do século XIX. A existência de dois sistemas escolares, um de cultura geral desinteressada para formação de dirigentes, o outro de preparação profissional para os quadros do trabalho, leva à defesa de um sistema escolar unitário de educação básica, de modo a superar essa dualidade que seria expressão de injustiça social. Explora as diferenças semânticas entre os conceitos ‘único’ e ‘unitário’ para uma análise hermenêutica do conceito gramsciano de escola unitária, estabelecendo o autor em seu contexto histórico e cultural. Ao dialogar com Moura, Lima Filho e Silva (2015) considera que, no atual momento político brasileiro, é “importante propor com mais vigor e integralidade o projeto de escola média unitária” (p. 95), entende que os autores defendem uma visão de ensino médio multiforme e contesta a visão de “travessia” por eles apresentada.
O quinto texto, “Ensino Médio e educação profissionalizante”, constitui-se no prefácio do livro Educação profissional: análise contextualizada, organizado por Antonia de Abreu Sousa e Elenilce Gomes de Oliveira e publicado pela editora da UFC (Universidade Federal do Ceará). Nesse prefácio, Nosella destaca as críticas profundas e contundentes que os autores do livro fazem da educação profissionalizante, enfatiza a necessidade de que, ultrapassando a crítica, proponham as bases de suas propostas de politicas públicas no sentido da construção de um sistema unitário de ensino básico, fundamental e médio e, poeticamente, faz uma analogia entre o canto do rouxinol, representado pelas críticas, e a necessidade de realçar o canto da cotovia que estaria presente na explicitação da proposta de escola unitária.
O sexto e último ensaio, “A Escola de Gramsci: 22 anos depois”, constitui-se em atualização, um quase posfácio ao livro A Escola de Gramsci, publicado pela primeira vez em 1992. Organizado em tópicos, esse texto aborda quatro questões: a ideológica partidária, a linguística, a do historicismo e da dialética e a da escola unitária do trabalho. Ao abordar cada uma dessas questões, Nosella examina afirmações muitas vezes repetidas, redefinindo-as. Destaca Gramsci como um estudioso da linguística. Afirma que a única leitura possível de Gramsci é uma leitura absolutamente historicista, uma vez que é assim que esse pensador se autodefine (p. 127). Ao rever a conceituação de historicismo em Gramsci, reconhece, no livro que atualiza, passagem que “reflete posições teóricas deterministas” (p. 130) e esclarece o equívoco redigindo novas páginas. Finaliza trazendo novas fontes – os arquivos russos de Giulia Schucht, esposa de Gramsci – para o estudo da nomenclatura e da ideia de escola unitária, que representa a antítese política educacional contra a tese liberal da escola dual de ensino básico.
A atualidade e concretude deste livro de Paolo Nosella está exatamente em retomar questões historicamente em debate quando se trata de refletir sobre o Ensino Médio no Brasil. A continuidade histórica do debate desvela sucessivas reformas que, ao longo dos anos, deram quase sempre em nada e que parecem querer afirmar que o fracasso educacional é o objetivo do projeto de educação das classes dominantes no Brasil.
Nesse momento em que pela primeira vez se reforma, por meio de Medida Provisória, o Ensino Médio no Brasil reafirmo, com o autor, que estamos a anos luz da sonhada escola unitária, o que não significa que se deva abandonar a utopia.
Referências
MOURA, Dante H.; LIMA-FILHO, Domingos L.; SILVA, Mônica R. Politecnia e formação integrada: confrontos conceituais, projetos políticos e contradições históricas da educação brasileira. Revista Brasileira de Educação (Impresso), v. 20, p. 1.057–1.080, 2015. [ Links ]
Ana Margarida de Mello Barreto Campello – Professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: anamargarida@fiocruz.br>
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