O ensino de Humanidades nas escolas: Sociologia, Filosofia, História e Geografia | Cristiano das Neves Bodart

Possibilitar uma reflexão séria e profícua sobre os saberes oriundos daquilo que o campo científico convencionou denominar Humanidades, apontando a atualidade e as possibilidades das disciplinas que compõem esse diverso campo temático nas instituições escolares, bem como fundamentar a importância desses conhecimentos no cotidiano de milhões de jovens brasileiros é o que faz a obra organizada pelo professor Dr. Cristiano das Neves Bodart, intitulada “O ensino de Humanidades nas escolas”. Nela, podemos observar, através de sólidos diálogos teóricos, como Sociologia, Filosofia, História e Geografia, enquanto saberes específicos de dada área do conhecimento, representam não apenas uma forma de apreensão do mundo social legitimada pela ciência, mas também e, sobretudo, uma ação política de resistência. Leia Mais

Filosofia do ensino de Filosofia: propostas metodológicas para o ensino de Filosofia – SANTOS (C)

SANTOS, Rodrigo Barboza dos. Filosofia do ensino de Filosofia: propostas metodológicas para o ensino de Filosofia. Porto Alegre: Editora Fi, 2017.Resenha de: CHAVES, Kleber Santos. Conjectura, Caxias do Sul, v. 24, 2019.

O problema no ensino de Filosofia no Ensino Médio: sua natureza, seus contornos teóricos, problemas e algumas reflexões acerca do seu ensino são alguns dos aspectos que levaram Rodrigo B. dos Santos à realização de pesquisa que culminou com a obra aqui resenhada. Santos (2017) relaciona-se com tal problema desde sua experiência como professor no Ensino Médio e foi ela que determinou sua inquietude com o ensino de Filosofia. Tal inquietação motiva sua pesquisa desde a graduação, pois Santos (2017) entende o ensino de Filosofia como um problema efetivamente filosófico, páreo a tantos discutidos na tradição filosófica, apesar de constatar que há uma omissão na reflexão desses textos e autores dentro da própria Filosofia, em virtude, dentre outras, das divergências quanto à natureza de tal problema: pedagógico, didático, filosófico?

Em busca de uma resposta e inserido na tradição filosófica da hermenêutica – como interessada na interpretação dos significados adjuntos ao entendimento e às implicações desses em um escrito –, Santos (2017) parte em busca da compreensão dos sentidos que os textos apresentam para o ensino de Filosofia em um contexto no qual se entende possível tal ensino. Dessa maneira, os textos postos em comparação demonstram que o contexto de escrita da obra permite à Filosofia ser pensada como disciplina da Educação Básica, sem a perda de sua identidade. Afinal, como parte singular do conhecimento humano, não poderia a Filosofia ser mantida distante das pessoas, portanto, não poderia estar longe da escola.

Com essa compreensão, Santos (2017) organiza seu livro em quatro capítulos, precedidos pela introdução e encerrados com as considerações finais. O autor seleciona os trabalhos de Alejandro Cerletti, Lídia Maria Rodrigo e Silvio Gallo e, por meio da análise de suas obras, discute o que é o ensino de Filosofia. Justifica que a escolha dos autores se deu em virtude de o primeiro estar consagrado como referencial obrigatório dos assuntos de ensino de Filosofia de maneira mais global e de que os dois últimos são importantes referenciais do tema no Brasil.

No primeiro capítulo, é analisada “A concepção de ensino de Filosofia para Alejandro Cerletti”. São apresentadas as ideias do argentino discutidas no livro O ensino de Filosofia como problema filosófico, resultado de sua tese de doutorado. A análise leva em consideração três categorias principais: a definição de Filosofia como problema filosófico; o entendimento do que ela seja (de sua natureza) e do que se configura seu ensino. Essas categorias são empregadas na análise das obras de Rodrigo e Gallo, nos capítulos seguintes.

Começando pela análise da obra de Rodrigo (2009), já no segundo capítulo de seu livro, o autor aponta que essa foi publicada imediatamente após o retorno da Filosofia ao currículo do Ensino Médio por força da Lei Federal n. 11.684/2008. Santos (2017) destaca a preocupação de Maria Rodrigo com o que ela classifica de “banalização da filosofia”, mas não somente, uma vez que a autora oferece caminhos à superação desse risco a que a Filosofia está submetida pelo modo como ela retorna ao currículo.

Outro destaque na obra de Maria Rodrigo, apontado por Santos (2017), consiste na sua classificação pelos estudiosos de Filosofia em níveis que vão dos clássicos da Filosofia (“filósofos originais”), passando pelos especialistas (acadêmicos e professores de Filosofia), pelos estudantes de Filosofia (que almejam se tornarem especialistas) até o aluno do Ensino Médio, que parte do zero e deseja saber algo sobre a Filosofia, sem, necessariamente, ansiar por uma especialização nessa área do conhecimento.

O terceiro capítulo é dedicado ao estudo da obra de Gallo. Segundo Santos (2017), é possível destacar os seguintes elementos acerca da discussão do ensino de Filosofia efetuada por esse autor: a necessidade de o professor ter claro para si a concepção de Filosofia com a qual se identifica e que influencia no seu modo de ensino; a importância de dar ciência aos estudantes dessa concepção, permitindo que as demais visões conceituais de Filosofia estejam presentes; a indicação do conceito como objeto caro ao processo de filosofar tanto quanto ao de ensinar a filosofar.

