Educação para as Relações Etnicorraciais: O ensino de ciências e suas tecnologias | Abatirá | 2021

Detalhe da Capa da Abatirá (v.2, n.3, 2021) |Imagem: Pedro Arão

A revista Abatirá nesta edição traz um dossiê duplo intitulado “Educação para a diferença”, que reuniu textos de grande valor intelectual e que carregam uma significativa simbologia de reversão do alterocídio e da destituição do homem branco em perspectiva cisheteropatriarcal deste lugar de sujeito universal.

No dossiê “Educação para as relações étnico-raciais: o ensino de ciências e suas tecnologias”, as professoras Afro-brasileiras Dra. Bárbara Carine Soares Pinheiro e Dra. Marta Regina dos Santos Nunes, juntamente com o professor Senegalês Dr. Mamour Sop Ndiaye apresentam um compilado de textos que desafiam o genocídio e a pilhagem epistêmicos nas ciências tidas socialmente como “exatas”. Foram selecionadas produções textuais que dialogam diretamente com o intuito desta edição da revista que ao divulgar a ciência africana, seja por meio do complexo educacional ou por outras vias, visando ressignificar a constituição subjetiva de pessoas negras marcada fortemente por uma memória de ausências: ausência de intelectualidade, de pioneirismo, de cientistas, de positivisação histórica, de produções científico-tecnológicas, de memórias afetivas acerca de si e dos seus. Leia Mais

Argumentação no ensino de ciências: tendências, práticas e  metodologia de análise – VIEIRA; NASCIMENTO (EPEC)

VIEIRA, Rodrigo Drumond; NASCIMENTO, Silvania Sousa do. Argumentação no ensino de ciências: tendências, práticas e  metodologia de análise. Curitiba: Appris, 2013. Resenha de: BERNADO, José Roberto da Rocha. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 1, p. 277-280, jan./abr., 2015.

Nas duas últimas décadas, as pesquisas em Educação em Ciências vêm recomendando atenção às práticas argumentativas em sala de aula. Nesse sentido, Rodrigo Drumond Vieira e Silvania Sousa do Nascimento apresentam em sua obra Argumentação no ensino de ciências: tendências, práticas e metodologia de análise um texto de leitura obrigatória tanto para pesquisadores interessados em desen­volver trabalhos sobre o tema quanto para estudantes de graduação e professores da educação básica.

Em diálogo com referências consagradas e diversificadas, os autores de­senvolvem um texto de fácil compreensão, que traz uma boa discussão teórica, ao mesmo tempo em que apresenta exemplos de análises de situações argumentativas de salas de aula. As análises apresentadas se baseiam em uma metodologia

bem-fundamentada proposta pelos autores e discutida no texto.

O livro é dividido em oito capítulos. O primeiro é dedicado à apresen­tação do conceito de argumentação. Apoiados, principalmente, nas contribuições de Michael Billig, os autores procuram situar o leitor em relação às especificida­des que envolvem o processo argumentativo, sem deixar de dialogar com outros autores de diferentes nacionalidades. O capítulo avança em relação à discussão sobre “O que é uma argumentação?” identificando e destacando a importância do conceito de orientação discursiva, desenvolvendo uma explicação elucidativa a respeito dos aspectos que caracterizam as orientações discursivas explicativas e as diferenciam das argumentativas.

No segundo capítulo, os autores se dedicam a discutir “como identificar e caracterizar argumentações em sala de aula”. Mais uma vez, as ideias de Michael Billig, articuladas com outras referências que também embasam o primeiro capí­tulo, subsidiam o desenrolar do texto, sobretudo os conceitos de contraposição de ideias e de justificações, para fundamentar a proposição de dois importantes marcadores para identificar argumentações, adaptados dos conceitos anteriores.

São eles a contraposição de ideias (opiniões) e as justificações recíprocas dessas ideias. Os marcadores propostos são o embrião da base analítica para identificação dos aspectos que diferenciam a argumentação de outras orientações discursivas.

O segundo capítulo avança na discussão apresentando as caracterís­ticas de argumentações que são contempladas pelos marcadores, tais como: a persuasão, a disputa, certo grau de simetria entre os interlocutores, verossimi­lhança das declarações (opiniões), presença de mais de uma opinião e justifica­tivas para as opiniões.

Os autores concluem o segundo capítulo ilustrando a aplicabilidade dos marcadores em duas situações de ensino e aprendizado, que correspondem a pesqui­sas desenvolvidas por eles. Em um dos casos identifica-se uma situação argumen­tativa e no outro, uma situação de explicação.

No terceiro capítulo, os autores destacam a importância da multimoda­lidade para as pesquisas sobre os discursos em salas de aula de Ciências, consi­derando as múltiplas modalidades que os sujeitos em situações reais de interação discursiva utilizam para se comunicar, “desde fala, textos, diagramas, imagens, até gestos, variações de proxemia, dentre outros”. Apoiados em autores do cam­po da Sociolinguística, destacam ainda o papel das pistas de contextualização, que incluem pausas, prosódia, variações na proxemia e fixação do olhar, nos proces­sos argumentativos em sala de aula, e o quanto essas pistas sinalizam, para os sujeitos em interação e para os analistas, como interpretar os significados que emergem dessas interações. Mais uma vez, o terceiro capítulo traz exemplos ilustrativos retirados de pesquisas realizadas pelos autores, sobre as pistas de con­textualização discutidas no texto.

No quarto capítulo, os autores destacam a importância do padrão do ar­gumento de Toulmin para analisar argumentações no ensino de Ciências e a sua ampla utilização nos contextos nacional e internacional. Embora reconheçam as críticas em relação ao uso do padrão, defendem que sua associação com o método de análise proposicional por eles desenvolvido pode ser de grande utilidade conside­rando a compatibilidade entre os dois métodos. Assim, o capítulo apresenta uma discussão objetiva sobre o uso do padrão de argumento de Toulmin e introduz o método de análise proposicional de forma cuidadosa, visando deixar o leitor esclarecido sobre o método, que consiste basicamente na segmentação das falas dos parti­cipantes em proposições de acordo com critérios sociolinguísticos. A partir da identificação de “significados convergentes”, as proposições são agrupadas em Pro­cedimentos Discursivos. A aplicação do método ao discurso do professor, segundo os autores, possibilita identificar o que chamam de Procedimentos Discursivos Didá­ticos (PDD). A exemplo do capítulo anterior, o quarto capítulo procura contribuir para a compreensão do método lançando mão de exemplos obtidos de pesquisas realizadas pelos autores em situações reais de sala de aula.

No quinto capítulo, os autores retomam a discussão a respeito das di­ferenças entre orientação discursiva argumentativa e orientação discursiva explicativa para chamar a atenção sobre a necessidade de analisar e repensar os discursos em aulas de ciências. A estrutura analítica proposta possibilita esclarecer a natureza dos procedimentos discursivos dos professores e como eles se relacionam com o cum­primento de objetivos didáticos bem-estabelecidos. Nesse sentido, a metodologia coloca em destaque a importância da tríade “Orientação discursiva – Objetivos didáticos – Procedimentos Discursivos Didáticos (PDD)” nas ações do professor. As ações do professor são mapeadas pelo quadro de narrativas e os procedimentos discursivos, pelo quadro proposicional, ambos instrumentos de análise discutidos e exemplifi­cados ao longo do capítulo. Mais uma vez, os exemplos fazem parte da estratégia de elucidação da discussão trazida pelos autores.

O sexto capítulo é dedicado especialmente à ilustração do uso da meto­dologia proposta, por meio de uma “análise detalhada de uma argumentação” de duas ações: uma com orientação discursiva dialogal e outra com orientação discursiva ar­gumentativa, que se estabeleceram no contexto de uma aula da disciplina de Prática de Ensino de Física. Os autores recorrem ao padrão de argumento de Toulmin eventualmente, ao longo da análise realizada, com o objetivo de indicar a posição dos PDD na estrutura dinâmica discursiva. A partir do detalhamento das análises das duas ações, realizam o fechamento do sexto capítulo apresentando um esquema dinâmico da estrutura procedimental argumentativa do formador, no episódio de ensino analisado.

No sétimo capítulo, os autores apresentam, de forma objetiva, um modelo para a compreensão do “ritmo discursivo” em aulas de Ciências. O texto destaca a importância da análise em níveis como estratégia para lidar com a grande diversidade e densidade dos dados que caracterizam as pesquisas de análise do discurso de sala de aula.

No oitavo capítulo, os autores promovem um fechamento do livro a par­tir de uma discussão sobre a situação atual e as perspectivas futuras com relação à argumentação no ensino de Ciências no contexto brasileiro. Em suas reflexões, apontam as dificuldades dos professores para lidar com a argumentação em sala de aula, já que estas envolvem a associação de diversos campos do conhecimento. Além disso, há a questão da falta de familiaridade deles com práticas argumentati­vas em situações escolares. A resistência da própria escola e o engessamento dos currículos também são apontados pelos autores como mais uma dificuldade. Con­siderando o que essas dificuldades podem representar em termos de demandas por mais estudos, os autores defendem que a proposta metodológica apresentada no livro tem implicações para a pesquisa e para a prática docente, o que inclui os modos pelos quais argumentação e demais orientações discursivas oferecem oportunidades de aprendizagem e como os procedimentos discursivos didáticos dos professores se rela­cionam com o ensino e a aprendizagem de Ciências, sobretudo no que se refere à formação para a democracia e para a prática social.

Assim, a obra se caracteriza como um texto de fácil compreensão que traz a metodologia proposta de forma clara sem que os autores abram mão de uma consistente fundamentação teórica. Nesse sentido, é importante destacar o cuidado dos autores com os exemplos ilustrativos de situações reais que têm papel fundamental na elucidação do que é discutido. Sem dúvida, a metodologia propos­ta pode contribuir para o campo, com implicações para a pesquisa e para a prática docente. Assim, a obra se apresenta como leitura obrigatória para os envolvidos com investigações em argumentações no ensino de Ciências, inclusive estudantes de graduação e professores experientes em serviço interessados em compreender esses processos.

José Roberto da Rocha Bernardo – Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. E-mail: bernardo.jrr@gmail.com  Acessar publicação original

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Leitura e escrita em aulas de ciências: Luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares – OLIVEIRA (EPEC)

ALMEIDA, Maria José P. M. de.; CASSIANI, Suzani; OLIVEIRA, Odisséa Boaventura de. Leitura e escrita em aulas de ciências: Luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares. Florianópolis: Ed Letras contemporâneas, 2008. Resenha de: CARVALHO, Bárbara Elisa Santos. Leitura e escrita em aulas de Ciências um convite à reflexão sobre a importância da leitura e da escrita na prática docente. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.14, n. 02, p. 193-195, maio/ago., 2012.

O livro Leitura e escrita em aulas de ciências: Luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares faz parte de uma coleção que possui três outros volumes os quais tratam de temas como a Educação nas relações étnico-raciais, os processos escolares para crianças, jovens e adultos e as práticas pedagógicas escolares. O conteúdo da obra, organizado a partir de investigações realizadas por importantes grupos de pesquisa da UNICAMP, UFSC e da UFPR, instiga os leitores a reflexões sobre a leitura e a escrita na escola. O livro consiste basicamente em um olhar crítico de experiências escolares vivenciadas pelas próprias autoras como educadoras e pesquisadoras na referida área, e tem como principal objetivo compartilhar reflexões sobre o ensino escolar de ciências com professores e com formadores desses professores nas universidades.

Na apresentação feita pelo pesquisador Roberto Nardi, a emergência, nas últimas décadas, da pesquisa em Educação em ciências no Brasil é destacada. Ele aponta como fatores para tal crescimento o surgimento de centros de ciências e a expansão do ensino superior a partir da década de 60, seguidos pela implantação de políticas oficiais que induziram a formação dos primeiros grupos de pesquisa nessa área no Brasil. Nardi sinaliza o caráter multidisciplinar da pesquisa em ensino de ciências, destacando a compreensão da interface entre o discurso científico e o discurso escolar como fator fundamental na capacitação de professores.

Na primeira parte do livro, as autoras apresentam e refletem sobre pontos teóricos utilizados por elas como apoio na compreensão de questões escolares e do processo de ensino que ocorre na escola. Elas apontam possíveis interfaces entre o discurso científico e o discurso escolar no intuito de contribuir com o professor leitor que deseja ensinar aspectos do conhecimento científico na escola para seus alunos. Após reflexões ancoradas na literatura relacionada ao discurso científico, ao discurso escolar e à análise do discurso propriamente dita, e obviamente na relação entre esses, as autoras se voltam para um discurso específico que é denominado por elas de“discurso escolar relativo à ciência”.

A segunda parte do livro traz, inicialmente, uma reflexão teórica sobre a análise do discurso com o intuito de incentivar o leitor a pensar sobre o uso da leitura e da escrita nas ciências e na escola. Em seguida, são apresentados os dados de pesquisa usados nas análises, e como esses foram coletados. As atividades de investigação aconteceram ao longo de um ano letivo com uma turma de oitava série do Ensino Fundamental a qual foi submetida a uma série de solicitações, dentre elas a elaboração de pequenos textos relacionados a tópicos da matéria estudada em diferentes etapas do ano letivo.

Para análise dos textos produzidos pelos alunos, as pesquisadoras adotaram como base teórica a obra “Interpretação”, de Eni Orlandi, que trabalha a ideia de autoria relacionada à repetição, podendo esta ser repetição empírica, histórica ou formal, e também ao duplo conceito de continuidade e ruptura proposto por Gaston Bachelard. Os resultados apontaram que em um nível ideal, todos os estudantes realizam a repetição histórica, mas em condições reais, o mais provável é que alguns alunos fiquem somente na repetição empírica, outros na repetição formal e muitos apresentem os três tipos, variando de acordo com o conteúdo e solicitação do educador.