Já no Capítulo 4, quando se apresentam as distinções marcantes entre as obras de Gallo e Certelli, Santos (2017) reafirma a aproximação entre os autores, ao mesmo tempo que afirma ser este ponto o centro da discordância entre ambos: para Gallo, a Filosofia pode ser identificada como a “criação de conceitos”; já para Certelli, seria um “processo reflexivo de problematização”. Isso implica que o primeiro aponte o ato de conceituar como centro do filosofar, enquanto o segundo, apesar de reconhecer a importância do conceito, trata a problematização como pedra angular do ensino dessa disciplina.

Concordamos quanto ao tema central do livro de Santos (2017): o ensino de Filosofia é um problema filosófico, uma vez que não pode desconsiderar a história, os clássicos, os argumentos, os conceitos e as perspectivas desenvolvidos pelos mais diversos filósofos, já que também não se pode encerrar a disciplina nesses aspectos.

O que não se pode perder de vistas é uma constante reflexão filosófica – portanto desapressada, aprofundada e não definitiva – das práticas de Ensino de Filosofia que, certamente, devem ser observadas em todas as esferas, das institucionais com as definições legais (LDB, DCN, BNCC, dentre outras), até o cotidiano em sala de aula. Além disso, não se imagina que esse processo possa ocorrer longe dos professores e pesquisadores de Filosofia, de Ensino de Filosofia e da Filosofia da Educação.

Nas considerações finais, Santos (2017) deixa o entendimento, ainda que bastante implícito, de que apenas a modificação das práticas dos professores será capaz de tornar o Ensino de Filosofia mais filosófico, o que incorre no equívoco de reproduzir o discurso de culpabilização do docente quase como único fator dos fracassos que podem ocorrer no campo da educação.

Cabe, por fim, demarcar a importância do esforço hermenêutico na obra, tanto pela revisão conceitual e comparativa realizada por meio da análise da produção de três grandes pesquisadores contemporâneos do ensino de Filosofia, de modo a subsidiar e encaminhar muitos problemas das práticas educativas dessa disciplina, quanto – talvez de modo mais urgente pelo contexto atual da educação no Brasil – pela afirmação do papel que a Filosofia desempenha no desenvolvimento educacional dos estudantes.

Por isso, lembramos: a Filosofia só esteve fora do currículo da escola quando a controvérsia, a diversidade e o diálogo foram dela expulsos. Não sendo o saber filosófico útil (no sentido mercadológico) aos interesses imediatos dos que hegemonizam na condução do País, uma vez que a Filosofia não prescreve receitas prontas, nem aceita a repetição uníssona – mas as indaga – ameaça-se a retirada do seu parco espaço em detrimento de saberes mais pragmáticos.

Kleber Santos Chaves – Licenciado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Nossa Senhora das Vitórias (IFNSV) e o Centro Universitário Claretiano (CEUCLAR). Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Maurício de Nassau (UNINASSAU, 2019). Mestrando em Ensino pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Integrante do grupo de pesquisa “Currículo, Gênero e Relações Étnico-Raciais” (UESB/CNPq). Professor regente de Filosofia na rede estadual de Educação do Estado da Bahia. E-mail: kleber.ksc2@gmail.com Orcid ID: https://orcid.org/0000-0002-8005-1865

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Enseñar filosofía o filosofía del enseñar: acerca de Platón y la política – SOARES (RA)

SOARES, Lucas. Enseñar filosofía o filosofía del enseñar: acerca de Platón y la política. Buenos Aires: Tecnos, 2010. Resenha de: BIEDA, Esteban. Revista Archai, Brasília, n.9 p.153-156, jul., 2012.

Ante todo, acordemos un breve marco conceptual. En líneas generales, el objeto de estudio de la filosofía no son las cosas, sino las I que los filósofos se hacen o tienen acerca de esas cosas.  La etimología de la palabra “teoría”da cuenta de esto, dado que tiene que ver con la “contemplación”de algo, con la “visión”que se puede tener de un objeto, de un fenómeno o de una idea: una teoría no es la cosa sino una representación de la cosa. Siguiendo esta línea, la historia de la filosofía probablemente consista en una representación del modo en que tal o cual filósofo se ha representado, a su vez, determinada cosa: estaríamos ante una  representación de representación. La distancia que media entre el historiador de la filosofía y el mundo podría parecer, así, casi insondable. Es por esta razón que algunos han afirmado que hacer historia de la filosofía no es una tarea filosófica sino, a lo sumo, historiográfica. En lo que sigue trataré de mostrar por qué, a mi juicio, el libro de Lucas Soares, Platón y la política, es una prueba que refuta dicha posición: no es sólo un libro de historia de la filosofía sino fundamentalmente un libro filosófico.

Comencemos por la expresión “hacer filosofía”o, mejor dicho, “tener a la filosofía como profesión en el siglo XXI”. La posición más tradicional sugiere que hacer filosofía consiste en la creación de sistemas de conceptos capaces de dar cuenta del  mundo circundante. Junto a este sentido clásico  y restringido hay otro quizá demasiado amplio: si es cierto, como decíamos antes, que el filósofo no trabaja con el mundo sino con las representaciones que tiene acerca del mundo, alguien podría concluir que, en ese caso, cada hombre particular es un  filósofo particular, alegando que las representacio nes son particulares e intransferibles. Si la primera definición de “hacer filosofía”–en tanto creación de sistemas conceptuales– era demasiado estrecha, esta segunda parece demasiado amplia. ¿Qué estadios intermedios hay v.g. entre la intrincada prosa hegeliana y el taxista que se pregunta por las razones de su tristeza? ¿Qué puentes hay entre el plano de la teoría y el de la praxis en lo que respecta a las preguntas filosóficas por antonomasia: “¿qué es el mundo?”, “¿qué es el hombre?”? Vayamos a esto.