Mesmo assim, as autoras apontam o ato de escrever em aulas de ciências como um exemplo a ser seguido e julgam ter apresentado um quadro favorável à utilização da escrita, uma vez que sinalizaram a possibilidade de a condução do aluno ter manifestações próprias a partir do conteúdo mediado em aula.

A partir disso, as autoras refletem sobre a construção de significados durante a leitura de um texto, que para elas é entendido como a construção de sentidos, sendo essa atividade indispensável nas atividades escolares. Concluindo a parte central do livro, é apresentada uma série de atividades específicas ocorridas em diferentes salas de aula, vivenciadas por elas próprias na docência e que serviram de subsídio para a análise feita anteriormente. A presença desses relatos tem objetivo de possibilitar que o leitor faça sua própria interpretação, tirando suas conclusões; e sendo esse leitor um professor, o objetivo seria auxiliá-lo a trilhar o próprio caminho tanto na interpretação quanto, posteriormente, na sala de aula.

Por último, é apresentado um texto de uma das autoras intitulado “Fotossíntese: a história da construção de um conhecimento”, feito a partir de textos didáticos, de divulgação científica e de originais científicos. O referido texto trata de aspectos biológicos, bioquímicos e ecológicos relacionados à fotossíntese, assim como aspectos da evolução no conhecimento científico sobre ela, além de curiosidades sobre o tema em foco.

A obra mostra a importância e a necessidade da realização de atividades de leitura e escrita em diversas disciplinas escolares, desmistificando a ideia generalizada que tal função compete apenas aos professores de português e demais línguas. As autoras propõem que a leitura, a escrita e a experimentação, trabalhadas sob mediação, podem levar o estudante a se interessar pelo conhecimento científico e, quem sabe, a partir desse ponto buscar por si próprio a complementação dessas informações fora do ambiente escolar.

Um importante questionamento sobre o livro refere-se à possível dificuldade que tais conhecimentos e apontamentos delineados possam ter para serem compreendidos pelo professor que é, nesse caso, o sujeito-ação na escola. Tal barreira pode existir devido à dificuldade de acesso não somente a essa obra, mas a diversas outras, podendo ocorrer por uma série de motivos, dentre eles a desmotivação profissional, a dificuldade encontrada na realização de atividades que se afastem da normalidade em função da indisciplina e da falta de interesse dos alunos, ou até mesmo da falta de tempo para investir na própria atualização. Obras com dados tão densos como essa deveriam ter mais caminhos possíveis e mais diretos até a sala de aula de modo a enriquecer as atividades pedagógicas e contribuir para o processo educativo escolar, seja em ciências, em português ou em qualquer disciplina.

Bárbara Elisa Santos Carvalho – Licenciada em Ciências Biológicas pela UFMG. E-mail: barbaraecarvalho@ hotmail.com

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Conversa sobre a fé e a ciência: com Waldemar Falcão – BETTO; GLEISER (EPEC)

BETTO, F.; GLEISER, M. Conversa sobre a fé e a ciência: com Waldemar Falcão. Rio de Janeiro: Agir, 2011. 334 p. Resenha de: RAZERA, Júlio César Castilho. Uma conversa a considerar no ensino de Ciências? Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 14, n. 01, p.285-288, jan./abr., 2012.

Ciência versus religião é tema que não se ausenta na literatura da área de ensino de ciências. Seja em relatos de pesquisa ou ensaios teóricos, sob diferentes referenciais ou linhas de pensamento, não são poucas as discussões que recaem sobre esse tema. Então, pode-se previamente imaginar que uma conversa sobre fé e ciência entre um religioso dominicano e um cientista agnóstico tenha inf luências formativas e ideias tão divergentes e consolidadas que, no mínimo, constitua-se em algo contraproducente, inútil e, portanto, não traga contribuições de relevo para o ensino de ciências.

Isso seria realidade se não fossem os atores dessa conversa quem são e o tipo de diálogo ético travado entre ambos. Por certo, contra-producente e inútil não são adjetivos aplicáveis à Conversa sobre a fé e a ciência entre Frei Betto e Marcelo Gleiser.

Transformada em livro, essa conversa mediada por Waldemar Falcão ocor reu no Rio de Janeiro, durante quatro dias, em meados de 2010. A conversa é inteligente e inst igante, pois não são po ucas as vezes que no seu percu rso mob iliza o le itor, fazendo-o usar a memória pa ra resgatar pe rsonagens, fatos históricos ou algum as situações apontadas em obras diversas da literatura, da cinematografia, das artes plásticas e, até mesmo, de histórias em quadrinhos. Personag ens da ciência, como Descartes, Einstein, Fer mi, Hawking, Galileu, Newton, Kepler e Plank, de modo pertinente na conversa de ambos, dividem espaço com persona- lidades diversas, como Marx, Paulo Freire, Jacques Maritain, Tristão de Athayde, Santo Ag ostinho, Santo Tomás de Aquino, Santa Teresa de Ávila, Dalai Lama, Isaac Asimov, Arthur Clarke, Lula e Obama. As menções sobre literatura (Drácula, de Bram Stoker; 1968 – o ano que não terminou, de Zuenir Ventura; O pequeno príncipe, de Saint Exupér y; O li vro que ninguém leu, de Owen Gingerich; Minor ity Report e Caçador de Androi des Blade Runner –, de Philip K. Dick; Frankenstein, de Mary Shelley; Contato, de Carl Sagan; 2001e 2010, de Arthur C. Clarke) também dividem espaço com menções a peças teatrais (Hair ; O rei da vela), filmes (Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton; Entrevista com o vampir o; 2001, uma odissei a no esp aço, de Kubrick, Contato, de Zemeckis) e histórias em quadrinhos (Asterix; Abraracurcix). Quem proporciona isso à conversa, auxiliando para tor ná-la ainda mais ag radável, são os dois protag onistas, que apresentam conhecimentos de áreas diversas das suas, conseguindo fazer interessantes conexões nos argumentos que constroem, sem cair em relativismos ou desordens nas ideias.

O conteúdo do livro mantém, na íntegra, um formato de diálogo que flui sem desgastes e cujo desenho estrutural perpassa os seguintes tópicos do sumário: “Apresentação” (p. 9 – 17); “Trajetórias” (p. 19 – 79); “Ciência e Fé” (p. 81 – 155); “O poder” (p. 157 – 257); “Até o Fim (do Mundo, do Universo) (p. 259 – 334)”.

No entanto, como se trata de uma conversa, não há um percurso unidirecional, pois um assunto puxa outro, e as conexões temáticas vão se formando também pela retomada de assuntos mencionados – às vezes, prévia e superficialmente – em momentos anteriores.