En un tratado dedicado al estudio del alma  Aristóteles insiste en que “filósofo”no es quien tan sólo posee conocimientos filosóficos, sino quien se sirve de ellos, quien los teoriza, quien los pone en acción. El hombre que posee conocimientos pero  está dormido o no los utiliza no es filósofo en sentido pleno. El conocimiento por el conocimiento mismo no es una meta aristotélica. Ahora bien, ¿qué hay que entender por ‘utilizar los conocimientos filosóficos’? Cuando Aristóteles se propone definir lo que entiende por “conocimiento”(epistéme), cosa que hace en el primer capítulo de la que probablemente sea su obra más compleja, la Metafísica, señala como característica fundamental su enseñabilidad. Es en ese contexto que sienta la siguiente posición: “signo para distinguir al que sabe del que no sabe es su capacidad de enseñar”(Met. 981b7). Alguien “sabio”no es, pues, quien simplemente posee conocimientos, sino quien es capaz de utilizarlos o actualizarlos, entre otros modos posibles, mediante la enseñanza. Enseñar filosofía es, sin dudas, uno de los puentes que buscábamos, uno de los lazos capaces de unir el mundo de las más abstractas teorías filosóficas y las quizá poco revisadas convicciones de quienes se acercan a la filosofía por primera vez. Un filósofo no es únicamente quien crea sistemas conceptuales complejos sino también quien los comparte pedagógicamente con sus alumnos.

¿Qué tiene que ver todo esto con el libro de Lucas Soares? Pues bien, en él se plasman  esos dos aspectos que, sólo cuando unidos, hacen a la verdadera filosofía: la erudición teórica, por un lado, y el carácter irrenunciablemente  didáctico con el que se la presenta, por el otro. Al conocimiento profundo y exhaustivo de las  diversas representaciones que tuvo Platón acerca de su mundo y, en particular, de su realidad política, Lucas le suma la traducción a un plano donde se vuelve comunicable. Su libro no reposa, inerte, en el limbo de los análisis enrevesados e incomprensibles, sino que se compromete con la transmisión de la letra platónica sin por ello desatender la claridad y accesibilidad para el  lector. Aun cuando es un fino estudioso de los complejos problemas de la filosofía antigua (y  contemporánea), Lucas logra lo que pocos: hacerlo atractivo para cualquiera, dócil a la lectura para quien esté dispuesto a conocer cómo pensó Platón su entorno político y en qué dirección  hubiese querido transformarlo. ¿Significa esto  que estamos ante un manual de filosofía política platónica? De ningún modo, porque el libro no se limita a describir –pretensión del manual– sino que interpreta  mediante una hipótesis rectora  que lo recorre: “nuestra intención es desmitificar tanto la supuesta confianza ciega en la  pintura ideal de gobierno que Platón delinea en República, como el presunto realismo extremo de Leyes. Como se intentará demostrar a lo largo del libro, el pensamiento platónico es un tanto más complejo…”(p.10). No se resume el pensamiento político platónico, sino que se lo interpreta sobre la base de un profundo respeto, tanto por la letra platónica como por los lectores. ¿Y qué es la docencia sino la re-presentación de ciertos contenidos conceptuales, sensatamente dosificados con las propias interpretaciones? Enseñar interpretando, lo que podríamos denominar una “didáctica hermenéutica”, es una de las formas de la filosofía, y es lo que este libro propone.

Hay una idea que me interpela hace ya  varios años: si hoy Platón viviera, no entendería la mayor parte de los libros que se escriben acerca de él. Y esto ocurriría, creo, porque hay quienes identifican “hacer filosofía”con “complicar lo sencillo”. Tantos  papers, libros monográficos,  colecciones de artículos, todos escritos por los  así (auto)denominados “mayores especialistas en  la obra platónica”, se definen, en algunos casos  (porque por suerte hay varias excepciones), por su capacidad para complicar: cuánto más se enroscan los argumentos, más ‘serio’ y ‘valioso’ es el libro.  ¿Desde cuándo la seriedad es eso? ¿Por qué no  volver a los filósofos griegos del modo que proponía Pascal, pensador al que nadie se atrevería a negarle seriedad: “ordinariamente suele imaginarse a Platón y a Aristóteles con grandes togas y como personajes graves y serios; eran buenos sujetos,  que se divertían, como los demás, en el seno de la amistad. Escribieron sus leyes y retratos de política para distraerse y divertirse: esa era la parte menos filosófica de su vida. La más filosófica era vivir sencilla y tranquilamente”(Pensamientos)? Montaigne se lamentaba de un modo similar: “borran de la  historia que el más sabio y el más virtuoso de los hombres, Sócrates, bailaba”(Ensayos).