Os assuntos tratados são diversificados. Não necessariamente nesta ordem, e com graus distintos de aprofundamento, fazem parte da conversa o big bang, o poder e a hegemonia da religião e da ciência na linha histórica, conceito de vida, criação, clonagem, células-tronco, campo magnético da Terra, fenômenos paranormais e meditação. Em certo momento, também pós-modernidade e modernidade entram na discussão de forma sutil (como pano de fundo), quando Frei Betto e Marcelo Gleiser se posicionam sobre o avanço da ciência e as respectivas relações de felicidade e melhora de vida das pessoas.

Nas concordâncias ou discordâncias, o diálogo se mantém aberto, crítico e sem preconceitos. Nos argumentos difundidos por todo o texto acerca de diferentes questões, como foi citado em exemplos anteriores, ambos apresentam suas ideias utilizando as áreas que atuam, além de se manifestarem sobre outras áreas (filosofia, literatura, arte), que, afinal, no conjunto, constituem as diferentes formas como o ser humano constrói os seus conhecimentos.

Pode-se dizer que o diálogo entre Frei Betto e Marcelo Gleiser não se reduz a um conjunto de ideias que leve a uma mera classificação, ou seja, a uma determinação a respeito de ciência e religião, se são metodológica e epistemologicamente incompatíveis, complementares ou incomensuráveis. Ainda que isso possa ser feito pelo leitor, a síntese do diálogo extrapola tal categorização, ou seja, traz outras contribuições na maneira simples, mas balizada e crítica, com que os enunciadores falam de ciência e fé um para o outro: “No fundo, ambas, a fé e a ciência, estão servindo como um veículo de transcendência da condição humana, de ir além, de explorar uma dimensão desconhecida” (Marcelo Gleiser, p. 87); “De intenção, de intencionalidade, exato! E a ciência não lida com isso, é uma narrativa que explica como funciona o mundo, e não por que o mundo funciona” (Marcelo Gleiser, p. 98); “Pois é, mas a religião não pode ter a pretensão de expli-car o como” (Frei Betto, p. 99); “Há que se admitir que ciência e fé são duas visões do mundo. Melhor dizendo, duas mundividências. A ciência procura compreender a natureza desse mundo em que vivemos, como ele se originou, quais os seus elementos e as leis que o regem. Já a fé nos induz ao Transcendente, nos faz ‘apalpar’ o Mistério e concede-nos os óculos sobrenaturais que nos permitem compreender a relação de Deus conosco e com o Universo” (Frei Betto, p. 327); “Seria atestado de suprema ignorância negar o papel da ciência nas nossas vidas […]. Não podemos ignorar também o papel da fé. Ela oferece uma outra ótica de encarar o mundo e a vida” (Frei Betto, p. 328); “Eu gosto de dizer que o ateísmo radical é logicamente inconsistente, […] prefiro adotar a posição agnóstica: mesmo que não veja evidências para a existência de entidades sobrenaturais, não posso descartá-las a priori. Sabemos pouco sobre o mundo” (Marcelo Gleiser, p. 333).

As divergências de ideias, de posicionamentos sobre algumas questões polêmicas e os aspectos formativos de ambos não atrapalham a conversa. Pelo contrário, enriquecem as discussões de tal maneira que, às vezes, o leitor fica com a impressão de que também um debatedor está aprendendo com o outro.

Apesar de haver interessantes pontos convergentes, ambos expõem suas divergências em uma perspectiva que nos faz pensar na ética discursiva habermasiana.

Haber mas (1999) coloca a argumentação no lug ar da ação teleológica, ou seja, por meio da linguagem, busca-se o consenso de uma forma livre de toda coação externa e interna. Nesse caso, a base da ética discursiva habermasiana está na autenticidade dos participantes, entendimento mútuo pela argumentação, simetria de participação e ausência de coação. Essa é uma colocação superficial e recortada da teoria de Habermas, mas serve como um indicativo de que “Conversa sobre a fé e a ciência” se dá numa dimensão da ética discursiva.

Quanto à mediação do diálogo, cumpre-se bem o seu papel. Ainda que algumas interferências dispensáveis tenham aparecido pelo meio do caminho, no geral, a condução é positiva.

Por fim, cabe dizer que o exposto nesta resenha é intencionalmente uma resposta afirmativa ao título questionador que escolhemos (Uma conversa a considerar no ensino de Ciências?). Conteúdo e for ma, além da concordância ou não concordância com as ideias apresentadas na conversa, po r si só, já abrem interessantes e diferentes possibilidades para o ensino de ciências (educação básica, licenciatura, formação continuada). No entanto, se a resposta de outros leitores for negativa, ainda assim, valerá a leitura.

Referências

HABERMAS, J. Comentários à ética do discurso. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

Júlio César Castilho Razera – Doutor em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor do Departamento de Ciências Biológicas, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Jequié. E-mail: juliorazera@yahoo.com.br

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Formação ética: do tédio ao respeito de si – LA TAILLE (EPEC)

LA TAILLE, Y. Formação ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009. 315 p. (ISBN 978-85-363-1692-5). Resenha de: RAZERA, Júlio César Castilho. O ensino de Ciências entre a cultura do tédio e do sentido. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.13, n.01, p.157-164, jan./abr., 2011.

A BUSCA DA VERDADE: ESPERANÇA DE UM MUNDO MELHOR

A preocupação com os rumos tomados pela sociedade contemporânea é observada na literatura em diversas discussões. Dentre elas, incluem-se aquelas que inserem o relevante papel da educação como referencial de esperança para um mundo mais justo, digno e harmonioso. Dentro dessa perspectiva, na qual a Educação é inserida na construção de um futuro ética e moralmente modificado para melhor, encontramos nos argumentos e reflexões de Jares (2005) e La Taille (2009) subsídios de interesse para o ensino de Ciências, porque ambos colocam a verdade como valor a ser buscado na dimensão educativa escolar. Ao analisar o atual panorama sócio-político mundial, com seus sérios problemas e conflitos, Jares (2005, p. 126) coloca a Educação como sede principal da promoção de esperança, justiça e dignidade em virtude do potencial de seu trabalho sobre a busca da verdade. “Educar a partir da e para a verdade” é um de seus pressupostos. Para Jares (2005, p. 196), “precisamos de uma pedagogia de esperança que nos guie na direção do crítico caminho da verdade”. E complementa, afirmando que “a esperança se constrói por meio da busca da verdade”. A obra de La Taille, que é objeto desta resenha, também trilha por esse mesmo caminho, mas com o diferencial de conter consistentes argumentos, análises e reflexões fundados na Psicologia. Yves de La Taille é professor titular do Instituto de Psicologia da USP. O conjunto de suas pesquisas e teorias constitui um referencial relevante, extrapolando a área da Psicologia Moral em que atua. “Formação ética: do tédio ao respeito de si” tem essa característica abrangente, pois encontramos nessa obra subsídios de interesse que também podemos trazer para o ensino de Ciências.