Desde mi punto de vista, un libro de filosofía no nace cuando es publicado; tampoco cuando es comprado por alguien. Un libro de filosofía nace  cuando es leído. Pues bien, me atrevo a decir que todos esos libros “eruditos”o de “especialistas”no deben tener, a nivel mundial, más de mil o dos mil lectores, lectores entre los cuales, si estuviera vivo, probablemente no se contaría Platón. ¿Por qué no? Porque, como afirma Lucas en su libro a propósito del proyecto político platónico, “el hecho de erigir su primer y mejor orden político como un ideal  inalcanzable en los mismos términos que supone  el modelo (parádeigma), no significa que la  pólis platónica se limite a una mera abstracción teórica, inviable en la práctica y sustraída al devenir histórico, sino que se trata más bien de un horizonte regulativo que apunta fundamentalmente a señalar un nuevo camino y la meta que debería proseguir de allí en más la verdadera política”(pp.232-3).  El genio de Platón no consiste en lo que algunos consideran su ‘idealismo’: el creador de la teoría  de las ideas no fue un idealista, al menos no en  el sentido que hoy le damos al término. El genio  de Platón consiste en su esfuerzo –quizás nunca  definitivamente exitoso– por tratar de comunicar  el plano de lo modélica y anheladamente perfecto con el de lo difuso y corruptible. A eso se refiere Lucas cuando afirma que “Platón nunca emprende su investigación acerca de lo político en abstracto, sino que pone en práctica un abordaje de naturaleza dual, el cual supone un ojo puesto en el análisis  histórico […] y otro puesto en la elaboración de  una alternativa política de cuño personal”(p.229). Parafraseando este pasaje, me atrevo a decir que  ‘Lucas nunca emprende su investigación, sea cual fuere, en abstracto, sino que pone en práctica un abordaje de naturaleza dual, el cual supone un ojo puesto en la transmisibilidad de los problemas a sus alumnos-lectores y otro puesto en la elaboración  de una interpretación de cuño personal’. Muchos  libros que estudian la filosofía antigua son escritos “en abstracto”; el de Lucas, por el contrario, se  concreta en la misión cuasi divina de la enseñanza, de aquello que hace que cada hombre no sea una mónada cerrada sobre sí misma, sin posibilidad de comunicarse con sus pares. Lucas no escribió un libro para él mismo, no lo escribió para regodearse en  un saber que, por ser incomprensible para muchos, sólo lo satisface a él y a unos pocos colegas; más bien escribió un libro que contiene la generosidad intelectual como marca distintiva. A propósito de la misión “cuasi divina”de la enseñanza, me refiero a que el verdadero docente es quien puede tener un ojo puesto en aquello que enseña y el otro en sus alumnos –paridad no siempre tenida en cuenta lo suficiente–. Este lugar ‘intermedio’ es lo que, según Platón, define nada menos que a Éros, semi-dios  encargado de comunicar el plano divino con el  humano. Es en ese sentido que hablamos de “eros docente”: la docencia es una actividad erótica por cuanto supone un tipo de comunicación cimentada en dos deseos que se encuentran: deseo de saber, por un lado, y de enseñar, por el otro. Sin dudas, este libro contiene altas dosis de eros docente.

Ahora bien, ¿dónde se ve todo esto en el  libro? En la mismísima “Introducción”encontramos el siguiente manifiesto: “se procuró equilibrar en el libro un tipo de exposición clara y ágil con el rigor filosófico y la pluralidad interpretativa que el tema amerita”(p.13). La claridad y la agilidad como  contrapropuesta al lenguaje imbricado y ampuloso, pero sin resignar, por ello, rigor filosófico. Pero hay más: “se ha priorizado, tanto en el cuerpo central como en las notas, la utilización de fuentes primarias, las cuales apuntan a brindarle al lector mayores elementos de juicio a partir de apoyo textual “(p.13). Ya en la propuesta, Lucas le advierte al lector que no pretenderá persuadirlo de determinada línea interpretativa: el autor selecciona y presenta al lector su propia interpretación, pero también aquello que considera relevante para que el lector mismo pueda generar sus propias preguntas e interpretaciones. La filosofía está viva porque activa el pensamiento del lector que, si bien asiste a la exposición de teorías ajenas, no por eso es asfixiado con toneladas de bibliografía secundaria y de problemas tan rebuscados como alejados de la letra platónica. Si bien el libro cuenta con un gran número de notas al pie en las que el lector interesado o el especialista pueden  encontrar referencias bibliográficas de toda índole para profundizar los problemas o conocer algunos debates de la crítica al respecto, no es eso lo más interesante que tiene. Porque sí: hay libros de historia de la filosofía que hacen que la filosofía se cierre sobre problemas que, paradójicamente, hacen que el pensamiento se detenga; algo similar a lo que le ocurrió al ciempiés de la madre de Gelman: “Siempre recuerdo una anécdota que me contó mi vieja, una leyenda rusa. Una vez estaba una arañita ahí al borde del camino y pasa un ciempiés. Entonces, la araña le dice: ‘Señor ciempiés, qué complicado, ¿cómo hace para caminar? ¿Con los cincuenta pies izquierdos primero, cincuenta después de la derecha, diez y diez, uno y uno?’. Y el ciempiés se puso a pensar, y no caminó nunca más”(Juan Gelman, Revista Ñ 11/3/2006). El libro de Lucas invita a pensar a Platón pero en marcha, caminando, es decir: leyendo a Platón mismo, y no desde la atalaya de debates anquilosados y estancos. En una entrevista, Fernando Savater afirmaba: “yo creo que uno de los problemas principales del estudio de la filosofía es lograr entender de qué va o, mejor, cogerle la gracia: como los chistes. No es tan fácil. Isaiah Berlin empezó su vida académica como filósofo (era uno de los discípulos predilectos de Wittgenstein) pero luego dejó este primer amor para dedicarse a la historia de las ideas; cuando se le preguntó por las razones de tal cambio, repuso: ‘Es que quiero estudiar algo de lo que al final pueda saber más que al principio (Diario El País, 02/09/2008). Cuando uno termina de leer el libro de Lucas puede tener la certeza de que sabe algo más que antes de leerlo.

En por todo esto que estoy convencido de que, si Platón viviera, sin dudas leería Platón y la política, entendería Platón y la política  y, más importante  aún, lo recomendaría a sus alumnos de la Academia.

Esteban Bieda – Universidad de Buenos Aires – CONICET.

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Inovação na Filosofia – STEIN (ARF)

STEIN, Ernildo. Inovação na Filosofia. Ijuí: Editora da Unijuí. Coleção Filosofia 38, 2011. Resenha de AQUIAR, Odílio Alves. Argumentos – Revista de Filosofia, n.7, p.131-134, 2012.

Acesso permitido apenas pela publicação oficial

Filosofia: o paradoxo de aprender e ensinar – KOHAN (C)

KOHAN, Walter Omar. Filosofia: o paradoxo de aprender e ensinar. Trad. de Ingrid Müller Xavier. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. Resenha de: Andréia Bonho Borba. Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 3, Set/Dez, 2010

O autor Walter Omar Kohan é Pós-Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VIII, professor titular na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Possui mais de cinquenta artigos publicados em periódicos especializados e é autor e/ou organizador de 30 livros no Brasil e no Exterior.

Seu livro Filosofia: o paradoxo de aprender e ensinar trata-se, sem dúvida, de uma obra cuja contribuição para o campo da Filosofia da Educação logra-se sobremaneira valiosa, sobretudo àqueles que se dispõem a problematizar sua própria relação com o saber, com o ensino e com a aprendizagem.

Como o autor esclarece no início do livro, sua proposta é apresentar a ideia de que não há como evitar, na relação entre ensinante e aprendiz de filosofia, tensões epistemológicas, éticas, estéticas, políticas, entre outras, e que essas tensões, longe de serem um desestímulo à filosofia e à educação, são sua própria condição e possibilidade, uma vez que contribuem para o fortalecimento das forças e potências que habitam o pensamento daqueles que ensinam e aprendem filosofia.

O livro, que se divide em três capítulos, tem como fio condutor o pensar filosófico e convida a uma reflexão acerca da relação entre ensinante e aprendiz, abordando o pensamento de Sócrates a partir da interlocução com filósofos contemporâneos, como Michel Foucault, Jacques Rancière e Jacques Derrida.

No primeiro capítulo, intitulado “O enigma-paradoxo de Sócrates”, Kohan afirma que a filosofia com Sócrates, nasce não como um saber já pronto, mas como uma forma de exercer, na prática da própria vida, certa relação com o saber. E, nesse sentido, ele destaca a potência afirmativa da ignorância na relação de ensino e aprendizagem enquanto é constante estimuladora de buscas.

O autor segue afirmando que a filosofia, pensada a partir de Sócrates, rompe com a dissociação entre filósofo e professor de filosofia, uma vez que exige daquele que a ensina que também a vivencie e que permita aos demais que também se tornem partícipes dessa vivência.

O primeiro capítulo é encerrado com a apresentação de um texto de Michel Foucault – extraído da primeira hora da aula dada por ele no Collège de France, em 1984 – no qual ele argumenta que Sócrates, ao invés de assumir o papel de um professor que sabe tudo – e, por esse motivo, exige que seus alunos o escutem e o sigam – assume o papel de alguém que não detém o saber e que apenas se ocupa dos demais a fim de auxiliá-los para que compreendam que também nada sabem e se ocupem de si mesmos.

No segundo capítulo, intitulado “A política de Sócrates e a igualdade das inteligências”, o autor apresenta a surpreendente crítica a Sócrates proposta por Jacques Rancière em seu livro O mestre ignorante, no qual afirma que Sócrates assume a posição de alguém que nada sabe apenas com a finalidade de submeter a inteligência de seu interlocutor à sua própria. Ora, Sócrates parte do pressuposto de que é o mais sábio justamente por ser o único a saber que não sabe. Dessa maneira, em seus diálogos, ele já tem presente, de antemão, o ponto ao qual quer conduzir o interlocutor por meio de suas perguntas e, além disso, já tem presente, também, que todos os interlocutores têm, pelo menos, uma coisa a aprender com ele: o reconhecimento de sua própria ignorância, de seu próprio não saber. Dessa maneira, parece não haver uma verdadeira abertura ao diálogo, uma vez que Sócrates não leva em consideração o que seu interlocutor tem a dizer simplesmente pelo fato de que o que ele diz não se afigura em concordância com o que Sócrates julga ser satisfatório. Assim, Sócrates não dialoga com seu interlocutor porque, de fato, ignore algo e deseje aprender, mas segue perguntando até que o outro reconheça uma suposta posição de inferioridade epistemológica e aceite pensar o que ele julga ser relevante que seja pensado.

A título de encerramento do capítulo, Kohan traz um excerto extraído do prefácio à edição brasileira do livro O mestre ignorante, no qual Rancière apresenta os fundamentos que alicerçam sua crítica a Sócrates.