De modo especial, provoca nossa atenção quando as abordagens e reflexões do autor enfatizam a verdade como um importante valor a ser buscado na dimensão educacional, a fim de evitar a cultura do tédio. Nesse caso, o ensino de Ciências também tem o seu papel na construção daquilo que La Taille chama de cultura do sentido, cuja expectativa é de um futuro ética e moralmente modificado para melhor. Com o embasamento da Psicologia Moral, podemos encontrar neste livro argumentos proveitosos que dirigem nossa atenção para uma efetiva aproximação entre o ensino escolar de Ciências e a formação ético-moral. Uma aproximação teoricamente orientada pela autonomia que, por exemplo, pode atuar em prol do processo de compreensão crítica da Ciência e da atividade científica por parte do aluno em sala de aula. Vejamos.

O QUADRO DA FORMAÇÃO ÉTICO-MORAL EM LA TAILLE

“Formação ética: do tédio ao respeito de si” divide-se em duas partes que, respectivamente, são assim denominadas: “Plano ético” (pp. 13-156) e “Plano moral” (pp. 157-310). Cada parte é constituída por dois capítulos. No conjunto dessa obra, que tem como referência teórica e fonte inspiradora um outro trabalho seu anterior (LA TAILLE, 2006), o autor faz abordagens correlativas entre o plano ético e o plano moral, isto é, entre a “vida boa” e “os deveres” de ser justo, generoso, digno. No plano ético entram em discussão a dimensão contextual contemporânea, intitulada de “Cultura do tédio” (capítulo 1) por causa de sua característica de predominância pessimista, e a dimensão educacional, chamada de “Cultura do sentido” (capítulo 2). O plano moral segue com o mesmo formato, cujas abordagens passam pela “Cultura da vaidade” (capítulo 3) e, posteriormente, pela “Cultura do respeito de si” (capítulo 4). Nas discussões que faz de ambos os planos, La Taille segue a mesma lógica de contraposição: primeiro analisa as características da sociedade atual, nos capítulos ímpares, depois discute os aspectos educacionais para mudanças do status quo, nos capítulos pares. Em suma, o autor nos apresenta uma leitura do presente em que sobressai na nossa sociedade a cultura do tédio, da vaidade, do pessimismo. A persistir esse panorama, configurado pela cultura do tédio, não encontramos expectativa de um futuro modificado para melhor, pois essa expectativa somente é possível na cultura do sentido, por meio da Educação ético-moral. Pesquisas diversas mostram que a maioria das pessoas é heterônoma, isto é, tendem a apenas aderir às idéias e valores que circulam no meio social em que vivem. Nesse caso, uma mudança de perspectiva para um futuro melhor implica a formação moral para a autonomia: “somente uma cultura do sentido pode vencer uma cultura do tédio” (LA TAILLE, 2009, p. 79). Para tanto, a formação moral no contexto da escola e das disciplinas torna-se relevante e, até mesmo, imprescindível. Essas ideias passam pelo  potencial das escolas e das disciplinas escolares na perspectiva de mudanças, pois em qualquer cenário de futuro a Educação aparece como atividade inconteste para que a cultura do sentido seja manifestada. Concordamos com La Taille ao dizer que cabe à escola tomar parte na formação moral de seus alunos e não apenas ficar restrita a transmitir conhecimentos, sem aproveitar-se deles com vistas à melhoria do futuro. Afinal, “os próprios conhecimentos transmitidos na escola são portadores de sentido que transcendem a especificidade de cada matéria. A escola é uma verdadeira usina de sentidos, […] e não há outra instituição social de que se possa dizer o mesmo” (LA TAILLE, 2009, p. 81). Para a escola e, em especial, para a busca da verdade como valor, devemos nos voltar para a construção daquilo que La Taille chama de “cultura do sentido”, pois ela não existe sem Educação para o sentido. E para falar de uma Educação para o sentido, o autor enfatiza a relevância da busca de um valor em especial: a verdade. Ainda que haja limitações, erros e ilusões quando mencionamos o termo “verdade”, o empenho nessa busca é investimento para a cultura do sentido, ou seja, a formação moral também perpassa por esse valor (da verdade).

Em suma, eleger a verdade como valor não somente é um bem em si mesmo para a procura de sentido para a vida: a capacidade de a ela chegar é também ferramenta necessária para se situar com um mínimo de precisão em um universo político de tantas mensagens dúbias, de tantas afirmações imprecisas, de tantas análises confusas, de tantas promessas duvidosas, e também de claras tentativas de enganação. Para sobreviver em tal ambiente equívoco, se faz necessário a chamada capacidade de crítica, não entendida como disposição a julgar negativamente, mas sim como vontade de passar o que se ouve, se vê, se pensa e se diz pelo crivo da razão, para debelar possíveis erros, possíveis mentiras, possíveis ilusões. Não há crítica honesta sem amor à verdade (LA TAILLE, 2009, p. 91, grifo nosso).

PARA BUSCAR A VERDADE

Baseado em Williams (2006), La Taille aponta dois obstáculos que dificultam a busca da verdade: os interiores e os exteriores. Os obstáculos exteriores são inerentes aos objetos e os interiores são inerentes ao sujeito. Sobre a superação dos obstáculos exteriores, que se referem a objetos de pesquisa, a psicologia não tem o que auxiliar. Esse auxílio pode ser dado, no entanto, na superação dos obstáculos interiores, relacionados ao sujeito. Sobre esses obstáculos, La Taille diz que podem ser de três tipos, os quais a Educação pode ajudar a superá-los: lacunas no conhecimento, fragilidade ou insipiência das ferramentas intelectuais e ausência de determinadas virtudes.

a) Lacunas no conhecimento: Para que um sujeito busque a verdade (ou confirme o que é transmitido) sobre algum evento ou fenômeno, ele precisa lidar com informações e dados diversos, ou seja, há necessidade não apenas de apropriar-se de conhecimentos específicos, mas também correlacioná-los e observálos de maneira crítica para resolver o seu problema. Para La Taille (2009, p. 97), compete essencialmente às instituições educacionais a tarefa de trabalhar com essas lacunas e “fazer que as pessoas possuam conhecimentos variados”, especialmente no campo científico e filosófico.

b) Ferramentas intelectuais: Ter somente conhecimentos não é suficiente para desvendar verdades. De acordo com La Taille, além de conhecimentos (conteúdos) é necessário que os indivíduos também mobilizem formas precisas de raciocínio. “Para raciocinar, ou seja, para produzir conclusões fiáveis, o ser humano dispõe de duas ordens de ferramentas intelectuais: as operações e os procedimentos”. Sobre as operações, o autor baseia-se no sentido piagetiano de “ações interiorizadas reversíveis, […] porque todo pensar é uma ação”. As operações são ferramentas da mente que usamos para estruturar e promover ajustes na lógica de nosso raciocínio. “Não houvesse operações, não haveria critérios que nos permitissem afirmar que um raciocínio é válido ou não. A lógica […] garante consistência, objetividade e possibilidade de comunicação” (LA TAILLE, 2009, p. 101). Nesse caso, trabalhar operacionalmente com a verdade implica aprendizagem sobre as possibilidades de falhas nas nossas observações e conclusões para que não sejam precipitadas e falhas ou contaminadas, por exemplo, por ilusões de óptica ou por equívocos de construção de lógica. Em discussões que envolvem a natureza da Ciência temos diversos exemplos ilustrativos desses problemas. Sobre os procedimentos, são sequências de ações para se chegar a determinados resultados, que podem ou não ser interiorizadas. Podemos dizer que, enquanto a operação corresponde à lógica interna do pensamento, os procedimentos correspondem aos passos por ele percorridos. Para auxiliar o entendimento entre ambos, pode-se fazer uma analogia interessante ao dizer que “a operação está para a teoria como o procedimento está para o método”, pois, como sabemos, os métodos de pesquisa são criados e utilizados para verificar a validade de teorias. “Logo, se não há busca da verdade possível sem postura teórica, tampouco é possível chegar a ela sem procedimentos adequados” (LA TAILLE, 2009, p. 104). Isso posto, La Taille insere aspectos compreendidos por nós como úteis aos propósitos correlacionais que vislumbramos para o ensino de Ciências.

[…] embora variados procedimentos possam ser criados pelos alunos para dar vida prática a suas operações e chegar a verdades múltiplas, na maioria das vezes eles são ensinados pela escola. Melhor dizendo: aqueles atinentes à ciência são apresentados pela escola. Ou deveriam. […] para que os alunos não sejam coagidos a se limitarem a acreditar nas verdades produzidas pelos cientistas, é preciso que tenham acesso aos variados procedimentos por intermédio dos quais os pesquisadores colocam à prova suas teorias. Não se trata de desconfiança em relação a eles, mas sim da necessidade de se apoderar, na medida do possível, dos procedimentos que eles criam e empregam para chegar a suas respectivas verdades (LA TAILLE, 2009, p. 105).

Para La Taille (2009, p. 105), não existe procedimento geral possível de ser aplicado a todos os problemas. Cada um deles tem um correspondente. Contudo, quando é implementado um trabalho com o aluno que envolve busca da verdade, não há como excluir o ensino de procedimentos. “Trata-se de mostrar a ele [aluno] que a busca da verdade depende de uma ‘disciplina’ da reflexão, disciplina essa que se traduz pela criação e emprego de procedimentos”. Acaba-se demonstrando, então, que a busca da verdade não é tarefa fácil e que sua realização leva em conta a lógica e os procedimentos correspondentes dessa busca. Para reforçar esses argumentos, o autor fala sobre os resultados positivos obtidos da iniciação à pesquisa científica que dá a seus alunos, pois eles trabalham com teoria, métodos e procedimentos. E complementa dizendo que as escolas básicas, guardando as devidas proporções, poderiam fazer o mesmo.

c) Virtudes: A tese é de que sem determinadas virtudes, mesmo tendo mobilizado conhecimentos, operações e procedimentos, a pessoa não se dispõe a buscar a verdade, satisfazendo-se mais facilmente “com ideias prontas, com fatos não comprovados, com preconceitos de toda ordem, com reflexões brumosas e afirmações peremptórias”. (LA TAILLE, 2009, p. 106). Nesse caso, a verdade entendida como valor requer virtudes de boa-fé, exatidão, paciência, simplicidade e humildade para buscá-la. Apoiando-se em Comte-Sponville (1995), La Taille diz que uma pessoa dotada de boa-fé busca e respeita a verdade. As virtudes decorrem de desenvolvimento pela aprendizagem, porque não são inatas e nem correspondentes a traços de personalidade biológica. O que coloca a escola em evidência, porque é instituição em que o amor e o respeito pela verdade são (ou deveriam ser) fundamentais, desde o nível infantil até a universidade. “Um professor que não seja inspirado pelo mesmo amor [à verdade, que também os cientistas devem ter] é, além de pessoa inconsequente e alienada, um possível cúmplice de possíveis imposturas: como pode ele sem critérios de veracidade, ensinar o que quer que seja?” (LA TAILLE, 2009, p. 109). De acordo com os argumentos de La Taille (2009, p. 110), a verdade implica exatidão. Exatidão entendida “como apreço pela clareza, pela precisão, pelo rigor, pelo controle”. Portanto, quem se inspira na verdade sabe que ideias vagas, raciocínios lacunares, frases obscuras são obstáculos à sua busca. Pode-se ter uma opinião, mas que não se confunde com verdade. Nesse ponto, o autor chama nossa atenção para algumas estratégias de aula que tanto podem corresponder a ricos modelos de exatidão como permanecerem somente no nível de troca de opiniões e, nesse caso, ajudando a fortalecer o relativismo em detrimento da verdade. Vê-se, portanto, que a forma, a estratégia de aula tem papel de destaque nessa questão da busca da verdade e, ainda, que as aulas de Ciências encaixam-se igualmente nesse papel por causa das características de seu objeto, ou seja, a Ciência. Ao discutir as estratégias de aula, La Taille retoma as ideias de Piaget acerca das relações de coação e de cooperação, com a ressalva de que as relações de cooperação defendidas por Piaget não excluem aulas expositivas. Da mesma forma que o método ativo envolvendo as relações de cooperação não é garantido, por si só, no simples fato de promover discussões entre alunos. Relações de cooperação, na perspectiva piagetiana, devem apresentar as seguintes características que convergem para a participação simétrica dos membros: saber ouvir os outros; procurar expressar-se de forma clara; avisar sobre possíveis mudanças de ideia; usar os mesmos conceitos. Essa perspectiva, aliás, contém similaridades com as ideias apresentadas na teoria habermasiana da ética do discurso. Então, fica esclarecido que convencimento é diferente de imposição e, consequentemente, ambos implicam aspectos antagônicos em relação à moralidade. Ainda que tenhamos priorizado aspectos pontuais, deve ter ficado ao leitor – pelo menos essa foi nossa intenção – uma percepção de relevância dessa obra, que é completa e provocadora de muitas reflexões. Embora trabalhe com um conteúdo complexo e de certa especificidade na área da Psicologia, o conjunto de argumentos trazidos por La Taille acaba implicando importantes subsídios referenciais e de reflexão, tanto para investigadores da área de Educação em Ciência como para o trabalho do professor em sala de aula.

Referências

COMTE-SPONVILLE, A. Petit traité des grandes vertus. Paris: PUF, 1995.

JARES, X. R. Educar para a verdade e para a esperança: em tempos de globalização, guerra preventiva e terrorismos. Porto Alegre: Artmed, 2005.

LA TAILLE, Y. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

LA TAILLE, Y. Formação ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009.

WILLIAMS, B. Vérité e véracité. Paris: Gallimard, 2006.