O terceiro capítulo, intitulado “O enigma-paradoxo de aprender e ensinar filosofia” problematiza as relações entre o ensinar e o aprender filosofia a partir de seis antinomias, a saber: a) a autonomia necessária e impossível, nela o autor apresenta o paradoxo que, a partir de Sócrates, a questão da autonomia vivencia com a filosofia, uma vez que, por um lado, Sócrates estabelece o campo do pensável a seus interlocutores e, por outro, quando não o faz, deixa vir à tona a potência transformadora do ensinar e do aprender. Kohan, então, apresenta a pergunta acerca da possibilidade ou não de se ensinar filosofia sem antecipar o campo do pensável ao aluno; b) transmitir o intransmitível, sendo que o autor traz a debate Jacques Derrida, para quem a experiência da filosofia não é passível de ser transmitida ou ensinada. E, nesse sentido, Kohan afirma que Sócrates auxilia a pensar numa relação pedagógica diferente daquela pautada na lógica da transmissão; c) saber ou ignorar, e Kohan, a partir de Rancière e Sócrates, questiona as implicações que o recorrente apelo dos filósofos à ignorância acarreta sobre o campo do pensável entre quem ensina e quem aprende filosofia; d) o método e sua ausência, nesse o autor declara que não há “o” método filosófico, mas uma pluralidade de métodos e que não é possível fixar a filosofia em uma única opção metodológica, uma vez que o que importa são as relações filosóficas ou antifilosóficas com os diferentes métodos de ensino. Além disso, segundo o autor, Sócrates auxilia a pensar essa questão, na medida em que, em seus diálogos, o que está presente não é uma maneira fixa de relacionar-se com seus interlocutores, mas uma relação que fatalmente os obriga a pensar e a se ocupar de si mesmos; e) dentro e fora dos muros, em que o autor afirma que Sócrates demonstra a possibilidade de valorização da abertura do discurso filosófico ao mesmo tempo que mantém certa especificidade capaz de permitir que a diversidade de práticas seja ainda chamada filosofia; f ) transformar e descolonizar, aí Kohan assegura que a leitura de Sócrates auxilia a reconfigurar a relação entre filosofia e transformação do pensamento, na medida em que oportuniza que se pense e viva de outra maneira. Além disso, o autor novamente recorre ao filósofo Derrida, para quem é necessário haver movimentos parciais, heterogêneos, diferentes, de descolonização do próprio pensamento a fim de que não se recrie a lógica colonizadora que habita aquele pensamento e a realidade na qual está inscrito. Kohan afirma que esse desafio proposto por Derrida se atualiza paradigmaticamente com Sócrates, uma vez que sob o nome Sócrates escondem-se demasiadas forças – tanto favoráveis quanto contrárias à transformação de si no pensamento – para serem ignoradas. Segundo o autor, por meio de Sócrates, é possível pensar que a filosofia tanto pode ser um trabalho libertador quanto dominador do pensamento. O autor segue argumentando que a tarefa de descolonização do próprio pensamento é contínua e infinita e deve ser proposta não apenas no âmbito do ensinar filosofia, mas também com vistas a uma educação filosófica.

Dessa maneira, segundo ele, filosofia e educação se reencontram, não para decifrar o enigma, mas para alimentá-lo, pensá-lo, colocá-lo a serviço de outros pensamentos, a fim de pensar e praticar uma educação filosófica descolonizadora, paradoxal, enigmática, sensível às tensões que habitam a relação entre o ensinante e o aprendiz.

Por fim, como fechamento do capítulo – e também do livro como um todo – Kohan apresenta um texto de J. Derrida que tem a forma de uma carta enviada por ele aos participantes do Colloque Rencontres École et Philosophie, em 1984, quando são apresentadas sete exigências contraditórias quanto à instituição da filosofia, exigências essas que propõem que se pense a relação entre a filosofia e seu ensino.

Filosofia: o paradoxo de aprender e ensinar é um livro que aborda, de maneira profunda e inquietante, a relação da filosofia com o saber, e que convida o educador a refletir acerca de suas práticas docentes, a fim de problematizar, não somente o que faz, mas por que faz aquilo que faz e nisso parece residir sua atemporalidade e relevância.

Referências

KOHAN, Walter Omar. Filosofia: o paradoxo de aprender e ensinar. Trad. de Ingrid Müller Xavier. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. 96 p. (Coleção Ensino de Filosofia).

Andréia Bonho Borba – Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade de Caxias do Sul, licenciada em Filosofia pela UCS e professora de Filosofia em curso pré-vestibular

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Platão – TRABATTONI (RA)

TRABATTONI, Franco. Platão. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: SANTOS, José Trindade. Revista Archai, Brasília, n.5, p.143-146, jul.2010.

1. Que leva um professor de Filosofia Antiga a escrever um livro de introdução a Platão? Penso que, em primeiro lugar, o dirige aos seus alunos, e só depois inclui no seu projeto os alunos dos outros. Mas, creio que ninguém se decide a escrever uma obra introdutória a Platão e ao platonismo se não for movido por uma ideia. No caso de Franco Trabattoni, defendo que essa ideia foi mostrar que o Mestre da Academia é um pensador anti-dogmático.

Entre alunos e manuais, a voz corrente encara Platão como o arquétipo do filósofo dogmático. Teorias que defendem a existência de Ideias inteligíveis desvalorizando a experiência sensível, que afirmam que o conhecimento não passa de reminiscência, que uma flor só é bela porque participa da Beleza, que há “para além da essência”um bem que tudo rege, só podem ser entendidas como construções ideológicas sustentadas dogmaticamente. E, de fato, quem substitui a leitura dos diálogos pela memorização das “teorias”platônicas só pode ler Platão dogmaticamente.

Não importa aqui apurar quem são os responsáveis por essa opção didática, se alunos, professores ou manualistas; nem esse pensamento terá passado pela mente do Autor quando esboçou a presente obra. Sua intenção terá sido, sim, mostrar que Platão pode ser lido como  um pensador anti- dogmático, deixando ao leitor a decisão sobre se deve ser lido por esse viés.

1.1 Por isso, o Autor começa por apontar que, ao contrário do que ocorreu com a generalidade dos filósofos, o Mestre da Academia compôs todo o seu Corpus  na forma dialógica. Essa opção há muito constitui tópico de debate e um mistério. Mas este é adensado pela circunstância de – podendo fazê-lo! –, enquanto filósofo, Platão se excluir de participar nas disputas e investigações que, por escrito, legou à posteridade.

É como consequência desta sua decisão que o registo escritural do “seu pensamento”ficará para sempre como uma obra aberta, sujeita e recomposições periódicas. É ainda por essa razão, agravada pela variação das perspectivas pelas quais é abordada em diversas épocas e culturas, que a reinterpretação da obra platônica – entre nós imposta pela sua inclusão nos currículos escolares – tem sido constante desde a Antiguidade.

Nos últimos dois séculos, as tendências da crítica convergiram em três perspectivas concorrentes. Unitaristas, evolucionistas e analíticos propõem três visões da obra platônica, consoante se concentram na definição da unidade ideológica do Corpus,  no fio evolutivo extraído da análise cronológica da sua produção, ou simplesmente optam por abordar cada diálogo como uma peça autônoma, abstendo-se de o relacionar com o Corpus platônico.

2. Reconhecida a inutilidade do debate sobre os méritos relativos destas três tendências, a partir de meados do séc. passado outras se afirmaram, apoiando-se em critérios têcnicos, temáticos, estilísticos ou de outra natureza. É neste grupo que o Autor da obra em apreço se incluiu, ao optar por esboçar uma estrutura problemática que, de forma não evidente, se apoia numa leitura evolucionista do pensamento platônico.

2.1 Após um capítulo introdutório (15 pp.), dedicado a questões de composição e interpretação do pensamento platônico, a análise do Corpus acha- se organizada em três partes de desigual extensão (não assinaladas no texto).

Os capítulos II a IV (43 pp.) condensam a temática ética e política nas duas linhas polêmicas que atravessam os diálogos “socráticos”, orientando a crítica para os alvos fornecidos pela cultura tradicional e pela sofística. Passado um breve capítulo que abre para questões epistemológicas (13 pp.), a II parte da obra (131 pp.) concentra-se no estudo da metafísica e epistemologia dos diálogos sobre as ideias (ênon, Fédon, Fedro, Banquete, Crátilo, República). Focando a temática da alma, a análise conduz o leitor, através da consideração do amor e das propostas educativas, à teoria ética e política da República. Começa então a III parte (117 pp.), concentrada, primeiro, nos “diálogos dialéticos”(Teeteto, Sofista: cap. XI), depois no “problema do bem no homem e no cosmos”(Filebo, Timeu: cap. XII), finalmente, no “último pensamento político de Platão”(Político, Leis: cap. XIII).

A obra é rematada por um breve apêndice (não identificado como tal) que debate a substância das “doutrinas orais”(cap. XIV), ao qual se seguem bibliografias diferenciadas e um índice de citações (onde falta a paginação).

2.2 Embora praticamente toda a produção platônica seja coberta, os diálogos recebem tratamentos desiguais. Enquanto a obra “socrática”– à qual é concedida atenção passageira –, é abordada topicamente, a problemática dos diálogos “metafísicos”é estudada em profundidade e extensão. No entanto, só na III parte cada diálogo tratado é abordado separadamente, sendo concedida atenção pouco usual à última produção escrita atribuída ao filósofo: As leis.

Esta assimetria serve as intenções do Autor, que nunca deixou de visar os interesses de três públicos muito diferentes. Ao público leigo oferece uma visão global do pensamento platônico, a um tempo rigorosa e acessível. Aos estudantes proporciona a compreensão da unidade e diversidade do platonismo escrito, perpassada por muitas visões e interpretações originais dos problemas postos pela leitura dos diálogos. Finalmente, aos professores fornece um guia de leitura que, destacando o essencial do acessório, separa os programas de pesquisa da sua concretização nos textos e ilumina o sentido do estudo aplicado e profissional dos diálogos e da filosofia platônica.

Na simplicidade com que deve ser apresentado um trabalho introdutório, há muita reflexão sobre a obra do filósofo, que reflete o conhecimento da diversidade das interpretações que tem recebido da parte dos comentadores. Por isso, a opção entre expor as doutrinas e criticá-las é sempre ultrapassada com critério, de modo a não deixar de fora nada que a tradição comentarista recente considere relevante. Por fim, sem se substituir à leitura dos diálogos, a obra ajuda o leitor a trabalhá- los furtando-se a aprisioná-lo na teia dogmática das “doutrinas”, resumidas para consumo escolar, deixando-o entrever os anseios e projetos que conferem sentido à composição dos diálogos.