Júlio César Castilho Razera – Doutorando em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (UNESP, Bauru, SP). Professor do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB, Jequié, BA). E-mail: juliorazera@yahoo.com.br

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Computadores e Linguagens nas aulas de Ciências: uma perspectiva sociocultural para compreender a construção de significados – GIORDAN (EPEC)

GIORDAN, Marcelo. Computadores e Linguagens nas aulas de Ciências: uma perspectiva sociocultural para compreender a construção de significados. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008. 308 p. Resenha de: COSTA, Alberto Luiz Pereira da. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.12, n.03, p.153-156, set./dez. 2010.

Subo uma ladeira contra o vento Volto a esquina e encontro o tempo Já não tem porque correr E fico ali olhando e vendo Revivendo1 Marcelo Giordan em sua obra Computadores e linguagens nas aulas de ciências: uma perspectiva sociocultural para compreender a construção de significados, apresenta um relevante trabalho que ainda hoje foi pouco divulgado pelos pesquisadores do ensino de ciências. Neste trabalho o autor busca indícios sobre questões mediadas a partir de construtos teórico-metodológicos utilizando a perspectiva sociocultural com intuito de analisar as elaborações de significados na sala de aula e suas possíveis interações discursivas com o uso de ferramentas computacionais.

O livro é dividido em oito capítulos em que retratam um programa de pesquisa que vem sendo desenvolvida nos últimos dez anos pelo professor Giordan e seu grupo de pesquisa em Educação em Ciências e Tecnologias Educativas na área de formação de professores pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

No primeiro capítulo discutem-se as questões socioculturais baseada nos estudos de Vigotski e Bakhtin, este capítulo é dividido em duas partes, a primeira parte o autor apresenta uma relação de face a face em sala de aula presencial, com o objetivo de compreender a aprendizagem por meio da fala, do gesto e dos textos escritos. Na segunda parte Marcelo Giordan busca focar suas atividades em um ambiente on-line, em que “as linguagens verbal, escrita e iconográfica são os principais sistemas semióticos empregados” (GIORDAN, 2008, p.

25). Para o autor, a formação do pensamento e da linguagem pode ser articulada para observar como o estudante e o docente interage diante do computador em situações de ensino.

Para reforçar o estudo Giordan (2008), no segundo capítulo apresenta contribuições da Teoria da Ação Mediada, proposta por James Wertsch, que além de inserir a busca pelo sociocultural como responsável pela metodologia também interfere na construção de significados com a mediação do computador.

O pesquisador Giordan descreve que a Teoria da Ação Mediada realizada por Wertsch é uma síntese sobre o pensamento de Vigostski e Bakhtin. Wertsch observa que Vigostski não se dispôs a discutir “conceitos marxistas, como mercadoria, alienação e consciência de classe, preferindo se inspirar nos métodos marxistas de análise e nas proposições sobre a origem social dos processos psicológicos” (GIORDAN, 2008, p. 77). Nesta citação observamos que as questões que Giordan busca apresentar são voltadas para as práticas socioculturais.

O capítulo três tem por objetivo mostrar pesquisas que são desenvolvidas com a presença do computador nas aulas de ciências. O autor fez um estudo sobre as experiências com o uso do computador e da internet. Giordan (2008) apresenta neste capítulo uma breve revisão crítica sobre o uso de ferramentas tecnológicas na educação em ciências, tendo como base os conceitos da Teoria da Ação Mediada. O autor expõe seis formas da utilização do computador na sala de aula de ciências, são elas: linguagem de programação, sistemas tutoriais, caixas de ferramentas, simulação e animação, comunicação mediada por computador, e as dinâmicas das interações diante do computador. Neste momento, Giordan discorre sobre os seis temas por ele apresentado, mostrando com relevância cada uma das seis formas, e como estas podem ser uteis nas aulas de ciências.

Algumas questões técnicas e metodológicas sobre o registro da ação na sala de aula: aplicativos, captação e armazenamento digitais, este é o quarto capítulo da obra em que o autor faz uma apresentação da mediação do computador com referência a dados que foram coletados e posteriormente escritos nos correios eletrônicos.

Questões de tutoria on-line que foi desenvolvida no laboratório de pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP – com parceria com o laboratório de engenharia de software da USP, também fazem parte deste capítulo. Buscando ressaltar as interações discursivas entre os personagens envolvidos no ambiente on-line, o foco são os registros do armazenamento e do tratamento dos dados no Tutorial de Química Orgânica.

No capítulo cinco, o autor discute a linha de pesquisa desenvolvida por ele e seu grupo em que utiliza a “teoria do conhecimento químico, como experimentação, simbologia, natureza particulada da matéria com questões sobre a organização do ensino desde a perspectiva sociocultural e das contribuições da Teoria da Ação Mediada” (GIORDAN, 2008, p. 55). O autor ainda discute a particularidade da Química no que diz respeito às dimensões espaço – temporais das realidades investigadas. Apresenta um projeto de ambiente virtual de aprendizagem, cujo objetivo é representar simulações de experimentação que o grupo de pesquisa em Educação em Ciências e Tecnologias Educativas propôs para a aplicação nas salas de aula do ensino médio.

Já o capítulo seis, tem como objetivo mostrar a introdução da internet em uma comunidade escolar, com a utilização de ferramentas computacionais para contribuir com a formação continuada de professores que lecionam no ensino médio. Segundo Giordan (2008), os ambientes informatizados demonstram como ocorrem as modalidades discursivas por meio da escrita, e os diálogos neste cenário são importantes para as ações dos docentes, e como este elabora significados em sua comunicação nas aulas de ciências.

No capítulo sete Giordan mostra com propriedade a importância da tutoria pela internet, relacionando os aspectos da interação na elaboração de significados com o uso do correio eletrônico. Marcelo Giordan comenta os fundamentos da tutoria, para mediar o conhecimento a ser estudado entre os alunos e o professor/tutor e como o serviço de tutoria pela internet auxilia na orientação no planejamento de tarefas escolares. Neste mesmo capítulo o autor divulga dois episódios ocorridos em sua pesquisa, os episódios envolveram alunos do ensino médio que faziam perguntas sobre o tema de Química por um ambiente virtual de aprendizagem on-line, em que seu professor/tutor deveria sanar suas dúvidas, neste momento a pesquisa esta sendo aplicada na comunidade escolar.

A conclusão é o capítulo oito em que Marcelo Giordan apresenta uma possível investigação com a utilização da Teoria da Ação Mediada, que atribui neste capítulo o nome de Modelo Topológico de Ensino. O autor encerra a obra voltando assinalar a essência que as contribuições da perspectiva sociocultural podem promover para a formação inicial e continuada de professores de Química e Ciências das escolas de ensino fundamental e médio e nos cursos de licenciatura e de extensão que são promovidos pela instituição a qual o autor atua.