2.3 A I parte trata o grupo “socrático”(no qual parte do Teeteto  é oportunamente incluída) como um projeto crítico da cultura grega e do movimento sofístico. Sem se comprometer ideologicamente, o A. deixa o leitor entrever que o conflito com a abordagem autonômica corrente, substanciada pela generalidade dos interlocutores de Sócrates, é explicado pela adesão de Platão à proposta axiológica heteronômica do bem (33-34).

Após o capítulo que separa os diálogos “socráticos”dos dedicados à exposição da teoria das ideias, os três seguintes são dominados pela temática da “alma”, abordada das perspectivas complementares do indivíduo, da cidade e da teoria do “amor”. Neste ponto, é oportuno empreender um excurso.

2.3.1 Desde os registros tanto do início da atividade filosófica grega – fixados por Aristóteles –, quanto da Literatura (veja-se: Homero Ilíada I,3-5), a primeira preocupação dos Gregos é com a vida, particularmente na sua relação com a morte. Textos de diversas proveniências evidenciam a plena consciência de que “o que vive”não é o corpo, mas essa entidade chamada “alma”, que “anima”o corpo, até ao momento em que sai, deixando-o “inanimado”.

Esta problemática apresenta implicações religiosas que a nossa cultura integralmente reconhece e aceita. Mas a dificuldade de compreensão atual da posição platônica sobre a alma reside no fato de esta transbordar para terrenos de todo estranhos à nossa cultura: o político (República, Político, Leis), o cósmico (Timeu, Leis X), o cognitivo (psíquico/psicológico/formativo: Mênon, Fédon, República V-VII) e o antropológico (Banquete, Fedro, Timeu).

A diferença de contexto cultural que nos separa dos Gregos deixa o leitor desarmado perante a abrangência da noção grega de alma, reagindo com estranheza a concepções como as da criação e transmigração das almas e da reminiscência, esquecendo que com elas o filósofo dialoga com os seus conterrâneos e companheiros de pesquisa.

2.4 O A. aborda esta questão a partir do Fédon, considerando sucessivamente os argumentos da reminiscência e da participação, ao estudo dos quais associa o Crátilo e – num lance arriscado – a Carta VII.

Passa em seguida à seção epistêmica da República  (VI-VII) para construir o interface da temática da alma.

O seu objetivo é chegar ao primeiro braço da concepção platônica da educação, que complementa com a definição do vínculo unificador do psiquismo individual e coletivo na teoria do amor e na construção da cidade justa. Mas o foco da sua preocupação são as questões epistemológicas que o remetem aos “diálogos dialécticos”.

Não é possivel prestar aqui atenção ao fino recorte dos argumentos com que interpreta separadamente: o problema da opinião verdadeira, no Teeteto, e as críticas de “Parmênides”à doutrina das ideias, coroada com uma magistral, embora sintética, análise do sentido das hipóteses sobre o uno e o múltiplo, no Parmênides.

Na sequência, a análise aborda o Sofista, encarado como a obra em que Platão reformula a sua “doutrina das ideias”, mediante a análise dos “cinco gêneros máximos”e a proposta da dialética.

Quase como epílogo, o A. volta à temática da alma, no Timeu, antecedida por aquilo que entende como sinais da influência pitagórica, no Filebo, e seguida pela teoria sobre a construção do cosmos. Havendo ainda lugar para voltar a prestar atenção àquilo que o A. designa como o projeto político de Platão, no Político  e nas Leis,  a obra termina com uma sucinta, porém, inspiradora avaliação das “doutrinas orais”atribuídas a Platão.

É um trabalho que ficará como um modelo de clareza, concisão e rigor, que se espera mereça  a atenção do estudioso de Platão tanto dentro da Escola, como docente e discente, quanto fora dela, como homem de cultura. Pois está mais que provado pela crítica de todos os tempos que, se poucos são os que concordam com as soluções propostas por Platão, todos se reúnem e debatem em torno dos problemas que o filósofo legou à Humanidade.

4. Faltará apenas mostrar como o A. provou o anti-dogmatismo de Platão. Em primeiro lugar, num enfoque que equilibra as visões da filosofia e da cultura, nunca adota uma visão reducionista da leitura dos textos filosóficos, expressa quer em bem ordenados resumos, quer na enumeração das teses e teorias que a Escola registra como “doutrinas”.

Fica deste modo desfeito o nó górdio atado por quantos tentam reduzir a dogmas os argumentos que o filósofo propôs, com a intenção de apresentar a sua visão crítica da realidade, tal como ela se mostra aos homens, no espaço do seu mundo e no tempo da sua vida. O A. nunca esquece que, com a excepção da reminiscência, as “teorias platônicas”não passam de objetos didáticos expostos em manuais e exigidos pela avaliação do estudo.

Finalmente, com as interpretações parciais e global que propõe, Trabattoni assume com determinação e competência o risco de relacionar teses avançadas em diálogos distintos. Sabendo bem que este risco é corrido por quem se aventura a interpretar Platão, o A. não ignora que essa opção nunca é inviabilizada pelo próprio filósofo, que por vezes se não coíbe de sugerir relações intra- dialógicas.

José Trindade Santos – Professor da Universidade Federal da Paraíba e do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

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