Finalizando é um livro que destaca o computador e a linguagem como prática para o desenvolvimento da educação em ciência, relacionando a experiência e o conhecimento em interações on-line. A leitura é recomendada para alunos do curso de ciências em geral, professores, profissionais da educação, pesquisadores e estudiosos em educação, preocupados com as questões do ensino de ciência e as modalidades de ensino por ambientes virtuais de aprendizagem on-line.

Nota

1 Epígrafe extraída do disco de Francis Hime (1978), Se porém fosse portanto.

Alberto Luiz Pereira da CostaMestre em Educação para a Ciência e a Matemática pelo Centro de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Maringá – (UEM/PR). Docente do Projeto de Educação Novo Telecurso. E-mail: albertodacosta@terra.com.br

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Leitura e escrita em aulas de ciências: luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares – ALMEIDA et al (EPEC)

ALMEIDA, M. J. P. M.; CASSIANI, S. e OLIVEIRA, O. B. Leitura e escrita em aulas de ciências: luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2008. Resenha de: DIAS, Ricardo Henrique Almeida. Leitura e escrita em aulas de ciências: luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.11, n.02, p.373-375, jul./dez 2009.

Esse livro possui gênese em recentes pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Ciência e Ensino (gepCE), um dos grupos de pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Tais investigações envolveram atividades escolares relacionadas à temática energética através da prática da leitura e da escrita.

O objetivo do livro é compartilhar com professores de ciências e disciplinas afins, bem como os formadores desses professores nas universidades, algumas experiências vividas pelas autoras como professoras e pesquisadoras na área de educação em ciências.

Elas buscaram repartir com os leitores alguns acontecimentos e reflexões que julgaram significativos no ensino escolar dessa área através de histórias pessoais e coletivas, considerando também que a obra possa servir como suporte de atividades escolares semelhantes às narradas no livro ou como inspiração para registro e divulgação de outras relações de ensino em sala de aula.

O livro conta com diversos episódios de ensino que ocorreram em classes de oitavas série do ensino fundamental em escolas públicas. O foco temático das atividades escolares analisadas no livro se refere à noção de energia, sendo que esse tema foi pensado pelas autoras como um conteúdo de ensino propício à constituição de saberes escolares pertinentes às ciências a partir de aspectos do saber produzidos em diferentes campos científicos, como na biologia, na física, na química e em tecnologias associadas a essas disciplinas. Com esse tópico, elas elaboraram atividades que envolveram a organização de situações favoráveis ao diálogo em sala de aula, ao trabalho prático, à leitura e à escrita. Estas últimas, leitura e escrita, são discutidas pelas autoras dentro de uma perspectiva na qual ensinar a ler e escrever não é privilégio ou dever apenas do professor de português, mas também de outras disciplinas, dentre elas as ciências.

As autoras procuraram evidenciar o funcionamento da linguagem no ensino escolar de determinados conteúdos e elegeram como ponto de partida para o trabalho e para as análises posteriores uma perspectiva discursiva plasmada pela não-transparência da linguagem e pelas condições de produção dos sentidos pelos estudantes. Assim, como subsídio para a elaboração e a análise das atividades, as autoras julgaram pertinente a utilização da análise de discurso iniciada na França com trabalhos de Michel Pêcheux.

Nessa vertente, a linguagem é pensada como efeito de um processo histórico e, assim considerada, dela não se pode esperar a transparência, não sendo possível assumir que haja uma relação direta entre palavras e coisas.

Da análise de discurso as autoras também aproveitaram a noção de autoria, buscando nas interpretações dos estudantes indícios da passagem da repetição empírica, ou “efeito papagaio”, quando o estudante exercita a memória para dizer apenas aquilo que o professor ou o livro já havia dito, para a repetição histórica, quando há incorporação de sentido próprio do aluno com base numa rede de filiações em que sentido, memória e história se entrelaçam. Entre essas interpretações existe uma intermediária: a repetição formal. Nela o estudante conta as mesmas ideias das aulas, mas com suas próprias palavras, em um exercício gramatical que também não historiciza.

Quanto a leitura, as autoras consideram que sem um estudo apropriado e sem uma reflexão mais aprofundada sobre ela na formação inicial ou continuada dos professores muitas vezes ocorre o uso de um modelo de leitura que é baseado naquilo que eles vivenciaram como estudantes. Isso pode ocasionar um espaço restrito para outras interpretações, priorizando apenas um sentido sobre o conteúdo científico e assim silenciando, por exemplo, as interpretações equivocadas que podemos encontrar na história da ciência durante a busca de explicações sobre os fenômenos. Desse modo, os conteúdos são “limpos” dessas interpretações diferenciadas e/ou errôneas do ponto de vista atual e que, na época, faziam sentido e vistas como corretas. As autoras consideram que deixando esses conflitos apagados do ensino de ciências o ato de ensinar pode passar a ser a imposição de apenas uma maneira de ler um texto, sendo que permeados por essas expectativas os alunos podem buscar somente as interpretações que interessam ao professor, pois em outra oportunidade isso será lhe solicitado em uma avaliação. Elas apontam como decorrência desse controle de significados uma possível inibição e um certo impedimento, ocasionando um desestímulo perante a leitura.

Escapando dessa perspectiva as autoras consideram que os sentidos esperados pelo professor devem ser trabalhados como um dos constituintes da produção do texto, levando mais em conta a interação do sujeito com o texto do que propriamente o dizer do autor, pois todo texto pode ser passível de interpretação. Isso tem correspondência na análise de discurso, já que esta considera ser própria da natureza da linguagem a possibilidade da multiplicidade dos sentidos.

Com o objetivo de trabalhar com uma forma mais pessoal da linguagem científica as autoras utilizaram nas atividades de leituras com os estudantes trechos de textos originais de pesquisadores de séculos passados que escreviam em primeira pessoa do singular. Esses textos antigos traziam as interpretações sobre os fenômenos, as dúvidas e incertezas de seus autores, apresentando, muitas vezes, equívocos e conflitos os quais na época eram considerados verdades. As autoras consideram que essas leituras podem possibilitar uma noção de processo, fazendo sentido quando pensadas na época em que foram escritos. Esses textos trazem a voz do cientista num outro momento da história, promovendo um certo entendimento de como a ciência é uma construção humana, portanto sujeita a erros e um produto cultural inacabado.

De acordo com as autoras essa forma de olhar a leitura envolve outros mediadores da linguagem, como a escrita, a experimentação e a discussão, trazendo outros sentidos e vozes dos alunos para um mesmo texto e possibilitando diferentes interpretações. Dessa maneira, a leitura e a escrita quando trabalhadas como mediadores culturais permitem que se possa ter a pretensão de que o estudante tome gosto pelo conhecimento, criando condições para que ele possa continuar a se informar sobre ciências mesmo fora da escola.

Boa leitura a todos!

Ricardo Henrique Almeida Dias – E-mail: ricardo_almeida_diaz@yahoo.com.br

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